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O BALCÃO DE JUSTIÇA COMO ALTERNATIVA AOS PROCESSOS JUDICIAIS EM BUSCA DA CELERIDADE NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

O BALCÃO DE JUSTIÇA COMO ALTERNATIVA AOS PROCESSOS JUDICIAIS EM BUSCA DA CELERIDADE NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

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Uma análise a respeito da atuação do Projeto Balcão de Justiça e Cidadania do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, como alternativa aos processos judiciais, sob a perspectiva do conceito de acesso a justiça.

RESUMO: O presente artigo analisa a atuação do Projeto Balcão de Justiça e Cidadania do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.  Trata o acesso à justiça numa perspectiva do que vem a ser o conceito de justiça. Conceitua o Balcão de Justiça e Cidadania, trazendo a legislação que o ampara, bem como sua área de abrangência territorial, áreas de atuação do Direito, os procedimentos adotados na prática e a sua composição. Discorre também acerca do reconhecimento pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que inclui o projeto do Tribunal de Justiça do estado da Bahia no guia de melhores práticas da associação, comprovando a sua importância como alternativa aos processos judiciais.

 

 PALAVRAS-CHAVE: Balcão de Justiça – Cidadania – Alternativa – Processo Judicial.


INTRODUÇÃO

Este é um trabalho que tem como foco principal, o que se traduz no seu objetivo, o de abordar aspectos relevantes a respeito do Projeto Balcão de Justiça e Cidadania numa perspectiva de instrumento de alternativa aos processos judiciais.

No momento em que os indivíduos não conseguem acessar, por falta de instrumentos adequados, os meios que o Estado disponibiliza para a resolução dos seus conflitos, tem-se a não aplicação da garantia constitucional do acesso à justiça, o que atinge de forma direta aquilo que um Estado Democrático de Direito deve garantir, ou seja, os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana.

Nesta perspectiva, é que surge o Projeto Balcão de Justiça e Cidadania, em Salvador – BA, no ano de 2003, com o objetivo de assegurar a camada da população menos favorecida economicamente o acesso à Justiça de forma rápida e eficiente, favorecendo assim, a desburocratização da justiça. O Tribunal de Justiça da Bahia, desta forma, através deste projeto cria mais um espaço do judiciário, onde é possível alcançar soluções para conflitos através da mediação e conciliação.

Este trabalho está organizado em dois momentos, quais sejam, o de reflexão a respeito do acesso a justiça, e a perspectiva do balcão de justiça como alternativa aos processos judiciais, o que gera maior celeridade da prestação jurisdicional, bem como a efetivação da cidadania.


  1. O  ACESSO À JUSTIÇA

     Antes de tratarmos do acesso, faz-se necessário uma breve consideração acerca do conceito de justiça. Conceituar justiça é uma tarefa difícil, pois em cada momento histórico, esta expressão incorporou significados diferentes, relativos a momentos históricos distintos. Trazemos a concepção de Aristóteles acerca de Justiça, uma vez que, dentre os filósofos da antiguidade, foi ele quem primeiro falou deste tema, dentro de uma visão jurídica, onde justiça e equidade são as bases inspiradoras do Direito. Além de se destacar com a sua obra a respeito da justiça, também fala da política e da ética, o que nos influencia até os dias atuais. Aristóteles em seu livro Ética a Nicômaco, traz o conceito de justiça segundo a opinião geral, tomando-o como base, afirmando que:

É aquela disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e a desejar o que é justo; e de modo análogo, a injustiça é a disposição que leva as pessoas a agir injustamente e a desejar o que é injusto. (ARISTÓTELES, 2009, p.103).

Entende que a justiça está atrelada ao caráter do indivíduo, que se manifesta através de atitudes justas, sendo a injustiça a sua forma inversa. Nesse sentido, a justiça é o que fundamenta a ordem mundial, ela é indissociável da vida em comunidade e está presente nas relações estabelecidas no cotidiano. Enquanto virtude moral, está baseada na obediência às leis da polis e na boa relação com os cidadãos.

