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Introdução aos direitos fundamentais

Introdução aos direitos fundamentais

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Um estudo introdutório sobre direitos fundamentais.

CONCEITO

Os direitos fundamentais se traduzem nas principais normas da comunidade jurídica. Um conceito adequado de direitos fundamentais deve basear-se no direito vigente.

De acordo com a Constituição brasileira de 1988, os direitos fundamentais são faculdades e instituições que consagram e garantem os valores “vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade” (conforme o art. 5º, caput, CF), fundados na “dignidade da pessoa humana” (CF, art. 1º, III) e orientados por justiça, solidariedade (CF, art. 3º, I) e “promoção do bem de todos” (CF, art. 3º, IV).

Vamos analisar individualmente esses conceitos:

a) “Faculdades” – os direitos fundamentais são situações em princípio favoráveis a seu titular e que estão à sua disposição para serem feitos valer quando necessário. Esse aspecto do conceito realça a perspectiva subjetiva dos direitos fundamentais, ou seja, eles vistos sob o ângulo do titular, como direitos subjetivos.

b) “Instituições” – os direitos fundamentais também são regimes jurídicos relativamente autônomos que conformam o direito em geral e valem para todos. Esse aspecto do conceito realça a perspectiva objetiva dos direitos fundamentais, ou seja, eles vistos sob o ângulo da sociedade

c) “Que consagram e garantem valores” – os direitos fundamentais têm uma dupla utilidade: procedimental (ou formal) e substancial (ou material).

c.1) Do ponto de vista procedimental: eles asseguram condições para que seus titulares se expressem e atuem da melhor maneira possível em sociedade. Nesse sentido, os direitos fundamentais funcionam como garantias, que asseguram a coexistência, permitem a formação da vontade e a determinação dos comportamentos, deixando o espaço necessário para a tomada de posições

c.2) Do ponto de vista substancial, os direitos fundamentais asseguram diretamente certas posições, que são desde logo assumidas pela Constituição, por exemplo, a igualdade entre homens e mulheres, a função social da propriedade e o respeito à integridade física e moral dos presos. Nem sempre essa distinção é clara, pois há muitos direitos fundamentais que apresentam aspectos procedimentais e substanciais, tal a inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos.

 De todo modo, o que caracteriza os direitos fundamentais, sendo mais evidente no aspecto substancial, mas também presente no aspecto procedimental, é o fato de estarem eles ligados diretamente aos valores mais importantes de uma sociedade, ou seja, os direitos fundamentais traduzem para o direito os valores fundamentais de uma sociedade (conteúdo axiológico). A Constituição brasileira de 1988 consagra expressamente, no caput do art. 5º, a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade. Os demais enunciados constitucionais relativos a direitos fundamentais derivam daqueles.

d) “Fundados na dignidade da pessoa humana” – a Constituição de 1988 trata apropriadamente da dignidade não como um direito fundamental, mas como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito em que se estabelece a República Federativa do Brasil. Então, a dignidade é pressuposto de todo direito fundamental. Esta funciona como uma espécie de “medida” dos direitos fundamentais.

e) “Orientados por justiça, solidariedade e promoção do bem de todos” – se a dignidade da pessoa humana aparece como fundamento dos direitos fundamentais, a Constituição, por outro lado, consagra “objetivos fundamentais”, que se apresentam como ponto de chegada, dos quais destacamos a justiça, a solidariedade e a promoção do bem de todos.

O conceito de direitos fundamentais não deve ser formulado apenas de modo negativo, como direitos inerentes ao ser humano que podem ser opostos ao Poder Público. O aspecto positivo do conceito destaca a função de promover o ser humano, dando-lhe condições de realizar-se plenamente;

Provavelmente tenham sido reconhecidos direitos fundamentais em todas as sociedades (embora nunca para todos, nunca permanentemente e muitas vezes não do modo mais adequado), mas são destacadas com prioridade na História, na época da Idade Média, as cartas de franquia e os forais (direitos reconhecidos pelo poder central monárquico a determinados grupos ou estamentos: “direito à vida e à integridade física, a não ser detido sem causa legal, à propriedade, à livre escolha do domicílio e a sua inviolabilidade...”) e os pactos entre a nobreza e o monarca, cujo exemplo mais notório é a Carta Magna inglesa (Magna Charta libertatum), outorgada pelo rei João “Sem Terra” em 15 de junho de 1215, à qual se seguiram, já na Idade Moderna, a Petition of Rights (1628), o Habeas Corpus Amendment Act (1679) e o Bill of Rights (1689). Depois vieram declarações solenes e gerais de direitos fundamentais como a Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia e a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, ambas de 1776, e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão francesa, de 1789. As primeiras Constituições escritas que portaram declarações de direitos fundamentais teriam sido a francesa de 1791, a Constituição de Cadiz (espanhola) de 1812, a brasileira de 1824 e a belga de 1831.

