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A relação entre os direitos fundamentais e os direitos humanos.

Uma análise à luz da República Federativa do Brasil de 1988

A relação entre os direitos fundamentais e os direitos humanos. Uma análise à luz da República Federativa do Brasil de 1988

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Quais as dificuldades em relação de concretização dos direitos humanos e fundamentais?

Sumário: Introdução. 1. Da nomenclatura e do mínimo existencial dos direitos humanos e dos direitos fundamentais. 1.1. Nomenclatura. 1.2. Reserva do possível x mínimo existencial. 2. A evolução dos direitos humanos e dos direitos fundamentais. 2.1. Da importância de conhecer a evolução. 2.2. Direitos humanos no plano internacional, pós positivismo e reaproximação do direito e da moral. 2.3. Dos direitos fundamentais e a Constituição Federal brasileira de 1988. 2.4. Dos pressupostos dos direitos fundamentais: Estado de Direito e dignidade humana. 2.5. Do termo gerações x dimensões. 2.6. Das diversas dimensões. 2.7. Distinção e características dos direitos humanos e fundamentais. 2.8. Quanto à atuação dos sujeitos nos direitos humanos. 2.8.1. Sujeito ativo. 2.8.2. Sujeito passivo. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO

O presente estudo pretende demonstrar a importância fulcral do surgimento dos direitos humanos e fundamentais, com escopo de limitar e controlar os abusos do poder do Estado, bem como assegurar aos cidadãos uma vida mais digna.

A escolha da tese justifica-se por diversos fatores.

No Brasil, após 21 anos de ditadura militar (no dia 5 de outubro de 1988), foi promulgada uma nova Constituição, tão avançada nesses temas que foi denominada de Constituição cidadã.

Ela inseriu, inclusive, um rol dos direitos fundamentais como “cláusulas pétreas”, sendo direitos e garantias que não podem serem abolidos ou sofrer diminuição do seu núcleo essencial, somente podendo avançar em sua positivação, aumentando o rol dos direitos ou seu alcance (“efeito Cliquet”).

Todavia, em contraposição a positiva normatização, a concretização e efetivação desses direitos são os maiores problemas, gerando a erosão constitucional, a inefetividade e a descrença popular nas leis e nos órgãos públicos.

Nesse contexto, busca-se compreender por que existem dificuldades em relação à efetivação e a concretização desses direitos humanos e fundamentais elencados no plano do direito internacional e pela Constituição Federal de 1988.

Como fundamento dos debates ao longo deste estudo, compilou-se doutrinas, artigos jurídicos, análises de legislação e os entendimentos jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. Por óbvio, uma pesquisa jurídica nunca é completa sem observar atentamente as doutrinas, leis e jurisprudência – tanto as clássicas, quantos as modernas, as majoritárias, as minoritárias.

Utilizou-se o método dedutivo baseando-se no estudo de teoria e refinações de conceito.

O trabalho foi dividido em dois capítulos temáticos.

No primeiro capítulo, discorrer-se-á acerca de conceitos e expressões de termos ligados diretamente ao tema. Sem a explanação dessas definições, haveria o risco da não percepção de detalhes importantíssimos para o perfeito entendimento da pesquisa. A título de exemplo, as definições dos direitos humanos e fundamentais são processos dirigidos à obtenção de bens fundamentais para assegurar uma vida digna. As razões que levam as pessoas a lutarem pela conquista de tais direitos estão vinculadas ao fato de uns terem mais facilidade para obtê-los, enquanto outros tem mais dificuldade, gerando os (inevitáveis) conflitos sociais.

Além disso, no capítulo inicial se explica ao eterno embate entre mínimo existencial e reserva do possível, com a recente decisão do STF.

Em seguida, no segundo capítulo, apresentar-se-ão os objetivos, requisitos, princípios e efeitos dos direitos humanos e fundamentais dentro das decisões do ordenamento jurídico. Este não deve restringe-se apenas à criação desses direitos, mas essencialmente reconhecê-los e transformá-los em normas jurídicas, com o intuito de garantir a sua efetividade, para não serem “leis mortas”.

Destrincha-se também o desenvolvimento dos direitos humanos e fundamentais nos séculos XX e XXI, analisando o surgimento de normas que enfatizavam a necessidade de respeitar a vida humana e os principais motivos que impedem os sistemas jurídicos de assegurar a dignidade da pessoa humana. Além de abordar os aspectos relacionados aos direitos fundamentais no mundo globalizado, enfatizando as principais dificuldades relacionadas à sua efetivação, tanto no aspecto fático e financeiro, quanto jurídico.

Na conclusão, debate-se todo o narrado e a possível solução para melhor efetivar os direitos humanos e fundamentais.

O presente estudo tenta demonstrar a importância de tais direitos e destacando que uma sociedade somente atingirá seu auge quando efetivá-los. E para isso, há a necessidade da participação popular nos processos, tanto cumprindo os direitos, quanto exigindo o respeito estatal.


1. DA NOMENCLATURA E DO MÍNIMO EXISTENCIAL DOS DIREITOS HUMANOS E DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.1 – NOMENCLATURA

De início, antes de maior aprofundamento, vale distinguir os conceitos de direitos humanos, fundamentais e do homem.

Em síntese, percebe-se a existência de uma verdadeira confusão terminológica que assola a doutrina. Podemos registrar, por exemplo, autores que usam nomes tão díspares quanto “direitos humanos”, “direitos humanos fundamentais”, “liberdades públicas”, “direitos dos cidadãos”, “direitos da pessoa humana”, “direitos do Homem”.

São nomenclaturas que fazem parte do vocabulário da população em geral. Apesar da enorme incidência dos assuntos pertinentes a estes direitos estarem, quase cotidianamente, em voga na mídia, estampando chamadas principais em jornais impressos, revistas e passagens em telejornais, tais conceitos são corriqueiramente usados de forma incorreta.

Quanto a isso, é preciso sedimentar uma terminologia adequada, a fim de evitar problemática terminológica e ambiguidade de interpretações ao longo do estudo.

A primeira nomenclatura que surgiu foi a dos direitos do homem (direitos naturais ou natural law), de cunho jusnaturalista. Defendidos desde a Grécia antiga, a exemplo de Sócrates, Platão e Aristóteles, através da ideia de universalização e do organizacionismo. Independe de positivação, sendo inerentes a todos os homens, intrínsecos à natureza humana, bastando a condição de ser humano. Com o advento do iluminismo e o reconhecimento do indivíduo como sujeito de direitos, se popularizou a expressão direitos do homem.

Os direitos fundamentais são os direitos naturais positivados nas Constituições Estatais, em um determinado ordenamento jurídico (Constituição Brasileira, Lei Fundamental Alemã etc.). A Carta Magna do Estado, através de sua vontade política, escolhe determinados direitos para positivar. São aqueles direitos reconhecidos e positivados na Constituição de um determinado Estado, existindo, dessa maneira, pretensões de territorialidade.

Já os direitos humanos é a positivação dos direitos através de Tratados ou Convenções Internacionais. A aspiração é pela universalidade, elevando a normatização ao plano internacional. São direitos atribuídos à humanidade em geral, por meio de tratados internacionais (Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, 1948, por exemplo).

No contexto, perceber-se os Direitos Humanos como um agrupamento de direitos e princípios reunidos pelo objetivo de representar defesa para a vida honrada da pessoa humana. Isso implica em afirmar a sustentabilidade da universalidade do ser humano respeitando, também, a especificidade de cada pessoa.

Essa terminologia adota, além do embasamento doutrinário majoritário, é corroborada pela Constituição Federal brasileira. Quando trata de assuntos internos, a Constituição costuma se referir a “Direitos e garantias fundamentais” (a exemplo do “TÍTULO II, DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS”), ao passo que, quando trata de tratados internacionais, se refere a direitos humanos (art. 5º, § 3º).

Tal distinção é referendada pela doutrina amplamente majoritária, conforme ensinamento de Sarlet1:

Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).

Estas três vertentes de direitos explicitadas estão sempre em evolução e transformação, a fim de acompanharem o desenvolvimento da sociedade – cada vez mais global e rápida.

Alguns estudiosos, como o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, entendem que estamos na era da modernidade líquida, ou seja, a lógica do consumo substituiu a lógica da moral. Cada vez mais as pessoas são valoradas pelo que compram e não pelo que são. Com isso, as relações sociais, econômicas e de produção ficaram frágeis, fugazes e maleáveis - como os líquidos.

Diante deste contexto, aumenta-se também a necessidade da incidência dos direitos humanos e fundamentais para regular as relações sociais, evitando injustiças, sejam por ação ou omissão, de entes públicos ou particulares.

Diante das complexidades dos direitos humanos e fundamentais, aliadas à resistência dos detentores de poder ao longo da história e das sociedades, o desenvolvimento dos direitos humanos e fundamentais não se deu em um mesmo e único momento histórico. De modo vagaroso, no transcorrer de uma evolução histórico-social, referidos direitos foram aparecendo e, gradativamente, disciplinados nos textos constitucionais e no Direito Internacional. E assim, esses direitos foram reunidos em diferentes grupos, denominados de gerações ou dimensões.

Por óbvio, as transformações culturais definem nossos modos de ser, agir e pensar. Cultura e política como catalizadores de transformação e de significados da temática dos Direitos Humanos vem se constituindo.

Ressalte-se que as mudanças desencadeadas pelos textos legais só encontram sentido se refletem os anseios e sentimentos coletivos, salvo exceções, que evitam segregações de minorias – como será trabalhado mais adiante.