Aristóteles diz que “o justo é, por conseguinte, uma espécie de termo proporcional”, ele mostra que a sociedade não pode ser igual, e traz a equidade, que permite oferecer a cada um o que lhe é devido considerando-se os dotes naturais de cada um, a dignidade, as funções desempenhadas bem como o grau hierárquico que ocupa na sociedade. Nos leciona através de sua obra que:

(...) o equitativo, embora seja superior a uma simples espécie de justiça, é justo em si mesmo, e não é como coisa de classe diferente que é melhor do que o justo. Portanto, a mesma coisa é justa e equitativa, embora, a equidade seja superior. O que origina o problema é o fato de o equitativo ser justo, porém não o legalmente justo, e sim uma correção da justiça legal. A razão disto é que toda lei é universal, mas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta em relação a certos casos particulares. Nos casos, portanto, em que é necessário falar de modo universal, mas não é possível fazê-lo corretamente, a lei leva em consideração o caso mais freqüente, embora não ignore a possibilidade de erro em conseqüência dessa circunstância. E nem por isso esse procedimento deixa de ser correto, pois o erro não está na lei nem no legislador, e sim na natureza do caso particular, já que os assuntos práticos são, por natureza, dessa espécie. (ARISTÓTELES, 2009, p.124).

 Pode-se dizer que igual não é o mesmo que equânico, o primeiro caracteriza-se por ser facilmente arbitrário, enquanto o segundo é igual devido as suas proporções. É possível vislumbrar que existe uma desigualdade original.

Cabe o questionamento sobre o que é justo. No período na Idade Média, o Cristianismo apresentou a vida como o bem jurídico maior, anteriormente a esta época, o que se tinha como bem jurídico maior era a liberdade. A partir da evolução da vida como bem jurídico maior, tem-se a questão da propriedade para ser resolvida e que é introduzida pelas doutrinas modernas na sociedade, que toma como bem maior, a terra. A terra tornou-se a unidade de medida de riqueza, media-se a quantidade de terra justa. Nessa discussão, ficou de fora o corpo. A vida e a liberdade já estavam sacralizadas, a terra já era parte importante enquanto propriedade, e como ficava o corpo? Na ideologia da época, a vida não pertencia a cada um individualmente, ela era de Deus, mas o corpo, esse sim, era de cada um. Por isso, o corpo tornou-se propriedade inviolável. Para responder o que é justo, teve-se que responder o que é bem. Aristóteles trata o bem a partir da concepção de como seria uma sociedade ideal – com todos iguais, com todos desiguais ou com todos mais ou menos iguais. Para ele a terceira opção é a melhor.

Aristóteles, traz suas ideias de Justiça desde a Grécia antiga, as quais atualmente apresentam influência e consonância com os princípios de igualdade e equidade presentes na maior parte dos ordenamentos jurídicos da contemporaneidade. Para ele, a justiça fixa-se como uma virtude, que vai sendo adquirida a partir da experiência, da prática, ela é o consagrado meio-termo, dar a cada um o que lhe é devido. Ele explicita noções acerca da Justiça Distributiva e Corretiva, onde a primeira representa a distribuição de bens e honrarias conforme os méritos que cada um apresenta e a segunda tem a função de corrigir as relações entre os indivíduos.

(...) a justiça distributiva é a conjunção do primeiro termo de uma proporção com o terceiro, e do segundo com o quarto, e o justo neste sentido é o meio-termo, e o injusto é o que viola a proporção, pois o proporcional é o intermediário, e o justo é o proporcional. (...) a justiça distributiva não é uma proporção contínua, visto que o segundo e o terceiro termo correspondem a alguém que recebe parte de algo e à participação na coisa, e não podemos obter um termo único que represente uma pessoa e uma coisa. Assim, o justo é o proporcional, e o injusto é o que viola a proporção. (....) o outro tipo de justiça é a corretiva, que tanto surge nas transações voluntárias como nas involuntárias. Esta forma do justo tem um caráter diferente da primeira, pois a justiça que distribui bens públicos está sempre de acordo com a proporção mencionada acima. (ARISTÓTELES, 2009, p. 109-110).

