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Alguns apontamentos sobre direitos humanos

Alguns apontamentos sobre direitos humanos

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O presente trabalho visa trazer alguns apontamentos sobre os Direitos Humanos: sua origem, suas características, sua acolhida pela Constituição Federal, além de apresentar algumas linhas sobre a questão da colisão entre dois Direitos Fundamentais, entre outros assuntos ligados à matéria.

Palavras-chave: Direito Constitucional; Direitos Humanos; Direitos Fundamentais; Direitos Humanos Fundamentais.


1.0 – Introdução

O presente trabalho visa trazer alguns apontamentos sobre os Direitos Humanos: sua origem, suas características, sua acolhida pela Constituição Federal, além de apresentar algumas linhas sobre a questão da colisão entre dois Direitos Fundamentais, entre outros assuntos ligados à matéria.

Não temos a pretensão de esgotar o assunto, mas apenas de servir de suporte para eventuais pesquisas realizadas por juristas interessados na matéria.

Trazemos algumas novidades, como por exemplo a proposta de alteração de nomenclatura de "gerações" de direitos para "gestações" de direitos que, conforme se verá é mais adequada, e menos sujeita a críticas.


2.0 – Direitos Humanos

2.1 - Origem

Os autores, de um modo geral, concordam em traçar um paralelo entre o surgimento do constitucionalismo e o surgimento dos Direitos Humanos, uma vez que o objetivo de toda Constituição é, além de "dar forma" ao Estado, criando os órgãos estatais e descrevendo sua forma de atuação; limitar o Poder estatal, garantindo uma parcela "intocável" de direitos individuais e/ou sociais, a qual não poderia ser, arbitrariamente, suprimida pelos agentes estatais.

Esta parcela de direitos, a priori insuprimíveis é, justamente, o conteúdo do que hoje é conhecido por Direitos Humanos, assim como afirma Hewerstton Humenhuk: "é notório que os direitos fundamentais constituem a base e a essencialidade para qualquer noção de Constituição".

Neste sentido, Alexandre de Morais chega a afirmar que

"Os direitos humanos fundamentais, portanto, colocam-se como uma das previsões absolutamente necessárias a todas as Constituições, no sentido de consagrar o respeito à dignidade humana, garantir a limitação de poder e visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana."

João Baptista Herkenhoff chega ao ponto de dizer que os Direitos Humanos

"[...] São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir."

Concorda com esta relação entre Direitos Humanos e Constitucionalismo, por exemplo, Paulo Gustavo Gonet Branco, que afirma:

"A compreensão dos direitos fundamentais de primeira geração reclama a percepção histórica do movimento do constitucionalismo, que explica as reivindicações que redundaram na consagração dos direitos fundamentais em exame. (grifo no original)"

Ou em outra passagem, quando o mesmo autor afirma:

"Os direitos fundamentais assumem posição de definitivo realce na sociedade quando se inverte a tradicional relação entre Estado e indivíduo e se reconhece que o indivíduo tem, primeiro, direitos, e, depois, deveres perante o Estado, e que este tem, em relação ao indivíduo, primeiro deveres e, depois, direitos."

Assim, é neste sentido que Fábio Konder Comparato afirma que:

"O artigo I da Declaração que "o bom povo da Virgínia" tornou pública, em 12 de junho de 1776, constitui o registro de nascimento dos direitos humanos na História. É o reconhecimento solene de que todos os homens são igualmente vocacionados, pela sua própria natureza, ao aperfeiçoamento constante de si mesmos [...]"

Concorda com ele Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que, após falar sobre a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, afirma:

"Muitos observam – e com razão – não ser ela a primeira das declarações de direitos, historicamente falando.

De fato, não foi a que mais cedo veio à luz: foi a Declaração dos Direitos editada pela Virgínia em 12 de junho de 1776, antes mesmo da independência das treze colônias inglesas da América do Norte [...]"

Também Hewerstton Humenhuk dá a entender que a origem dos Direitos Fundamentais está diretamente ligada a idéia de constitucionalismo, porém, dá maior ênfase para a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, como sendo o principal documento que atesta o nascimento dos Direitos Fundamentais.

O prof. André Ramos Tavares chega a apontar a Carta Magna de 1215 como possível origem dos Direitos Fundamentais, apontando como condições necessárias e concomitantes, para a existência de tais direitos, as seguintes características: 1) existência do Estado; 2) noção de indivíduo; e 3) texto legal escrito.

Por outro lado, Flávia Piovesan lembra que

"[...] Muitos dos direitos que hoje constam do "Direito Internacional dos Direitos Humanos" surgiram apenas em 1945, quando, com as implicações do holocausto e de outras violações de direitos humanos cometidas pelo nazismo, as nações do mundo decidiram que a promoção de direitos humanos e liberdades fundamentais deve ser um dos principais propósitos da Organização das Nações Unidas""

Também Carlos Aurélio Mota de Souza parece reconhecer no holocausto nazista a origem do reconhecimento dos Direitos Humanos, cuja fonte seria o direito natural.

Apesar destas posições, Alexandre de Morais afirma que

"[...] a noção de direitos fundamentais é mais antiga que o surgimento da idéia de constitucionalismo, que tão-somente consagrou a necessidade de insculpir um rol mínimo de direitos humanos em um documento escrito, derivado diretamente da soberana vontade popular."

João Baptista Herkenhoff, não só concorda com esta posição, como vai mais longe ao dizer que

"Sem garantia legal, os "direitos humanos" padeciam de certa precariedade, na estrutura política. O respeito a eles ficava na dependência da virtude e da sabedoria dos governantes.

Esta circunstância, porém, não exclui a importante contribuição de culturas antigas na criação da idéia de Direitos Humanos.

Alguns autores pretendem afirmar que a história dos Direitos Humanos começou com o balisamento [sic] do poder do Estado pela lei. Creio que essa visão é errônea. Obscurece o legado de povos que não conheceram a técnica de limitação do poder mas privilegiaram enormemente a pessoa humana nos seus costumes e instituições sociais.

A simples técnica de estabelecer, em constituições e leis, a limitação do poder, embora importante, não assegura, por si só, o respeito aos Direitos Humanos. Assistimos em épocas passadas e estamos assistindo, nos dias de hoje, ao desrespeito dos Direitos Humanos em países onde eles são legal e constitucionalmente garantidos [...]

Com a colocação que acabamos de fazer não pretendemos negar que o balisamento [sic] do poder do Estado pela lei seja uma conquista [...] Entretanto, a despeito desse posicionamento, creio que não cabe menosprezar culturas que não conheceram (ou não conhecem) a técnica da limitação do poder pela lei, mas possuíram (ou possuem) outros instrumentos e parâmetros valiosos na defesa e proteção da pessoa humana."

Assim, para este autor, os Incas seriam um exemplo de civilização onde, apesar de não se conhecerem os limites do Poder estatal impostos por vias legais, foi um exemplo de proteção e vigência dos Direitos Humanos. Por suas próprias palavras:

"[...] os incas atingiram, no Peru, um adiantamento material não inferior ao dos astecas e um grau de civilização espiritual surpreendente, muito superior ao dos países europeus de então.

Adotaram um sistema comunista perfeito, muito mais elevado que o comunismo primitivo encontrado em outras culturas indígenas.

As terras, que pertenciam ao Estado, eram repartidas anualmente para que nelas todos pudessem trabalhar. Mantinham em Estado que vinha em socorro da viúva, da criança, do estudante, do inválido e que prestigiava o sábio. Inventaram um sistema democrático de trabalho e iam ao encontro daqueles que tivessem perdido sua colheita. Não adotavam a moeda, não praticavam o comércio, não conheciam a escravidão. A lã e os tecidos eram distribuídos a todos, indistintamente, pelo Estado. Em grandes depósitos, guardavam provisões para socorrer províncias que pudessem sofrer penúria, em razão de colheitas mal sucedidas.

Barnabé Cobo informa que, entre os incas, o dever de Justiça era exigido, de maneira rigorosa, de quem exercesse qualquer função de governo. A corrupção não era tolerada."

O mesmo autor defende, portanto, a idéia de que o processo de "criação" dos Direitos Humanos seria fruto da História da Humanidade, iniciando-se nos tempos mais remotos, e ainda hoje em permanente evolução, afirmando em determinado momento que

"O que hoje se entende por Direitos Humanos não foi obra exclusiva de um grupo restrito de povos e culturas, especialmente, como se propala com vigor, fruto do pensamento norte-americano e europeu. A maioria dos artigos da declaração Universal do Direitos Humanos foi verdadeira construção da Humanidade, de uma imensa multiplicidade de culturas, inclusive aquelas que não integram o bloco hegemônico do mundo."

2.2 – Conceito

Quanto à conceituação de Direitos Fundamentais, afirma Paulo Gustavo Gonet Branco que

"Vieira de Andrade, enfrentando a questão, pretende que, em última análise, o ponto característico que serviria para definir um direito fundamental, seria a intenção de explicitar o princípio da dignidade da pessoa humana. Nisso estaria a fundamentalidade material dos direitos humanos. (grifo no original)"

Porém, continuando, pouco mais adiante ele próprio critica tal conceito, lembrando lição de Canotilho e afirmando que

"[...] A inadequação estaria em que a Constituição portuguesa – como a brasileira – também consagra direitos fundamentais de pessoas coletivas, a denotar que a idéia de dignidade humana não seria sempre o vetor definidor dos direitos fundamentais."

Mas, por fim, rende-se ele ao argumento da dignidade da pessoa humana, contra-argumentando que

"De toda forma, embora haja direitos formalmente consagrados como fundamentais que não apresentam ligação direta com o princípio da dignidade humana, é esse princípio que inspira os típicos direitos fundamentais, atendendo à exigência de respeito à vida, à integridade física e íntima de cada ser humano e à segurança. É o princípio da dignidade humana que justifica o postulado da isonomia e que demanda fórmulas de limitação do poder, prevenindo o arbítrio e a injustiça.

