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A indenização pela perda de uma chance aplicada ao Direito do Trabalho

A indenização pela perda de uma chance aplicada ao Direito do Trabalho

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É possível a aplicação da Teoria da Perda de uma Chance às relações havidas entre empregado e empregador, conforme posição da doutrina e dos tribunais pátrios.

SUMÁRIO:1 INTRODUÇÃO. 2 DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. 3 DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE AO DIREITO DO TRABALHO. 4. DA JURISPRUDÊNCIA. 5 CONCLUSÃO 


1 INTRODUÇÃO

A teoria da responsabilidade civil da perda de uma chance é aplicada sobretudo no âmbito do Direito Civil. Porém, a doutrina mais recente tem estendido sua aplicação também ao Direito do Trabalho. O objetivo deste artigo é esclarecer se há a possibilidade da aplicação desta teoria às relações havidas entre empregado e empregador, e qual a posição da doutrina e dos tribunais pátrios sobre o tema.


2 DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

O dano, segundo Pablo Stolze e Pamplona (2003, p. 40), é uma lesão a um interesse jurídico tutelado, patrimonial ou não, causado por ação ou omissão do sujeito infrator. O dano é pressuposto fundamental para a obrigação de indenizar, pois, sem dano, não haverá prejuízo e, consequentemente, não haverá indenização.

Quando ocorre redução patrimonial, o dano é facilmente visível. Em outros casos, porém, a materialização do dano já não é tão simples, como ocorre com os danos morais, e com o dano pela perda de uma chance. A teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance surgiu para assegurar à perda de uma chance a configuração como dano efetivo e, assim, garantir a indenização respectiva.

Mas o que é a perda de uma chance? Segundo Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 74),

Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante.

Ou seja, quando, por fatores alheios à sua vontade, ocorridos por conta de uma ação ou omissão de outrem, alguém é impedido de realizar algo que, talvez, lhe possibilitaria um ganho futuro. É o caso de quem, por conta de um vôo cancelado, perde a chance de realizar uma prova de concurso. Não é possível prever se a pessoa galgaria ou não aprovação, mas somente o fato de perder esta chance já merece ser indenizado.

Há uma discussão doutrinária acerca da natureza jurídica da perda de uma chance. Enquanto parte da doutrina entende que se trata de uma categoria diferenciada de dano, outro segmento tenta encaixá-la como lucro cessante ou dano emergente. Esta discussão não faz parte do objeto teste artigo, apenas interessa ressaltar que, independentemente da natureza da indenização pela perda de uma chance, esta tem sido inequivocamente concedida pelas tribunais pátrios.


3 DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE AO DIREITO DO TRABALHO

Segundo a Constituição Federal, em seu artigo 114, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho. Portanto, sempre que um empregado se sentir lesado por conta de uma atitude de seu empregador, deverá recorrer à Justiça do Trabalho.

Percebe-se que a lei apenas trata de dano moral e dano material. Porém, isto não é impedimento para que um trabalhador seja indenizado pela perda de uma chance ocasionada por ação ou omissão do empregador, decorrente do vínculo de empregado. É dessa forma que tem entendido a doutrina mais recente sobre o tema, e já existem decisões nesse sentido nos tribunais pátrios, como será adiante demonstrado.

Apesar da omissão da legislação trabalhista quanto à indenização pela perda de uma chance, não há óbice para a sua aplicação, posto que a CLT, em seu artigo 8º, permite a utilização subsidiária do direito comum, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais do direito do trabalho.  A indenização pela perda de uma chance se coaduna com os princípios da proteção ao trabalhador e da boa-fé, e não encontra embargos em nenhum outro princípio fundamental do direito do trabalho.

Como ocorre a perda de uma chance no Direito do Trabalho? Um bom exemplo seria o do trabalhador que perde a vaga em um bom emprego por conta da demora do antigo empregador em dar baixa na CTPS. Ou ainda o caso de um trabalhador que pede demissão no seu corrente emprego por ter sido aprovado em processo seletivo de outra empresa com a promessa da contratação, que, porém, nunca se efetivou.