Tais noções apresentam-se atuais nos mais diversos campos da ciência jurídica e devem ser aplicados pelos interpretes do Direito nos conflitos que lhes são apresentados.

Dessa forma, a justiça e o direito devem ser encarados pela sociedade não só como uma mera técnica de aplicação das leis, mas, como uma técnica de aplicação da equidade e da ordem social.

A busca incessante pela Justiça sempre foi uma marca de todas as sociedades nos mais diferentes períodos históricos, assim é necessário discorremos acerca do acesso a Justiça.

Mantoan (2012) coaduna de forma complementar com a ideia de Aristóteles, ao evidenciar no seu estudo sobre a inconstitucionalidade da vedação do uso de ação rescisória no âmbito dos juizados especiais cíveis, a necessidade da existência de normas para regular a vida em sociedade. Nesse sentido afirma o autor que:

A vida humana em sociedade requer a existência de normas cuja tarefa é a de trazer paz e harmonizar as relações sociais intersubjetivas, a fim de concretizar os valores do homem com o mínimo de desgaste e sacrifício possíveis. Desse convívio social natural que se exista inevitáveis entrechoques de interesses, daí a necessidade da intervenção do Estado a fim de garantir a manutenção da ordem, pressupostos indispensáveis à convivência harmônica. (MANTOAN, 2012)

Na medida em que são estabelecidas relações na sociedade e que as mesmas demandam a produção de normas capazes de regular o convívio dos indivíduos de forma harmônica, a fim de minimizar os conflitos existentes, é que surge a necessidade de controlar a sociedade, o que se materializa através da presença do Estado, intervindo na vida dos particulares com o objetivo de assegurar medidas capazes de propiciar um convívio harmonioso.

Nessa perspectiva, o Estado assume o papel de regular as relações naturais, o que antes era realizado pela justiça privada, com o dever de imparcialidade para solucionar as controvérsias estabelecidas no dia-a-dia das pessoas. Nesta diapasão Mantoan (2012) discorre que “na medida em que o Estado se firmou e se impôs sobre a vontade do particular, tendo a sociedade percebido os males da justiça privada, se consolidou a solução dos conflitos a partir de pessoas e figuras imparciais, tarefa confiada inicialmente aos sacerdotes e aos anciões.”

Bezerra (2001), destaca que existe uma preocupação em torno da conceituação de justiça e com os meios de acesso a ela:

 De grande magnitude tem sido a preocupação não só com a conceituação do que seja justiça como, principalmente, com os meios de acesso à justiça, trazendo-a, como valor do campo das ideias, para a vida dos homens. Portanto, ressalta, sem dúvida, como instrumento de atuação da justiça, o processo e a garantia de seus predicamentos, também alçada ao nível de direito fundamental: o direito ao devido processo legal. (BEZERRA, 2001, p.91).

Fica evidente que existe uma preocupação em estabelecer um conceito para justiça, bem como com os meios capazes de acessá-la, e o direito ao processo legal é abordado como instrumento capaz de materializar a atuação da justiça.

Destaca o autor na sua abordagem o acesso à justiça por meio do processo judicial, e posteriormente demonstra que não é só desta forma que se alcança o acesso à justiça, “é o ordenamento jurídico que, uma vez estabelecido determina o nível de acesso à justiça dos cidadãos que lhe estão subordinados”.

Observa-se que o acesso à justiça depende da determinação e dos princípios estabelecidos pelo ordenamento jurídico. Os ordenamentos são compostos de leis que os orientam e só estas leis é que poderão favorecer ou dificultar o acesso à justiça.

Em relação ao ordenamento jurídico brasileiro, Bezerrra (2001), chama a atenção para a carência apresentada, realizando uma breve descrição a seu respeito:

O ordenamento nacional carece de uma abertura maior e de flexibilidade de suas normas. Mostra-se extremamente fechado, rígido. As leis são feitas de forma a beneficiar grupos, coarctando o acesso à justiça aos menos privilegiados. Principalmente as leis processuais, extraordinariamente complexas e permissivas de mecanismos de protelação de decisões, têm transformado a justiça num sonho longínquo e inacessível às camadas mais pobres da população. O próprio ordenamento encaminha o jurisdicionado para a via judicial como quase única via de solução de seus conflitos, impedindo um verdadeiro acesso à justiça. (BEZERRA, 2001) P. 101 ).

