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Jurisprudência defensiva:análise crítica

Jurisprudência defensiva:análise crítica

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Este artigo tem por finalidade analisar o instituto da Jurisprudência Defensiva, uma das medidas adotadas pelos tribunais (especialmente, os superiores) para dirimir os problemas que o judiciário vem enfrentando.

I- INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por finalidade analisar o instituto da Jurisprudência Defensiva, uma das medidas adotadas pelos tribunais (especialmente, os superiores) para dirimir os problemas que o judiciário vem enfrentando, quais sejam: a morosidade processual e o abarrotamento de demandas emperrando a máquina judiciária. Discorreremos sobre o conceito, fundamento e origem, a necessidade de sua criação, bem como, as consequências e prejuízos ao recorrente.

Analisaremos um clássico exemplo de jurisprudência defensiva com os respectivos comentários do grupo numa abordagem crítica e simples, consubstanciada em jurisprudências, bem como as respectivas divergências doutrinárias quanto ao tema em questão.

Discorreremos sobre o princípio do duplo grau de jurisdição que é o supedâneo do direito ao recurso, ínsito no nosso sistema Constitucional. Explicaremos sobre os recursos, seus objetivos e requisitos de admissibilidade e tempestividade e os princípios que o regem correlacionando-os sempre com o tema proposto.

E para finalizarmos abordaremos sobre o recurso prematuro que é o exemplo utilizado a título de ilustração ao tema proposto. Conceituaremos e abordaremos as divergências doutrinárias mostrando a opinião de grandes doutrinadores do direito sem perder de vista a posição adotada pelos Superiores Tribunais e Tribunais de segunda instância.

Em seguida apresentamos a conclusão que trará o posicionamento adotado pelo grupo na relevância ao tema.

II- DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

O instituto do recurso sempre vem correlacionado com o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição, este, por sua vez, está ínsito em nosso sistema constitucional, inexistindo texto expresso na Constituição sobre o mesmo. Sua identificação no bojo das disposições constitucionais decorre do processo interpretativo, este, advém do princípio máximo do Devido Processo Legal (artigo 5º, LIV, CF) e da Inafastabilidade do Poder Jurisdicional (artigo 5º, XXXV, CF), consistindo na possibilidade de se provocar um reexame, através de novo julgamento proferido por órgão hierarquicamente superior, da matéria decidida pelo juízo a quo. Esta reapreciação se justifica quando é reconhecida a falibilidade humana, e, dessa forma, a possibilidade do equívoco do julgador originário, podendo este interpretar de forma errada as normas jurídicas e os fatos narrados, assim como avaliar equivocadamente as provas colacionadas, conduzindo um injusto ou ilegal julgamento. Dessa forma, revelaria arriscado atribuir a um único juiz a capacidade de decidir de maneira definitiva, destituindo-se a possibilidade de questionamento sobre tal deliberação e sua correspondente fundamentação.

Pode-se dizer também que o reexame cessa a possibilidade de que sejam perpetuadas decisões proferidas com parcialidade, abuso e arbitrariedade, servindo, portanto, de instrumento hábil a evitar eventual despotismo do julgador. Assim, é protegido o próprio Estado de Direito.

Este princípio dedica-se à correção de eventuais falhas cometidas pelo juízo a quo em suas decisões, fomentando uma prestação jurisdicional mais equânime e justa. Nelson Nery Jr. ressalva que o seu objetivo é fazer adequação entre a realidade no contexto social de cada país e o direito à segurança e à justiça das decisões judiciais, que de acordo com a Constituição Federal, todos possuem.

Todo homem pode insurgir contra toda decisão que lhe seja desfavorável, verificando-se também, no plano processual, onde há a necessidade psicológica do vencido buscar novo julgamento que possa lhe conferir eventualmente, satisfação. Sendo que, o vencido nem sempre estará convencido. Porém, mesmo em segundo grau de jurisdição há o cometimento de erros e injustiças, não devendo ser levada a cabo a intuição genuína de que, em razão da experiência mais vasta e da hierarquia superior, a segunda instância necessariamente proferirá decisão mais correta.

Apesar de o princípio supracitado estar relacionado à ideia de reapreciação por instância superior, devido a ausência de previsão constitucional que imponha necessariamente o reexame por órgão superior, alguns recursos não terão a apreciação submetida ao segundo grau de jurisdição, mas sim, ao próprio órgão prolator do julgamento recorrido, como por exemplo, nas sentenças proferidas em execução de valor igual ou inferior a 50 ORTN, conforme o art. 34 das Lei nº 6.830/80, bem como nos embargos de declaração.