Em ambos os casos é merecida a indenização, posto que, por conta de omissões do empregador, os trabalhadores deixaram de usufruir de reais possibilidades de ganhos patrimoniais. Estes danos não podem deixar de ser compensados, já que decorrentes de ato ilícito.

No Direito do Trabalho, denomina-se “fase pré-contratual” aquela que antecede a formação do contrato de trabalho, sendo o momento das negociações e da análise das propostas. Como se trata de um estudo de viabilidade, esta fase pré-contratual não vincula. Ainda que não haja vinculação, se qualquer das partes romper injustificadamente o processo de negociação que se encontra em andamento, agindo com deslealdade, em havendo dano, haverá também a obrigação de indenizar.

A grande discussão acerca da responsabilidade na fase contratual é se há, ou não, relação trabalhista, condição para que a ação seja julgada na Justiça do Trabalho. Parte da doutrina entende que, como ainda não foi firmado contrato algum, trata-se de responsabilidade civil, de competência da Justiça Comum. A jurisprudência, porém, tem entendido que há o direito à indenização tanto na fase pré-contratual, como na fase pós-contratual.

Segundo Irene Klein (2010, p. 60),

A responsabilidade pré-contratual surge como uma garantia à formação do contrato, pois a relação humana que acontece nos pré-contratos gera uma relação jurídica e, com isso, uma obrigação a ser cumprida. Assim se tem determinada natureza contratual, ou seja, a responsabilidade pré-contratual decorrente de pré-contratações confirmadas por manifestações de vontades juridicamente relevantes que, na verdade, constituem a essência dos contratos.

Portanto, cada contratante defenderá seus interesses buscando um acordo que melhor faça convergir às vontades em questão e que não representem qualquer prejuízo.

Assim sendo, a responsabilidade pré-contratual se enquadra na responsabilidade contratual, pois decorre do ilícito rompimento injustificado praticado por uma das partes envolvidas nas negociações antes da celebração do contrato.

Quanto à mensuração do valor da indenização pela perda de uma chance, Simão de Melo[1], assim discorre:

O que se indeniza não é o valor patrimonial total da chance por si só considerada, como equivocadamente tem se visto na maioria dos pedidos. O que se indeniza é a possibilidade de obtenção do resultado esperado; o valor da indenização deve ser fixado tomando-se como parâmetro o valor total do resultado esperado e sobre este incidindo um coeficiente de redução proporcional às probabilidades de obtenção do resultado esperado. Assim como não deve exigir a prova cabal e inequívoca do dano, mas apenas a demonstração provável da sua ocorrência, a indenização coerentemente, deve ser proporcional à possibilidade maior ou menor de obtenção da oportunidade almejada.

Portanto, quanto maior a probabilidade de obtenção da chance, mais se aproximará a indenização do valor total do resultado esperando, e vice-versa.


4. DA JURISPRUDÊNCIA

Para comprovar todo exposto acima, colaciona alguns importantes julgados dos tribunais pátrios:

