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Sobre a licitude da greve estrutural

Sobre a licitude da greve estrutural

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A proposta da greve estrutural atinge fornecedores de determinada empresa, no sentido de afetar a produção final desta, até que se disponha a negociar reivindicações com a categoria profissional, atribuindo maior efetividade a esse instituto.

INTRODUÇÃO

A clássica paralisação das atividades laborais nem sempre é eficaz e válida como instrumento de pressão a ser utilizado pelos trabalhadores. Por hipótese, manobras empresariais podem garantir estoques e produção por determinado período, antevendo eventuais reivindicações sazonalmente esperadas (reajustes salariais na data base, por exemplo), enfraquecendo o movimento paredista.

Por outro lado, a greve também não pode ser instrumento de desestabilização social, afetando setores além daqueles onde se visa a busca de maiores direitos. E mais, a greve não é um fim em si mesma, deve ser utilizada para início ou retomada de negociações, por essas e outras, reside nossa preocupação em colaborar para o estudo e aplicação estratégica deste poderoso instituto.

Nosso objetivo, em poucas linhas, consiste em propor uma analise à evolução da greve, apresentada aqui na sua forma estrutural, apontando sua constitucionalidade, licitude e compatibilidades com o sistema brasileiro. Neste cenário, propomos uma reflexão sobre a greve estrutural, premissas básicas, etapas e objetivos, com respeito ao direito fundamental que é, resguardando e equilibrando também os princípios direcionados à categoria econômica, elencados no capítulo das atividades econômica (CRFB/88, art. 170).

1. DIREITO DE GREVE

Antes, conceitos fundamentais sobre o instituto da Greve. Trata-se de tema afeto aos Direitos e Garantias Fundamentais (CRFB/88, art. 9º), estruturado na contemporaneidade, com bem vaticina o professor Maurício Godinho Delgado, em se tratando da "paralisação coletiva provisória, parcial ou total, das atividades dos trabalhadores em face de seus empregadores ou tomadores de serviços, com o objetivo de exercer-lhes pressão, visando a defesa ou conquista de interesses coletivos, ou com objetivos sociais mais amplos".

Numa linguagem positivista, consideravelmente utilizada em nosso ordenamento, a greve, no âmbito privado, é disciplinada pela Lei 7.783, de 1989, cuja definição (art. 2º) exprime o sentido de ser a “suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação de serviços a empregador”(grifamos). Assim, como todo fenômeno social de reflexos jurídicos, a greve pode apresentar-se de inúmeras maneiras, conforme a criatividade de seus agentes (empregados e sindicalistas), inclusive, critérios valorativos sobre sua eventual abusividade quando inobservados critérios mínimos previsto em sua lei.

No caso, pensamos a greve como instrumento de pressão para a obtenção de melhores condições de trabalho e direitos correlatos, iniciando ou retomando eventuais negociações, sendo a greve estrutural uma mera etapa deste processo, ou seja, podendo apresentar-se como uma segunda fase, visando a paralisação de parte da cadeia produtiva relacionada à determinada empresa, no que toca a fornecimentos em geral, afetando a produção final, nos moldes da vigente lei de greve, sob pena de violar sua própria constitucionalidade, legitimidade e garantias da livre iniciativa empresarial.

2. GREVE ESTRUTURAL E SEUS CONSECTÁRIOS JURÍDICOS E A GREVE NEVRÁLGICA

A premissa de se estudar uma greve num aspecto estrutural, ou seja, dentro de determinada dinâmica produtivo, busca inspiração na doutrina de Mauricio Godinho Delgado, quando aborta a Subordinação Estrutural.

No afã de ampliar-se o conceito e a abordagem da subordinação, surge a idéia de observar a inserção do empregado na dinâmica estrutural na empresa. Com efeito, ensina Maurício Godinho Delgado[2]:

“Estrutural é, pois, a subordinação que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de serviços, independentemente de receber (ou não) usas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento”.