A Constituição Federal traz um modelo constitucional de processo consolidado nos princípios do Contraditório, da Ampla Defesa, da isonomia, da inafastabilidade da tutela jurisdicional, dentre outros, que permitem a construção de um procedimento jurisdicional legítimo que possibilita um resgate discursivo das razões de cada decisão judicial, assegurando a correção da falibilidade do processo.

O Duplo Grau de Jurisdição estabelece a existência de duas instâncias: inferior e superior. A primeira instância é formada no juízo que se inicia a demanda, perdurando desde a citação inicial até a sentença, sendo, dessa forma, o decurso da lide que originariamente conhece e julga a causa, dizendo juiz de primeira instância e decisão de primeira instância, que corresponde ao juízo a quo. A segunda instância é a que o tribunal toma conhecimento da causa já em grau de recurso, e corresponde ao juízo ad quem, em prosseguimento à instância a quo.

O sistema recursal apoia-se na necessidade de permitir ao litigante não satisfeito com a resposta oferecida ao Estado a possibilidade de ouvir uma segunda voz, perante a falha do julgador, sendo este, portanto, passível de erros. Tal possibilidade de interposição de recursos é a chamada de garantia do duplo grau de jurisdição. De acordo com Nelson Nery Jr., a garantia supracitada decorre da constante preocupação em evitar-se o abuso de poder, além dos erros decorrentes da falibilidade dos juízes.

Segundo Amaral Santos, a possibilidade do reexame recomenda ao juiz inferior maior cautela na elaboração da sentença e o estímulo ao aprimoramento de suas aptidões funcionais, como título para uma ascensão nos quadros da magistratura. O órgão de grau superior, pela sua maior experiência, se acha mais habilitado para reexaminar a causa e apreciar a sentença anterior, a qual, por sua vez, funciona como elemento de freio à nova decisão que se vier a proferir. Dessa forma, a doutrina do jurista mencionado reforça mais ainda o entendimento de ser o duplo grau de jurisdição necessário no ordenamento jurídico para sustentar até mesmo a necessidade de maior cuidado e zelo na elaboração das sentenças e decisões judiciais.

“O recurso é meio voluntário, idôneo a ensejar dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna.” (José Carlos Barbosa Moreira)

Há uma discussão em relação à natureza jurídica do recurso, sendo que alguns doutrinadores qualificam como uma ação distinta e autônoma em relação àquela em que se vinha exercitando o processo. Porém, a corrente majoritária define o poder de recorrer como simples aspecto, elemento ou modalidade do próprio direito de ação exercido no processo. Ele pode ser também um ônus processual, visto que a parte não está obrigada a recorrer do julgamento que a prejudica. Mas, segundo Humberto Theodor Júnior, se o vencido não o interpuser, os efeitos da sucumbência consolidam-se e se tornam definitivos. Desta forma, há um direito do recorrente na reanálise da demanda proposta, havendo um ônus do Tribunal julgador do recurso em reanalisar a decisão em seu conteúdo.

A Constituição Federal prevê uma estrutura hierarquizada do Poder Judiciário e assegura expressamente dois recursos: Recurso Extraordinário (art. 102, III da CF) e Recurso Especial (art. 105, III da CF).

III- NOÇÕES GERAIS SOBRE RECURSOS

Várias são as possíveis definições conceituais de Recurso no universo jurídico . O mais praticado pela doutrina é o conceito do mestre Barbosa Moreira que define esse instituto como “meio voluntário, idôneo a ensejar dentro do mesmo processo a reforma, invalidação, esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna”. Nelson Nery procura definir o recurso em sentido amplo, e diz que o mesmo é um “remédio processual que a lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público ou de um terceiro, a fim de que a decisão judicial possa ser submetida a novo julgamento, por órgão hierarquicamente superior”. Nas palavras de José Frederico Marques: “recurso é o poder que se reconhece à parte vencida em qualquer incidente ou no mérito da demanda de provocar o reexame da questão decidida, pela mesma autoridade judiciária, ou por outra de hierarquia superior.” Um último conceito de recurso a ser mencionado em nosso trabalho, é o de Gabriel Rezende Filho: “recurso é todo meio empregado pela parte litigante a fim de defender o seu direito” Tal autor busca no aspecto psicológico o fundamento do direito de recurso, pois em sua concepção o recurso corresponde a uma irresistível tendência humana, ou seja, o recurso seria o resultado da reação natural do homem em face ao seu inconformismo e seria também a possibilidade de corrigir erro ou má fé do julgador.