A FUNDAMENTAÇÃO FILOSÓFICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

a)    Direito natural

Os direitos fundamentais fariam parte de uma ordem de valores preestabelecida, que de algum modo condiciona a validade do direito positivo. Por não dependerem do direito posto, os direitos humanos (natural) seriam meramente reconhecidos como preexistentes pelo ordenamento jurídico e existiriam ainda que não consagrados formalmente. Mas qual o fundamento dos valores que integram o direito natural? Existem diversas respostas: a vontade de Deus (fundamento teológico), a razão humana (fundamento racionalista), a tradição de determinada sociedade (fundamento histórico ou tradicionalista), a essência ou natureza das coisas (fundamento essencialista ou ontológico). A ideia de direito natural foi e é muito importante para a concepção de direitos fundamentais, inclusive no âmbito do direito internacional, e acentua a universalidade.

b)    Condição humana (liberalismo)

O ser humano é sempre o núcleo de imputação dos direitos fundamentais, mas a condição humana pode servir para justificá-los autonomamente. Trata-se de um fundamento antropológico: ao contrário do direito natural, um fundamento imanente ao ser humano, por sua mera condição (humana), independentemente de uma ordem de valores preestabelecida. Trata-se de um fundamento liberal: acentua-se a dimensão individual do ser humano e a radical preocupação com sua autonomia e liberdade. Mantém-se uma concepção universalista.

c)    Vida em sociedade (comunitarismo)

Os direitos fundamentais advêm da necessária convivência entre as pessoas em determinado contexto social, dado que o ser humano é gregário. O comunitarismo ao adotar uma compreensão de ‘pessoa’ menos abstrata do que a liberal, leva em consideração o enraizamento social do ser humano e a formação intersubjetiva da identidade dos indivíduos. Esse fundamento comunitarista acentua o grupo ou comunidade em que os indivíduos se inserem e, por consequência, os direitos fundamentais sociais numa perspectiva mais particularista.

d)    Procedimento

A principal preocupação dos direitos fundamentais não estaria em assegurar valores substantivos, mas em garantir as condições de convivência, expressão e participação dos sujeitos. Estes, reconhecidos e respeitados em sua dignidade de participantes livres e iguais, tomariam então as deliberações conforme as circunstâncias, pautados na racionalidade.

e)    Multiculturalismo

A crescente aceitação da diversidade cultural existente em várias sociedades contemporâneas situa a razão dos direitos fundamentais numa perspectiva multifocal, mais relativa, que leva em consideração as diferenças peculiares aos indivíduos e sobretudo aos grupos a partir de uma política do reconhecimento, que pode buscar uma plataforma comum de direitos básicos.

f)      Realidade política

Dá-se uma resposta pragmática, quase desencantada, como justificação dos direitos fundamentais: eles corresponderiam a nada mais, nada menos que às posições estratégicas que os indivíduos e grupos tenham logrado obter na arena política em cada contexto social.

g)    Ecologia

A preocupação com o ambiente biológico e com as condições de sustentabilidade do planeta contamina a percepção que se tem dos direitos fundamentais sob vários aspectos. Quanto aos sujeitos, os seres humanos fazem-se acompanhar dos demais seres vivos como titulares de direitos fundamentais, que podem dizer respeito a muitos ou a todos esses titulares. Trata-se de uma visão biocêntrica em favor de todas as formas de vida planetária. Quanto ao tempo, os direitos fundamentais compreendem não apenas o presente e o passado, mas se projetam para o futuro em prol das gerações seguintes. Quanto ao conteúdo, referem-se à preservação ambiental, à biodiversidade, à possibilidade de convivência sadia e permanente e à responsabilidade. Mesmo sob uma perspectiva mais contida, que reconhece titularidade apenas aos seres humanos, está presente a dimensão ecológica da dignidade humana e, por consequência, dos direitos fundamentais em geral, que nesta se fundamentam. Assim, trata-se de uma específica “ecologização” dos direitos fundamentais.