Nessa esteira, entende-se que a toda “cadeia produtiva”, como a própria expressão denota, apresenta-se estruturalmente organizada e sistematizada. Todo produto manufaturado depende da conjunção de inúmeras atividades ou processos intermediários. O processo produtivo não se encerra internamente. A título de esclarecimento, não iremos nos debruçar e tecer considerações sobre a diferenciação de produto manufaturado e industrialização, tema mais afeto ao Direito Tributário, como se infere do pensamento do C.STJ[3].

Por outro lado, doutrina e jurisprudência enfrentam constante batalha epistemológica, no sentido de classificar as modalidades de greve. Dentre elas, diferentemente da greve estrutural, surge a greve nevrálgica ou greve-trombose ou greve tampão ou greve seletiva, como bem destaca o professor Raphael Miziara[4], inspirado pelo ilustre professor Raimundo Simão de Melo.

Neste aspecto, se nos coubesse apontar definições e classificações, diríamos que, objetivamente, a greve nevrálgica é direciona para setores estratégicos de determinada empresa, voltada apenas para o âmbito interno, não afetando fornecedores externos de empresas (terceirizadas ou não), inclusive integrantes de grupo econômico (CLT, art. 2º, § 2º), obstando efetivamente a produção de determinado setor interno. Eis a diferença entre greve nevrálgica e greve estrutural, que apresenta maior amplitude, podendo atingir patamares internos e externos.

A greve estrutural não dispensa os requisitos de deflagração de estado de greve já conhecidos, ou seja, o anúncio, através de sindicato, mediante assembléia e comunicação prévia. Não dispensa também, pela leitura do art. 6º da Lei n. 7.783/89, que “são assegurados aos grevistas, dentre outros direitos: I – o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve”. Na mesma linha, extrai-se que “As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa” (§ 3º), a idéia da greve estrutural não pode causar prejuízos, equilibra-se com a idéia de reivindicação de direitos, por isso ser estratégica, pontual e provisória.

CONCLUSÃO

Pelo quanto exposto, a mutabilidade das relações sociais, especialmente no âmbito laboral, “impregnado por grande eletricidade social”, como destaca Mauro Schiavi[5], também se faz sentir no âmbito jurídico. A releitura de institutos jurídicos, de forma a torná-los mais eficaz, atingindo objetivos colimados, é papel dos operadores jurídicos, de modo que a Greve, não pode ser deixada de lado. Abordando a greve num sentido estrutural, ou seja, afetando fornecedores de forma estratégica, no sentido de afetar consideravelmente a produção final de determinada empresa, apresenta-se como uma opção efetiva ao movimento paredista, fazendo com que a empresa afetada, a beneficiária final na cadeia produtiva, decline-se a determinadas reivindicações dos trabalhadores, submetendo-se à necessária negociação coletiva.

BIBLIOGRAFIA

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 10ªed. São Paulo: LTr, 2011.

DELGADO, Maurício Godinho. Direito Coletivo do Trabalho, 1ª ed., São Paulo: LTr, 2001.

MELO. Raimundo Simão. A Greve no Direito Brasileiro. 3. Ed. São Paulo: LTr, 2011.

MIZIARA, Raphael. Greve: modalidades. Disponível em http://miziara.jusbrasil.com.br/artigos/121944128/greve-modalidades. Acesso em 09/12/2015.

MAIOR, Jorge Luiz Souto. Greve. Disponível em  http://www.anamatra.org.br/index.php/artigos/greve. Acesso em 15.12.2015

SCHIAVI, Mauro. Comentários às questões polêmicas e atuais dos concursos: Magistratura e Ministério Público do Trabalho, volume 2, 2.ed. – São Pa


