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Do consumidor equiparado a bystandard

Do consumidor equiparado a bystandard

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Do consumidor "Bystandard"

Muito já foi falado sobre o consumidor, que é a parte mais fraca da relação de consumo, que é hipossuficiente, carente e vulnerável. Na realidade, definir consumidor é tarefa das mais árduas, pois o legislador pátrio usou uma variedade de enfoques frente à realidade vivida pelo indivíduo que adquire bens / serviços enquanto enquadrado num contexto econômico e social, tornando possível uma grande abrangência do termo.

O consumidor é assim definido no CDC, de acordo com o art. 2º:

"Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".

Esta definição por sua amplitude, conforme mencionada, trouxe uma série de indagações, muitas das quais continuam sem resposta, ou melhor, têm diferentes respostas dependendo da corrente teórica seguida pelo doutrinador.

No artigo2º, o código define aquele que seria o consumidor standard ou strictu sensu, ou seja, aquele que adquire para seu consumo, sendo o destinatário final do produto.

Nosso interesse aqui, entretanto, não se prende à noção de delimitarmos quem é o consumidor no entender da Lei 8.079/90, Código de Defesa do Consumidor, mas sim tratarmos de um outro tipo de consumidor, isto é, o"bystandard", ou, conforme o CDC, aquele que é equiparado a consumidor.

A norma consumerista equiparou terceiros a consumidores, como nos arts.2º§ único, arts. 17 e 29.

Vejamos, então:

ART. 2º, § único "Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que hajam intervindo nas relações de consumo."

ART. 17 ‘’ Para os efeitos desta Seção, que cuida da responsabilidade dos fornecedores pelo fato do produto e do serviço, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento."

ART. 29 "Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas".

Desta forma, o CDC reconhece outras pessoas como consumidoras: a pessoa física como a jurídica e até mesmo a coletividade de pessoas. Assim, se qualquer destas pessoas adquirir ou utilizar produto ou serviço como destinatária final, isto é, retirando o produto do mercado e encerrando o processo econômico, a cadeia que se estabelece desde a produção até o consumo, será considerada consumidora.

O CDC, então, deixou de lado uma visão clássica do consumidor, trazendo uma perspectiva mais ampla de inclusão neste rol daqueles como tal "equiparados",bastando que se tenha claro os arts. 17 e 29 do cito código para que se compreenda o sentido amplo do vocábulo consumidor.

Mas o que seria esta EQUIPARAÇÃO? Estariam todas as situações de consumo amparadas pelo CDC?

No entender da doutrina, esta equiparação ocorrerá todas às vezes, que as pessoas mesmo não sendo adquirentes diretas do produto ou serviço, utilizam-no, em caráter final, ou a ele se vinculem, que venham a sofrer qualquer dano trazido por defeito do serviço ou produto.

Estas, que poderão ser tanto pessoas físicas ou jurídicas, e, que de acordo com a doutrina estrangeira são os BYSTANDERS, poderão ser amparadas pelo CDC, INCLUSIVE PLEITEANDO INDENIZAÇÕES, pois todos serviços/produtos devem ter segurança, não só para quem diretamente o usa, mas para o público em geral, dentro do princípio que segurança é direito de todos e dever daquele que os coloca no mercado.

Todas estas citadas no at. 17, vítimas do acidente de consumo, desde que tenham sofrido qualquer tipo de dano inclusive moral, podem basear-se na responsabilidade objetiva do fornecedor. Como exemplo podemos citar a explosão do Shopping de Osasco, em 1966, que causou a morte de dezenas de pessoas além de ferimentos em tantas outras. Evidentemente, se o Shopping estivesse fechado, não haveria como se caracterizar uma relação de consumo, não podendo as regras do CDC serem aplicadas, por conseqüência.