É muito importante que as pessoas se apropriem cada vez mais desses conceitos, da história e dos marcos constituídos. Compreender seus papéis sociais e as responsabilidades dos governos e do Estado é essencial para a efetivação e o avanço do processo (dinâmico e complexo) de transformação social.

Após séculos de avanços lentos, o momento do pós Segunda Guerra Mundial (com alta escalada de números de mortes, violências, racismo, genocídio, entre outros horrores) deu um empurrão social para uma aceleração na proteção de direitos mínimos, tanto como forma de direitos fundamentais, quando como humanos.

Diante da compreensão da ausência de regulamentações fortes protetoras de tais direitos anterior a Segunda Guerra, há o surgimento de inúmeras regras acerca da defesa dos Direitos Humanos e da defesa dos Direitos Fundamentais, bem como da acessão de uma cultura, radicalmente, opositora a qualquer tipo de violência.

Mergulhada nesse contexto, a Declaração Universal dos Direitos humanos proclamada em 1948 é reconhecida por ser uma referência básica a todo e qualquer princípio e direito expresso. Visto por sua tentativa de alinhar os países a um compromisso de defesa incondicional do direito de todos a uma vida digna em qualquer contexto que ela se encontre.

Esse contrato é um marco para a humanidade. Apesar de ser uma declaração e não um Tratado ou uma Convenção, sua importância é tamanha que a doutrina amplamente majoritária entende ter força cogente("hard law"), seja pela normatização, seja através do costume normativo. Poucos doutrinadores ainda defendem a ausência de coercibilidade ("soft law") da Declaração Universal dos Direitos humanos.

Neste momento cabe frisar que acompanho a doutrina majoritária, entendendo que o contexto da época de seu surgimento fez com que houvesse um cumprimento de seus preceitos automaticamente (mesmo que não integral ainda), confirmando que virou um costume, se estabelecendo como paradigma dos Direitos Humanos e representando o ideal de mundo e de ser humano. Algo como um processo de mudança necessário para transformar, constantemente, cada contexto de demanda no atender as alteridades do povo.

Frise-se que o Direito aceita o costume como Direito, desde que seja uma prática reiterada (aspecto objetivo) e dotada de convicção de obrigatoriedade (aspecto subjetivo).

Em contraponto ao avanço normativo, surgiram impasses na concretização, com diversos direitos não efetivados ou efetivados insuficientemente. Gerando, inclusive, problemáticas na esfera judicial, com embates nas concepções a favores do Ativismo Judicial e outras contrárias, defensoras da Autocontenção Judicial. Barroso, em defesa do ativismo, fez um resumo no sentido de que o Judiciário tem um papel iluminista, devendo empurrar a sociedade para um futuro melhor e mais justo.

Essa busca tem que ser pelo efetiva e socialmente justo, a fim de evitar uma Justiça dos poderosos. Afastar-se da ideia do filósofo Trasímaco que “Justo é o que favorece o poderoso”.

1.2 – RESERVA DO POSSÍVEL X MÍNIMO EXISTENCIAL

Uma das grandes polêmicas e dificuldades (a serem superadas) se trata da relação fática e concreta entre a reserva do possível e o mínimo existencial. A disponibilidade financeira do Poder Público e a necessidade do básico para a população.

A reserva do possível é a tese de que o Estado tem que prover as necessidades populacionais até o limite financeiro disponível, levando em conta toda a coletividade. Não teria como obrigar o Poder Público fornecer todas as necessidades de todos os administrados, por inviabilizar a existência do próprio Estado, sendo impossível do ponto de vista prático - a obrigação impossível não pode ser exigida.

Em resumo, a reserva do possível é o Estado não ser obrigado a garantir situações supérfluas, além do limite do razoável. Ocorre que a razoabilidade está tanto para garantir a reserva do possível, quanto para afastá-la. E esse afastamento é através, justamente, do mínimo existencial.

O mínimo existencial traduz a ideia de não haver relativização para um núcleo mínimo dos direitos fundamentais, essenciais para a vida humana, em especial, por exemplo, os vinculados aos direitos à saúde e à alimentação.

A falta destes núcleos mínimos leva a uma vida sem dignidade, contrariando a Dignidade da Pessoa Humana e o Estado Democrático de Direito, além de outros valores basilares.

Deve-se estar atento para não se confundir o mínimo existencial com mínimo vital. O primeiro é mais amplo, indo além da mera vida substancial (o mínimo vital). Salomão Ismail Filho2 define:

De fato, o mínimo existencial não trata apenas de garantir ao ser humano um “mínimo vital”, mas um mínimo de qualidade vida, o qual lhe permita viver com dignidade, tendo a oportunidade de exercer a sua liberdade no plano individual (perante si mesmo) e social (perante a comunidade onde se encontra inserido).

Herrera e Machado3 afirmam:

O “mínimo existencial” é um conjunto de direitos básicos que integram o núcleo da dignidade da pessoa humana, formados pela seleção dos direitos sociais, econômicos e culturais, e, por terem efetividade imediata, deveriam ser sempre garantidos pelo poder público, independentemente de recursos orçamentários (obstáculo financeiro relativizado.

No mesmo sentido, já decidiu o STJ:

O mínimo existencial não se resume ao mínimo vital, ou seja, o mínimo para se viver. O conteúdo daquilo que seja o mínimo existencial abrange também as condições socioculturais, que, para além da questão da mera sobrevivência, asseguram ao indivíduo um mínimo de inserção na "vida" social.

STJ. Resp Nº 1.185.474 – SC, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 20/04/2010.

Ou seja, se, de um lado, a reserva do possível pode limitar a atuação estatal, com a obrigação impossível não podendo ser exigida, devido à insuficiência de recursos orçamentários, do outro, a reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos Direitos Fundamentais, não cabendo ao administrador público preteri-los em suas escolhas.

Atualmente, no Brasil, está consolidado no STF4 o entendimento de que ao reserva do possível tem que ser limitada, pelas peculiaridades do caso concreto, pelo mínimo existencial. Como exemplo, pode-se citar as decisões do STJ5 e do STF6 da necessidade de reforma nos presídios (grifo meu):

Constatando-se inúmeras irregularidades em cadeia pública — superlotação, celas sem condições mínimas de salubridade para a permanência de presos, notadamente em razão de defeitos estruturais, de ausência de ventilação, de iluminação e de instalações sanitárias adequadas, desrespeito à integridade física e moral dos detentos, havendo, inclusive, relato de que as visitas íntimas seriam realizadas dentro das próprias celas e em grupos, e que existiriam detentas acomodadas improvisadamente —, a alegação de ausência de previsão orçamentária não impede que seja julgada procedente ação civil publica que, entre outras medidas, objetive obrigar o Estado a adotar providências administrativas e respectiva previsão orçamentária para reformar a referida cadeia pública ou construir nova unidade, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal.

S TJ. 2ª Turma. REsp 1389952-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 3/6/2014 (Info 543).

É lícito ao Poder Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da CF, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes.

STF. Plenário. RE 592581/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 13/8/2015 (Info 794).

Márcio Calvacante7 detalha brilhantemente os fundamentos do STF e do STJ nos julgados supracitados (grifo meu):

Vejamos os fundamentos que amparam o deferimento do pedido do MP:

Violação a direitos fundamentais

A situação em análise revela clara violação aos princípios da dignidade da pessoa humana, do mínimo existencial e à garantia constitucional de que o Poder Público deverá respeitar a integridade física e moral do preso (art. 5º, XLIX, da CF/88).

Quando o não desenvolvimento de políticas públicas acarretar grave vulneração a direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição, é cabível a intervenção do Poder Judiciário como forma de implementar os valores constitucionais.

Nesses casos, não é possível que o Poder Público invoque a discricionariedade administrativa.

Em suma, tanto o STF quanto o STJ reconhecem que, em casos excepcionais, é possível o controle judicial de políticas públicas.

Inexistência de ofensa à separação dos poderes

Não há ofensa ao princípio da separação dos poderes. Isso porque a concretização dos direitos sociais não pode ficar condicionada à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa.

Seria distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente importantes.

Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, não existe empecilho jurídico para que o Judiciário determine a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal.

Inexistência de ofensa à previa previsão orçamentária

Não há que se falar em ofensa aos arts. 4º, 6º e 60 da Lei n.°4.320/64 (que preveem a necessidade de previsão orçamentária para a realização das obras em apreço), na medida em que o MP pediu, na ação civil pública, que o Estado incluísse previsão orçamentária para as obras solicitadas. Logo, não se desrespeitou a regra que determina a previsão orçamentária das obras.

Não aplicação da teoria da reserva do possível

Não se pode invocar a teoria da reserva do possível, importada do Direito alemão, como escudo para o Estado se escusar do cumprimento de suas obrigações prioritárias.

Realmente as limitações orçamentárias são um entrave para a efetivação dos direitos sociais. No entanto, é preciso ter em mente que o princípio da reserva do possível não pode ser utilizado de forma indiscriminada.

Na verdade, o direito alemão construiu essa teoria no sentido de que o indivíduo só pode requerer do Estado uma prestação que se dê nos limites do razoável, ou seja, na qual o peticionante atenda aos requisitos objetivos para sua fruição.

De acordo com a jurisprudência da Corte Constitucional alemã, os direitos sociais prestacionais estão sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade. Ocorre que não se podem importar preceitos do direito comparado sem atentar para Estado brasileiro. Na Alemanha, os cidadãos já dispõem de um mínimo de prestações materiais capazes de assegurar existência digna. Por esse motivo, o indivíduo não pode exigir do Estado prestações supérfluas, pois isso escaparia do limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado pela jurisprudência germânica.

