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Argumento a fortiori

Argumento a fortiori

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O presente artigo busca analisar o que é um argumento a fortiori

 

 

O argumento a fortiori é também chamado de argumento a minori ad maius. É um argumento tipicamente jurídico, de origem latina, e sua melhor expressão talvez esteja no brocardo “quem pode o mais, pode o menos”. Esse argumento se baseia numa espécie de analogia, semelhante ao argumento a pari, a diferença está em que não se apontam as duas hipóteses como simplesmente análogas, mas se afirma que a hipótese proposta é uma forma “maior” da hipótese paradigma. Assim, o argumento a fortiori trabalha com uma ponderação de valores, relacionando duas hierarquias: a hipótese-proposta, para a qual se quer a aceitação do auditório, é dada como uma forma mais “ampla”, “maior”, mais “grave” ou mais “evidente” da hipótese-paradigma, que se sabe previamente aceita pelo auditório. Não é, portanto, um argumento puramente lógico, mas sim axiológico (que pondera valores).

  A fortiori significa “com razão mais forte”. O argumento a fortiori pode sempre ser resumido numa fórmula como esta: se a solução X é adequada para o caso Y, com maior razão deve ser também adequada para o caso Z, que é uma forma mais grave (ou mais evidente, ou mais ampla, ou mais intensa, ou maior) de X.

  Do menor se deduz o maior, do menos evidente se deduz o mais evidente. Por exemplo: se a negligência deve ser punida, a fortiori deve ser punido o ato premeditado. Se a prova testemunhal foi aceita, a fortiori deve também ser aceita a prova documental. Se a oferta de contestação na data da audiência do procedimento sumário afasta a revelia, a fortiori a entrega da contestação em cartório, antes dessa data, também a afasta.

  Com frequência se argumenta a fortiori na análise da credibilidade dos testemunhos, com base na frase bíblica “quem é infiel no pouco, também o é no muito”. Por exemplo: estando demonstrado que a testemunha X mentiu sobre a cor do carro acidentado, a fortiori também não merece crédito quanto à culpa na causação do acidente.

  Para alguns estudiosos o argumento a fortiori seria um gênero, no qual se destacariam duas espécies: o argumento a minori ad maius e o argumento a majori ad minus. Como exemplo do primeiro caso, atente-se na seguinte passagem: se uma lei prescreve que não se pode trafegar de noite com os faróis do veículo apagados, a fortiori deve-se entender que é proibido trafegar de noite com um veículo sem faróis. Se a lei proíbe o menor, evidentemente deve proibir o maior. Quanto ao segundo tipo, seu funcionamento resume-se na expressão quem pode o mais pode o menos.

  A expressão latina A minori ad maius é uma forma de argumentação jurídica que estabelece que o que é proibido ao menos é, necessariamente, proibido para o mais. É um tipo de argumento que se insere na argumentação a fortiori, juntamente com os raciocínios do tipo a majori ad minus, que é o seu inverso, estando também relacionado com o processo a simili. É utilizado para a interpretação extensiva da lei, isto é, para casos não contemplados diretamente na lei, mas que se podem inferir utilizando este raciocínio. A expressão pode aplicar-se, de um ponto de vista positivo, ao sujeito (se um chimpanzé é capaz de reconhecer formas geométricas, mais facilmente o fará um ser humano, que tem mais capacidades cognitivas), ao predicado (se é proibido andar de mota com duas pessoas, logo, é proibido andar com mais de duas pessoas) ou aos dois, simultaneamente (se o rei tenta ser justo em todos os seus atos, é lícito pedir aos seus vassalos que cumpram a lei).