O Código de Processo Civil em seu artigo 162 nos traz que apenas os atos do juiz é que cabem recurso. Mas nem todos atos. A lei menciona que os atos do juiz são : sentenças, decisões interlocutórias e despachos. Todos esses atos se encontram na categoria de atos decisórios, porém nenhum recurso será interposto dos despachos, quais sejam, atos que não possuem qualquer carga decisória. Tal medida visa a celeridade processual e não entravamento do processo. Nesse sentido os recursos admissíveis são:

No primeiro grau de jurisdição : apelação, agravo, embargos de declaração. Para as decisões de segundo grau: agravo contra despacho de relator que indefere embargos infringentes, agravo contra o indeferimento de agravo de instrumento pelo relator, agravo nos próprios autos contra o despacho denegatório do recurso extraordinário e do recurso especial e agravo interno contra as decisões singulares do relator, nos casos dos arts.557 e 544 parágrafo 4º. No tocante aos acórdãos dos tribunais, as recursos cabíveis são: embargos infringentes, embargos de declaração , recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo Tribunal Federal, recurso especial, recurso extraordinário e embargos de divergência no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça.

Uma vez que já apresentamos aqui definições conceituais de recurso e espécies de recursos cabíveis em nosso ordenamento, é de suma importância para o entendimento do nosso trabalho desenvolver a ideia conceitual de recurso no entendimento de Barbosa Moreira. O ilustre autor, ao definir recurso invocou alguns pontos essenciais para o Processo Civil. O primeiro desses pontos diz respeito a voluntariedade. Ora, se o recurso é meio voluntário não há que se falar em obrigatoriedade de interposição do mesmo. A parte não é obrigada a recorrer, a via recursal é uma faculdade , um ônus que possibilita uma decisão melhor. Porém, se a parte não recorre há incidência da decisão já proferida, o que acarreta dizer que a recorrente prejudicada pela jurisprudência defensiva, tem a negativa a efetiva insatisfação com a tutela prestada, visto que arcou com o ônus do recurso voluntariamente. O segundo ponto a ser abordado no conceito é a endoprocessualidade que traz que recurso é um meio de decisão judicial dentro do próprio processo onde a decisão foi proferida, o que significa dizer que o recurso nada mais é do que a extensão ao Direito de Ação prestado ao jurisdicionado pelo juízo a quem.

O próximo ponto refere-se aos objetivos do recurso, que são : reformar, invalidar, esclarecer, integrar. Reformar significa inverter a sucumbência, ou seja, alterar o resultado do julgamento. Essa alteração só pode acontecer se existir um erro no julgamento, erro do magistrado na atividade jurisdicional, casos em que o magistrado inobserva comandos de direito material, ou seja a não prestação pelo órgão superior pode gerar a supressão de uma correção material necessária. Invalidar é o mesmo que nulificar. A invalidação é decorrente de um erro de procedimento, erro na condução do processo, ocorre quando o magistrado conduz a relação processual violando normas de conteúdo processual, denota que com a incidência da jurisprudência defensiva poderá acobertar uma aberração processual. Esclarecer é simplesmente tornar claro algo obscuro ou contraditório na sentença, a negativa poderá resultar no não entendimento da decisão e consequentemente a não satisfação do direito material do autor, ou em alguns casos do próprio réu. Integrar seria completar decisão omissa, a pena aqui seria a mesma que a da negativa do esclarecimento da decisão impugnada.

A jurisprudência defensiva viola especialmente dois princípios da teoria geral dos recursos, são eles: Princípio da Fungibilidade, que prevê a substituição de um recurso por outro. Exemplificando: a parte interpõe um recurso inadequado para aquela situação jurídica, em que deveria interpor apelação, mas interpõe agravo, situação que pode ocorrer perfeitamente nos casos de exclusão de litisconsorte passivo facultativo, devido as alterações no conceito de sentença trazidas pela Lei de Execuções (critério do conteúdo x critério da finalidade, sendo superados com a adoção do conceito sintético do Professor Nelson Nery). Se preencher os requisitos de admissibilidade corretos, o recurso será conhecido como o correto, baseado no princípio da fungibilidade dos recursos. Observa-se que nem todas situações comportam substituição, exige-se que a dívida aflija não o ignorante processual, mas também, e principalmente,  a comunidade jurídica como um todo, especialmente os grandes processualistas.