Percebe-se a dificuldade que a população tem em acessar a justiça no Brasil, em especial a camada menos favorecida economicamente, o que revela que o acesso a justiça no país constitui-se em artigo de luxo para uma considerável parcela das pessoas, que na grande maioria não dispõe de recursos financeiros suficientes para atender as suas necessidades básicas para viver, quanto mais para buscar a tutela dos seus direitos no judiciário.

A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece no seu art. 5º, inciso XXXV que “a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça ao direito”. A garantia oferecida pela Carta Magna não está restrita aos direitos individuais, mas a todo e qualquer direito.

 É também garantida a assistência judiciária gratuita àqueles que não possuem renda suficiente. Tal garantia se materializa através do artigo 5º, que diz que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

A lei refere-se à garantia de assistência jurídica que o Estado tem de prestar a quem necessita, o que amplia a responsabilidade dos órgãos responsáveis por desempenharem este papel, como é o caso das defensorias públicas e dos Balcões de Justiça e Cidadania, os quais nesse sentido, têm a função de prestar um serviço jurídico-social de extrema relevância para a população através de via extrajudicial.

Bezerra refere-se ao mecanismo instituído na nossa constituição para a solução de conflitos de forma mais célere:

Com a promulgação da Lei 9.099/95, que, em seu art. 2º, orienta para a conciliação e a transação sempre que possível, e o novo Código de Processo Civil que, no art. 447, institui a audiência de conciliação prévia, incorporou-se ao ordenamento jurídico brasileiro um mecanismo de solução de conflitos mais célere, porém que atende somente a via judicial. (2009, p. 104).

     Ele pondera que “é necessário que o legislador avance, criando normas que revisem as soluções extrajudiciais da mesma segurança jurídica que se encontra nas contraposições judiciais de conflito”.

     Nesse sentido, consideramos a importância da aproximação das normas com a realidade e as necessidades da sociedade, para que as pessoas sintam segurança dentro do seu ordenamento. O acesso à justiça deve ser assegurado a todas as pessoas, pois conforme nos mostra o autor:

Quando o acesso à justiça é negado a determinados segmentos da sociedade, obviamente aos mais pobres, a comunidade como que cria mecanismos de sobrevivência e acaba por instituir regras próprias que lhes possibilite sobreviver. Cria meios específicos de solução de seus conflitos e satisfação de seus direitos. (BEZERRA, p. 104)

            Ressalta-se a necessidade do acesso à justiça para todos, a fim de que práticas que possam instituir regras próprias de sobrevivência em determinadas comunidades não sejam realizadas, como foram detectadas nas comunidades indígenas e negras da antiguidade e como ainda são detectadas nos dias de hoje nas comunidades carentes, como favelas e bairros periféricos.


2. BALCÃO DE JUSTIÇA E CIDADANIA, COMO ALTERNATIVA AOS PROCESSOS JUDICIAIS

O Balcão se apresenta enquanto um mecanismo de democratização do acesso a justiça, e segundo o documento denominado Cartilha do Balcão de Justiça e Cidadania do Tribunal de Justiça da Bahia (BAHIA, 2009), é um projeto de mediação comunitária do Poder Judiciário da Bahia. É um instrumento utilizado pelo judiciário baiano para mediar os conflitos que surgem na sociedade.

Foi criado em Junho do ano de dois mil e três, através da resolução 01/2003 do Tribunal de Justiça da Bahia, com o objetivo de atender de forma gratuita às comunidades carentes, instituindo uma forma de alternativa para a solução de conflitos através da mediação e conciliação. Mais tarde, a resolução 01/2003 sofreu alguns ajustes e foi alterada posteriormente pela Resolução nº 05/2006 do Tribunal de Justiça.