No art. 29, o CDC confere um alargamento ainda mais amplo do conceito consumidor ao colocar a expressão ‘‘todas as pessoas". No dizer de Senise [1] o legislador conferiu a defesa dos direitos de todos, consumidores por definição ou não, e não apenas da coletividade de consumidores.

Conclui-se, então que são equiparados a consumidor todos aqueles que estão expostos à prática comerciais, da mesma forma que aqueles que por qualquer circunstância venha a sofrer dano devido ao mau funcionamento do produto ou do serviço contratado.

Quanto à RESPONSABILIDADE, esta é OBJETIVA e SOLIDÁRIA entre todos aqueles que integraram a cadeia de consumo.

É muito importante que se saliente o sentido social do CDC.

No dizer de Filomeno [2] "o parágrafo único do art. 2º trata não mais daquele determinado e individualmente considerado consumidor, mas de uma COLETIVIDADE DE CONSUMIDORES, sobretudo quando INDETERMINADOS, que tenham intervindo numa relação de consumo".

Segundo este raciocínio, o Código de Defesa do CONSUMIDOR, teve uma preocupação com a UNIVERSALIDADE, CLASSE OU GRUPO, CATEGORIA que se alguma forma está vinculada ao produto ou serviço existindo um interesse voltado à prevenção, evitando o consumo de produtos nocivos ou perigosos, trazendo benefícios à toda comunidade de consumidores; ou, se o dano já estiver efetivado pelo consumo, a garantia jurídico-processual conferida pelo CDC ( vide arts. 8º e ss, e 81 e ss). Tratam-se dos interesses ou direitos difusos, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por situações de fato (art. 81, § único, inc. I).

No inc II., o CDC vai tutelar os interesses ou direitos coletivos, também de natureza transindividuais e indivisíveis, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; e, no III, os interesses ou direitos individuais homogêneos, isto é, aqueles que têm origem comum.

Assim, o CDC viabilizou a defesa de todos os que participam das relações de consumo, tanto de forma preventiva como repressivamente, através de órgãos legitimados para tal como Procons, Ministério Público,etc.

Imagine-se, a guisa de ilustração, uma lotação de empresa de transporte coletivo, devidamente regularizada, que cause lesão aos seus passageiros depois de colidir com uma escola, ferindo várias crianças que nela se encontravam.

Temos que, o fato que causou a lesão aos passageiros foi o mesmo que causou a lesão nas crianças. Está claro que os passageiros lesionados são tidos como consumidores, e podem valer-se do CDC, na intenção de responsabilizar o fornecedor, que é a empresa de transporte coletivo, pelos danos que causou, usando a responsabilidade objetiva.

Vem a pergunta imediata; e as crianças?

A princípio não seriam consumidoras, porque não estavam se utilizando do transporte coletivo, assim, não estão sob a tutela do CDC por não fazerem parte da relação de consumo.

Mas, conforme afirmado, o acidente que causou a lesão nos passageiros foi o mesmo que lesionou as crianças, que por sua vez estavam tranqüilamente na escola. Percebe-se que há um peso e duas medidas, isto é, não havendo justiça nesta assertiva!

Assim, o CDC englobou estas pessoas, no caso as crianças, como vítimas de um acidente de consumo, o que significa dizer que elas foram vítimas de um serviço defeituoso, que expôs a vida humana em risco, daí o critério ex vi legis, que equipara tais pessoas a consumidor, estendendo a proteção do CDC a elas. [3]

O CDC vai mais além na equiparação de consumidor, em seu art 29, englobando todas as pessoas expostas à oferta, à publicidade, às práticas comerciais abusivas, além das vítimas de acidentes de consumo.

Para Antonieta Maria Zanardo Donato, [4]as práticas comerciais são técnicas, meios usados pelo fornecedor para comercializar, vender, oferecer seu produto ao consumidor potencial, atingindo assim aquele que é pretendido como destinatário final (consumidor/ adquirente). Estariam, então, abrangidas pelo CDC desde a oferta do produto até sua cobrança, isto é, da pré à pós venda.