Além disso é necessário que a interposição seja feita no menor prazo entre os recursos em dúvida. A fungibilidade se justifica à luz do princípio da instrumentalidade das formas (arts. 244, 249, parágrafo 1º, 250, todos do CPC). Portanto, a incidência da jurisprudência defensiva infringe indiretamente esse princípio que visa justamente permitir ao julgador a flexibilização das formalidades, para que não haja prejuízo ao jurisdicionado, permitindo-se inclusive que, a aplicação do princípio independa da provocação da parte, ou seja, pode ser aplicado de ofício.

Outro princípio violado é o da Legalidade Estrita, visto que a jurisprudência defensiva cria requisitos para afastar a tutela recursal, e quem o faz não é nem ao menos o legislador, (salvo na EC 45 que incluiu a exigência da repercussão geral, para a interposição do Recurso Extraordinário).Para melhor entendimento de tal observação, é necessário dizer que mesmo não havendo uma hierarquia entre os princípios, esse é um dos mais valiosos de todo o ordenamento jurídico mormente para essa ciência . É o principio mais fundamental de defesa do cidadão frente ao Estado. O princípio da legalidade está diretamente relacionado a obediência da lei. O art. 496 CPC traz que “só lei federal pode criar recurso”.

No que tange a admissibilidade, os recursos pressupõem alguns requisitos. Segundo Barbosa Moreira, tais requisitos ou pressupostos, dividem-se em dois gêneros, os requisitos intrínsecos (cabimento, legitimação para recorrer e interesse recursal), que dizem respeito à decisão recorrida e ao poder de recorrer, e dos requisitos extrínsecos (tempestividade, regularidade formal, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e o preparo), relacionam-se a fatores externos da decisão recorrida e às formalidades inerentes ao ato recursal. Após análise destes requisitos, sendo verificada a presença de todos eles, o órgão julgador procederá ao juízo de admissibilidade positivo e passará à análise do juízo de mérito, voltando a cognição à pretensão recursal do recorrente.

Portanto, o recurso tem pressupostos que são analisados por um juízo de admissibilidade a quo, o prolator da decisão que gerou inconformismo, para que seja verificada a possibilidade de seguimento. O juízo recursal, ou seja, o juízo ad quem também verifica a admissibilidade, a fim de que possa conhecer do recurso.

A tempestividade é um dos pressupostos recursais. O recurso deve ser interposto dentro do prazo previsto em lei, ou seja, se o recurso for interposto no prazo correto, em regra, se não ultrapassar o prazo pré estabelecido, entenderá em juízo de admissibilidade que o recurso é tempestivo, entretanto, alguns entendem que, se interposto antes do prazo fixado pela lei, ele será prematuro, o que é amplamente discutido pela doutrina e é objeto de estudo no presente artigo.

IV- RECURSO PREMATURO

O recurso prematuro é extremamente recorrente na jurisprudência defensiva . Entende-se que se o recurso for interposto antes do prazo, ou seja, antes da intimação da decisão recorrida, em tese ele não será conhecido, assim como o recurso interposto depois do prazo. Porém, com o advento da súmula 418 STJ o recurso prematuro passa a ser admissível desde que o recorrente através de petição faça apelo extremo reiterado ou retificado. A aceitação do recurso precoce está pautada na boa fé processual.

Vale dizer que o STJ ainda considera prematuro o recurso interposto antes do julgamento dos embargos de declaração pois considera que nesse caso ainda não houve esgotamento das vias ordinárias.

O assunto é controverso na doutrina e na jurisprudência, pois há aqueles que entendem que se a parte está recorrendo, ela já se deu por intimada da decisão e há aqueles que pensam que a intimação é indispensável para interposição do recurso.

A doutrina apresenta como basilares da teoria geral dos recursos os princípios fundamentais, os efeitos dos recursos, o juízo de admissibilidade e juízo de mérito dos recursos.

Como visto, o juízo de admissibilidade e o de mérito dos recursos são conhecidos através de duas etapas. Se presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos (juízo de admissibilidade), o órgão julgador passará a analisar o mérito, conhecendo, assim, o que é pretendido no recurso (mérito).