Esta resolução configura uma reestruturação do projeto Balcão de Justiça com o fim de efetivar com maior precisão os seus procedimentos, otimizando-os através da Secretaria de Ação Social, que assume a função de coordenar, supervisionar e fiscalizar a implantação e implementação do projeto.

            No que concerne às atribuições do Balcão de Justiça e Cidadania, o documento Conhecendo o Balcão de Justiça e Cidadania e o Processo de Mediação de Conflitos, da Secretaria de Ação Social da Bahia (2007) preleciona que:

(...) encontram-se fixadas no art. 2º da Resolução nº 5/2006, do Tribunal de Justiça da Bahia, na sua composição plena, segundo o qual compete aos Balcões de Justiça e Cidadania: “oferecer orientação e assistência jurídica, conciliação e mediação de conflitos de interesse, nas questões cíveis de menor complexidade, enumeradas no art. 3º, caput, da Lei 9.099/95, e nas que versam sobre separação judicial, divórcio, fixação de alimentos, regulamentação de visitas e união estável, bem como educação para a cidadania e difusão de informações para a prática de direitos e deveres.

            Percebe-se a abrangência dos serviços prestados pelo Balcão de Justiça,  que atua em questões que versem sobre separação judicial, divórcio, fixação de alimentos, regulamentação de visitas e união estável, podendo também tratar de cobranças de condomínio, acidentes de veículos, cobrança de dívida, questões de vizinhança e de relação de consumo, dentre outros. O balcão tem como escopo a facilitação do acesso a justiça, bem como a promoção da pacificação social.

Segundo dados colhidos no site do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, as questões da população são resolvidas em unidades localizadas em bairros preferencialmente periféricos da capital e do interior do Estado da Bahia. Conforme dados colhidos no site do Instituto Innovare em relação a área de atuação do projeto, temos o seguinte cenário:

Atualmente, estão em funcionamento 48 unidades dos Balcões de Justiça e Cidadania, dos quais 25 estão em Salvador, nos seguintes bairros: Águas Claras, Bairro da Paz, Boca do Rio, Cajazeiras, Castelo Branco, Engomadeira, Federação, Garibaldi, Imbuí, Itapagipe, Itapuã, Liberdade, Lobato, Mussurunga, Nordeste de Amaralina, Pau da Lima, Pelourinho, Pernambués, Piatã, Plataforma, São Caetano, Sussuarana, Tancredo Neves e Valéria. No interior do Estado há 23 Balcões de Justiça e Cidadania, nas cidades de Barreiras (quatro), Camaçari (dois), Cícero Dantas (um), Correntina (um), Conceição do Coité (um), Ilhéus (um), Teixeira de Freitas (um), Feira de Santana (três), Itambé (um), Vitória da Conquista (três), Valença (um), Lauro de Freitas (dois), Candeias (um) e São Gonçalo dos Campos (um), coordenados por Juízes de Direito das respectivas Comarcas. (INNOVARE, ano)

            O projeto ainda dispões de unidade móvel (ônibus), que permite levar o serviço à comunidades que não contam coma as unidades fixas, o que faz com que o atendimento seja oferecido ao maior número de pessoas possível, atuando na origem do problema, firmando-se como uma forma de descentralização das atividades judiciais, democratizando o acesso à justiça.   

            Segundo informações obtidas no documento Conhecendo o Balcão de Justiça (2007), através de técnicas de mediação, a equipe que trabalha no Balcão, ouve as partes, de preferência separadamente. Se durante a primeira sessão não for possível um acordo, são realizadas várias sessões até que seja alcançado a pacificação do caso. Quando a demanda necessita apenas de orientação, o Balcão realiza o atendimento dispensando todos os esclarecimentos possíveis acerca da problemática apresentada.

            O Balcão de Justiça e Cidadania é um espaço que desenvolve práticas as quais valorizam a capacidade que o indivíduo possui para solucionar seus conflitos, o que reflete no desenvolvimento e fortalecimento da consciência cidadã, permitindo que as instituições conveniadas desempenhem o seu papel social, através do relacionamento direto com as comunidades.