Nessa medida, há que se convir em que "os direitos fundamentais, ao menos de forma geral, podem ser considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade da pessoa humana"."

Segundo Alexandre de Morais

"O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos humanos fundamentais. (grifos no original)"

João Baptista Herkenhoff prefere afirmar que

"Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir.

este conceito não é absolutamente unânime nas diversas culturas. Contudo, no seu núcleo central, a idéia alcança uma real universalidade no mundo contemporâneo [...] (grifos no original)"

Cumpre assinalar que Fábio Konder Comparato lembra

"[...] a distinção, elaborada pela doutrina jurídica germânica, entre direitos humanos e direitos fundamentais (Grundrechte). Estes últimos são os direitos humanos reconhecidos como tal pelas autoridades, às quais se atribui o poder político de editar normas, tanto no interior dos Estados quanto no plano internacional; são direitos humanos positivados nas Constituições, nas leis, nos tratados internacionais [...] (grifo no original)"

Assim, apesar de que grande parte da doutrina considerar como sendo sinônimos os termos "Direitos Humanos" e "Direitos Fundamentais", chegando uns a considerar adequada a terminologia de "Direitos Humanos Fundamentais", estes termos não são, nos moldes apresentados, termos equivalentes.

Concorda com esta idéia, Hewerstton Humenhuk, ao afirmar que

"Em face ao estudo, convém salientar a distinção na lição de Sarlet citado por Maliska:

"Os direitos fundamentais são os direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito Constitucional positivo de determinado Estado; a expressão ‘direitos humanos’, por sua vez, ‘guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem Constitucional e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional)’.[...]""

Cumpre assinalar, ainda, a distinção apresentada por Carlos Aurélio Mota de Souza entre direitos subjetivos e Direitos Humanos, onde este teria um aspecto específico de coletividade.

Em suas próprias palavras:

"Os direitos humanos têm um âmbito mais abrangente; no caso de uma tribo de índios, eles têm suas terras, a proteção da Funai; se um índio é maltratado por um funcionário, não se pode dizer que houve uma ofensa a direitos humanos, mas é um crime, uma ofensa física, então tem o direito de pedir a punição daquele funcionário, é um direito subjetivo; mas se toda a tribo é maltratada, e há possibilidade de sua extinção, aí se trata de ofensa àqueles direitos.

Então, direitos humanos tem um aspecto coletivo, ao passo que direitos subjetivos têm um caráter individual. (grifos no original)"

2.3 – Valores da Declaração Universal dos Direitos Humanos

A Declaração de Direitos Humanos da ONU abriga e apresenta certos "valores", os quais deveriam ser buscados e respeitados por todos os povos.

Segundo concepção de João Baptista Herkenhoff, estes valores seriam em número de oito e permeariam toda Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.

Seriam eles:

a) o valor "paz e solidariedade universal", o qual seria a idéia-motriz do preâmbulo da Declaração, e onde lembra que

"Paz, ausência de guerra, é simples trégua ou, quando muito, armistício. É, sob alguns aspectos, fenômeno social pobre, sem a força geradora e renovadora da guerra.

A paz é obra da Justiça. Exige a instauração de uma ordem social na qual os homens possam realizar-se como pessoas humanas, com sua dignidade reconhecida, agentes de sua própria história."

b) o valor "igualdade e fraternidade" que estaria presente nos dois primeiros artigos da Declaração.

Sobre o valor "igualdade" escreveu o ilustre jurista:

"O valor "igualdade" constituiu-se através da História por meio de dois movimentos interdependentes:

a) o da afirmação da igualdade intrínseca de todos os seres humanos;

b) o da rejeição de desigualdades específicas, particulares."

Nesse sentido, o autor lembra, mais adiante, que

"Jefferson, nos Estados Unidos, afirmou, como democrático, que a vontade da maioria fosse a base do poder. Mas completou que essa vontade da maioria, para ser legítima, deveria ser razoável. A minoria possui direitos iguais, também protegidos pela lei, sentenciou Jefferson. Violar esses direitos é agir como opressor."

c) o valor "liberdade" seria o suporte dos artigos III, IV, XIII, XVIII, XIX e XX, onde o autor afirma que

"[...] a liberdade deve conduzir à solidariedade entre os seres humanos. Não deve conduzir ao isolamento, à solidão, à competição, ao esmagamento do fraco pelo forte, ao homem-lobo-do-homem, à ruptura dos elos. Essa ruptura leva tanto à esquisofrenia individual quanto à esquisofrenia social.

Garantir a liberdade dentro de uma sociedade solidária é o desafio que se coloca. Liberdade para todos e não apenas para alguns. Liberdade que sirva aos anseios mais profundos da pessoa humana. De modo algum a liberdade que seja instrumento para qualquer espécie de opressão."

d) o valor "dignidade da pessoa humana" – que segundo nossa visão implica na concretização de todos os outros valores – seria a chama que alimenta os artigos III, V, VI, XIV, XV, XVI, XVII, XXII, XXVI e XXVII;

e) o valor "proteção legal dos direitos" alimentaria os artigos VII, VIII e XII e, que, na visão do autor, deveria significar:

"a) a proteção da lei contra todas as violências de que possa ser vítima qualquer pessoa;

b) o acesso efetivo de todos à Justiça;

c) o primado da lei contra o regime de arbítrio;

d) a submissão de todos ao regime do Direito, com a condenação dos privilégios;

e) a proteção dos valores do Direito contra o legalismo estreito que trai a Justiça;

f) a insubmissão à tirania e à opressão, que tornam impossível a "proteção legal dos direitos"."

f) o valor "Justiça", o qual, segundo o autor, apesar de estar presente em todo o documento, estaria presente de maneira mais forte nos artigos VIII, IX, X, XI e XIV;

g) o valor "democracia", apesar de presente nos mais diversos artigos, seria a grande inspiração do artigo XXI e seus três incisos, onde o autor lembra que

"[...] Pinto Ferreira registra que um grupo de pensadores vê a democracia como império da maioria. Outra corrente defende que o fundamento do ideal democrático é a igualdade. Outros pretendem que a democracia é o reino da liberdade. Neste confronto de posições, há os que timbram em que o ponto distintivo da democracia é o respeito das minorias. Finalmente, um quarto grupo vê a democracia como uma filosofia de vida. (grifos no original)"

h) o valor "dignificação do trabalho" seria representado pelos artigos XXIII, XXIV e XXV.

Assim seriam estes os grandes objetivos a serem alcançados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, em seus trinta artigos.

2.4 – Características dos Direitos Humanos

Segundo concepção de Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

"Ora, declaração presume preexistência. Esses direitos declarados são os que derivam da natureza humana, são naturais, portanto.

Ora, vinculados à natureza, necessariamente são abstratos, são do Homem, e não apenas de franceses, de ingleses etc.

São imprescritíveis, não se perdem com o passar do tempo, pois se prendem à natureza imutável do ser humano.

São inalienáveis, pois ninguém pode abrir mão da própria natureza.

São individuais, porque cada ser humano é ente perfeito e completo, mesmo se considerado isoladamente, independentemente da comunidade (não é um ser social que só se completa na vida em sociedade).

Por essas mesmas razões, são eles universais – pertencem a todos os homens, em conseqüência estendem-se por todo o campo aberto ao ser humano, potencialmente o universo. (grifos no original)"

Valério de Oliveira Marzzuoli, por sua vez, afirma que

"Firma-se, então, a concepção contemporânea de direitos humanos, fundada nos pilares da universalidade, indivisibilidade e interdependência desses direitos. Diz-se universal, "porque a condição de pessoa há de ser o requisito único para a titularidade de direitos, afastada qualquer outra condição"; e indivisível, "porque os direitos civis e políticos hão de ser somados aos direitos sociais, econômicos e culturais, já que não há verdadeira liberdade sem igualdade e nem tampouco há verdadeira igualdade sem liberdade", como pontifica a Prof.ª Flávia Piovesan."

Já na visão de Alexandre de Morais:

"A previsão desses direitos coloca-se em elevada posição hermenêutica em relação aos demais direitos previstos no ordenamento jurídico, apresentando diversas características: [...]

* imprescritibilidade: os direitos humanos fundamentais não se perdem pelo decurso do prazo;

* inalienabilidade: não há possibilidade de transferência dos direitos humanos fundamentais, seja a título gratuito, seja a título oneroso;

* irrenunciabilidade: os direitos humanos fundamentais não podem ser objeto de renúncia [...];

* inviolabilidade: impossibilidade de desrespeito por determinações infraconstitucionais ou por atos das autoridades públicas, sob pena de responsabilização civil, administrativa e criminal;

* universalidade: a abrangência desses direitos engloba todos os indivíduos, independentemente de sua nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção político-filosófica;

* efetividade: a atuação do Poder Público deve ser no sentido de garantir a efetivação dos direitos e garantias previstos, com mecanismos coercitivos para tanto, uma vez que a Constituição Federal não se satisfaz com o simples reconhecimento abstrato;

* interdependência: as várias previsões constitucionais, pesar de autônomas, possuem diversas intersecções para atingirem suas finalidades [...];

* complementariedade: os direitos humanos fundamentais não devem ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta com a finalidade de alcance dos objetivos previstos pelo legislador constituinte. (grifos no original)"

Por outro lado, quanto a irreversibilidade dos Direitos Humanos, assinala Fábio Konder Comparato que

"A consciência ética coletiva, como foi várias vezes assinalado aqui, amplia-se e aprofunda-se com o evolver da História. A exigência de condições sociais aptas a propiciar a realização de todas as virtualidades do ser humano é, assim, intensificada no tempo e traduz-se, necessariamente, pela formulação de novos direitos humanos.