PERDA DE CHANCE. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. No campo da responsabilidade civil existe uma construção doutrinária segundo a qual a lesão ao patrimônio jurídico de alguém pode consistir na perda de uma oportunidade, de uma chance de se beneficiar de uma situação favorável ou de evitar um acontecimento desfavorável. Há, aí, um prejuízo específico, desvinculado do resultado final. Como se trata de uma chance, existe, ao lado do prognóstico negativo, também a previsão da ocorrência de um resultado positivo, embora a conduta do agente obste que se conheça o desfecho do caso. Não se podendo garantir o resultado favorável, tampouco se pode vaticinar a obtenção do resultado desfavorável. O dano se evidencia pela perda da chance, sendo tanto mais grave quanto maiores forem as possibilidades em relação a um certo resultado. Exemplos típicos são o do estudante que não consegue fazer uma prova; o da pessoa de carreira promissora, que vem a ser vítima de um acidente; o do cliente cujo advogado não ajuíza determinada ação etc. Nesse caso, não há propriamente dano material, pois se trata de uma hipótese. Se, porém, a conduta do agente lesa os direitos da parte, privando-a da oportunidade de obter os benefícios de uma dada situação, ou de evitar os malefícios de uma outra, essa perda da chance dá lugar a uma compensação, proporcional ao valor da chance perdida." (TRT 3ª Região, Proc. n. 01518-2003-029-03-00-7-RO, Rel. Juiz Sebastião Geraldo de Oliveira. Public. em 06/12/2003).

Esta decisão em destaque, proferida pelo TRT da 3ª Região, em dezembro de 2002, coaduna com tudo o que foi aqui exposto. A indenização pela perda de uma chance tem sido bastante aplicada pelos tribunais.

A seguinte jurisprudência é bastante importante pois trata de um caso em que houve a condenação ao pagamento de indenização pela perda de uma chance à um relação de estágio:

EMENTA: INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. PERDA DE CHANCE. CONTRATO DE ESTÁGIO. Em que pese não se tratar, o caso, de promessa de emprego, mas sim, de estágio, entende-se que houve ofensa ao princípio da boa-fé. Tal princípio traz ínsito um modelo de atitude, exigindo que as partes ajam de acordo com um padrão moral. (Processo: RO 814003520075040008 RS 0081400-35.2007.5.04.0008; Relator(a): MARÇAL HENRI DOS SANTOS FIGUEIREDO; Julgamento: 07/04/2010; Órgão Julgador: 8ª Vara do Trabalho de Porto Alegre) 

Neste caso concreto, o Reclamante alegou que trabalhava como estágio em uma empresa, através do CIEE – Centro de Integração Empresa Escola, ganhado o valor de R$500,00 mensais. Ocorre que, ao participar de processo seletivo em outra empresa, foi selecionado na última etapa, e informado que deveria encaminhar-se ao CIEE para rescindir o termo de compromisso com a primeira empresa, o que foi logo feito. Entretanto, no dia seguinte a rescisão, o gerente distrital desta segunda empresa informou, mediante contato telefônico, que as contratações de estagiários estavam canceladas. Assim sendo, o Reclamante, sem a bolsa do estágio, não conseguiu arcar com as despesas da faculdade e permaneceu todo o ano de 2004 sem frequentar o curso, por conta das dívidas. A decisão, nos termos do voto do relator, entendeu que

[...] houve ofensa ao princípio da boa-fé que remonta à idéia de confiança, levando a uma conduta correta. Tal princípio traz ínsito um modelo de atitude, exigindo que as partes ajam de acordo com um padrão moral. Consoante a boa-fé, devem as partes se comportar de forma leal durante toda a relação mantida, gerando deveres e direitos anexos aos principais. Prescinde-se, desse modo, da consciência do agente a respeito de sua conduta. A boa-fé como fundamento da responsabilidade pré-contratual é a objetiva, definida como um padrão de conduta a ser seguido. Devem as partes se comportar com clareza e honestidade durante todo o “iter” contratual. Desse modo, o princípio da boa-fé incide sobre as relações contratuais fazendo surgir um vínculo obrigacional entre as partes, ainda que o contrato sequer se perfectibilize. (Processo: RO 814003520075040008 RS 0081400-35.2007.5.04.0008; Relator(a): MARÇAL HENRI DOS SANTOS FIGUEIREDO; Julgamento: 07/04/2010; Órgão Julgador: 8ª Vara do Trabalho de Porto Alegre)

Ainda que se trate de estágio, esta decisão é bastante emblemática, pois entende que, ainda que não tenha havido a efetiva formação do contrato de trabalho, ocorrendo dano, este deverá ser indenizado, sendo a competência da Justiça do Trabalho.