            Ainda segundo o documento Conhecendo o Balcão de Justiça e Cidadania (2007), “o grupo de trabalho no Balcão de Justiça é composto por acadêmicos de Direito e advogados, que são capacitados pelo Tribunal para desenvolver as atividades de mediação de conflitos de interesses e para prestar orientação jurídica”.

            Visualiza-se, assim, o Balcão de Justiça, enquanto espaço de aplicação do Direito, considerado numa perspectiva cultural, que surge de uma necessidade social, especialmente daqueles menos favorecidos economicamente, que enfrentam dificuldade em solucionar seus problemas através da justiça como assegura a Constituição. Assim, percebe-se que a necessidade de acesso a justiça consiste em um fator determinante para a criação do Balcão de Justiça e que sociedade e direito andam juntos, sendo o Balcão, um espaço de aplicação do direito como uma alternativa aos processos judiciais.

Nesse sentido, o projeto do Tribunal de Justiça da Bahia teve reconhecido a relevância da sua atuação pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o que levou a sua inclusão no Guia de Melhores Práticas da Associação bem como a sua seleção, dentre vários projetos, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, em 2009, inseriu o Balcão de Justiça e Cidadania no Planejamento Estratégico, no tema Acesso ao Sistema de Justiça.

O Instituto Innovare divulga que os resultados referenciados foram responsáveis pelos seguintes resultados:

a) Combater o congestionamento do Poder Judiciário, tendo em vista que a conciliação ocorre antes da propositura da ação. A ação deixa de ingressar na Justiça devido à pacificação do conflito no nascedouro. Tendo em vista que, em cada processo, praticam-se aproximadamente 50 atos processuais até a sentença, deixou-se de praticar cerca de 770 mil atos processuais, numa economia de tempo e recursos extraordinária; b) Aproximar os destinatários finais da prestação jurisdicional, mediante emprego de técnicas de mediação, que são uma forma de comunicação; c) Resgatar a credibilidade do Poder Judiciário, devido à celeridade e eficiência da solução, por meio de um serviço gratuito, acessível, eficiente e eficaz; d) Garantir a eficácia da solução, porque os acordos são cumpridos espontaneamente, ao contrário das decisões judiciais, que podem precisar de execução forçada ou sofrem recursos, que só prolongam o conflito; e) Satisfazer os usuários com a rapidez da prestação do serviço conciliatório; f) Reduzir custos com instalações e manutenção, em razão da simplicidade das unidades, ao contrário do elevado custo de instalação, aparelhamento, mobiliário e pessoal de uma vara distrital; g) Divulgar direitos por meio de materiais pedagógicos, como a Cartilha da Mulher, Guia Institucional, etc.  Devido ao pioneirismo e à inovação, a prática despertou a atenção dos meios de comunicação, vindo a ser objeto de reportagens veiculadas em jornais de grande circulação e programas de rádio. (INNOVARE, ano)

Pode-se comprovar na prática, a partir dos dados apresentados o quanto é importante o projeto do Tribunal de Justiça da Bahia, uma vez que tem como premissa do desenvolvimento da sua atuação, a conciliação, o que impede que ações judiciais sejam propostas, alcançando a efetividade do princípio da economicidade, oferecendo um serviço rápido, recuperando, desta forma a credibilidade do judiciário, que passa atuar de forma eficiente.

Um ponto relevante e de fundamental importância é a gratuidade dos serviços prestados, fator que permite que todo o cidadão possa ter sua pretensão apreciada pelo poder judiciário, gerando a satisfação social.

Além de atuar na mediação do conflito, o Balcão de Justiça desenvolve ações pedagógicas, prestando orientação e desenvolvendo campanhas educativas, a fim de prevenir a instauração de novos conflitos, a partir da conscientização de boas práticas de convivência, formando cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres.

Atualmente, a palavra cidadania é uma constante nos discursos realizados pela maioria das pessoas que apresentam preocupação com os rumos que a sociedade está tomando. São educadores, sociólogos, filósofos, jornalistas, advogados, dentre outros, que usam a expressão cidadão para referir-se a um indivíduo.