Todavia, a situação é completamente diversa nos países menos desenvolvidos, como é o caso do Brasil, onde ainda não foram asseguradas, para a maioria dos cidadãos, condições mínimas para uma vida digna. Nesse caso, qualquer pleito que vise a fomentar uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem razão (supérfluo), pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado brasileiro.

É por isso que o princípio da reserva do possível não pode ser oposto a um outro princípio, conhecido como princípio do mínimo existencial. Somente depois de atingido esse mínimo existencial é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em quais outros projetos se deve investir.

Por esse motivo, não havendo comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário determine a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político.

Outro exemplo interessante, didático e de fácil compreensão destes embates, com resolução judicial, trata-se da decisão do STF8 acerca do dever do Estado em proceder a reformas e adaptações necessárias de modo a permitir o acesso de pessoas com restrição locomotora à escola pública, cabendo ainda à Administração o dever em adotar providências que viabilizassem essa acessibilidade. Observou-se que a acessibilidade, quando se tratasse de escola pública, seria primordial ao pleno desenvolvimento da pessoa. A igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, respeita a Dignidade da Pessoa Humana e a busca de uma sociedade justa e solidária.

A base jurídica para essas decisões foram o Decreto 6.949/2009 (plano interno), os artigos art. 205, art. 206, I, e 227, § 2º, da Constituição Federal (plano interno) e da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo (plano externo). Frise-se que este Tratado foi incorporado ao cenário normativo brasileiro segundo o procedimento previsto no § 3º do art. 5º da Constituição, tendo status de emenda constitucional.

Compreendeu-se que a reserva do possível não poderia ser usada como fundamento para privar segmentos vulneráveis (pessoas com deficiência) de uma inclusão mínima e básica: o acesso educacional. Se o Estado falha em como inserir tal grupo em um ambiente escolar, como poderia acreditar em qualquer benesse na existência do Estado – em qualquer uma de suas vertentes de fundamento de existência, a exemplo da Teoria do Contrato Social de Locke.

O STF adota a teoria substancialista. Esta define que o Poder Judiciário pode (e deve) intervir em favor dos direitos fundamentais, assumindo um compromisso com os Princípios Constitucionais. Lênio Luiz Streck9 define:

“Na perspectiva substancialista, concebe-se ao Poder Judiciário uma nova inserção no âmbito das relações dos Poderes de Estado, levando-o a transcender as funções de Checks and Balances”.

Vale a pena trazer a ementa do STJ10 detalhando a relação entre a reserva do possível e o mínimo existencial, destrinchando detalhadamente todo o debatido neste capítulo. Destaca-se que é entendimento reiterado, citando precedentes do STF e do STJ. Cita-se (grifo meu):

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – ACESSO À CRECHE AOS MENORES DE ZERO A SEIS ANOS – DIREITO SUBJETIVO – RESERVA DO POSSÍVEL – TEORIZAÇÃO E CABIMENTO – IMPOSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO COMO TESE ABSTRATA DE DEFESA – ESCASSEZ DE RECURSOS COMO O RESULTADO DE UMA DECISÃO POLÍTICA – PRIORIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS – CONTEÚDO DO MÍNIMO EXISTENCIAL – ESSENCIALIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO – PRECEDENTES DO STF E STJ.

1. A tese da reserva do possível assenta-se em ideia que, desde os romanos, está incorporada na tradição ocidental, no sentido de que a obrigação impossível não pode ser exigida (Impossibilium nulla obligatio est - Celso, D. 50, 17, 185). Por tal motivo, a insuficiência de recursos orçamentários não pode ser considerada uma mera falácia.

2. Todavia, observa-se que a dimensão fática da reserva do possível é questão intrinsecamente vinculada ao problema da escassez. Esta pode ser compreendida como "sinônimo" de desigualdade. Bens escassos são bens que não podem ser usufruídos por todos e, justamente por isso, devem ser distribuídos segundo regras que pressupõe o direito igual ao bem e a impossibilidade do uso igual e simultâneo.

3. Esse estado de escassez, muitas vezes, é resultado de um processo de escolha, de uma decisão. Quando não há recursos suficientes para prover todas as necessidades, a decisão do administrador de investir em determinada área implica escassez de recursos para outra que não foi contemplada. A título de exemplo, o gasto com festividades ou propagandas governamentais pode ser traduzido na ausência de dinheiro para a prestação de uma educação de qualidade.

4. É por esse motivo que, em um primeiro momento a reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos Direitos Fundamentais, já que, quanto a estes, não cabe ao administrador público preterí-los em suas escolhas. Nem mesmo a vontade da maioria pode tratar tais direitos como secundários. Isso, porque a democracia não se restinge na vontade da maioria. O princípio do majoritário é apenas um instrumento no processo democrático, mas este não se resume àquele. Democracia é, além da vontade da maioria, a realização dos direitos fundamentais. Só haverá democracia real onde houver liberdade de expressão, pluralismo político, acesso à informação, à educação, inviolabilidade da intimidade, o respeito às minorias e às ideias minoritárias etc. Tais valores não podem ser malferidos, ainda que seja a vontade da maioria. Caso contrário, se estará usando da "democracia" para extinguir a Democracia.

5. Com isso, observa-se que a realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador. Não é por outra razão que se afirma que a reserva do possível não é oponível à realização do mínimo existencial.

6. O mínimo existencial não se resume ao mínimo vital, ou seja, o mínimo para se viver. O conteúdo daquilo que seja o mínimo existencial abrange também as condições socioculturais, que, para além da questão da mera sobrevivência, asseguram ao indivíduo um mínimo de inserção na "vida" social.

7. Sendo assim, não fica difícil perceber que dentre os direitos considerados prioritários encontra-se o direito à educação. O que distingue o homem dos demais seres vivos não é a sua condição de animal social, mas sim de ser um animal político. É a sua capacidade de relacionar-se com os demais e, através da ação e do discurso, programar a vida em sociedade.

8. A consciência de que é da essência do ser humano, inclusive sendo o seu traço característico, o relacionamento com os demais em um espaço público - onde todos são, in abstrato, iguais, e cuja diferenciação se dá mais em razão da capacidade para a ação e o discurso do que em virtude de atributos biológicos - é que torna a educação um valor ímpar. No espaço público - onde se travam as relações comerciais, profissionais, trabalhistas, bem como onde se exerce a cidadania - a ausência de educação, de conhecimento, em regra, relega o indivíduo a posições subalternas, o torna dependente das forças físicas para continuar a sobreviver e, ainda assim, em condições precárias.

9. Eis a razão pela qual o art. 227 da CF e o art. 4º da Lei n. 8.069/90 dispõem que a educação deve ser tratada pelo Estado com absoluta prioridade. No mesmo sentido, o art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente prescreve que é dever do Estado assegurar às crianças de zero a seis anos de idade o atendimento em creche e pré-escola. Portanto, o pleito do Ministério Público encontra respaldo legal e jurisprudencial. Precedentes: REsp 511.645/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18.8.2009, DJe 27.8.2009; RE 410.715 AgR / SP - Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 22.11.2005, DJ 3.2.2006, p. 76.

10. Porém é preciso fazer uma ressalva no sentido de que mesmo com a alocação dos recursos no atendimento do mínimo existencial persista a carência orçamentária para atender a todas as demandas. Nesse caso, a escassez não seria fruto da escolha de atividades não prioritárias, mas sim da real insuficiência orçamentária. Em situações limítrofes como essa, não há como o Poder Judiciário imiscuir-se nos planos governamentais, pois estes, dentro do que é possível, estão de acordo com a Constituição, não havendo omissão injustificável.

11. Todavia, a real insuficiência de recursos deve ser demonstrada pelo Poder Público, não sendo admitido que a tese seja utilizada como uma desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais, principalmente os de cunho social. No caso dos autos, não houve essa demonstração. Precedente: REsp 764.085/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 1º.12.2009, DJe 10.12.2009.

STJ. Resp Nº 1.185.474 – SC, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 20/04/2010.

A análise entre a reserva do possível e o mínimo existencial é algo muito complexo, gerando recorrentemente (e infelizmente) descaso governamental na efetivação dos direitos, fundamentando-se na impossibilidade financeira.

Diante desses irrefutáveis e odiosos fatos, urge a necessidade de estudar a origem dos direitos humanos e fundamentais, verificando como ocorreram as inserções desses direitos no âmbito externo e interno e analisar quais são os principais obstáculos que impedem a concretude e efetividade dos direitos.

Além disso, para solucionar essa questão, deve-se entender e valorar valores primordiais, como a valorização da vida e do regime democrático o discernimento das variações culturais, as maneiras de vida e necessidades dos diferentes segmentos sociais, o entendimento operacional das instituições políticas e a ordenação da sociedade civil e acompanhamento do andamento do Estado.

Em suma, a reserva do possível é o limite para se impor ao Estado toda e qualquer prestação, com base em análise do razoável e não supérfluo. Contudo, tal instituto não pode ser usado como argumento abstrato, alheio ao caso concreto ou aos direitos fundamentais. Assim, o mínimo existencial limita o uso da reserva do possível, sendo o limite do limite, a fim de garantir o núcleo mínimo dos direitos fundamentais.