É esse movimento histórico de ampliação e aprofundamento que justifica o princípio da irreversibilidade dos direitos já declarados oficialmente, isto é, do conjunto de direitos fundamentais em vigor. Dado que eles se impõem, pela sua própria natureza, não só aos Poderes Públicos constituídos em cada Estado, como a todos os Estados no plano internacional, e até mesmo ao próprio Poder Constituinte, à Organização das Nações Unidas e a todas as organizações regionais de Estados, é juridicamente inválido suprimir direitos fundamentais, por via de novas regras constitucionais ou convenções internacionais.

Uma das conseqüências desse princípio é a proibição de se pôr fim, voluntariamente, à vigência de tratados internacionais de direitos humanos [...] Ora, o poder de denunciar uma convenção internacional só faz sentido quando cuida de direitos disponíveis. Em matéria de tratados internacionais de direitos humanos, não há nenhuma possibilidade jurídica de denúncia, ou de cessação convencional da vigência, porque se está diante de direitos indisponíveis e, correlatamente, de deveres insuprimíveis."

Quanto a interdependência existente entre os diversos Direitos Humanos, Flávia Piovesan lembra que

"[...] afirma Hectos Gros Espiell: "Só o reconhecimento integral de todos esses direitos pode assegurar a existência real de cada um deles, já que sem a efetividade de gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais. Inversamente, sem a realidade dos direitos civis e políticos, sem a efetividade da liberdade entendida em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos, sociais e culturais carecem, por sua vez, de verdadeira significação. Essa idéia da necessária integralidade, interdependência e indivisibilidade quanto ao conceito e à realidade do conteúdo dos direitos humanos, que de certa forma está implícita na Carta das Nações Unidas, que compila, se amplia e se sistematiza em 1948, na Declaração Universal de Direitos Humanos, e se reafirma definitivamente nos Pactos Universais de Direitos Humanos, aprovados pela Assembléia Geral de 1966, e em vigência desde 1976, na Proclamação de Teerã de 1968 e na Resolução da Assembléia Geral, adotada em 16 de dezembro de 1977, sobre os critérios e meios para melhorar o gozo efetivo dos direitos e das liberdades fundamentais (Resolução n. 32/130)"."

2.5 – A não-estabilização dos Direitos Humanos pela Carta da ONU

João Baptista Herkenhoff, no seu livro Direitos Humanos: a construção universal de uma utopia, demonstra de forma irrefutável a noção de que o processo de reconhecimento e declaração dos Direitos Humanos não se estabilizou após a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. Muito pelo contrário, a noção de Direitos Humanos continua se desenvolvendo, apresentando-se, na prática, a necessidade de declaração de mais direitos como sendo inerentes aos seres humanos.

Assim, ele apresenta vários documentos jurídicos que foram assinados após a promulgação da referida Declaração da ONU, e que trazem, em relação a esta mesma Declaração, uma ou outra ampliação da noção de Direitos Humanos. Seriam os principais documentos: A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, A Declaração Islâmica Universal dos Direitos do Homem, a Declaração Universal dos Direitos dos Povos, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, e a Declaração Solene dos Povos Indígenas do Mundo.

Assim, este autor afirma que "a idéia de ‘Direitos Humanos’ não se estabilizou no texto aprovado em 1948. Esta estabilização contraria o sentido dialético da História." uma vez que "a História não caminha dentro de parâmetros fixos..."

Em outra passagem, afirma este mesmo autor que

"De 1948 para cá, as concepções sofreram mudanças e continuarão a sofrer mudanças, no evolver do processo histórico, porque é da essência do Direito o dinamismo, o caráter dialético. O Direito nasce no conflito e do conflito, na luta e da luta. O Direito é sempre provisório porque o Direito tenta estabilizar e regular, num determinado momento histórico, um pacto de conveniência social. As vezes, positiva-se na lei um pacto extremamente opressivo, no qual se reconhece aos fracos, mal e mal, o direito de sobreviver, se possível. Mas à medida que os fracos adquirem consciência de sua dignidade e da possibilidade de se tornarem fortes pela união e pela luta, pactos legais menos injustos podem ser conquistados. É dentro dessa dinâmica histórica que o Direito se constrói. Os Direitos Humanos não estão fora desse processo de criação contínua e conflitiva do Direito."

Para comprovar este pensamento, o jurista destaca que

"A exigência de uma ampliação de direitos, na Declaração Universal de Direitos Humanos, ao lado da busca de caminhos que efetivem, realmente, os direitos declarados, esteve bem presente durante a Conferência Mundial dos Direitos Humanos, que se reuniu em Viena, entre 13 e 25 de junho de 1993."

Conclui o mesmo autor que

"A idéia geral de Direitos Humanos tem sofrido uma revisão que a amplia, por força da própria dinâmica da História.

Parece que a Declaração Universal dos Direitos Humanos seria enriquecida se novos artigos fossem incorporados ao texto, artigos que contemplem os direitos reclamados pelas novas realidades, ou se houvesse, no texto da Declaração, enunciados gerais que se abrissem ao acolhimento dos princípios exigidos pelas novas realidades.

A entender que o texto primitivo deva ser mantido inalterado,, por razões históricas, ou pela inconveniência política de mudanças, pelo menos uma atualização hermenêutica é imperativa."

A noção de "gerações" ou "dimensões" de Direitos Humanos – estudo que será aprofundado a seguir – comprova o alegado: em um primeiro momento, cuidou-se dos direitos civis e políticos, depois vieram os direitos sociais, para depois chegar a vez dos direitos supra-individuais, tais como os relativos ao meio-ambiente, à saúde, à paz, etc...

Concorda com esta tese o jurista Paulo Gustavo Gonet Branco, que, em determinado momento, chega a afirmar que: "De fato, o catálogo dos direitos fundamentais vem-se avolumando, conforme as exigências específicas de cada momento histórico..."

Apenas com o intuito de clarear esta idéia de não-estabilização dos Direitos Humanos, cumpre assinalar que Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma que

"O reconhecimento dos direitos sociais não pôs termo à ampliação do campo dos direitos fundamentais. Na verdade, a consciência de novos desafios, não mais à vida e à liberdade, mas especialmente à qualidade de vida e à solidariedade entre os seres humanos de todas as raças ou nações redundou no surgimento de uma nova geração – a terceira –, a dos direitos fundamentais.

[...]

Na verdade, não se cristalizou ainda a doutrina a seu respeito. Muita controvérsia existe quanto a sua natureza e a seu rol. Há mesmo quem os conteste como falsos direitos do Homem. Tal hesitação é natural, pois foi somente a partir de 1979 que se passou a falar desses novos direitos cabendo a primazia a Karel Vasak. (girfos no original)"

Ora, se os direitos de terceira geração somente foram assimilados pela consciência dos juristas mundiais a partir de 1979, é sinal que a tese apresentada por João Baptista Herkenhoff da não-estabilização dos Direitos Humanos com a simples Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU é correta, pois esta fora promulgada trinta e um anos antes, em 1948.

Existe quem defenda até mesmo uma quarta geração de direitos, a qual estaria apenas em estágio embrionário.

A não-estabilização dos Direitos Humanos é tão nítida que, Manuel Gonçalves Ferreira Filho aponta para a necessidade de não-vulgarização dos Direitos Fundamentais que surgiria da multiplicação destes direitos.

2.6 – As "gerações", "dimensões" ou "gestações" de Direitos Humanos

Sobre as "gerações" de Direitos Humanos, cumpre apresentar as palavras de Burns H. Weston apud Flávia Piovesan:

"[...] A este respeito, particularmente útil é a noção de "três gerações de direitos humanos" elaborada pelo jurista francês Karel Vasak. Sob a inspiração dos três temas da Revolução Francesa, estas três gerações de direitos são as seguintes: a primeira geração se refere aos direitos civis e políticos (liberté); a segunda geração aos direitos econômicos, sociais e culturais (ègalité); e a terceira geração se refere aos novos direitos de solidariedade (fraternité). [...] (grifos no original)"

Deve-se ter em mente que com a idéia de "gerações" de Direitos Humanos, uma nova "geração" não exclui a anterior, muito pelo contrário, esta nova "geração" – por força da interdependência que existe entre os Direitos Humanos – vem reforçar a anterior.

O que acontece é que, em momentos históricos distintos, o povo percebe que o atual estágio de Direitos Humanos é insuficiente para garantir-lhes a dignidade condizente com sua condição de pessoa humana.

Desta forma, afirma Flávia Piovesan:

"[...] adota-se o entendimento de que uma geração de direitos não substitui a outra, mas com ela interage. Isto é, afasta-se a idéia da sucessão "geracional" de direitos, na medida em que acolhe a idéia da expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos consagrados, todos essencialmente complementares e em constante dinâmica de interação. Logo, apresentando os direitos humanos uma unidade indivisível, revela-se esvaziado o direito à liberdade, quando não assegurado o direito à igualdade e, por sua vez, esvaziado revela-se o direito à igualdade, quando não assegurada a liberdade."

Assim, muda-se o enfoque da busca de Direitos, saindo-se da primeira para a segunda geração, e desta para a terceira, ou, em termos históricos: na época das Revoluções Francesa e de Independência da Treze Colônias, o que se buscou foi a garantia dos Direitos Civis e Políticos; depois, à época da Revolução Russa e pós-Primeira Guerra Mundial, buscou-se a garantia dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais; e, presentemente, busca-se a consagração dos Direitos de Fraternidade – o que, como dito anteriormente, reforça a idéia de não-estabilização dos Direitos Humanos pela simples Declaração da ONU em 1948.

Assim, sobre a primeira geração, escreveu Fábio Konder Comparato:

"Toda a "primeira geração" de direitos humanos, nos documentos normativos produzidos pelos Estados Unidos recém independentes, ou pela Revolução Francesa, foi composta de direitos que protegiam as liberdades civis e políticas dos cidadãos, contra a prepotência dos órgãos estatais."

