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Garantias institucionais de controle do poder democrático.

O poder popular e o governo institucional. O Estado garante como fuição do Estado de Direito. A excessiva formalidade que irracionaliza o processo

Garantias institucionais de controle do poder democrático. O poder popular e o governo institucional. O Estado garante como fuição do Estado de Direito. A excessiva formalidade que irracionaliza o processo

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O título nada mais expressa do que a vontade de se garantir à Constituição meios efetivos para regular e regulamentar o exercício democrático do poder, quer seja como instrumento do Estado (Instituições Públicas ou governo institucional), quer seja como poder popular (democrático e vinculado ao Estado de Direito).

Trata-se do Estado que garante, afirma e busca a preservação, na ótica constitucional e política, da democracia, da república, da Federação, do Estado de Direito e do conjunto dos direitos humanos. Modelo de Estado que também se convencionou chamar de Estado Garante = aquele que oferece garantias ao próprio direito, à defesa, manutenção e manifestação integral (fruição) dos direitos. Em suma, para cada direito haverá uma garantia (institucional) correspondente, a fim de que o próprio direito se manifeste de forma livre.

Nesse contexto, e contando a própria estrutura institucional do Estado de Direito, é correto afirmar que o povo não tem personalidade jurídica, mas, com isso - transferindo a soberania popular ao Estado -, o povo não se desvincula do interesse público, uma vez que afirma sua vontade política coletiva por meio da constituição de um governo soberano e responsável juridicamente pela administração dos negócios e interesses públicos. Portanto, revela-se a própria essência e ânsia da constitucionalização da política, e que será melhor realizada, tecnicamente falando, tanto quanto esse controle de poder for capaz de operar a institucionalização do próprio poder constituinte – o que deverá delimitar a violência em torno da Constituição da República Federativa e Democrática. Em suma, opera-se a passagem da luta política visceral (radical, literal, carnal) à fase da luta institucional (operativa, organizativa, instrumental) em torno do Estado.

O Estado de Direito, por sua vez, deve formular e oferecer os meios necessários a fim de que se confirme a garantia mínima e prévia de que esse estado de coisas não irá retornar (retroagir) a fases anteriores. O Estado de Direito, então, deverá assegurar o status quo em que se encontra o próprio direito no processo civilizatório [1] atual (o nível civilizatório em que o direito e a política se encontram: o estado de coisas em que a legitimidade e a legalidade são definidas pelo Estado e não pelo soberano). Por fim, o Estado Garante, como forma ou fase histórica do Estado de Direito, oferecerá (cada qual de acordo com seu nível de organização institucional) a garantia jurídica necessária de que o governo das leis não cederá às investidas políticas daqueles que representam o governo dos homens. O Estado Garante, portanto, corresponde à fruição do próprio Estado de Direito.

Na prática, infelizmente, e de forma inversa, quando transformamos os recursos de defesa e de garantia dos direitos em verdadeira camisa de força, o que ocorre não é a inversão dos pólos? Por exemplo, alegar erro de forma porque em uma petição de iniciativa popular troca-se o Título de Eleitor pelo RG, negando validade ao requerimento popular, não é tornar irracional o processo que deveria racionalizar o próprio caminho do direito? No popular, é dar um tiro no pé (direito?), pois que se erra completamente o alvo, invertendo os papéis e o significado real: a forma adquire maior importância do que o conteúdo. Nesse diapasão diabólico do positivismo legal, quem sai perdendo é o interesse público. Como se sabe, o conteúdo legítimo de tal requerimento (objeto lícito) é ditado pela própria relevância da ação de iniciativa popular: seria ridículo exigir do povo o domínio técnico acerca do processo político ou jurídico (judicial). Não é o caso de discutirmos aqui a corruptela ou corrupção do provérbio ou artigo de lei, isto é, importa mais a qualidade do que se requer publicamente do que a textura do papel utilizado. A forma acaba sempre definida pelo conteúdo, pois, o contrário, é recurso ideológico – e mesmo que se cite a lei.

Historicamente, a análise é ainda mais simplificada, porque é muito fácil concluir (e exemplificar) que o caminho do endurecimento formal da atividade processual nada mais é do que a negação do direito à revolução: outra aberração jurídica e política também facilmente demonstrada se retomarmos o espírito da revolução presente na França de 89 e nos EUA de 76. O absurdo jurídico é supor que a reserva legal da Constituição é capaz de barrar a condução e o desenrolar do próprio Poder Constituinte. Isto é, se a análise de Hesse e Negri está correta, equivale a negar historicamente que o Poder Constituinte Originário (revolucionário, na acepção mais profunda da expressão) tenha recursos e meios ou reúna instrumental e energia viável para inaugurar um novo direito (uma nova Constituição), nesse novo Estado revolucionário que acabou de nascer após a revolução política e jurídica. No popular, é remar contra a maré, é negar a força inovadora e a dinâmica da história e do próprio direito. O que, por fim, não é sensato, uma vez que tanto a Revolução Americana como a Francesa são produto da realidade histórica e não da ficção jurídica.

Por outro lado, no caso do Estado brasileiro, e de acordo com o que discutimos, de que forma pode-se entender as tentativas de revisão constitucional tendentes a abolir as cláusulas pétreas? Trata-se da ilusão ou da ingenuidade liberal de achar que os direitos fundamentais já estão suficientemente bem protegidos? É o caso de outro tiro no pé – agora no esquerdo? Ou é maldade natural (embrionária) dos asseclas e plantonistas do poder? Dessa forma, o que esperar da chamada ou famosa flexibilização da legislação trabalhista – mais ingenuidade analítica ou ofensiva mal sã do capitalismo?

O mundo tem procurado formas de responder aos atentados aos direitos nobres e fundamentais, indo das passeatas antiglobalização ao simples assassinato de políticos representantes dessas reformas, a exemplo da Itália. Mas, e no Brasil, que tipo de discussão as faculdades de direito, seus professores e alunos têm feito? O cínico dirá: com o fim do direito ao trabalho, resta o direito ao lazer...Mas, e nós, só faremos eco ou temos algo mais a fazer?


Notas

01. O direito é civilizatório por si mesmo, porém, devemos sempre retomar o longo percurso histórico de sua afirmação para definir esse mesmo processo de civilização ou efeito civilizador de que o direito é porta-voz. Por exemplo, a transformação histórica das Leis de punição pessoal (em que se vinga inclusive na família do agressor) às Leis de Talião: fase esta em que já se verifica a idéia da proporcionalidade da pena. Na China, hoje, prende-se um familiar para que o infrator foragido se apresente.


Bibliografia

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.

NEGRI, Antonio. O poder constituinte: ensaio sobre as alternativas da modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.


Autor

  • Vinício Carrilho Martinez

    Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Garantias institucionais de controle do poder democrático. O poder popular e o governo institucional. O Estado garante como fuição do Estado de Direito. A excessiva formalidade que irracionaliza o processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 100, 11 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4230. Acesso em: 25 abr. 2024.