Recentemente, há poucos meses, o STF deu uma decisão estrutural sobre como o Poder Judiciário deve atuar em relação a ineficiência estatal em cumprir direitos essenciais e positivados. Foram estabelecidos parâmetros para nortear as decisões judiciais a respeito de políticas públicas voltadas à realização de direitos fundamentais (grifo meu):

a) Em primeiro lugar, é necessário que esteja devidamente comprovada nos autos a ausência ou grave deficiência do serviço público, decorrente da inércia ou excessiva morosidade do Poder Público. Quando os Poderes Legislativo e Executivo descumprem seus deveres institucionais, o Poder Judiciário estará autorizado a servir de alerta para que estes exerçam suas atribuições.

b) Em segundo lugar, no atendimento dos pedidos formulados pelo autor da demanda, deve-se observar a possibilidade de universalização da providência a ser determinada, considerados os recursos efetivamente existentes, que são finitos e insuficientes ao atendimento de todas as necessidades sociais, impondo ao Estado a toma de decisões difíceis. Assim, o órgão julgador deverá questionar se é razoável e faticamente viável que aquela obrigação seja universalizada pelo ente público devedor. Na hipótese em análise, por exemplo, caberia ao Tribunal de Justiça examinar se seria possível ao Município do Rio de Janeiro implementar as obrigações impostas também em outras unidades de saúde que estejam em condição similar à do Hospital Salgado Filho.

c) Em terceiro lugar, cabe ao órgão julgador determinar a finalidade a ser atingida, mas não o modo como ela deverá ser alcançada, privilegiando medidas estruturais de resolução de conflito. Estabelecida a meta a ser cumprida, diversos são os meios com os quais se pode implementá-la, cabendo ao administrador optar por aquele que considera mais pertinente e eficaz. Trata-se de um modelo “fraco” de intervenção judicial em políticas públicas, no qual, apesar de indicar o resultado a ser produzido, o Judiciário não fixa analiticamente todos os atos que devem ser praticados pelo Poder Público, preservando, assim, o espaço de discricionariedade do mérito administrativo. No exemplo dos autos, constatado o déficit de profissionais de saúde, caberia ao Judiciário determinar que a irregularidade seja sanada. No entanto, cabe ao Poder Executivo Municipal decidir se suprirá tal deficiência, por exemplo, mediante a realização de concurso público, por meio do remanejamento de recursos humanos ou a partir da celebração de contratos de gestão e termos de parceria com organizações sociais (OS) e organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP).

d) Em quarto lugar, a que se considerar a ausência de expertise e capacidade institucional da atuação judicial na implementação de política pública. O Judiciário não domina o conhecimento específico necessário para instituir políticas de saúde, de modo que, para atenuar isso, a decisão judicial deverá estar apoiada em documentos ou manifestações de órgãos técnicos, que podem acompanhar a petição inicial ou compor a instrução processual. No caso dos autos, por exemplo, deveria ter sido pensado em um plano para correção das irregularidades no Hospital Municipal Salgado Filho, que garantisse um mínimo existencial para o atendimento da população, respeitando, assim, o direito à saúde e à dignidade humana e, ao mesmo tempo, considerasse a situação das demais unidades de saúde sob responsabilidade do Município, para as quais os recursos orçamentários e esforços administrativos também devem ser orientados. O plano poderia ser elaborado diretamente pela Administração Pública Municipal – e, posteriormente, homologado pelo Tribunal de Justiça local – ou desenvolvido em conjunto entre os dois Poderes.

e) Em quinto lugar, sempre que possível, o órgão julgador deverá abrir o processo à participação de terceiros, com a admissão de amicicuriae e designação de audiências públicas, permitindo a oitiva não apenas dos destinatários da ordem, mas também de outras instituições e entidades da sociedade civil. Tais providências contribuem não apenas para a legitimidade democrática da ordem judicial como auxiliam a tomada de decisões, pois permitem que o órgão julgador seja informado por diferentes pontos de vista sobre determinada matéria, contribuindo para uma visão global do problema. Além disso, uma construção dialógica da decisão favorece a sua própria efetividade, uma vez que são maiores as chances de cumprimento, pelo Poder Público, de determinações que ele próprio ajudou a construir.

STF. Plenário. RE 684.612/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, redator do acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 01/7/2023 (Repercussão Geral – Tema 698) (Info 1101).

Márcio Calvacante11 explicita muito bem o julgado (grifo meu):

O caso concreto foi o seguinte:

Em 2003, o Ministério Público do Rio de Janeiro ajuizou ação civil pública em face do Município do Rio de Janeiro apontando péssimas condições de estrutura e atendimento do Hospital Municipal Salgado Filho.

Na ação, o Parquet formulou os seguintes pedidos:

(i) abertura de concurso público para o provimento dos cargos vagos na área da saúde, a fim de suprir o déficit de pessoal apontado;

(ii) que os servidores aprovados nesse concurso fossem lotados, especificamente, no Hospital Municipal Salgado Filho;

(iii) que fossem sanadas, pela Administração municipal, todas as irregularidades apontadas com relação ao referido hospital.

A ação civil pública se fundamentou em informações colhidas no âmbito de inquérito civil, deflagrado a partir de relatório de fiscalização realizado pelo Conselho Regional de Medicina – CREMERJ.

Além do déficit de 283 profissionais à época, o relatório apontou irregularidades de diversas naturezas, a exemplo da ausência de vedação dos recipientes coletores de lixo, cruzamento de material estéril com contaminado e falta de manutenção e substituição de equipamentos.

O pedido foi julgado improcedente em 1ª instância.

Segundo o magistrado, não seria possível a sindicabilidade jurisdicional de políticas públicas, frente ao princípio da separação dos poderes. Em outras palavras, não seria possível que o Poder Judiciário interferisse nas políticas públicas definidas e implementadas pelo Poder Executivo. O termo “sindicabilidade” deriva do verbo “sindicalizar”, que, neste contexto, significa submeter a exame ou revisão.

O Ministério Público recorreu e o TJ/RJ deu provimento à apelação e determinou ao Município:

i) o suprimento do déficit de pessoal, especificamente por meio da realização de concurso público de provas e títulos para provimento dos cargos de médico e funcionários técnicos, com a nomeação e posse dos profissionais aprovados no certame; e

ii) a correção dos procedimentos e o saneamento das irregularidades expostas no relatório do Conselho Regional de Medicina, com a fixação de prazo e multa pelo descumprimento.

Inconformado, o Município interpôs recurso extraordinário.

Vejamos com calma o que decidiu o STF.

Direito à saúde

A CF/88 reconheceu o direito à saúde como direito social fundamental, conferindo-lhe grau de relevância e destaque absolutamente distinto das normativas constitucionais anteriores.

A constitucionalização desse direito e a sua elevação ao status de direito fundamental fizeram com que se conferisse à saúde o mais alto grau de importância e de força normativa.

Em outras palavras, à luz da normativa constitucional em vigor, não basta que o direito à saúde seja uma promessa, é necessário que o Estado garanta, por meio de políticas públicas, a sua concretização.

Nesse contexto, ao Poder Público incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

A intervenção do Poder Judiciário, mediante determinações à Administração Pública para que forneça variadas prestações concernentes ao direito à saúde, tem procurado realizar a promessa constitucional de sua prestação universalizada.

No entanto, excessos voluntaristas e a falta de critérios objetivos que geram indesejada imprevisibilidade da prestação jurisdicional colocam em risco a própria continuidade das políticas públicas de saúde, desorganizando a atividade administrativa e impedindo a alocação racional dos escassos recursos públicos.

A atuação casuística do Poder Judiciário atende às necessidades imediatas do jurisdicionado, mas, globalmente, pode interferir nas possibilidades estatais no que toca à promoção da saúde pública.

Além disso, a atuação judicial em demandas individuais acaba por colocar em posição de vantagem aqueles que pertencem às classes mais favorecidas.

De fato, nessas hipóteses, quando o Judiciário assume o papel de protagonista na implementação dessas políticas, privilegia aqueles que possuem acesso qualificado à Justiça, seja por conhecerem seus direitos, seja por poderem arcar com os custos do processo judicial.

Mesmo admitindo que a judicialização é uma circunstância atual e mesmo inevitável da vida brasileira, em matéria de direito à saúde ela não pode ser vista como meio natural de se definirem políticas públicas.

É mais adequado que sejam definidos direitos e obrigações por via legislativa e administrativa, de modo que os litígios sejam residuais e não de massa.

Nesse cenário, o que se necessita nessa matéria é estabelecer parâmetros para que a atuação do Judiciário possa se pautar por critérios de racionalidade e de eficiência. É a falta de critérios universais que tem tornado o sistema disfuncional e desigual.

Acabou se tornando verdadeiro senso comum de que o Poder Judiciário, quando se depara com casos nos quais se discutem certas questões do direito à saúde – e.g. fornecimento de certo medicamento ou custeio de um tratamento para a parte –, faria uma ponderação entre o direito à vida e à saúde, de um lado, e princípios orçamentários, separação de poderes e reserva do possível, do outro lado. Isso, todavia, não é verdade. O que o Judiciário verdadeiramente pondera é direito à vida e à saúde de uns contra o direito à vida e à saúde de outros. Portanto, não há solução juridicamente fácil nem moralmente simples nesta matéria.

Parâmetros para a intervenção judicial em políticas públicas de saúde

A atuação do Poder Judiciário em matéria de concretização de direitos sociais é permeada por complexidades e críticas.

Contudo, em cenários em que a inércia administrativa frustra a realização de direitos fundamentais, não há como negar ao Poder Judiciário algum grau de interferência para a implementação de políticas públicas. Negar a possibilidade de atuação jurisdicional nessa matéria equivaleria a negar a própria efetividade do direito social constitucionalmente assegurado, retornando à ultrapassada ideia de que tais direitos seriam normas meramente programáticas ou principiológica.