Alexandre de Morais, sobre os direitos de primeira geração, escreveu que:

"[...] são os direitos e garantias individuais e políticos clássicos (liberdades públicas), surgidos institucionalmente a partir da Magna Charta [...] (grifo no original)"

Sobre o surgimento dos "novos direitos" à época da segunda geração, escreveu Manuel Gonçalves Ferreira Filho:

"Ao término da primeira Guerra Mundial – todos sabem – novos direitos fundamentais foram reconhecidos. São os direitos econômicos e sociais que não excluem nem negam as liberdades públicas, mas a elas se somam [...] (grifo no original)"

Alexandre de Morais, por sua vez, lembra que:

"[...] direitos fundamentais de segunda geração que são os direitos econômicos, sociais e culturais, surgidos no início do século, Themístocles Brandão Cavalcanti analisou que

"o começo no nosso século viu a inclusão de uma nova categoria de direitos nas declarações e, ainda mais recentemente, nos princípios garantidores da liberdade das nações e das normas da convivência internacional. Entre os direitos chamados sociais, incluem-se aqueles relacionados com o trabalho, o seguro social, a subsistência, o amparo à doença, à velhice etc." [...] (grifo no original)"

Sobre a terceira geração, escreveu Manuel Gonçalves Ferreira Filho:

"O reconhecimento dos direitos sociais não pôs termo à ampliação do campo dos direitos fundamentais. Na verdade, a consciência de novos desafios, não mais à vida e à liberdade, mas especialmente à qualidade de vida e à solidariedade entre os seres humanos de todas as raças ou nações redundou no surgimento de uma nova geração – a terceira –, a dos direitos fundamentais.

São estes chamados, na falta de melhor expressão, de direitos de solidariedade, ou fraternidade. A primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda dos direitos de igualdade, a terceira, assim, completaria o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade.

Na verdade, não se cristalizou ainda a doutrina a seu respeito. Muita controvérsia existe quanto a sua natureza e a seu rol. Há mesmo quem os conteste como falsos direitos do Homem. Tal hesitação é natural, pois foi somente a partir de 1979 que se passou a falar desses novos direitos cabendo a primazia a Karel Vasak. (girfos no original)"

Ainda sobre a terceira "geração", escreveu Hewerstton Humenhuk:

"Na evolução dos direitos fundamentais, surgem os direitos da terceira geração, que são direitos atribuídos à fraternidade ou de solidariedade. Assim, especifica Maliska estes direitos como àqueles "concernentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e a comunicação.""

Quanto à terceira geração de direitos, escreveu Alexandre de Morais que:

"[...] englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, a uma saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos que são, no dizer de José Marcelo Vigliar, os interesses de grupos menos determinados de pessoas, sendo que entre elas não há vínculo jurídico ou fático muito preciso [...]"

Há, ainda – como dito anteriormente –, quem pregue o surgimento de uma quarta geração de Direitos Humanos que, conforme Paulo Bonavides apud Hewerstton Humenhuk, seriam "o direito à democracia, o direito à informação, e o direito ao pluralismo"

Sendo que, ainda conforme Hewerstton Humenhuk:

"Ainda conforme brilhante comparação com a proposta de Bonavides, o jurista gaúcho Sarlet preconiza:

"A proposta do Prof. Bonavides, comparada com as posições que arrolam os direitos contra a manipulação genética, mudança de sexo, etc., como integrando a quarta geração, oferece nítida vantagem de constituir, de fato, uma nova fase no reconhecimento dos direitos fundamentais...""

Quanto à possível quarta geração de direitos humanos, escreveu Alexandre de Morais:

"Note-se que Celso Lafer classifica esses mesmos direitos em quatro gerações, dizendo que os direitos de terceira e quarta gerações transcendem a esfera dos indivíduos considerados em sua expressão singular, e recaindo, exclusivamente, nos grupos primários e nas grandes formações sociais [...]"

Por outro lado, Valério de Oliveira Marzzuoli afirma, sobre a teoria das gerações de direitos humanos, que

"Objeta-se, se as gerações de direitos induzem à idéia de sucessão – através da qual uma categoria de direitos sucede a outra que se finda –, a realidade histórica aponta, em sentido contrário, para a concomitância do surgimento de vários textos jurídicos, concernentes a direitos humanos de uma ou outra natureza. No plano interno, por exemplo, a consagração nas Constituições dos direitos sociais foi, em geral, posterior à dos direitos civis e políticos, ao passo que, no plano internacional, o surgimento da Organização Internacional do Trabalho, em 1919, propiciou a elaboração de diversas convenções, regulamentando os direitos sociais dos trabalhadores, antes mesmo da internacionalização dos direitos civis e políticos no plano externo.

O processo de desenvolvimento dos direitos humanos, assim, opera-se em constante cumulação, sucedendo-se, no tempo, vários direitos, que, mutuamente, se substituem, consoante a concepção contemporânea desses direitos, fundada na sua universalidade, indivisibilidade e interdependência."

Esta teoria das "gerações" vem, contudo, sofrendo críticas, como, por exemplo, as apresentadas por George Marmelstein Lima, para quem:

"A expressão "geração de direitos" tem sofrido várias críticas da doutrina nacional e estrangeira. É que o uso do termo "geração" pode dar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, o que é um erro, já que, por exemplo, os direitos de liberdade não desaparecem ou não deveriam desaparecer quando surgem os direitos sociais e assim por diante. O processo é de acumulação e não de sucessão.

Além disso, a expressão pode induzir à idéia de que o reconhecimento de uma nova geração somente pode ou deve ocorrer quando a geração anterior já estiver madura o suficiente, dificultando bastante o reconhecimento de novos direitos, sobretudo nos países ditos periféricos (em desenvolvimento), onde sequer se conseguiu um nível minimamente satisfatório de maturidade dos direitos da chamada "primeira geração".

[...]

Além do equívoco acima exposto, que torna até perigosa a teoria das gerações dos direitos fundamentais, já que dificulta a positivação e a efetivação dos direitos sociais e econômicos, bem como dos direitos de solidariedade mundial, a teoria também não retrata a verdade histórica.

A evolução dos direitos fundamentais não segue a linha descrita (liberdade → igualdade → fraternidade) em todas as situações. Nem sempre vieram os direitos da primeira geração para, somente depois, serem reconhecidos os direitos da segunda geração.

[...]

Como se observa, todas as categorias de direitos fundamentais, sejam os direitos civis e políticos, sejam os direitos sociais, econômicos, ambientais e culturais, exigem obrigações negativas ou positivas por parte do Estado. Os direitos civis e políticos não são realizados apenas mediante obrigações negativas, assim como os direitos sociais, econômicos, ambientais e culturais não são realizados apenas com obrigações positivas.

[...]

Em razão de todas essas críticas, a doutrina recente tem preferido o termo "dimensões" no lugar de "gerações", afastando a equivocada idéia de sucessão, em que uma geração substitui a outra.

No entanto, a doutrina continua incorrendo no erro de querer classificar determinados direitos como se eles fizessem parte de uma dada dimensão, sem atentar para o aspecto da indivisibilidade dos direitos fundamentais. Na verdade, não é adequado nem útil dizer, por exemplo, que o direito de propriedade faz parte da primeira dimensão. Também não é correto nem útil dizer que o direito à moradia é um direito de segunda dimensão.

O ideal é considerar que todos os direitos fundamentais podem ser analisados e compreendidos em múltiplas dimensões, ou seja, na dimensão individual-liberal (primeira dimensão), na dimensão social (segunda dimensão), na dimensão de solidariedade (terceira dimensão) e na dimensão democrática (quarta dimensão). Não há qualquer hierarquia entre essas dimensões. Na verdade, elas fazem parte de uma mesma realidade dinâmica. Essa é a única forma de salvar a teoria das dimensões dos direitos fundamentais."

Desta forma, a concepção de "gerações" de Direitos Humanos, indica sucessão e não-cumulatividade entre uma e outra "geração". Por outro lado, a idéia de "dimensões" parece indicar o estudo de características intrínsecas dos Direitos Humanos, e não alguma coisa extrínseca, como é o estudo sobre o surgimento dos diversos Direitos Humanos.

É assim que preferimos utilizar o termo "gestações" de Direitos Humanos, pois todos sabem que uma gestação não implica na morte ou na negação do fruto da gestação anterior. Assim, deve-se proteger todas as gestações de Direitos Humanos concomitantemente, da mesma forma como ocorre com uma família, onde os pais procuram proteger todos os seus filhos indistintamente.

É claro que os filhos mais velhos, mais fortes não necessitam de tanta proteção, enquanto que ao contrário, os mais jovens precisam de maior atenção; assim também os Direitos Humanos: os mais antigos, já sedimentados na cultura dos povos, não necessitam de maiores cuidados, enquanto que os mais recentes, como, por exemplo, o direito a um meio-ambiente equilibrado, está em fase de maiores atenções.

Da mesma forma, é possível que em determinada família, Maria nasça antes que João, em quanto que em outra, ocorra o contrário, e João nasça antes que Maria. Assim também com os Direitos Fundamentais, é possivel que em determinado ordenamento jurídico, os direitos sociais sejam fruto de uma gestação anterior que a dos direitos civis e políticos, muito embora, na maioria dos casos ocorra o inverso.

Assim, cai por terra também o argumento das críticas relativas à indivisibilidade dos Direitos Humanos, pois estes serão todos considerados – apesar das diferentes "gestações" – como membros de uma única família: a dos Direitos Humanos.