Para José Afonso da Silva (2009, p. 345-346), a “cidadania qualifica os participantes da vida do Estado, é atributo das pessoas integradas na sociedade estatal, atributo político decorrente do direito de participar no governo e direito de ser ouvido pela representação política”.

Ao cidadão é garantido acesso aos serviços públicos, além de garantias que seus direitos não serão infringidos por qualquer pessoa ou instituição, tendo esse livre acesso de requerer junto ao judiciário para que este promova esta segurança, com base em norma reguladora que disciplina a conduta social do homem, dando a este individuo o poder de praticar o presente ato, sob a égide do ordenamento jurídico em vigor.

É neste sentido que o Balcão Justiça, apresenta-se como alternativa para que os membros da população economicamente desfavorecida, possam exercer a sua cidadania, buscando defender-se no momento em que têm os deus direitos violados, através do acesso ao judiciário.

Em consonância com a linha de pensamento de Dalmo Dallari, que no seu dizer, se refere a cidadania:

A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social ( Dallari, 1988, p. 14 ).

O Balcão de Justiça e Cidadania é uma possibilidade para que as pessoas participem da sociedade no que se refere à busca dos seus direitos, desta forma, é uma forma de inclusão de social, onde a busca pela segurança acontece de forma que leva as pessoas a exercerem a cidadania, não ficando estas à margem da sociedade, além de ser uma alternativa frente aos juizados especiais, o que traz a celeridade do processo o que é garantido como direito fundamental pela Constituição Federal.

Na sociedade brasileira, a história da cidadania está estreitamente ligada à história da luta pelos direitos fundamentais da pessoa humana. Uma história que teve como marca muitos conflitos, massacres e exclusões na época da colonização e que reflete até os dias atuais na sociedade. A cidadania, ainda apresenta-se de forma tímida no Brasil, apesar dos avanços já alcançados como as eleições diretas, a promulgação da Constituição de 1988, a qual teve como presidente Ulysses Guimarães que a denominou de Constituição Cidadã, muito ainda tem que ser feito. Mas, quem pode fazer? Nada mais que os próprios brasileiros os quais precisam posicionar-se de forma diferente no que se refere aos conceitos e valores que possuem. Dispomos de uma Constituição cidadã, porém necessitamos de um espaço onde esta cidadania possa ser praticada.

            Em um país com uma sociedade desigual como o Brasil, onde os contrastes são visíveis e os desequilíbrios estão diante dos nossos olhos, cabe questionamentos acerca dos motivos que fazem o nosso país ser retratado desta forma contrariando o que Ulysses Guimarães colocou em 1988 quando proferiu o seu discurso na Constituinte: “Essa será a Constituição cidadã, porque recuperará como cidadãos milhões de brasileiros, vítimas da pior das discriminações: a miséria. Cidadão é o usuário de bens e serviços do desenvolvimento. Isso hoje não acontece com milhões de brasileiros, segregados nos guetos da perseguição social.”

            Nestes termos questiona-se o motivo pelo qual essa realidade não foi modificada, será que falta vontade política dos governantes? Percebe-se que nos discursos proferidos pelos políticos de uma forma geral, todos parecem muito preocupados com esta realidade. Mas, o fato é que pouco tem sido feito no sentido de mudar as estruturas que estão postas a fim de alcançarmos transformações sócio-econômicas. Poucas são ações desenvolvidas com fim de minimizar a injustiça social que a sociedade brasileira sofre.

            Nesta perspectiva, vislumbra-se o Projeto Balcão de Justiça e Cidadania como uma das ações realizadas neste país, pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia no sentido de oferecer aos mais atingidos pela injustiça social, condições para que possam, ainda que, de forma tímida exercerem a sua cidadania, o que está explícito na Constituição Federal Brasileira.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Ao final deste estudo pode-se considerar que o Balcão de Justiça e Cidadania constitui-se em um projeto, o qual foi criado no ano de dois mil e três pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, com o objetivo de oferecer, primordialmente, às pessoas de baixo poder aquisitivo, aquilo que a Constituição Federal garante que é o acesso à Justiça, através da mediação de conflitos.