No cumprimento de um dos pressupostos objetivos do recurso (tempestividade), faz-se necessário suscitar questão referente aos recursos que não são admitidos antes de publicada a decisão recorrida na imprensa oficial, mesmo que a parte já conheça o teor da decisão.

Existe o entendimento de que a notícia do julgamento não consubstancia a fluência do prazo para a interposição do recurso, visto que o dies a quo do prazo ocorrerá no momento da publicação oficial do inteiro teor da decisão que será impugnada, ou com a intimação pessoal da parte.

Dessa forma, os doutrinadores que se posicionam nesse sentido entendem ser incabível a interposição de um recurso com data anterior à publicação da decisão na imprensa oficial, conforme o julgado do Colendo Supremo Tribunal Federal a seguir transcrito:

“A intempestividade dos recursos tanto pode derivar de impugnações prematuras (que se antecipam à publicação dos acórdãos) quanto decorrer de oposições tardias (que se registram após o decurso dos prazos recursais). Em qualquer das situações – impugnação prematura ou oposições tardias -, a consequência de ordem processual é uma só: o não conhecimento do recurso, por efeito de sua extemporânea interposição. A jurisprudência do STF tem advertido que a simples notícia do julgamento, além não legitima a prematura interposição de recurso, por absoluta falta de objeto. Precedentes”. (STF, Agln nº 375124/MG – AgRg – Edcl – rel. Min. Celso de Mello – DJ 28-6-2002)

Tal entendimento, porém, além de infringir o princípio da razoabilidade e da celeridade, privilegia o formalismo ineficiente em face da instrumentalidade das formas, negando, dessa forma, a própria modernização que tanto se espera do Poder Judiciário.

Por outro lado, os prazos para a prática de atos processuais têm como finalidade principal, assegurar o andamento rápido do processo, ou mesmo garantir à parte o tempo necessário para exercitar a defesa de seus direitos, impedindo-se que sejam cometidos abusos em relação a certos atos praticados antes do decurso desses prazos.

Por assim ser, a lei determina uma distância mínima para que seja evitada a prática do ato antes mesmo do seu vencimento – sendo considerado como dilatório. Quando o prazo estabelece uma distância máxima para praticar o ato, o prazo é denominado aceleratório.

Após a análise das finalidades dos prazos, fica evidente que a interposição de recursos antes do início do decurso do prazo não o torna intempestivo, por ser prazo recursal aceleratório e preclusivo.

Como o ato pode ser praticado durante o prazo, sendo certo que o término deste torna inadmissível o ato, não se verifica ilegalidade no caso de manifestação anterior ao início do prazo.

Portanto, diferentemente do alegado pela primeira corrente, a interposição do recurso anterior à data da sua publicação contribui para a rapidez no andamento do feito, o que tem sido objetivo das reformas processuais dos últimos tempos.

V- JURISPRUDENCIA DEFENSIVA

Jurisprudência Defensiva é um conjunto de regras construídas pelos Tribunais Superiores e Tribunais de segundo grau com o objetivo de restringir a admissibilidade dos recursos, utilizando um rigorismo formal na análise dos requisitos processuais com o objetivo de negar acesso a uma prestação jurisdicional efetiva, a fim de desobstruir essas instâncias que acumulam um número alto de processos pendentes com o intuito de debelar a crise da efetividade.

Essa medida adotada pelos Tribunais como tentativa ao princípio de duração razoável do processo se deve, dentre outros fatores, à morosidade do Poder Judiciário inundada por um número imenso de processos que não param de crescer devido ao aumento na dinâmica das demandas judiciais motivadas pelo surgimento de novos direitos.

A falta de estrutura no Poder Judiciário é outro fator que causa morosidade, desde as condições materiais: instalações físicas precárias até as obsoletas organizações dos feitos, bem como os recursos humanos como: número insuficiente de juízes, funcionários e auxiliares da justiça, para dar vazão ao fluxo crescente de feitos.

Diante desse cenário, é necessário a adoção de algumas medidas para que o caos não se instale de vez em tão importante setor de interesse público. Assim surge a Jurisprudência Defensiva com o intuito de “proteger” ou “defender” os tribunais do grande número de recursos com o fundamento na redução ou controle do número de recursos.