[2] DELGADO, 2011, p. 294

[3] RECURSO ESPECIAL Nº 911.855 - RS (2006/0276590-2) RELATOR: MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI RECORRENTE: SOUZA CRUZ TRADING S/A ADVOGADO: ARNALDO CONCEIÇÃO JUNIOR E OUTRO (S) RECORRIDO: FAZENDA NACIONAL PROCURADORES: CLAUDIO XAVIER SEEFELDER FILHO TERESINHA BORGES GONZAGA E OUTRO PROCES (S) SUAL CIVIL. ISENÇÃO DE IPI NA EXPORTAÇÃO. PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS E MANUFATURADOS. DIFERENCIAÇÃO TÉCNICA REALIZADA PELO ACÓRDÃO. INCIDÊNCIA DOS ARTS 96, 100 E 111, II, DO CTN. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AO FUNDAMENTO ADOTADO. SÚMULA 283/STF. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. DECISÃO 1. Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão do TRF da 4ª Região em demanda objetivando a desconstituição de crédito tributário referente ao não recolhimento da contribuição ao PIS sobre operações de exportação de fumo realizadas entre 31/01/1989 e 31/12/1992, em razão da isenção concedida pelo art. 5º da Lei 7.714/88. O acórdão recorrido decidiu, no que importa ao presente recurso, que a isenção alcança apenas produtos manufaturados, categoria em que o fumo exportado pela recorrente não se enquadra. No recurso especial, a recorrente apo (fls. 429/444) nta violação ao referido dispositivo, aduzindo, em suma, que "industrializado" e "manufaturado" são sinônimos, e o acórdão recorrido teria reconhecido o caráter industrial do produto exportado. Não houve contra-razões. 2. (fl. 465) O recurso especial não reúne condições de admissibilidade. A teor da Súmula 283/STF, aplicável por analogia, é "inadmissível o recurso extraordinário quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente, e o recurso não abrange todos eles". No caso, o aresto decidiu que nos termos do art. 111, (a) II, do CTN, a outorga de isenção deve ser interpretada literalmente; o art. 5º da Lei 7.714/88 conc (b) edia isenção apenas aos produtos manufaturados e não aos industrializados em geral; da conjugação dos dispositivos, ressalta a (c) necessidade de diferenciação entre as duas categorias, providência tomada pela TIPI na posição e na Resolução RDC 105/01 da ANVISA, de modo que "correta está a União ao destacar que a distinção resta estampada na própria legislação tributária, assim entendidas as normas atinentes à matéria, dos diversos níveis, nos termos do art. 96 do CTN combinado com o art. 100 do mesmo diploma". Sustenta o recurso especial que (I) não há diferença entre os conceitos de 'manufatura' e'industrialização'; a interpreta (II) ção dos conceitos não pode derivar exclusivamente de atos normativos do imposto de renda; há relatórios técn (III) icos demonstrando que o produto exportado caracteriza-se como manufatura; as normas infralegais citadas p (IV) elo acórdão foram mal interpretadas. Como se vê, enquanto o acórdão procedeu a uma distinção jurídica dos conceitos de produto industrializado e produto manufaturado, com base nos arts. 96, 100 e 111, II do CTN, o recurso especial traz argumento puramente léxico para igualar as categorias, limitando-se a afirmar que "os argumentos vistos no v. acórdão (fl. 480) e baseados na TIPI e em mera resolução da ANVISA, data venia não se prestam a fundamentar o d. decisório, porquanto não se antepõem à lei atos infra-legais". Ora, sustenta o especial, em suma, que o Tribunal de origem não poderia fundamentar sua decisão sobrepondo normas infralegais à lei, nada falando sobre a incidência ao caso das normas insertas nos arts. 96, 100 e 111, II, do CTN, claramente invocados pelo Tribunal de origem para fundamentar sua decisão. 3. Diante do exposto, nego seguimento ao recurso especial. Intime-se. Brasília , 02 de agos (DF) to de 2010. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI Relator. (STJ - REsp: 911855, Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de Publicação: DJe 09/08/2010)

[4] MIZIARA, Raphael. Greve: modalidades. Disponível em http://miziara.jusbrasil.com.br/artigos/121944128/greve-modalidades. Acesso em 09/12/2015.

[5] A relação de trabalho é mutante, por isso se diz que o direito do trabalho é impregnado por grande eletricidade social, uma vez que sofre os impactos diretos da economia da mudança de hábitos da sociedade, do incremento da tecnologia, da terceirização e da globalização. SCHIAVI, Mauro. Comentários às questões polêmicas e atuais dos concursos: Magistratura e Ministério Público do Trabalho, volume 2, 2.ed. – São Paulo: LTr, 2010, 32 p. 


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