Com referência ao acesso à justiça, essa é uma necessidade de todos, porém não acessível a uma grande parte da população brasileira que se vê, na maioria das vezes sem esse direito assegurado na prática, uma vez que demanda um custo elevado e a maioria da população não dispõe destes recursos. Um aspecto que deve ser considerado no tocante ao acesso à justiça é a sua eficiência, pois para que isso ocorra faz-se necessário que além da admissão ao processo, a demanda e a defesa seja realizada a contento, de forma que venha atender as necessidades do cidadão.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 assegura assistência judiciária gratuita, o que vem a ser concretizado no Estado da Bahia com o projeto do Tribunal de Justiça, através do Balcão de Justiça e Cidadania, o qual oferece atendimento em comunidades preferencialmente carentes, realizando mediações e conciliações de conflitos.

Importante e necessário destacar que não basta apenas equipar as comunidades de instituições como estas, é necessário a realização de ações eficazes, como palestras, oficinas, instrumentos capazes de levar a conscientização aos cidadãos no sentido de acreditarem que nem sempre a via judicial é a mais eficiente na resolução dos conflitos. Os pequenos conflitos que emergem no cotidiano das comunidades, como desentendimentos entre vizinhos, ou mesmo as questões que tangem ao direito de família como divórcio, pensão alimentícia, dentre outras, podem ser dirimidos através do diálogo e da composição, o que permite que as partes construam acordos frutos de vontades, sem a necessidade da intervenção do estado, através do judiciário, o que desonera a máquina pública e acelera a resolução das questões.

            Nesse sentido que projetos como o Balcão de Justiça, são responsáveis por melhor atender as necessidades do povo uma vez que permitem o acesso dos mais necessitados à justiça, constituindo-se enquanto alternativa aos processos judiciais assegurando a celeridade na resolução dos conflitos. Se faz necessário a ampliação do projeto, para que mais pessoas sejam atendidas, abarcando um maior número de indivíduos da nossa sociedade tão carente de assistência e principalmente de orientação. Um dos aspectos relevantes dos Balcões é o de informar as pessoas acerca dos direitos que possuem, o que é de desconhecimento da maioria das pessoas.


REFERÊNCIAS:

ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. São Paulo: Editora Abril Cultural e Industrial S.A., 1973.

BAHIA, Tribunal de Justiça - Balcão de Justiça e Cidadania – Projetos. Disponível em: http://www.tj.ba.gov.br/projetos/bjc/bjc.htm, acesso em 03 de maio de 2014.

BAHIA, Tribunal de Justiça. Cartilha do Balcão de Justiça e Cidadania, 2009. Disponivel em http://www.tjba.jus.br/site/arquivos/Cartilha.pdf. Acesso em 12 de maio de 2014.

BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à Justiça – Um problema ético-social no plano da realização do direito, Ed. Renovar, Rio de Janeiro – São Paulo, 2001.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasilia, n. 191 –A, 05 de ou. 1988.

DALLARI, D. A. Direitos Humanos e Cidadania. 1.ed. São Paulo: Moderna, 1998.

INNOVARE, Instituto - http://www.premioinnovare.com.br/praticas/balcao-de-justica-e-cidadania/. Acesso em 15 de maio de 2014

MANTOAN, Tiago Farias Nunes. A inconstitucionalidade da vedação do uso de ação rescisória no âmbito dos juizados especiais cíveis. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3346, 29 ago. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/22515>. Acesso em: 23 mai. 2014.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 32ª edição. Ed. Malheiros.

 


Autor

  • Cristiane Guimarães

    Bela. em Direito pela Faculdade Batista Brasileira; Advogada inscrita na Seccional Bahia, atua em Direito do Consumidor, Direito de Família, Direito da Criança e do Adolescente e Direito Tributário; Pós Graduanda em Direito do Consumidor pela Universidade Cândido Mendes; Pedagoga pela Universidade do Estado da Bahia, com atuação em docência na Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental, Coordenação Pedagógica e Gestão Escolar.

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