Existe uma outra vantagem da adoção desta nova terminologia, que é a idéia de que uma gestação leva certo lapso de tempo para se concluir e dar à luz o seu fruto. É o que ocorre com os Direitos Humanos: existe toda uma fase preparatória anterior da sua promulgação. Primeiro verifica-se a insuficiência dos atuais direitos, depois o povo pede mudanças, então os órgãos competentes analisam as novas necessidades para, só então, promulgar os novos direitos. É, justamente, este período o período de "gestação" dos Direitos Humanos.

Uma vez promulgados novos Direitos Humanos, o Estado estará, novamente, preparado para dar à luz novos Direitos Humanos.

É o que ocorre, atualmente, com os Direitos Humanos de "quarta gestação", que estão, justamente, em fase de gestação, onde ainda não se sabe se será menino, ou menina; ou seja, ainda não se sabe, exatamente, seu conteúdo, mas sabe-se muito bem que o momento histórico atual está prestes a consolidar novos Direitos Humanos.

2.7 – Novos e velhos Direitos

Ao contrário do que pode parecer, não existe qualquer contradição entre a luta por novos direitos e a luta pela efetivação dos direitos já proclamados. É o que se verifica com a teoria das gestações – ou gerações, como é mais conhecida – dos Direitos Humanos: uma nova gestação não substitui, nem exclui a anterior, pelo contrário, soma-se a ela.

Segundo, novamente o grande jurista João Baptista Herkenhoff:

"Heleno Cláudio Fragoso manifestou a opinião de que estaria ultrapassada a fase das declarações de direitos e liberdades. A seu sentir, o que constitui hoje preocupação universal é a criação de um sistema jurídico que assegure, efetivamente, a observância dos direitos e liberdades proclamados.

[...]

Refere-se o inesquecível Heleno Fragoso, nessa passagem, necessariamente, a um certo grupo de Direitos Humanos. Há outros que o sistema jurídico, por si só, não está habilitado a prover.

Na mesma linha de pensamento, Karel Vasak pondera que parece estar completo o trabalho legislativo internacional em matéria de Direitos Humanos. Observa que da nada adianta multiplicar textos que encerram promessas mais ou menos vagas, cuja aplicação, no âmbito jurídico interno, deixa a desejar.

Creio que esses autores estão com razão quando timbram na denúncia de direitos proclamados que não encontram correspondência na realidade social.

As proclamações solenes de direitos sofrem o perigo de um desgaste contínuo quando se percebe o abismo existente entre os postulados e a situação concreta. O freqüente desrespeito aos Direitos Humanos, praticado sem remédio por governos, gera, na opinião pública, a descrença na efetividade desses Direitos.

Reclama-se, assim, como reivindicação incontornável da consciência jurídica internacional, a efetivação dos Direitos Humanos. É indispensável a criação de mecanismos eficazes que promovam e salvaguardem o império desses Direitos na civilização atual.

Contudo, se apoiarmos esses autores no núcleo central da afirmação que fazem, não nos parece exato concluir que a fase da proclamação de direitos esteja encerrada.

A História é movimento dialético, a ampliação de direitos não se esgota. Novos direitos estão sendo reclamados, minorias tomam consciência de sua dignidade. Esse dinamismo criativo de novos Direitos é uma das hipóteses centrais da pesquisa que fizemos. [...] (grifo nosso)"

É justamente a tese da não-estabilização dos Direitos Humanos com a Declaração da ONU de que tratamos no título 2.5 deste trabalho, e sobre a qual o referido autor comprovou a veracidade em uma de suas obras, na qual ele afirma:

"A idéia de "Direitos Humanos" não se estabilizou no texto aprovado em 1948. Esta estabilização contrariaria o sentido dialético da História.

É verdade que direitos afirmados há quase 50 anos ainda não encontram plena aceitação. É flagrante o desrespeito a esses direitos, quer nos países do Terceiro Mundo (ou mundo dos pobres, caso se entenda que já não existem 3 mundos, mas apenas 2), quer na opulência do Primeiro Mundo (ou mundo dos países ricos).

Poderia parecer contraditório que se fale em novos direitos, em alargamento de direitos, se direitos elementares, como o de não ser torturado, ainda não têm plena vigência.

A oposição entre antigos e novos direitos é aparente.

A consciência de novos direitos não se opõe à busca de realização plena de direitos já afirmados.

Em muitas hipóteses há mesmo uma correlação na luta por direitos históricos, antigos, e por direitos que se afirmam com mais vigor contemporaneamente.

O direito a relações de Justiça, no plano internacional, por exemplo, não foi contemplado expressamente pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. É, então, em certo sentido, um direito novo.

Esse direito tem ligação estreita com direitos humanos de tradição secular, no plano da vida interna dos países pobres.

A situação de penúria em que se encontram países do Terceiro Mundo cria condições sociais que facilitam sobremaneira os abusos das autoridades públicas contra a pessoa humana. A situação de miséria fabrica os ingredientes que favorecem as violações pessoais. Por outro lado, essa situação de miséria é, por si só, a mais grave violação dos Direitos Humanos porque é uma violação coletiva.

A situação de penúria do Terceiro Mundo (ou mundo dos pobres) advém, em grande parte, de relações econômicas internacionais injustas, conforme demonstraremos.

A mesma correlação ocorre no que diz respeito aos "direitos dos povos", também não expressamente contemplados pela Declaração Universal.

Como se pode pretender, por exemplo, que o homem seja reconhecido como pessoa perante a lei (artigo 6, da Declaração), se o Povo a que ele pertence, se a Nação que ele integra não é reconhecida como "pessoa internacional"?

A História não caminha dentro de parâmetros fixos. Esta é mais uma razão para concluir que a oposição colocada no parágrafo anterior seja apenas aparente.

Os deficientes físicos, por exemplo, aumentaram em número devido sobretudo a acidentes provocados pelas máquinas modernas. Em decorrência desse crescimento do número de deficientes e do crescimento da própria consciência de direitos por parte deles, seu poder político hoje é muito maior do que há 50 anos.

Os deficientes não podem esperar que direitos seculares sejam plenamente realizados (que a tortura acabe, por exemplo) para então fazer valer sua voz.

Finalmente, não existe a suposta contradição por uma terceira razão.

A luta por direitos históricos e a luta por direitos que assumiram peso político, na atualidade, não se excluem. Pelo contrário, são lutas que se acrescentam e que se enriquecem reciprocamente.

Quando se quer que a tortura acabe, luta-se pela dignidade humana.

Quando se pede que os deficientes sejam ouvidos, luta-se pela dignidade humana.

Quando se pede que o homossexual seja respeitado, luta-se pela dignidade humana.

Quando se pleiteia pelos Direitos dos Povos, luta-se pela dignidade humana.

Quando se grita para que vigorem princípios de Justiça, no plano da relações econômicas internacionais, de modo que sejam superadas as estruturas escravizadoras dos povos pobres da Terra, luta-se pela dignidade humana.

A luta pela dignidade humana é uma luta única e solidária. Apenas assume aspectos particulares em face de situações específicas. (grifos nossos)"

Trata-se aqui – como já dito a pouco – de uma volta ao tema do título 2.5, onde pode-se comprovar que os Direitos Humanos ainda estão em fase de expansão, existindo quem propugne por uma quarta gestação de direitos – como visto no título 2.6.

Assim, estes três títulos – 2.5, 2.6 e o atual 2.7 – somam-se no sentido de comprovar a tese de que ainda existem Direitos Humanos a serem universalmente proclamados, e dos quais um deles é, justamente ,o reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas.


3.0 – LIMITES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Nenhum direito é absoluto, mesmo em matéria de Direitos Fundamentais.

Nos dizeres de Alexandre de Morais:

"Os direitos humanos fundamentais não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.

Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (Princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas).

Dessa forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando um redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas. (grifos no original)"

A limitação de um Direito Fundamental será necessária, portanto e, principalmente, quando acontecer o choque entre dois direitos que, apesar de absolutamente compatíveis – de um modo geral –, em determinado caso concreto se apresentem como incompatíveis entre si.

E a conseqüência desta possibilidade de limitação a Direitos Fundamentais da pessoa humana é o surgimento de teorias cujo intento é descobrir critérios justos e válidos para a averiguação de como se deve proceder quando exista, na prática, uma colisão entre dois Direitos Fundamentais.

É o que se procura apresentar, de forma sintética, no presente capítulo.

3.1 – Limites dos limites

Quanto à questão dos "limites dos limites" dos Direitos Fundamentais, claros e objetivos os ensinamentos do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, para quem:

"Da análise dos direitos individuais pode-se extrair a conclusão errônea de que direitos, liberdades, poderes e garantias são passíveis de limitação ou restrição. É preciso não perder de vista, porém, que tais restrições são limitadas. Cogita-se aqui dos chamados limites imanentes ou "limites dos limites" (Schranken-Schranken), que balizam a ação do legislador quando restringe direitos individuais. Esses limites, que decorrem da própria Constituição, referem-se tanto à necessidade de proteção de um núcleo essencial do direito fundamental, quanto à clareza, determinação, generalidade e proporcionalidade das restrições impostas. (grifos no original)"

Assim, as possíveis limitações que podem ser feitas aos Direitos Fundamentais não são ilimitadas, devendo-se na prática, sempre, preservar um mínimo de direito compatível com o Direito Fundamental o qual se pretende limitar. É a idéia de "núcleo essencial" de um Direito Fundamental, que, nas palavras do mesmo Ministro:

"De ressaltar, porém, que, enquanto princípio expressamente consagrado na Constituição ou enquanto postulado constitucionalmente imanente, o princípio da proteção do núcleo essencial destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental decorrente de restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais."