UM ESTUDO SOBRE AS PRINCIPAIS DIFERENÇAS: DIREITOS FUNDAMENTAIS, DIREITOS HUMANOS, DIREITOS DO HOMEM, DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS, LIBERDADES PÚBLICAS

  Os direitos mais diretamente relacionados à condição dos seres humanos (preocupados com a individualidade do ser humano) e à situação dos seres humanos (preocupados com a relação do ser humano em sociedade) recebem várias designações, ao sabor da justificação que se empreste a eles: do momento histórico, do idioma, do âmbito a que se referem etc.

  “Direitos fundamentais” é uma expressão contemporânea, de origem alemã, que acentua o aspecto jurídico positivo, ou seja, designa tais direitos expressos em normas jurídicas vigentes constantes da Constituição. Por ter essa preocupação técnica de designar os direitos fundamentais estabelecidos por normas jurídicas em vigor e por ser atual, “direitos fundamentais” é a expressão que preferimos.

  “Direitos humanos” é uma expressão que evoca uma fundamentação de direito natural (jusnaturalista), segundo a qual existem tais direitos também além das normas jurídicas promulgadas, ou seja, advindos da “consciência” das pessoas, de uma moral universal, da “natureza das coisas”, de Deus. É a expressão frequente em língua inglesa (human rights) e no Direito Internacional, por isso é usual a distinção entre os direitos fundamentais como aqueles positivados internamente nas Constituições e os direitos humanos como aqueles expressos em tratados, declarações e outros documentos de âmbito internacional.

  “Direitos do homem” é expressão de origem francesa e equivale a “direitos humanos”. “Direitos humanos fundamentais” é expressão que busca abranger a fundamentação jusnaturalista, moral, e a fundamentação positivista de tais direitos, e talvez acabe soando repetitiva.

  “Liberdades públicas” também de origem francesa, ressalta o aspecto individual e negativo de tais direitos, que seriam faculdades oponíveis ao Estado – por isso “liberdades”. Caracterizariam autênticos direitos subjetivos. Por sua estreiteza essa expressão não é mais tão utilizada.

  “Direitos fundamentais” não deixa evidente a estrita e originária vinculação com o ser humano e peca ainda pela insuficiência, pois em geral os direitos constantes de uma Constituição – como aqueles relativos à organização do Estado – fundamentam a organização social e, nesse sentido, são igualmente “fundamentais”. Ademais, com a importância crescente do direito internacional e sua interação com as normas de direito interno, enfraquece a razão para distinguir tais direitos no âmbito interno (“direitos fundamentais”) e no âmbito internacional (“direitos humanos”).

  Em sentido oposto, sustenta-se, a partir de uma concepção radicalmente ambiental (ecológica), que mesmo outros seres vivos, com os animais e plantas, merecem consideração jurídica; e assim, talvez, os direitos “fundamentais” não seriam apenas “humanos”. Nessa linha, a expressão “direitos humanos fundamentais” – que normalmente padece da crítica do exagero – acabaria por parecer incompleta, insuficiente.

Refêrencias

CAVALCANTE FILHO, Prof. JoÃo Trindade. TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portaltvjustica/portaltvjusticanoticia/anexo/joao_trindadade__teoria_geral_dos_direitos_fundamentais.pdf>. Acesso em: 26 set. 2014.

  RUIZ, Thiago. O direito à liberdade: uma visão sobre a perspectiva dos direitos fundamentais. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/view/11572>. Acesso em: 10 set. 2014.

BRANCO, Maurício de Melo Teixeira; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Mário Veiga; BARROS, Renato da Costa Lino de Goes. Fundamentação material dos Direitos Fundamentais na contemporaneidade. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/fundamentação-material-dos-direitos-fundamentais-na-contemporaneidade>. Acesso em: 10 set. 2014.

ESSENBURG, Aline Sabbi; SILVA, Rogério de Moraes. FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DOS DIREITOS HUMANOS. Disponível em: <http://lms.ead1.com.br/webfolio/Mod5745/fundamentos_filosoficos_dos_direitos_humanos_v2.pdf>. Acesso em: 14 set. 2014.



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