(...)

Em Resumo: Na hipótese de ausência ou deficiência grave do serviço, a intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas voltadas à realização de direitos fundamentais não viola o princípio da separação dos Poderes (art. 2º, CF/88), devendo a atuação judicial, via de regra, indicar as finalidades pretendidas e impor à Administração Pública a apresentação dos meios adequados para alcançá-las.

STF. Plenário. RE 684.612/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, redator do acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 01/7/2023 (Repercussão Geral – Tema 698) (Info 1101).

Vejam as teses fixadas pelo STF:

1. A intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas voltadas à realização de direitos fundamentais, em caso de ausência ou deficiência grave do serviço, não viola o princípio da separação dos Poderes.

2. A decisão judicial, como regra, em lugar de determinar medidas pontuais, deve apontar as finalidades a serem alcançadas e determinar à Administração Pública que apresente um plano e/ou os meios adequados para alcançar o resultado;

3. No caso de serviços de saúde, o déficit de profissionais pode ser suprido por concurso público ou, por exemplo, pelo remanejamento de recursos humanos e pela contratação de organizações sociais (OS) e organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP).

STF. Plenário. RE 684.612/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, redator do acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 01/7/2023 (Repercussão Geral – Tema 698) (Info 1101).

Analisando especificamente o caso concreto

Levando em conta tais parâmetros, o STF entendeu que a intervenção casuística do Poder Judiciário, definindo a forma de contratação de pessoal e da gestão dos serviços de saúde, coloca em risco a própria continuidade das políticas públicas, já que desorganiza a atividade administrativa e compromete a alocação racional dos escassos recursos públicos.

A participação judicial deve ocorrer em situações excepcionais e ser pautada por critérios de razoabilidade e eficiência, respeitada a discricionariedade do administrador em definir e implementar políticas públicas.

No caso em análise, o acórdão recorrido do TJ/RJ reconheceu a omissão específica do Município do Rio de Janeiro no cumprimento de seu dever constitucional de garantir o direito à saúde, em razão das precárias condições do Hospital Municipal Salgado Filho.

Nesse cenário, a intervenção do Poder Judiciário visa a garantir o mínimo existencial relativo ao direito à saúde, intimamente vinculado ao direito à vida e ao princípio da dignidade humana.

No entanto, as providências determinadas pelo Tribunal de Justiça não se alinham aos parâmetros de atuação aqui propostos, uma vez que não se limitam a indicar a finalidade a ser atingida. Na visão do STF, o TJ/RJ interferiu fortemente no mérito administrativo ao determinar, por exemplo, a contratação de pessoal via concurso público e a sua lotação em determinado hospital da rede municipal de saúde.

Além disso, a ação foi proposta em abril de 2003 e o acórdão recorrido proferido em maio de 2006. Logo, para o STF era necessário examinar se, quase 20 anos depois, as irregularidades indicadas na inicial e as medidas determinadas pelo acórdão recorrido ainda atendem à atual realidade do Hospital Salgado Filho.

Diante do exposto, o STF deu parcial provimento ao recurso extraordinário do Município para anular o acórdão do TJ e determinar o retorno dos autos à origem, para novo exame da matéria, de acordo com as circunstâncias fáticas atuais do Hospital Municipal Salgado Filho e com os parâmetros fixados.

Assim, percebe-se que a reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de autorizar determinação judicial para obrigar o Estado a cumprir seu papel, sempre de forma dialógica, buscando analisar universalização dos direitos, respeitar a discricionariedade administrativa (desde que não gere arbitrariedade ou esvaziamento do próprio direito), garantir uma democracia efetiva com participação de toda a sociedade e fundamentando-se em análises técnicas e periciais.


2. A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1 – DA IMPORTÂNCIA DE CONHECER A EVOLUÇÃO

O estudo abordado nesta temática apresenta-se de imensa importância à compreensão do Direito em seu percurso histórico, pois para se atingir uma compreensão acerca da conjuntura contemporânea do tema proposto, faz-se necessário conhecimento de sua evolução no transcorrer do tempo. Afinal, a célebre frase de Edmund Burke resume perfeitamente que “Um povo que não conhece sua História está fadado a repeti-la”.

A sociedade moderna nem sempre teve o perfil organizado que conhecemos no presente. Foi ao longo do tempo que a humanidade desenvolveu questões atinentes às maneiras de sobrevivência, organizando-se em prol da vida em comunidade – tentando estabelecer princípios solidários e de respeito à vida. Assemelhando-se ao consenso de John Donne que “nenhum homem é uma ilha isolada”. A consequência da conjuntura sociocultural das enormes desigualdades e das violências sociais condicionam a vida numa vulnerabilidade constante.

Se por um lado lutas armadas que foram geradas por antagonismos culturais, étnicos-raciais, políticos, religiosos e conflitos territoriais – que são traços frequentes em nossa história -, do outro, em contrapartida a essas lutas, várias respostas serviram de alicerces para construir a história das realidades sobre as quais pairam diante da vida. Assim, o significado de valor maior e, consequentemente, sua integridade devem ser protegidos e viabilizados.

Diante da compreensão desse contexto, há o surgimento de inúmeras regras acerca da defesa dos Direitos Humanos e da defesa dos Direitos Fundamentais, bem como da acessão de uma cultura, radicalmente, opositora a qualquer tipo de violência.

2.2 – DIREITOS HUMANOS NO PLANO INTERNACIONAL, PÓS POSITIVISMO E REAPROXIMAÇÃO DO DIREITO E DA MORAL

É a partir do contexto de formação dos valores humanistas e da promoção de uma cultura embasada na paz que se percebe o entrelace na História dos direitos Humanos. Faz-se importante ressaltar que tal processo tem se desencadeado por maneiras conflituosas, por disputas e por conquistas.

Ao tentar se construir uma concepção de sociedade ideal, cujas pessoas são frutos do que se deseja formar, os Direitos Humanos, algumas vezes (infelizmente), adquirem fundamentos não como uma essência milagrosa ou uma inspiração intelectual, mas sim forma efêmera de época. Entretanto, são conjecturas dos próprios processos de aprendizagens acumulados pela humanidade, em suas áreas diversificadas, experiência e descobertas, que, de fato, forma-se um processo de construção humana, de apreensão e de recriação da realidade com a essência desses direitos.

O padrão dos Direitos Humanos se fortalece a partir da segunda metade do século XX, período que se catalogam referenciais jurídicos, teóricos e empíricos-metodológicos. Foi a forma de evoluir como sociedade, repelindo o caos humanitário da Segunda Guerra Mundial.

Surge a ideia de Pós Positivismo, a fim de repelir a defesa (absurdamente esdrúxula) de muitos nazistas afirmando que estavam “somente cumprindo a lei”. Aceitar essa ideia, seria defender o positivismo cego e anencefálico.

O Pós Positivismo reaproxima o Direito e a Moral, bebendo em fontes do jusnaturalismo, rompendo com o afastamento entre ambos realizada pelo Positivismo.

Desse momento, surge um vasto propósito de direitos sobre o qual, na atualidade, trabalhamos não somente acerca dos direitos civis e políticos, mas também os direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais.

Neste paradigma, tem-se como princípio máximo a universalidade da dignidade humana – considerada a singularidade de cada indivíduo e seu segmento sociocultural. Como reitera o professor Augusto Cançado Trindade12:

“Todos os direitos humanos para todos, é este o único caminho seguro para a atuação lúcidas no campo da proteção dos direitos humanos”.

Surge-se, então, no início do século XX, o Estado de Providência. E nesse sentido, Themístocles Brandão Cavalcanti apud Alexandre de Moraes13, explicita que:

Considerando o começo do nosso século viu a inclusão de uma nova categoria de direitos nas declarações e, ainda mais recentemente, nos princípios garantidores da liberdade das nações e das normas da convivência internacional. Entre os direitos chamados sociais, incluem-se aqueles relacionados com o trabalho, o seguro social, a subsistência, o amparo à doença, à velhice etc.

Mergulhada nesse contexto, a Declaração Universal dos Direitos humanos proclamada em 1948 é reconhecida por ser uma referência básica a todo e qualquer princípio é direito expresso. Visto por sua tentativa de alinhar os países a um compromisso de defesa incondicional do direito de todos à vida digna em qualquer contexto que ela se encontre. Ou seja, claramente é um marco para a humanidade.

Quanto a isso, observar-se no Preâmbulo14 da Declaração a importância dada a condição humana para valorar o próprio ser humano. Destaca-se (com grifo meu):

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que mulheres e homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum,

Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,

Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações,

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do ser humano, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,

Considerando que os Países-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do ser humano e a observância desses direitos e liberdades,

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

Agora portanto a Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade tendo sempre em mente esta Declaração, esforce-se, por meio do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Países-Membros quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Estas considerações reafirmam a lente de ampliação sobre o interesse extensivo e unificador da Carta, dando margem a plena defesa universal do direito de todos à dignidade humana.

Após citar o Preâmbulo Universal da Declaração, arcabouço importante no direito humanitário da sociedade moderna, faz-se jus, neste estudo, a necessidade de se atentar para alguns artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos15, com grifo meu:

Art. I – Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

Art. II – Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Art. III – toda pessoa tem o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Art. IV – Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as formas.

Art. V – Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

Art. VI – toda pessoa tem o direito de ser em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei.