Tal entendimento é reforçado por Teresa Arruda Alvim Walbier que assim expõe:

“Em vista do grande número de julgamentos levados a efeito ao Superior Tribunal de Justiça, sob o dilema acima exposto e a impossibilidade humana de se julgar de forma efetiva tais processos, a Corte Superior, assim como o Pretório Excelso, passaram a adotar a chamada “jurisprudência defensiva” e barrar os recursos que soam de menor importância.”.

A Jurisprudência Defensiva é um afluente dos mesmos precedentes dos tribunais, quais sejam: as súmulas vinculantes, orientações jurisprudenciais entre outras formas de eliminar as divergências das decisões face à segurança jurídica com o escopo de tornar mais ágil o andamento processual.

A jurisprudência Defensiva foi largamente criticada pelos estudiosos do direito, pois segundo eles os Tribunais tentam remediar um problema que em verdade é estrutural, e o formalismo excessivo não encontra justificativa, nem razoabilidade para sobrepujar o direito material, devendo ser preservados as garantias e os direitos fundamentais das partes.

Sobre o tema, assevera Marcio Carvalho Faria “negar seguimento a centenas de milhares de recursos por suposta falta de um requisito que sequer existe em lei, apenas porque os Tribunais Superiores Brasileiros estão afogados em processos, significa mal ferir um dos mais comezinhos direitos humanos, qual seja o da tutela jurisdicional efetiva.”.

No decorrer do trabalho analisaremos um, dos inúmeros exemplos de Jurisprudência Defensiva.

A tentativa dos nossos Tribunais de coibir a via recursal só faz prejudicar o jurisdicionado, que tem o seu direito constitucionalmente garantido, ainda que seja implicitamente, cerceado. É certo que o Judiciário está abarrotado, não obstante a insuficiência do sistema judiciário é de responsabilidade exclusiva do Estado e não deve gerar perdas repassadas ao cidadão que bate as portas do judiciário a fim de apaziguar os conflitos sociais que o cercam.

O sistema têm se deparado cada vez mais com um crescimento abundante no número de processos, esse fenômeno se deve a difusão da informação sobre direitos, nos meios de comunicação de massa. Devido a isso o Legislativo viu-se compelido a Reforma do Código de Processo Civil, haja vista que os empecilhos trazidos pela jurisprudência defensiva, são não só uma violação ao direito constitucional ao duplo grau, mas também ao Principio da Legalidade para alteração de regras sobre recurso, já enunciados nesse estudo.

Esse mecanismo, só faz violar direitos como o da ampla defesa, é como cogitar que o judiciário não é passível de falhas, é considerar que o juízo a quo jamais praticaria erros ou até quem sabe má-fé, limitar a via recursal é o mesmo que limitar a garantia à boa solução da lide. Além disso, o recurso corresponde a irresistível tendência humana a inconformismo a primeira decisão que lhe é dada, mormente quando essa não satisfaz a sua preensão diante da demanda, buscando a parecer de um terceiro.

O efeito devolutivo dos recursos se dá justamente para que o Tribunal possa minimizar os inconformismos intrínsecos a toda e qualquer pessoa, e o excesso que rigor formal, e até as barreiras criadas para que se afastem os recursos, não permitem ao menos o contato do julgador com as questões de mérito trazidas por cada recurso em espécie, o que é uma verdadeira afronta às garantias.

É valido que o juízo de admissibilidade não permita que sejam processados recursos sem qualquer fundamento de direito, ou até fático, interpor um recurso invocando genericamente um principio ou um dispositivo, não deve realmente ter amparo pelo Tribunal a quem, acolher isso seria decretar a massificação dos recursos, e a ineficácia no julgamento das demandas em grau recursal, o Principio da Congruência, a exposição de motivos para o ônus recursal, é de fundamental importância, sob pena de uma catástrofe no serviço judicial público.

O próprio legislador fez reduzir a incidência de Recursos Extraordinários a Suprema Corte, ao exigir a repercussão geral para a interposição do recurso em questão, e o fez por meio da EC 45, modificando o Art. 102 § 3º, isso nada mais é do que a jurisprudência defensiva tem sendo sustentada o que é preocupante, como expõe Humberto Theodoro em sua obra:

“ Foi, sem dúvida, a necessidade de controlar e reduzir o sempre crescente e intolerável volume de recursos da espécie que passou a assoberbar o Supremo Tribunal Federal a ponto de comprometer o bom desempenho de sua missão de Corte Constitucional, que inspirou e justificou a reforma operada pela EC nº 45.” (THEORODO JÚNIOR, 2008, p. 725).