  O argumento a majori ad minus parte da premissa de que a solução ou regra aplicável ao todo é também aplicável às suas partes. Busca, assim, demonstrar que a hipótese-proposta é parte, fragmento, excerto, fração ou forma menor da hipótese-paradigma, cuja solução se sabe previamente aceita pelo auditório. Ou, em outras palavras, o argumento a majori ad minus defende que a regra que impõe ou exige o mais também exige ou impõe o menos. É, também, um argumento axiológico. Para alguns, é subespécie do gênero a fortiori. Não há, mesmo, como não reconhecer a similitude entre este argumento e o a minori ad maius: são como duas faces da mesma moeda, porque usam a mesma forma de raciocínio, partindo de pontos opostos (o menor ou o maior).

  Exemplos de argumentação a majori ad minus: se X foi condenado criminalmente pelo fato, então também deve responder civilmente pelas consequências do fato; se o fiador é responsável pelo pagamento do principal, então não pode deixar de pagar também os juros; se o contrato incluía a venda da casa, não há como se excluir do negócio o equipamento de energia solar que a guarnecia. A regra “o acessório acompanha a sorte do principal” é boa expressão do argumento em exame.

  A fortiori é o início de uma expressão latina — a fortiori ratione — que significa "por causa de uma razão mais forte", ou seja, "com muito mais razão". Indica que uma conclusão deverá ser necessariamente aceita, já que ela é logicamente muito mais verdadeira que outra que já o foi anteriormente. Traduz-se mais ou menos como "se aceitamos a verdade daquilo, então mais razão temos de aceitar a verdade disto". Por exemplo:

        — Se, como proclamam habitualmente as Constituições, todos são iguais perante a lei, podemos esperar que, a fortiori, todos também sejam iguais perante a Administração Pública. 

       — Hotéis, supermercados, centros comerciais e até hospitais vêm sendo condenados a indenizar os proprietários de veículos furtados em suas dependências; as empresas que exploram o estacionamento pago devem, a fortiori, responder por qualquer dano que ocorra nos carros sob sua guarda. 

      — Nos estados dos EUA em que a pornografia é considerada ilícita, a pornografia infantil é, a fortiori, proibida e punida severamente pela lei. 

  Fala-se, em Lógica, no "argumento a fortiori", montado sobre uma relação semelhante à descrita acima: uma vez definida ou estabelecida uma conclusão geral, estamos estabelecendo ao mesmo tempo uma conclusão mais restrita, nela contida, cuja validade não é necessário demonstrar.

 

  Ad hominem

  A expressão latina significa, literalmente, contra o homem. Incide no sofisma ad hominem o argumento que repele a tese-ideia-argumento de outro, com base em qualidades ou condições especiais dessa pessoa, sem considerar as validade ou invalidade do seu argumento. Ao invés de se enfrentar o argumento do adversário, ataca-se a pessoa do adversário. Ataca-se o homem e não a ideia. Ou, por outro lado, há sofisma ad hominem quando se pretende sustentar a própria tese com base nos predicados e respeitabilidade do orador, e não na razoabilidade da tese mesma. Busca-se, em suma, convencer o auditório não pela força das ideias, mas pela simpatia ou antipatia por quem as defende ou representa. Assim, argumenta ad hominem quem busca desqualificar a tese adversária fazendo ataques pessoais ao caráter do opositor. E também argumenta ad hominem quem sustenta a validade de sua tese escorando-a na própria honorabilidade ou respeitabilidade, ou na respeitabilidade de outros seus defensores (espécie de argumento ab auctoritatem). Esse argumento é o mais frequente na retórica política. 

  Toda vez que se postula a condenação de um réu com base nos seus maus antecedentes, argumenta-se ad hominem. Da mesma forma, quando se sustenta a inocência de alguém com base no seu passado imaculado e boa conduta familiar e profissional está-se recorrendo ao argumento ad hominem. A tese – culpa ou inocência – é deixada em segundo plano, enquanto se discutem qualidades da pessoa, que não são relacionadas com a tese.

 

Bibliografia:

 França, R. Limongi. Hermenêutica Jurídica, Saraiva.

Aristóteles. Arte Retórica e Arte Poética.

Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca.A Nova Retórica(1996)

Introdução à Retórica, Oliver Reboul, editora Martons Fontes



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