Art. VII – Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a qual proteção da lei. Todos têm direito a Igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Art. VIII – Toda pessoa tem direito a receber dos tributos nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violam os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Art. IX – Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

As duas citações acima demonstram claramente a preocupação na Declaração Universal dos Direitos humanos em valorizar a pessoa humana por simplesmente ser humana. O foco no respeito ao ser humano por ser humano.

Percebe-se os Direitos Humanos como um agrupamento de direitos e princípios reunidos pelo objetivo de representar defesa para a vida honrada da pessoa humana. Isso implica em afirmar a sustentabilidade da universalidade do ser humano respeitando, também, a especificidade de cada pessoa.

Sobre esta colocação, Rodrigues16 explica que (grifo meu):

A Declaração consolidou uma visão contemporânea de direitos humanos marcada pela universalidade, pela indivisibilidade e pela interdependência.

A universalidade implica o reconhecimento de que todos os indivíduos têm direitos pelo mesmo mérito mero fato de sua humanidade. [...]

A indivisibilidade implica na percepção de que a dignidade humana não pode ser buscada apenas pela satisfação de direitos civis e políticos [...].

Já a interdependência aponta para a ligação existente entre os diversos direitos humanos. A efetivação do voto, que é um direito político, depende da garantia do direito à educação, que é um direito social.

[...]

O conceito atual de direitos humanos foi confirmado com a realização da conferência mundial sobre Direitos Humanos, ocorrida em Viena, em 1993. Naquela ocasião, foram elaborados a Declaração e o Programa de Ação de Viena. Em seu parágrafo quinto, a Declaração estabelece que: ‘todos os direitos humanos são universais, independentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase.

Nessa seara, que se envereda a disputa pelo direito ao respeito a honra da vida em sua diversidade, novos debates se desenvolvem rumo a construção de uma demarcação legal expansiva – seja de ordem mundial, regional e local –, a uma demarcação teórica, multidisciplinar, que aceite concepções novas e as culturas instituintes dessas realidades, e, principalmente, os propósitos de políticas públicas diversificadas e inclusivas.

2.3 – DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988

Neste tópico será trabalhado sobre quem é alcançado pelos Direitos Humanos, em quais situações se enquadra. Como deve-se atuar nesse campo e as estratégias existem para garantir os Direitos Humanos.

Como já fora levantado outrora neste estudo, todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade (Artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948).

Por essa razão, viver com dignidade em um contexto de respeito aos direitos fundamentais tem sido uma busca permanente da sociedade civil e dos movimentos sociais.

No Brasil, os processos de defesa e concretização dos direitos constitucionais e dos Direitos Humanos ganharam nova energia e visibilidade nas décadas finais do século XX, período conhecido como “redemocratização do Brasil. Foi a partir dos anos 1980 que tais direitos passaram a fazer parte do cotidiano nacional de uma maneira mais universalizada.

Pode-se considerar que, com o fim da ditadura, a retomada dos princípios e garantias universais, instituintes da vida em comunidade se tornou um objetivo para a sociedade brasileira.

Em decorrência desse percurso de contexto histórico, os Direitos Humanos vêm se transformando e ampliando sua abordagem diante das conquistas sociais e transformações culturais. A princípio, referiam-se ao homem enquanto indivíduo (direitos de liberdade). Em seguida, observavam uma compreensão de homem como sujeito social e político (direitos de igualdade), aspecto que amplia o campo dos direitos rumo a essas dimensões.

Na atualidade, a abordagem dos Direitos Humanos vem se ampliando, na medida em que se compreende o homem como um ser coletivo (direitos de fraternidade e solidariedade), que existe em um mundo em interação, complexo, quase sem fronteiras, que – graças aos avanços tecnológicos – amplia infinitamente as possibilidades de trocas, de construção de conhecimento e de acesso à informação.

Enquanto a efervescência do movimento em defesa dos direitos humanos eclodia internacionalmente em 1945, no Brasil, essa bandeira começou ganhar forma em 1985 – com o final da Ditadura Militar. Este momento histórico possibilitou o avanço da mobilização em defesa dos direitos fundamentais e, por consequência, o fortalecimento de conquistas importantes nesse espaço, a exemplo da Constituição Federal de 1988.

O avanço na positivação dos direitos fundamentais foi tanto que a Carta Magna de 1988 ficou conhecida como a “Constituição Cidadã”, diante da preocupação em proteger direitos caros a qualquer sociedade.

O Brasil passou a exigir os mesmos ditames internacionalizados pelos Direitos Humanos, com seu paradigma em representar um ideal de mundo e de ser humano. Um processo de mudança necessário para transformar, constantemente, cada contexto de demanda no atender as alteridades do povo. Em especial o grande apreço e valorização da vida e do regime democrático, o discernimento das variações culturais, as maneiras de vida e as necessidades dos segmentos sociais, o entendimento operacional das instituições políticas, a ordenação da sociedade civil e o acompanhamento do andamento do Estado.

Em consequência disso, essa sistematização dinâmica e qualificada de instituições e sujeitos políticos pode estabelecer a diferença na conjuntura de luta pela garantia de direitos. Uma observação crítica à História demonstra o quanto inúmeras conquistas ocasionaram mudanças expressivas. Entretanto, é notório que há muita tarefa a ser realizada, com muito caminho ainda a ser perseguido.

As necessidades de buscar a efetivação dos direitos humanos e fundamentais, com apoio de todos os setores sociais, estando ainda no início da luta. A prova deste contexto pode ser sintetizada da seguinte forma:

1 - há ainda um alto índice de conflitos armados no Brasil e no mundo;

2 - a fome e a miséria são presenças mercantes nos continentes colonizados pelos europeus e norte-americanos;

3 - é preciso vencer a discriminação de todos os tipos;

4 - grande parte da população mundial sofre por desassistência a saúde e pela precariedade de saneamento básico;

5 - a exploração indiscriminada do meio ambiente causa problemas quase irreversíveis para a vida no planeta;

6 - a compreensão de crianças, adolescentes, jovens e idosos como prioridade é uma construção a ser consolidada;

7 - a tortura E a violência de modo geral estão presentes e são visíveis, sendo uma cultura a ser superada.

Diante de tudo isso, percebe-se a evidência de que os valores mais caros à humanidade merecem ser organizados em um documento jurídico dotado de força normativa ("hard law") hierarquicamente superior às demais normas do ordenamento. Com isso, reconhecer a Constituição enquanto documento supremo do ordenamento jurídico, justifica a estrutura constitucional de proteção aos direitos fundamentais arquitetada nos moldes atuais.

2.4 – DOS PRESSUPOSTOS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: ESTADO DE DIREITO E DIGNIDADE HUMANA

A memória dos direitos fundamentais está relacionada à evolução filosófica dos chamados direitos humanos como direitos de liberdade, evoluindo das concepções naturalistas para a concepção positivista, até a formação do chamado novo constitucionalismo ou pós-positivismo.

A evolução da sociedade acarretou a modificação das tutelas requeridas e abriu espaço para o surgimento de novos direitos. Passamos dos direitos fundamentais clássicos, que exigiam uma mera omissão do Estado, para os direitos fundamentais de liberdade e poder que exigem uma atitude positiva por parte do Estado.

Diante desse fato, torna-se importante estudar quais os pressupostos dos direitos fundamentais, ou seja, quais os princípios jurídicos básicos que justificam logicamente a existência dos direitos fundamentais.

Destes, podemos apontar, basicamente, dois princípios que servem de esteio lógico à ideia de direitos fundamentais: o Estado de Direito e a dignidade humana.

Acerca da Dignidade humana estende-se, como se sabe, um princípio aberto, mas que, em uma apertada síntese, podemos dizer tratar-se de reconhecer a todos os seres humanos, pelo simples fato de serem humanos, alguns direitos básicos – justamente os direitos fundamentais. Embora não se trate de unanimidade, a doutrina majoritária concorda que os direitos fundamentais “nascem” da dignidade humana.

Já o Estado Democrático de Direito é a fundação estatal que respeita o modo de governar pela participação popular (democracia) e com o poder dos governantes pelas leis, com estas limitando o poder. Visa minimizar e restringir abusos. Os direitos fundamentais garantem autonomia e liberdade aos indivíduos perante o Poder do Estado. É o oposto do Estado Absoluto, em que o poder do soberano era ilimitado.

Barroso, em artigo jurídico de 202217 descreve (grifo meu):

Em suma: o Estado democrático de Direito, como referido no artigo 1º da Constituição brasileira, é um regime político fundado na soberania popular, com eleições livres e governo da maioria, bem como em poder limitado, Estado de direito e respeito aos direitos fundamentais de todos, aí incluído o mínimo existencial. Sem terem as suas necessidades vitais satisfeitas, as pessoas não têm condições de ser verdadeiramente livres e iguais. Há também um elemento emocional, humanístico, na democracia, que é o sentimento de pertencimento, de participação efetiva em um projeto coletivo de autogoverno, em que todos e cada um merecem igual consideração e respeito. Quem se sente excluído não tem razão para apoiá-la e é presa fácil de tentações populistas e autoritárias.

De tão relevantes, a Dignidade da Pessoa Humana e o Estado Democrático do Direito foram positivados na Constituição Cidadã, logo em seu primeiro artigo, como princípios fundamentais da República Brasileira, ao lado de valores caros, como a soberania e a cidadania:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana;

É fundamental explorar os estudos acerca do movimento constitucional para, assim, entender melhor como surgiram os direitos fundamentais.