Mas a jurisprudência defensiva não é exclusividade das Cortes Superiores, mas também dos Tribunais Estaduais, o que gera insegurança jurídica, eis que ignoram-se garantias e tambem o procedimento.

Sendo assim, considera-se intolerável a utilização da jurisprudência defensiva para desafogar o judiciário, é um detrimento grande demais para tanto, já que isso seria massificar as decisões e ignorar direitos e garantias, e mais deixar de lado o direito material, o qual o processo é assistente para faze-lo valer, observado que o jurisdicionado se socorre do judiciário em conjunturas que entende necessário a tutela de um direito, e a a negativa a essa tutela e dizer não ao Direito de Ação, fundamental num Estado Democrático de Direito.

VI- JULGADO

RECURSO ESPECIAL Nº 776.265 - SC (2005/0139887-6)

RELATOR : MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS

R.P/ACÓRDAO : MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA

RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S/A

ADVOGADO : GILBERTO EIFLER MORAES E OUTRO (S)

RECORRENTE : MÁRIO CESAR DIAS E OUTRO (S)

ADVOGADO : JOAO BATISTA DOS SANTOS

RECORRIDO : CARLOS JORGE DE SOUZA

ADVOGADO : CARLOS JORGE DE SOUZA (EM CAUSA PRÓPRIA)

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PREMATURO. ESGOTAMENTO DA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. NAO CONHECIMENTO.

- É prematura a interposição de recurso especial antes do julgamento dos embargos de declaração, momento em que ainda não esgotada a instância ordinária e que se encontra interrompido o lapso recursal.

- Recurso especial não conhecido.

ACÓRDAO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, não conhecer do recurso especial. Vencidos os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito, Paulo Gallotti, Luiz Fux e Teori Albino Zavaski.

Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha. Foram votos vencedores os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, José Delgado, Felix Fischer, Eliana Calmon, Francisco Falcão, Nancy Andrighi e Laurita Vaz. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Barros Monteiro. Impedido o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Aldir Passarinho Junior e Hamilton Carvalhido e, ocasionalmente, os Srs. Ministros Nilson Naves, Fernando Gonçalves e Gilson Dipp.

Brasília, 18 de abril de 2007 (data do julgamento).

VII- COMENTÁRIOS SOBRE O JULGADO ESCOLHIDO

Escolhemos este julgado, pois está em harmonia com o escopo da questão hora trabalhada: Jurisprudência Defensiva.

Os tribunais superiores sedimentaram o entendimento de que o recurso interposto antes da publicação da decisão recorrida é recurso prematuro ou extemporâneo, ou seja, recurso interposto antes do inicio da fluência do prazo recursal. Esse excesso de formalismo é uma das formas de coibir o seguimento do recurso que supostamente teriam insucesso em seu final, configurando- se neste caso a aplicação da Jurisprudência Defensiva que é “exacerbação na análise dos requisitos de admissibilidade do recurso” segundo definição do professor Luis Dellore.

No caso em comento, considera-se intempestivo recurso especial interposto antes do julgamento dos embargos de declaração, pois neste caso, não houve o esgotamento das vias ordinárias, ou seja, o esgotamento da jurisdição prestada pelo tribunal de origem, o que é uma afronta ao Princípio da Voluntariedade recursal.

O recurso especial foi interposto em 08.11.04 pelo Banco do Brasil, na pendência dos embargos declaratórios opostos pelo recorrido que atuava em causa própria. Após o julgamento dos embargos o Banco do Brasil não reiterou seu recurso especial. Neste caso, pela maioria dos votos o órgão colegiado considerou intempestivo o recurso.

O enunciado N° 418 da súmula do STJ reitera bem essa questão: “é inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”.

Há, contudo, entendimento contrário à necessidade de ratificação, entendendo que, só é necessária se os embargos declaratórios forem recebidos com alguma alteração do acórdão embargado. O relator do processo Humberto Gomes de Barros se coadunou com tal posicionamento, porém neste caso foi voto vencido e o recurso não foi conhecido, pois segundo os defensores, a ratificação do recurso interposto mesmo em caso de inalterabilidade, o acórdão dos aclaratórios integra o arresto embargado. A interposição dos recursos sem a devida ratificação configura-se extemporânea.