Outras decisões importantes sobre o tema:

JUNTADA DE DOCUMENTO NA FASE RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 08, TST. De acordo com o teor da Súmula nº 08 do Tribunal Superior do Trabalho, não se admite a juntada de documentos na fase recursal, ressalvado os casos de justo impedimento ou se referir a fato posterior à sentença.RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DA CHANCE. DANO PATRIMONIAL INDENIZÁVEL. A teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance torna indenizável a probabilidade de obtenção de um resultado legitimamente esperado e que é obstado pela dispensa. Se o reclamante tinha como justa e real a probabilidade de um ganho salarial decorrente de sua promoção ao cargo de vendedor, porque aprovado em processo seletivo interno da empresa, mas viu perdida a chance de conquistar esse resultado em razão de ato ilícito praticado pelo empregador, quando da sua dispensa, manifestamente abusiva e ilícita, faz jus à reparação patrimonial decorrente deste ilícito. Independentemente dos ganhos perdidos, o que se indeniza é o prejuízo consistente na perda dessa oportunidade, a perda da chance real de alcançar a promoção legitimamente esperada. (Processo: RO 1315 RO 0001315; Relator(a): DESEMBARGADORA ELANA CARDOSO LOPES; Julgamento: 06/04/2010; Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA; Publicação: DETRT14 n.064, de 07/04/2011) [grifo nosso]

DANOS CONFIGURADOS. RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL. PERDA DE UMA CHANCE.

Diante das provas trazidas à apreciação, conclui-se que, de fato, houve diversas tratativas entre as partes que apontavam no sentido de uma contratação segura e próxima do recorrente para os quadros de funcionários da recorrida. O que somente aconteceu após 2 (dois) meses, suportando o recorrente, com isso, os dissabores e intempéries advindos de uma situação de desemprego neste período. Provada a conduta, configurados os danos e presente o nexo de causalidade ensejador de responsabilidade civil, outro caminho não há senão a condenação da recorrida a pagar indenização ao recorrente por todos os danos provocados, que deve ser proporcional ao valor da chance perdida. (Processo: RO 3358620115070010 CE 0000335-8620115070010; Relator(a): JOSÉ ANTONIO PARENTE DA SILVA; Julgamento: 27/02/2012; Órgão Julgador: Primeira Turma; Publicação: 06/03/2012 DEJT; Parte(s): ELIZIARIO DA CUNHA LIMA JUNIOR; SEARA ALIMENTOS S.A) 


5 CONCLUSÃO

A Teoria da Perda de uma Chance, proveniente do Direito Civil, possui aplicação também no Direito do Trabalho, para assegurar a reparação de danos sofridos pelo empregador pela perda de uma chance, ainda que na fase pré-contratual.

Por todo o exposto, conclui-se que, havendo dano em decorrência de ato comissivo ou omissivo do empregador, que cause ao empregado a perda de uma chance de realizar determinado evento que poderia trazer um benefício concreto, deverá haver, consequentemente, a condenação ao pagamento de indenização pela perda de uma chance. O valor dessa indenização será proporcional ao valor da chance perdida e à probabilidade da chance se concretizar. Este é o entendimento dos tribunais pátrios.


BIBLIOGRAFIA

CAVALIERI FILHO, S. (2008). Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas.

GAGLIANO, P. S., & PAMPLONA FILHO, R. (2003). Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Atlas.

KLEIN, I. (2010). Indenização pela perda de uma chance no direito do trabalho. Novo Hamburgo.

Oliveira, C. D. (2010). O Direito do Trabalho Contemporâneo - Efetividade dos Direitos Fundamentais e Diginidade da Pessoa Humana no Mundo do Trabalho. São Paulo. 


Nota

[1] Indenização pela perda de uma chance. http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1785. Acesso em 23 de setembro de 2015. 


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