Há diversas correntes antagônicas quanto ao fato da primeira manifestação atinente à limitação do poder do Estado por meio de uma Constituição ou de algo semelhante. Como se analisa nas teorias a seguir.

Para a doutrina tradicional - grande parte dos autores defende que o fenômeno constitucional - surgiu com o advento da Magna Charta Libertatum, assinada pelo rei João Sem-Terra (Inglaterra, 1215). Um documento que foi imposto ao Rei pelos barões feudais ingleses, como medida protetiva a um rei politicamente frágil - não primogênito e desprovido de terra, principal fator de poder naquele período.

Essa, que foi a primeira declaração formal de direitos, positivou vários aspectos daqueles que hoje são considerados direitos fundamentais. Prerrogativas até hoje existentes no Direito Constitucional, como o habeas corpus, o tribunal do Júri, o devido processo legal, a anterioridade tributária, etc.

Schmitt (1928), por outro prisma, sustenta não considerar a Magna Charta como a primeira Constituição, pois não era direcionada para todos, mas apenas para a elite formada por barões feudais. Dessa forma, a primeira Constituição propriamente dita seria o Bill of Rights (Inglaterra, 1688/1689), que previa direitos para todos os cidadãos, e não apenas uma classe deles.

Por outro lado, alguns doutrinadores entendem que o surgimento da primeira Constituição teria ocorrido ainda na sociedade hebraica, mais precisamente com a instituição da “Lei de Deus” (Torah). Pois segundo ele, já naquele Estado Teocrático, a “Lei de Deus” limitava o poder dos governantes (chamados, naquela época, de “Juízes”).

Para finalizar, alguns doutrinadores positivistas aponto como a primeira Constituição escrita a Constituição Americana, de 1787.

2.5 – DO TERMO GERAÇÕES X DIMENSÕES

Mas apesar desse caráter histórico trabalho neste estudo, os direitos fundamentais não permitem a absolutização na sua definição. Assim, dentro ainda de uma perspectiva histórica, observa-se a evolução dos direitos fundamentais nas chamadas gerações ou dimensões.

Catalisadas em sua evolução histórica, a doutrina classifica os direitos fundamentais em direitos de primeira, segunda e terceira gerações conforme o momento histórico cronológico em que passaram a ser reconhecidos e positivados.

De início, ressalte-se que atualmente a doutrina majoritária prefere o termo dimensões dos direitos fundamentais e não gerações.

O termo geração teria uma ideia de substituição entre as três, excluindo a anterior, quando, em realidade, elas se complementam.

Devido a essa evolução, a teoria geracional dos direitos humanos vem sofrendo inúmeros questionamentos e combates pela doutrina mais atual. Pois o termo geração confere uma ideia de sucessão ou substituição da geração anterior pela posterior.

Quanto a esse fato, Trindade18 aponta de maneira precisa:

A fantasia nefasta das chamadas ‘gerações de direitos’, histórica e juridicamente infundada, na medida em que alimentou uma visão fragmentada ou atomizada dos direitos humanos, já se encontra devidamente desmistificada. O fenômeno de hoje testemunhamos não é o de sucessão, mas antes, de uma expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos consagrados, consoante uma visão necessariamente integrada de todos os direitos humanos. As razões histórico-ideológicas da compartimentalização já há muito desapareceram. Hoje podemos ver com clareza que os avanços nas liberdades públicas em tantos países nos últimos anos devem necessariamente fazer-se acompanhar não de retrocesso – como vem ocorrendo em numerosos países – mas de avanços paralelos no domínio econômico-social.

Nos Avanços apontados pelo autor, percebe-se que sob a moderna concepção de indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, prefere-se a expressão dimensões dos direitos humanos.

Dimitri Dimoulis19 afirma que o próprio Paulo Bonavides optou pelo termo dimensões em detrimento às gerações:

Aliás, o próprio Bonavides, no desenrolar de seu texto, acaba reconhecendo a proeminência científica do termo “dimensões” em face do termo “gerações”, “caso este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade”.

2.6 – DAS DIVERSAS DIMENSÕES

Superado a contextualização desta nomenclatura, passa-se ao avanço das dimensões.

Os Direitos da primeira geração surgiram nos séculos XVII e XVIII e foram os primeiros reconhecidos pelos textos constitucionais. Englobam direitos civis e políticos, inerentes ao ser humano e oponíveis ao Estado. Este, naquele momento histórico, era considerado grande opressor das liberdades individuais. Incluem-se nessa geração o direito à vida, segurança, justiça, propriedade privada, liberdade de pensamento, voto, expressão, crença, locomoção, entre outro.

No século XIX, a primeira dimensão de direitos fundamentais estabeleceu-se nas Declarações, sendo a primeira a do Estado da Virginia datada de 1776. Entretanto, a que influenciou os direitos fundamentais de primeira dimensão foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão editada pela Revolução Francesa de 1789.

Os direitos de primeira dimensão exigem uma prestação negativa do Estado, valorizando a liberdade do indivíduo. A liberdade de consciência, de culto e de reunião, e a inviolabilidade do domicílio são exemplos de direitos fundamentais de primeira geração que tem como titular o homem individualmente considerado. A consagração dos direitos fundamentais de primeira dimensão foi resultado do movimento constitucionalista que pretendia a jurisdicização do absolutismo, tanto no seu sentido político, quanto econômico. O movimento queria que se assegurasse a separação dos poderes e que se proclamassem direitos individuais num documento constitucional como garantias da liberdade.

Vale à pena transcrever as palavras de Daniel Sarmento, uma vez que o mesmo assevera:

Dentro deste paradigma, os direitos fundamentais acabaram concebidos como limites para a atuação dos governantes, em prol da liberdade dos governados. Eles demarcavam um campo no qual era vedada a interferência estatal, estabelecendo, dessa forma, uma rígida fronteira entre o espaço da sociedade civil e do Estado, entre a esfera privada e a pública, entre o ‘jardim e a praça’. Nesta dicotomia público/privado, a supremacia recaía sobre o segundo elemento do par, o que decorria da afirmação da superioridade do indivíduo sobre o grupo e sobre o Estado. Conforme afirmou Canotilho, no liberalismo clássico, o ‘homem civil’ precederia o ‘homem político’ e o ‘burguês’ estaria antes do ‘cidadão’. (...) No âmbito do Direito Público, vigoravam os direitos fundamentais, erigindo rígidos limites à atuação estatal, com o fito de proteção do indivíduo, enquanto no plano do Direito Privado, que disciplinava relações entre sujeitos formalmente iguais, o princípio fundamental era o da autonomia da vontade. (SARMENTO, 2006, p. 12-13).

Já os Direitos da segunda geração ou direitos de igualdade: surgiram após a 2ª Guerra Mundial com o advento do Estado Social. São os chamados direitos econômicos, sociais e culturais que devem ser prestados pelo Estado através de políticas de justiça distributiva. Têm fundamento no princípio da igualdade e obrigam a prestações positivas por parte do Estado na realização da justiça social. Abrangem o direito à saúde, trabalho, educação, lazer, repouso, habitação, saneamento, greve, livre associação sindical etc.

É importante observar que nos direitos fundamentais de segunda dimensão não se englobam apenas direitos a prestação, mas também, algumas liberdades sociais – como a liberdade de sindicalização e o direito de greve -, bem assim, direitos fundamentais dos trabalhadores – como o direito a salário mínimo, ao repouso semanal remunerado, etc.

Quanto a isso, Bonavides tece referências aos direitos da segunda geração afirmando que:

(...) são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste século. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula (BONAVIDES, 1993, p. 517).

No fim do século XX, surgem os direitos fundamentais de terceira geração fundamentados no princípio da solidariedade ou fraternidade e que se caracterizam pela titularidade difusa ou coletiva, ou seja, o titular desses direitos não é o homem isoladamente, mas a coletividade, os grupos sociais. São exemplos de direitos fundamentais de terceira geração: a qualidade do meio ambiente, o direito à paz, de acessibilidade e de inclusão social e a proteção ao patrimônio histórico e cultural.

Considera-se direitos coletivos por excelência, pois estão voltados à humanidade como um todo. São direitos coletivos e difusos, englobando direitos além de sua individualização. Não buscam apenas proteger especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm por primeiro destinatário a humanidade como um todo, em um momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta.

Consoante aos fundamentos da terceira geração, Barroso cita cinco direitos:

O direito à paz, o direito ao desenvolvimento, o direito ao patrimônio comum da humanidade, o direito à comunicação, o direito à autodeterminação dos povos e o direito ao meio ambiente sadio ou ecologicamente equilibrado

(BARROSO, 2013, p. 06) Disponível em: <https://www.srbarros.com.br/pt/tres-geracoes-de-direitos.cont>. Acesso em: 08/02/2032.

Os Direitos Humanos de 3ª dimensão dizem respeito aos direitos dos povos, pretendendo o respeito recíproco, o preservacionismo ambiental, uma distribuição melhor da renda.

Acerca dessa dimensão, Pedro Lenza acrescenta que:

Os direitos de terceira geração emergiram do fato de o ser humano estar inserido em uma coletividade e a partir daí ter direitos de solidariedade (LENZA, 2009,p. 588).

Com os direitos fundamentais de terceira dimensão completa-se o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade, no qual a primeira seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, e a terceira, está relacionada à fraternidade que corresponde aos direitos de solidariedade.