Porém, pouco mais adiante, ele ainda adverte que:

"Controverte-se na doutrina, ainda, sobre o exato significado do princípio de proteção do núcleo essencial, indagando-se se ele há de ser interpretado em sentido subjetivo ou objetivo, isto é, se o que se proíbe é a supressão de um direito subjetivo determinado (teoria subjetiva), ou se se pretende assegurar a intangibilidade objetiva de uma garantia dada pela Constituição (teoria objetiva). (grifos no original)"

Apesar disso, lembra o Ministro que:

"[...] propõe Hesse uma fórmula conciliadora, que reconhece no princípio da proporcionalidade uma proteção contra as limitações arbitrárias ou desarrazoadas (teoria relativa), mas também contra a lesão ao núcleo essencial dos direitos fundamentais. É que, observa Hesse, a proporcionalidade não há de ser interpretada em sentido meramente econômico, de adequação da medida limitadora ao fim perseguido, devendo também cuidar da harmonização dessa finalidade com o direito afetado pela medida."

O importante é notar-se que, deve-se evitar, ao máximo, impedir que um direito seja "destruído", impedindo-se seu gozo por seu titular. Assim, deve-se ter em mente que o direito de liberdade do homossexual não pode ser sumariamente tolhido, sem que hajam fortes razões para fazê-lo, de forma que, a menos a princípio, a liberdade homossexual deve ser garantida e protegida pelo ordenamento jurídico.

Não se pode esquecer que, garantir no papel o direito à liberdade homossexual (por exemplo, artigo 5º, inciso II da CF/88), mas impedir-se que lhes seja juridicamente reconhecida a união homoafetiva, é o mesmo que impedir sua liberdade.

Quanto à norma da proporcionalidade, esta será vista logo adiante, descabendo maiores comentários no momento.

3.1.1 – Proibição de limitações casuísticas

A proibição de limitações casuísticas está diretamente ligada ao princípio da isonomia, garantido expressamente no caput do artigo 5º da Constituição Federal.

Seu significado implica na proibição de estabelecer-se, por via legislativa, a restrição preconceituosa a determinado direito.

Nas inigualáveis palavras do Ministro Gilmar Ferreira Mendes:

"Outra limitação implícita que há de ser observada diz respeito à proibição de leis restritivas de conteúdo casuístico ou discriminatório. Em outros termos, as restrições aos direitos individuais devem ser estabelecidas por leis que atendam aos requisitos da generalidade e da abstração, evitando, assim, tanto a violação do princípio da igualdade material, quanto a possibilidade de que, através de leis individuais e concretas, o legislador acabe por editar autênticos atos administrativos.

[...]

Diferentemente das ordens constitucionais alemã e portuguesa, a Constituição brasileira não contempla expressamente a proibição de lei casuística no seu texto.

Isto não significa, todavia, que tal princípio não tenha aplicação entre nós. Como amplamente admitido na doutrina, tal princípio deriva do postulado material da igualdade, que veda o tratamento discriminatório ou arbitrário.

Resta evidente, assim, que a elaboração de normas restritivas de caráter casuístico afronta, de plano, o princípio da isonomia.

É de observar-se, outrossim, que tal proibição traduz uma exigência do Estado de Direito democrático, que se não compatibiliza com a prática de atos discriminatórios ou arbitrários [...]

[...]

[...] Segundo Canotilho lei individual restritiva inconstitucional é toda lei que:

- imponha restrições aos direitos, liberdades e garantias de uma pessoa ou de várias pessoas determinadas;

- imponha restrições a uma pessoa ou a um círculo de pessoas que, embora não determinadas, podem ser determináveis através de conformação intrínseca da lei e tendo em conta o momento de sua entrada em vigor.

O notável publicista português acentua que o critério fundamental para a identificação de uma lei individual restritiva não é a sua formulação ou o seu enunciado lingüistico, mas o seu conteúdo e respectivos efeitos. Daí reconhecer a possibilidade de leis individuais camufladas, isto é, leis que, formalmente, contém uma normação geral e abstrata, mas que, materialmente, segundo o conteúdo e efeitos, dirigem-se, efetivamente, a um círculo determinado ou determinável de pessoas."

3.2 – Colisão entre Direitos Fundamentais

Quanto à colisão entre Direitos Fundamentais cumpre analisar as normas da proporcionalidade da razoabilidade, as quais se destinam especificamente a solucionar os problemas referentes ao choque entre dois, ou mais, Direitos Fundamentais.

3.2.1 – O Proporcional e o razoável

Existem duas normas, as quais são comumente chamadas de princípios pela doutrina e jurisprudência, as quais se destinam a impor um critério científico para avaliação de, na hipótese de colisão entre dois Direitos Fundamentais, qual deles deverá prevalecer.

Estas duas normas são as regras da proporcionalidade e da razoabilidade.

Porém, antes de falar-se sobre as normas da proporcionalidade, ou da razoabilidade, deve-se, antes de mais nada, fazer-se uma distinção entre regras e princípios.

Segundo Alexy, regras são deveres definitivos, onde só existem duas possibilidades: ou são aplicáveis, ou são não-aplicáveis; enquanto que os princípios são deveres prima facie, ou seja, flexíveis, de forma a poderem ser aplicados em maior, ou menor, grau.

As regras são aplicadas através da subsunção, enquanto que os princípios são normas que impõem a aplicação na maior medida possível, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto.

Segundo esta diferenciação de Alexy, estaríamos diante da "Regra" da Proporcionalidade, e não do "princípio" da proporcionalidade como defendem a doutrina e a jurisprudência nacional; uma vez que ou se aplica a norma da proporcionalidade, ou não se aplica a norma da proporcionalidade, sendo impossível uma "aplicação em parte" ou "até certo ponto" da norma da proporcionalidade.

Enquanto que a colisão entre regras é resolvida pelos critérios da especialidade, hierarquia ou pelo critério cronológico; a colisão entre Princípios é resolvida por sopesamento, e é justamente para decidir-se os conflitos entre princípios que surge a norma (regra) da proporcionalidade, cuja origem remonta ao direito germânico.

Segundo o prof. Luiz Virgílio Afonso da Silva:

"[...] A regra da proporcionalidade é uma regra de interpretação e aplicação do direito – no diz respeito ao objeto do presente estudo, de interpretação e aplicação dos direitos fundamentais –, empregada especialmente nos casos em que um ato estatal, destinado a promover a realização de um direito fundamental ou de um interesse coletivo, implica a restrição de outro ou de outros direitos fundamentais. O objetivo da aplicação da regra da proporcionalidade, como o próprio nome indica, é fazer com que nenhuma restrição a direitos fundamentais tome dimensões desproporcionais. É, para usar uma expressão consagrada, uma restrição às restrições... (grifos no original)"

A regra da proporcionalidade implica na aplicação de três sub-regras: da adequação, da necessidade e a sub-regra da proporcionalidade.

Pela sub-regra da adequação, deve-se procurar saber se a medida que implica no limite à determinado direito é adequada. A medida será adequada quando fomente a realização da finalidade desejada.

Pela sub-regra da necessidade, deve-se procurar saber se inexiste outra medida tão eficaz quanto a pretendida, porém menos danosa ao direito limitado.

E, pela sub-regra da proporcionalidade, deve-se investigar se os ganhos oferecidos pela medida limitadora do direito justificam as perdas, que no caso são as limitações impostas ao direito em questão.

É necessário destacar-se que existe uma certa ordem necessária para o exame das três sub-regras acima, de forma que somente se chegará à aplicação da sub-regra da necessidade se, antes, tiver-se chegado, na aplicação da sub-regra da adequação, a um resultado que justifique seu valoramento; e, só se chegará à sub-regra da proporcionalidade, se antes o justificarem as sub-regras da adequação e da necessidade.

Nas palavras do próprio prof. Luiz Virgílio Afonso da Silva:

"[...] a aplicação da regra da proporcionalidade nem sempre implica a análise de todas as suas três sub-regras. Pode-se dizer que tais sub-regras relacionam-se de forma subsidiária entre si. Essa é uma importante característica, para a qual não se tem dado a devida atenção [...] com subsidiariedade quer-se dizer que a análise da necessidade só é exigível se, e somente se, o caso já não tiver sido resolvido com a análise da adequação; e a análise da proporcionalidade em sentido estrito só é imprescindível, se o problema já não tiver sido solucionado com as análises da adequação e da necessidade. Assim, a aplicação da regra da proporcionalidade pode esgotar-se, em alguns casos, com o simples exame da adequação do ato estatal apara a promoção dos objetivos pretendidos... (grifos no original)"

Quanto à fundamentação da regra da proporcionalidade no Direito brasileiro, degladiam-se a doutrina e jurisprudência nacional, não se chegando a qualquer resposta melhor que a apontada pelo prof. Luiz Virgílio Afonso da Silva – com a qual concordamos – e que afirma que a regra da proporcionalidade é uma decorrência lógica do ordenamento jurídico como formado por regras e princípios. Em suas próprias palavras:

"A despeito da opinião de inúmeros juristas da mais alta capacidade, entendo que a busca por uma fundamentação jurídico-positiva da regra da proporcionalidade é uma busca fadada a ser infrutífera.

A exigibilidade da regra da proporcionalidade para a solução de colisão entre direitos fundamentais não decorre deste ou daquele dispositivo constitucional, mas da própria estrutura dos direitos fundamentais. Essa fundamentação não se confunde, contudo, com aquela anteriormente citada, segundo a qual a exigência de aplicação da regra da proporcionalidade, por decorrer "do regime e dos princípios" adotados pela Constituição, encontraria sustentação legal no §2º do art. 5º. A fundamentação aqui seguida tem um caráter estritamente lógico, e valeria ainda que esse §2º não existisse.(grifos no original)"

Quanto à sua aplicação pelo STF, este parece utilizar-se mais da regra da razoabilidade, de origem anglo-saxã, do que da regra da proporcionalidade.

Enquanto que a regra da proporcionalidade implica na utilização das três sub-regras acima, a regra da razoabilidade está diretamente ligada à simples idéia de bom senso.