A petição de ratificação apenas reitera as razões consignadas no recurso interposto, não havendo necessidade de recolhimento de novas custas ou de comprovação de preparo já efetuado quando da interposição do recurso. A ratificação deve-se dar no prazo recursal., sob pena de incorrer no mesmo “erro”.

A possibilidade de interpor recurso contra decisão judicial encontra amparo no princípio do duplo grau de jurisdição, mas todo recurso deve obedecer aos prazos fixados em lei. Todavia há uma contradição dos tribunais superiores em não admitir um recurso interposto antes da publicação do acórdão, pois se de um lado reclamam do abarrotamento de recursos em trâmites de outro evitam a colaboração da parte em antecipar o recurso.

Se há a possibilidade de antecipar a interposição dos recursos através do acompanhamento processual pelo sistema eletrônico diante do avanço tecnológico, o que acaba por corroborar com o princípio da celeridade processual, escopo da Jurisprudência Defensiva, o porquê de sua inadmissibilidade?

VIII- CONSIDARAÇÕES FINAIS

A sociedade desde longa data e por razões inúmeras encontra-se desacreditada da Justiça. A incidência da Jurisprudência Defensiva só faz piorar ainda mais essa situação, visto que o jurisdicionado ao buscar socorro no judiciário pretende ter o seu direito material atendido.

Conforme viu-se no decorrer do estudo, o instituto viola não apenas as garantias trazidas pela Carta Magma, mas também, inúmeros Princípios que são fundamentais a um Estado Democrático de Direito, como o da ampla defesa, e devido processo legal.

É sabido que as formalidades contidas no processo são de relevante importância para proteger não só a segurança jurídica, mas o próprio jurisdicionado. Entretanto o excesso de formalismo prejudica aquele que bate as portas do judiciário, deixando-se de atender os anseios os jurisdicionado.

Não parece plausível que os Tribunais evitem recursos justificando-se pela falta de estrutura, visto que isso é de responsabilidade única e exclusiva do Estado, que deve buscar meios para sanar as dificuldades enfrentadas pelos julgadores.

Desta feita a jurisprudência defensiva deve ser um mal extirpado da prática jurídica, e repulsado pelos legisladores do Novo Código de Processo Civil.

Especialmente sobre a inadmissibilidade do recurso prematuro ou extemporâneo, tratamos data máxima vênia como uma verdadeira aberração processual, haja vista que cercea o direito da parte que foi diligente e tomou ciência da decisão impugnada, não é nada razoável, já que se presume que, ao recorrer, a parte deu-se por intimada daquela decisão ora impugnada, sendo inconcebível as incidência de orientações jurisprudenciais e súmulas nesse sentido. Exigir que seja oposto declaratórios antes de se interpor outro recurso cabível é ainda mais absurdo, trata-se de descartar a voluntariedade da via recursal.

Os eméritos julgadores decidem pela conveniência, desconsiderando as lições de processos civil, garantias constitucionais, e especialmente a razoabilidade do processo.

Ao manejar a justiça dessa forma ,é necessário observar que estamos cerceando direitos. A negativa do julgamento de mérito pode não significar muito para nós juristas, mas pode prejudicar imensamente aquele que tem seu direito restringido.

Por fim deixamos uma frase dada por Ruy Barbosa, para reflexão:

 “Não há nada mais relevante para a vida social que a formação do sentimento de justiça”.

IX- REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICAS

CINTRA, ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO; GRINOVER, ADA PELLEGRINI; DINAMARCO, CÂNDIDO RANGEL - TEORIA GERAL DO PROCESSO 27ª Edição, Caps. 17 e 25.

DONIZETTI ELPÍDIO – CURSO DIDÁTICO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL 16ª edição.

NERY JR, NELSON- PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 10º edição

THEODORO, HUMBERTO JUNIOR- CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVI. Volume I, 24ª Edição

CONJUR. JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-set-06/jurisprudencia-defensiva-ainda-pulsa-codigo-processo-civil/. Acesso em 19/10/2013

JUSBRASIL. JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA CERCEAMENTO DO DIREITO DO RECORRENTE. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/23916/jurisprudencia-defensiva-cerceamento-do-direito-do-recorrente/. Acesso em 19/10/2013

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO ESPECIAL Nº 776.265 - SC (2005/0139887-6). Disponível em: http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200501398876&pv=000000000000 /. Acesso em 19/10/2013


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