Há, no dizer da doutrina, uma preocupação do CDC com "terceiros" nas relações de consumo, protegendo os bystandarders, ou seja, aquelas pessoas que embora estranhas à relação de consumo propriamente dita, sofreram prejuízo em razão dos defeitos intrínsecos ou extrínsecos do serviço/ produto. [5]

O 40º Congresso do Consumidor em Gramado-RS, em seu item 7, aprovou de forma unânime, que a Convenção de Varsóvia e o CBA, Código Brasileiro de Aeronáutica não foram recepcionados pela CF quanto à limitação da responsabilidade civil por acidentes de consumo (vícios de qualidade por insegurança), por entender que seus dispositivos contrariam à ordem pública constitucional brasileira, já que o quantum máximo nestes estatutos são apenas valores simbólicos, que não traduzem a indenização pelos danos. [6]

É de constatar, também, que muitas vezes o consumidor não só é afetado fisicamente, mas sofre também problemas de ordem psicológica que precisarão de tratamento e/ ou acompanhamento.

Para que a questão fique bem definida, convém que conceituemos o que é relação de consumo, vez que antes de conceituarmos consumidor/fornecedor, mister se faz que se observe se aquela situação será regulada ou não pelo CDC.

Segundo Senise [7], relação de consumo é o vínculo jurídico dotado de características próprias sobre o qual incide o microssistema denominado Código de Defesa do Consumidor, e continua, "o Código regula a relação de consumo e não apenas o" contrato de consumo", "o ilícito do consumo" ou o "ato do consumo".

Nesta relação deverão estar presentes os elementos subjetivos ( fornecedor e consumidor, pólos da relação) e o objetivo, que vem a ser o produto ou serviço, todos eles ao lado da causa, indispensável na análise do caso em concreto.

Temos então que analisar o fato, antes de dizer se este será ou estará sob a égide do CDC, vez que’’ só será possível falar de equiparação, qualquer que seja ela, (a da coletividade de pessoas do art. 2º; a da vítima do evento do art. 17 e da totalidade das pessoas expostas às práticas do fornecedor, art. 29), se houver um consumidor na relação jurídica que seja alvo da equiparação". [8]

Conclui-se daí, ser primordial a verificação da existência da relação de consumo, antes de qualquer coisa, pois somente quando ela estiver presente, não importando de que forma, é que se poderá fazer uso desta legislação, que, sem dúvida, além de ser mais abrangente recebeu elogios de toda doutrina estrangeira que consagra o nosso Código como sendo dos mais atuais e importantes.


NOTAS

01. Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo, pgs. 164 e ss

02. José Geraldo Brito Filomeno, Manual de direitos do Consumidor, pgs. 44e ss.

03. http//www.direitodoconsumidor

04. Maria Zanato, Proteção ao Consumidor;Conceito e Extensão, pg. 263

05. Zelmo Danari,, Código de defesa do consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto, pg. 163

06. apud PlinioLacerda Martins, em O conceito de consumidor no direito comparado, pg. 7

07. Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade civil nas relações de consumo, págs. 121 e ss.


BIBLIOGRAFIA ;

Filomeno, José Geraldo Brito, Manual de direitos do Consumidor, São Paulo, Edit. Atlas, 5ª edição, 2001

Grinover, Ada Pellegrini e outros; Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto; Rio de Janeiro, Edit. Forense Universitária, 4ª edição, 1966

Gonçalves, Carlos Roberto, Responsabilidade Civil, São Paulo, Edit. Saraiva, 8ª edição, 2003

Senise, Roberto Lisboa, Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo, São Paulo, Edit. Revista dos Tribunais, 2001

http//www.direitodoconsumidor


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RETTMANN, Solange. Do consumidor equiparado a bystandard. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 88, 29 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4338. Acesso em: 19 abr. 2024.