Nas palavras do prof. Luiz Virgílio Afonso da Silva:

"[...] na Inglaterra fala-se em princípio da irrazoabilidade e não em princípio da razoabilidade. E a origem concreta do princípio da irrazoabilidade, na forma como aplicada na Inglaterra, não se encontra no longínquo ano de 1215, nem em nenhum outro documento legislativo posterior, mas em decisão judicial proferida em 1948. E esse teste da irrazoabilidade, conhecido também como teste Wednesbury, implica tão-somente rejeitar atos que sejam excepcionalmente irrazoáveis. Na fórmula clássica da decisão Wednesbury: "se uma decisão (...) é de tal forma irrazoável, que nenhuma autoridade razoável a tomaria, então pode a Corte intervir"... (grifos no original)"

O STF, ao utilizar-se da regra da proporcionalidade não costuma utilizar-se das três sub-regras, equiparando a regra da proporcionalidade à da razoabilidade, transformando-as em sinônimos.

3.3 – Hipótese de exclusão de benefício incompatível com o princípio da isonomia

A hipótese de exclusão de benefício incompatível com o princípio da isonomia, como o próprio nome indica, e assim como a proibição de limitações casuísticas, está diretamente ligada ao princípio de igualdade material.

Objetivas e indubitáveis são as palavras do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, para quem:

"O princípio da isonomia pode ser visto tanto como exigência de tratamento igualitário (Gleichbehandlungsgebot), quanto como proibição de tratamento discriminatório (Ungleichbehandlung-sverbot). A lesão ao princípio da isonomia oferece problemas sobretudo quando se tem a chamada "exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade" (willkürlicher Bergünstigungsausschluss).

Tem-se uma "exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade" se a norma afronta ao princípio da isonomia, concedendo vantagens ou benefícios a determinados segmentos ou grupos sem contemplar outros que se encontram em condições idênticas.

Essa exclusão pode verificar-se de forma concludente ou explícita. Ela é concludente se a lei concede benefícios apenas a determinado grupo; a exclusão de benefícios é explícita se a lei geral que outorga determinados benefícios a certo grupo exclui sua aplicação a outros segmentos.

O postulado da igualdade pressupõe a existência de, pelo menos, duas situações que se encontram numa relação de comparação. Essa relatividade do postulado da isonomia leva, segundo Maurer, a uma inconstitucionalidade relativa ("relative Verfassungswidrigkeit") não no sentido de uma inconstitucionalidade menos grave. É que inconstitucional não se afigura a norma "A" ou "B", mas a disciplina diferenciada das situações ("die Unterschiedlichkeit der Regelung").

Essa peculiaridade do princípio da isonomia causa embaraços, uma vez que a técnica convencional de superação da ofensa (cassação; declaração de nulidade) não parece adequada na hipótese, podendo inclusive suprimir o fundamento em que assenta a pretensão de eventual lesado. (grifos no original)"


4.0 – Os Direitos Humanos na Constituição de 1988

A Constituição de 1988, indubitavelmente, deu ampla acolhida à idéia de Direitos Humanos.

João Baptista Herkenhoff – em seu livro Direitos Humanos: uma idéia, muitas vozes onde ele estuda detalhadamente cada um dos artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU – traça uma linha de semelhanças entre a Constituição Federal e a Declaração de 1948, desde o preâmbulo de ambas, e concluindo que a Constituição Federal, não só agasalhou os valores assinalados pela Declaração da ONU, como foi mais longe. Em suas próprias palavras:

"O preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o da nossa atual Constituição guardam muitas semelhanças.

São valores abrigados pelo preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos [e da própria Declaração como um todo], como já observamos: 1 – a igualdade e a fraternidade; 2 – a dignidade da pessoa humana; 3 – a liberdade; 4 – a Justiça; 5 – a proteção legal dos direitos; 6 – a paz e a solidariedade universal; 7 – a democracia.

São valores realçados no preâmbulo da Constituição Brasileira:

a) o Estado Democrático; b) os direitos sociais e individuais, colocados aqueles em primeiro lugar, na ordem de enumeração; c) a liberdade; d) a segurança; e) o bem-estar; f) o desenvolvimento; g) a igualdade; h)a justiça; i) o ideal de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social; j) o compromisso, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias; k) a crença na proteção de Deus.

A Constituição do Brasil avança, no seu preâmbulo, em relação à Declaração Universal dos Direitos Humanos, quando realça, mais que esta, os direitos sociais e quando faz expressa referência ao desenvolvimento."

É claro que, como bem lembra Alexandre de Morais, o preâmbulo não tem força normativa obrigatória, mas, como este mesmo jurista bem observou, o preâmbulo constitucional "consiste em uma certidão de origem e legitimidade do novo texto e uma proclamação de princípios" além de que:

"[...] o preâmbulo não é juridicamente irrelevante, uma vez que deve ser observado como elemento de interpretação e integração dos diversos artigos que lhe seguem. (grifos no original)"

Assim, é neste sentido que João Baptista Herkenhoff afirma, ainda, que:

"Embora não fazendo parte do preâmbulo, os artigos 1º, 3º e 4º da Constituição também agasalham princípios orientadores, esposam valores fundamentais. Esses princípios e valores completam e explicam a tábua de opções ético-jurídicas do preâmbulo. Se considerarmos esses artigos, como é metodologicamente correto, complemento do preâmbulo, concluiremos que a enunciação de valores humanos e democráticos da Constituição do Brasil avantaja-se ao código de valores inscrito no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos. [...]"

Por outro lado, como bem assina Valério de Oliveira Mazzuoli:

"Como marco fundamental do processo de institucionalização dos direitos humanos no Brasil, a Carta de 1988, logo em seu primeiro artigo, erigiu a dignidade da pessoa humana a princípio fundamental (art. 1º, III), instituindo, com esse princípio, um novo valor que confere suporte axiológico a todo o sistema jurídico e que deve ser, sempre, levado em conta, quando se trata de interpretar qualquer das normas constantes do ordenamento jurídico nacional."

Flávia Piovesan concorda com o referido autor, ao afirmar:

"O valor da dignidade humana – imediatamente elevado a princípio fundamental da Carta, nos termos do art. 1º III – impõe-se como núcleo e informador do ordenamento jurídico brasileiro, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional instaurado em 1988. A dignidade humana e os direitos fundamentais vêm a constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro. Na ordem de 1988, esses valores passam a ser dotados de uma especial força expansiva, projetando-se por todo universo constitucional e servindo como critério interpretativo de todas as normas do ordenamento jurídico nacional."

No tocante à materialidade dos Direitos Humanos na Constituição Federal de 1988, escreveu Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

"A Constituição de 1988 apresenta algumas variações em relação ao modelo tradicional, seguido pelas anteriores.

Em primeiro lugar, ela enumera os direitos e garantias fundamentais logo num Título II, antecedendo-os, portanto, à estruturação do Estado. Quis com isso marcar a preeminência que lhes reconhece. [...] deve-se registrar que noutros pontos da Constituição são apontados direitos fundamentais, como é o caso da seção relativa às limitações do poder de tributar. Qual o critério que ditou essa distribuição de assuntos, ninguém sabe. Questão de técnica – dir-se-á – ou de falta de técnica, o que é mais provável.

Grosso modo, no capítulo sobre direitos e deveres individuais e coletivos (onde não se encontram deveres) estão os direitos da primeira geração, mais as garantias, no seguinte obviamente os direitos econômicos e sociais, a segunda geração. Quanto à terceira, esta se faz representar pelo solitário direito ao meio ambiente (art. 225). (grifos no original)"

O mesmo Manoel Gonçalves Ferreira Filho escreveu ainda:

"É tradicional no direito brasileiro a inserção dos princípios básicos do Estado de Direito entre os direitos e garantias fundamentais. Isto tem uma razão de ser. São eles encarados como outras tantas garantias contra o arbítrio. Realmente, o princípio da legalidade condiciona a uma forma – a forma da lei – o estabelecimento de restrições aos direitos fundamentais; o princípio da igualdade exige que o regime legalmente estabelecido para cada direito seja igual para todos; e, enfim, o princípio da justicialidade sujeita toda e qualquer lesão de direito ao crivo dos tribunais [...] (grifos no original)"

Paulo Gustavo Gonet Branco, por sua vez, afirma que, com relação à sistemática adotada pelo constituinte de 1988:

"[...] considerou-se num primeiro grupo a condição do homem-indivíduo, independente dos demais e do próprio Estado, daí resultando os direitos individuais. A situação do homem como membro de uma coletividade inspirou os direitos coletivos. Uns e outros foram enumerados no art. 5º da Constituição.

Os direitos que contemplam o homem nas suas relações sociais e culturais, seriam os direitos sociais, expressos nos arts. 6º e 193 e seguintes. Os direitos que têm por objeto a nacionalidade do indivíduo deram origem aos direitos arrolados no art. 12. Por fim, os direitos de participação política foram enfeixados como direitos políticos, nos arts. 14 a 17 da Lei Maior."

Por outro lado, pelo texto insculpido no §2º do artigo 5º, vários juristas pregam a abertura da Constituição Federal, e de todo o ordenamento jurídico nacional, ao Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, com uma concepção segundo a qual todo tratado internacional que verse sobre Direitos Humanos passaria, após ratificação, a ter status constitucional, passando, o seu conteúdo, a fazer parte do rol de direitos e garantias inscritos no artigo 5º da Constituição Federal. Ou, nas palavras de Valério de Oliveira Mazzuoli:

"A cláusula aberta do § 2º do art. 5º da Carta da República de 1988, dessa forma, está a admitir visivelmente que os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo governo ingressem no ordenamento jurídico brasileiro no mesmo grau hierárquico das normas constitucionais, e não em outro âmbito de hierarquia de normas."

Flávia Piovesan, para justificar este raciocínio, lembra que:

"[...] A esse raciocínio se acrescentam o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais referentes a direitos e garantias fundamentais e a natureza materialmente constitucional dos direitos fundamentais, o que justifica estender aos direitos enunciados em tratados o regime constitucional conferido aos demais direitos e garantias fundamentais. Essa conclusão decorre também do processo de globalização, que propicia e estimula a abertura da Constituição à normação internacional – abertura que resulta na ampliação do "bloco de constitucionalidade", que passa a incorporar preceitos asseguradores de direitos fundamentais."

Apesar de não se referir ao §2º do artigo 5º, mas, ao contrário, de utilizar-se de uma explicação jus-filosófica, Fábio Konder Comparato – com quem concorda Flávia Piovesan – também afirma que, em caso de conflitos entre as normas internas e os tratados internacionais de Direitos Humanos, deva prevalecer a norma mais favorável.

Em suas próprias palavras:

"Sem entrar na tradicional querela doutrinária entre monistas e dualistas, a esse respeito, convém deixar aqui assentado que a tendência predominante, hoje, é no sentido de se considerar que as normas internacionais de direitos humanos, pelo fato de exprimirem de certa forma a consciência ética universal, estão acima do ordenamento jurídico de cada Estado [...] Seja como for, vai-se firmando hoje na doutrina a tese de que, na hipótese de conflito entre as regras internacionais e internas, em matéria de direitos humanos, há de prevalecer sempre a regra mais favorável ao sujeito de direito, pois a proteção da dignidade da pessoa humana é a finalidade última e a razão de ser de todo o sistema jurídico."

Ainda no tocante ao §2º do artigo 5º, escreveu Paulo Gustavo Gonet Branco:

"O parágrafo em questão dá ensejo a que se afirme que se adotou um sistema aberto de direitos fundamentais no Brasil, não se podendo considerar taxativa a enumeração dos direitos fundamentais no Título II da Constituição. Essa interpretação é sancionada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, ao apreciar a ação direta de inconstitucionalidade envolvendo a criação do IPMF, afirmou que o princípio da anterioridade (art. 150, III, b, da CF) constitui um direito ou garantia individual fundamental.

É legítimo, portanto, cogitar de direitos fundamentais previstos expressamente no catálogo da Carta e de direitos materialmente fundamentais que estão fora do catálogo. Direitos não rotulados expressamente como fundamentais no título próprio da Constituição podem ser como tal considerados, a depender da análise do seu objeto e dos princípios adotados pela Constituição. A sua fundamentalidade decorreria da sua referência a posições jurídicas ligadas ao valor da dignidade humana, que, por sua importância, não podem ser deixadas à disponibilidade absoluta do legislador ordinário. (grifos nossos)"

Vamos mais longe que o referido autor, e afirmamos que é possível a existência de direitos, não expressos em momento algum pela Constituição, e que, pelos argumentos acima, seriam, apesar desta circunstância, fundamentais. Esta abertura é dada pelo citado § 2º do artigo 5º, que estabelece a possibilidade de direitos fundamentais não expressos pela Constituição.

Assim, por apresentar direitos da terceira gestação – no caso o direito ao meio ambiente equilibrado, art. 225 –, e ainda, por abrir a possibilidade de criação de novos direitos não expressos em seu texto – a abertura do §2º do art. 5º –, a Constituição dá mostras de acompanhar a idéia de não-estabilização dos Direitos Humanos – analisada nos títulos 2.5 a 2.7 do presente trabalho.

Por outro lado, o §1º do artigo 5º estabelece que "as normas definidoras de direitos ou garantias fundamentais têm aplicação imediata". Assim, mais uma vez, a Constituição Federal dá mostras de ter acolhido o paradigma de proteção aos Direitos Humanos.

Combinando os parágrafos 1º e 2º deste artigo 5º, Valério de Oliveira Mazzuoli chega à afirmar que:

"Ora, se as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, uma vez ratificados, por também conterem normas que dispõem sobre direitos e garantias fundamentais, de igual maneira, terão, dentro do contexto constitucional brasileiro, idêntica aplicação imediata [...]

Atribuindo-lhes a Constituição a natureza de "norma constitucional" e passando tais tratados a ter aplicabilidade imediata tão logo ratificados, fica dispensada, por isto, a edição de decreto de promulgação, a fim de irradiar seus efeitos tanto no plano interno como no plano internacional [...]"

Flávia Piovesan, mais uma vez, concorda com o referido autor, afirmando que:

"[...] No que se refere à incorporação automática, diversamente dos tratados tradicionais, os tratados internacionais de direitos humanos irradiam efeitos concomitantemente na ordem jurídica internacional e nacional, a partir do ato da ratificação. Não é necessária a produção de um ato normativo que reproduza no ordenamento jurídico nacional o conteúdo do tratado, pois sua incorporação é automática, nos termos do art. 5º, § 1º, que consagra o princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais."

Cumpre lembrar, ainda, que o artigo 60, em seu parágrafo 4º que estabelece o que os autores chamam de "cláusulas pétreas", proíbe, em seu inciso IV, Emendas Constitucionais tendentes a abolir os direitos e garantias individuais; daí Valério de Oliveira Mazzuoli, continuando o raciocínio já mencionado acima, afirmar que:

"Além do mais, todos os direitos inseridos nos referidos tratados internacionais, cuja incorporação é automática, passam, também, a constituir cláusulas pétreas do texto constitucional, não podendo ser suprimidos, sequer, por Emenda Constitucional [...]

[...]

Disso se tira uma outra conclusão: os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, uma vez incorporados no direito brasileiro, pelo ato da ratificação, passam a ser insuscetíveis de denúncia, pois, se nem mesmo por Emenda à Constituição esses acordos podem ser abolidos – em face das cláusulas pétreas –, nem se diga, então, por simples ato unilateral do Chefe do Poder Executivo."

Com relação ao citado artigo 60, §4º, IV da Constituição Federal, escreveu Paulo Gustavo Gonet Branco:

"A Constituição cogita, no art. 5º, de direitos individuais e coletivos. Distingui-los a partir dos critérios da Constituição em vigor não é tarefa tranqüila, mas pode produzir conseqüências relevantes, na medida em que o art. 60, § 4º, da Constituição fala apenas nos direitos individuais como cláusulas pétreas."

Sem desejar adentrar-se na discussão, mas apenas como contra-argumento à reste raciocínio, cumpre lembrar que uma das características dos Direitos Humanos, e que é defendida por diversos autores – como visto anteriormente – é justamente a interdependência destes direitos, de forma que, se não existe direito à liberdade – no sentido de direitos de primeira gestação – sem o direito à igualdade – no sentido de direitos de segunda gestação – sendo a recíproca verdadeira, então conclui-se que, apesar de não expressamente estabelecido pelo Poder Constituinte, claro está a proibição de Emenda Constitucional que enfraqueça os direitos fundamentais não-individuais, pois, pela interdependência que existe entre todos os Direitos Humanos, esta possível supressão – ou simples enfraquecimento – de direito não-individual possuiria uma "tendência de abolir" – para utilizar-se expressões constitucionais – os Direitos e garantias individuais, sendo, portanto, proibida pelo preceito constitucional em questão.

É bom lembrar, também, que o caput do artigo 5º, garante os direitos fundamentais, nos termos que estabelece, não só aos brasileiros, mas também aos estrangeiros residentes no país, existindo quem pregue – acertadamente – a possibilidade de exigência dos referidos direitos também para os estrangeiros não-residentes no país.

Outro importante aspecto referente aos Direitos Humanos dentro da Constituição Federal de 1988 é lembrado por Alexandre de Morais:

"[...] também é função do Ministério Público, juntamente com os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, garantir ao indivíduo a fruição de todos os seus status constitucionais. Essa idéia foi consagrada pelo legislador constituinte de 1988, que entendeu por fortalecer a Instituição, dando-lhe independência e autonomia, bem como a causa social para defender e proteger. Um órgão, no dizer de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "de promoção da defesa social desses direitos" [...]

Essa idéia de Ministério Público como defensor dos direitos e garantias fundamentais é defendida também por Salvador Alemany Verdaguer [...]

Corroborando a idéia da importância da atuação do Ministério Público na efetividade dos direitos fundamentais, Smanio afirma que "rompeu o constituinte de 1988 com o imobilismo da tradicional teoria da separação de poderes, atribuindo função de atuação a determinado órgão do Estado, que é o Ministério Público, para assegurar a eficácia dos direitos indisponíveis previstos pela própria Constituição" [...] (grifo no original)"


5.0 – Considerações finais

Assim, verificou-se, em primeiro lugar, que a nomenclatura para a idéia de "gerações" de Direitos Humanos deve ser alterada para "gestações" de Direitos Humanos, uma vez que mais adequada e menos sujeita a críticas.

Por outro lado, verificou-se, também, que a Constituição Federal de 1988 não só acolheu o ideal dos Direitos Humanos, como também, mais do que isso, concedeu-lhes uma posição de destaque dentro do ordenamento jurídico brasileiro, chegando ao ponto de ampliar os valores trazidos pela própria Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.

E, uma terceira conclusão que pode-se tirar do presente estudo é que a existência de outros Direitos Humanos que merecem ser considerados e declarados como tais é possível, e mais, aconselhável.


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Autor

  • Enéas Castilho Chiarini Júnior

    Enéas Castilho Chiarini Júnior

    advogado e árbitro em Pouso Alegre (MG), especialista em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC) em parceria com a Faculdade de Direito do Sul de Minas Gerais (FDSM)

    é capacitado para exercer as funções de árbitro/mediador pela Sociedade Brasileira para Difusão da Mediação e Arbitragem (SBDA) e membro fundador da Câmara de Mediação e Arbitragem do Sul de Minas (Camasul).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHIARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. Alguns apontamentos sobre direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 242, 6 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4836. Acesso em: 19 abr. 2024.