Sobre a relação das três dimensões com os brados da revolução francesa, ensina Barroso (grifo meu):

Dada a sua posição institucional, como também o "charme" francês da divisão que fez, alinhando os direitos humanos com o lema da Revolução de 1789, sua palestra teve enorme repercussão na França. Tornou-se uma especiaria do didatismo francês. A França serviu e ensinou ao mundo ocidental o modismo de dividir os direitos humanos em "gerações de direitos". Originalmente, ainda presa à conferência que a lançou, a divisão consoou com o tríplice brado – liberdade, igualdade, fraternidade – que ressoou na ordem política em 1789, na voz de uma ideologia não-intervencionista na ordem econômica e social, mas reclusamente individualista. Daí, a primeira geração: direitos individuais, buscando a liberdade individual. Obviamente, quando a voz dessa ideologia liberal foi abafada pelos trovões da Questão Social, desencadeada pelo capitalismo selvagem nos meados do século 19, logo secundados pelos brados que incitavam o dirigismo cultural e o intervencionismo econômico do Estado na ordem social, sobreveio uma segunda geração: direitos econômicos, sociais e culturais, buscando a igualdade social. Na seqüencia, para ir de direitos de igualdade social a direitos de fraternidade social, o passo foi curto. Foi provocado pelas hecatombes e holocaustos da primeira metade e teorizado por Karel Vasak na segunda metade do século 20. Surgiram os direitos de solidariedade no âmbito do direito internacional. Suas primeiras manifestações emergiram em documentos da ONU e da UNESCO. Essa origem próxima se explica em função do quadro político que lhes deu causa imediata. Foi um quadro de emergência e aguçamento dos problemas relativos à ordem global, não simplesmente internacional, mas realmente supranacional. Especial relevância teve a conscientização de que o mundo está partido em nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, bem como o reconhecimento de que é necessário o respeito à qualidade de vida e, para esse fim, é imprescindível a solidariedade entre os humanos.

É importante destacar que as três dimensões de direitos fundamentais não se excluem, mas se complementam. Os direitos de liberdade complementam os direitos sociais e econômicos que, por sua vez, complementam os direitos da solidariedade.

Na atualidade, já se cogita sobre os direitos fundamentais de quarta e quinta dimensão, sem, contudo, pacificação doutrinária. Há doutrinadores que já criaram mais dimensões, inclusive.

Na linha de pensamento de Bonavides, os direitos da quarta dimensão consistem no direito à democracia, direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a materialização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo quedar-se no plano de todas as afinidades e relações de coexistência.

Cita-se20:

A globalização política neoliberal caminha silenciosa, sem nenhuma referência de valores. (...) Há, contudo, outra globalização política, que ora se desenvolve, sobre a qual não tem jurisdição a ideologia neoliberal. Radica-se na teoria dos direitos fundamentais. A única verdadeiramente que interessa aos povos da periferia. Globalizar direitos fundamentais equivale a universalizá-los no campo institucional. (...) A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social. É direito de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. (...) os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia.

Já para Bobbio21 os direitos humanos de 4ª geração são referentes da engenharia genética:

[...] já se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo.

A quinta dimensão, para Bonavides, seria o direito à paz. O direito de não conviver com guerras, internas ou externas. Para outros autores, esta dimensão se relaciona aos direitos da informática.

Conforme supra explicitado, transformou-se a compreensão sobre o os direitos a serem garantidos e como serem implementados. Também se reconfigurou a compreensão sobre quem são os “sujeitos” desses direitos e a dinâmica que se estabelece nessa relação.

Como um indivíduo é um sujeito social e coletivo, a depender do contexto, pode-se demandar, acessar e buscar usufruir de um determinado conjunto de direitos distintos. Assim, explicita as características de indivisibilidade e interdependência dos Direitos Humanos.

Assim urge a necessidade de o indivíduo ter o direito e de, efetivamente, gozá-lo. Em outro giro, o Estado tem o dever de prover e garantir o acesso a eles. E nessa temática entra o debate principal deste estudo. Como estruturar o Estado para cumprir os direitos, sabendo que por óbvios limites financeiros ele não pode ser o garantidor universal, e, ao mesmo tempo, não extirpar direitos básicos, em especial, de categorias já vulneráveis e excluídas socialmente.

2.7 - DISTINÇÃO E CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS

Conforme supra destrinchado, costumeiramente os termos de direitos humanos e fundamentais são utilizados de maneira incorreta, em especial pela grande mídia, alargando ainda mais o uso errado. Esses conceitos podem ser diferenciados por razões técnicas vistas em suas características, como melhor determina a ciência jurídica.

Por essa razão, faz-se necessário apresentar de forma simples e objetiva as características pontuais que distinguem os Direitos Humanos dos Direitos Fundamentais.

Sabe-se que, tanto os Direitos Humanos quanto os Fundamentais têm a pessoa humana como destinatário da sua proteção.

Para distingui-los em suas terminologias SARLER22, utilizando-se do espaço e da efetividade como dois fatores responsáveis pela terminológicos, esclarece:

Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).

SARLET23 (2006, p.40), em relação ao grau de efetividade dos direitos humanos e fundamentais, descreve:

Importa considerar a relevante distinção quanto ao grau de efetiva aplicação e proteção dos direitos fundamentais (direito interno) e dos direitos humanos (direito externo), sendo desnecessário aprofundar, aqui, a idéia de que os primeiros que – ao menos em regra – atingem (ou, pelo menos, estão em melhores condições para isto) o maior grau de efetivação, particularmente, em face da existência de instâncias (especialmente as jurídicas) dotadas do poder de fazer respeitar e realizar estes direitos.

Apesar das colocações postas acima servirem como diferenciadores dos conceitos terminológicos em estudo, vale salientar que essas diferenças, acerca das duas categorias, não se antagonizam. E quanto a esse respeito, Sarlet expõe que:

Importa, por hora, deixar aqui, devidamente consignado e esclarecido o sentido que atribuímos às expressões ‘direitos humanos’ e ‘direitos fundamentais’, reconhecendo, ainda mais uma vez, que não se cuida de termos reciprocamente excludentes ou incompatíveis, mas, sim, de dimensões íntimas e cada vez mais inter-relacionadas, o que não afasta a circunstância de se cuidar de expressões reportadas a esferas distintas de positivação, cujas conseqüências práticas não podem ser desconsideradas.

Observa-se, em breve síntese, que enquanto os Direitos humanos são aqueles declarados como inerentes ao ser humano, uma aspiração à universalidade, os direitos fundamentais são aqueles direitos reconhecidos e positivados na Constituição de um determinado Estado, existindo, dessa maneira, pretensões de territorialidade.

Não é fácil postar-se diante da complexidade dos Direitos Fundamentais para se apontar caracteres que sejam sempre válidos - em todo lugar, em qualquer tempo. Todavia, grande parte da doutrina indica qualidades que lhes são associadas de forma corriqueira.

A primeira característica é a Historicidade. Os direitos fundamentais são uma construção histórica. A concepção sobre quais são os direitos considerados fundamentais varia de época para época e de lugar para lugar. Na França da Revolução, por exemplo, os direitos fundamentais podiam ser resumidos a liberdade, igualdade e fraternidade. Atualmente, porém, o conceito de direitos fundamentais alcança até mesmo questão inimaginável naquela época, como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (CF, art. 225, caput). Da mesma forma, a igualdade entre os sexos é um direito fundamental no Brasil (CF, art. 5º, I), mas não o é nos países de tradição muçulmana.

Acerca disso, o professor Norberto Bobbio24:

Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. (...) o que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas.

Também são adotados de Universalidade. Aponta a existência de um núcleo mínimo de direitos que deve estar presente em todo lugar e para todas as pessoas, independentemente da condição jurídica ou do local onde se encontra o sujeito – por isso a mera condição de ser humano é suficiente para a titularização. É, pois, relacionada à titularidade e preceitua serem detentores dos direitos fundamentais toda a coletividade. Não admite discriminação de qualquer espécie e abarca todos os indivíduos, independente da nacionalidade, raça, gênero ou outros atributos.

Contudo, é pertinente ressaltar que nem todos os direitos podem ser universalmente realizados por todas as pessoas. Afinal é perfeitamente factível que a Constituição limite aos detentores de certas particularidades – como, por exemplo, ser cidadão, nacional, trabalhador, pessoa física, dentre outros atributos – o exercício de algumas prerrogativas. Isso significa que no rol enunciado na Constituição brasileira há direitos de todos os homens - como o direito à vida –, mas há também os que somente abarcam parcela das pessoas – como direitos de empregados celetistas.

Neste contexto, tem a Relatividade. Nenhum direito fundamental é absoluto. Com efeito, direito absoluto é uma contradição em termos. Mesmo os direitos fundamentais sendo básicos, não são absolutos, na medida em que podem ser relativizados. Primeiramente, porque podem entrar em conflito entre si – e, nesse caso, não se pode estabelecer a priori qual direito vai “ganhar” o conflito, pois essa questão só pode ser analisada tendo em vista o caso concreto. E, em segundo lugar, nenhum direito fundamental pode ser usado para a prática de ilícitos. Então – repita-se – nenhum direito fundamental é absoluto.

Há ainda a divergência de como poderia existir direitos para todas as culturas. Além disso, do que seria a “europeização do mundo”, com imposições de visões perante demais culturas – como a “civilização” dos indígenas - e o que seria globalmente necessário como direito mínimo – a exemplo de direitos iguais entre homens e mulheres.

Mediante essa característica Paulo Branco25 ressalva, que:

(...) os direitos fundamentais podem ser objeto de limitações, não sendo, pois, absolutos. (...) Até o elementar direito á vida tem limitação explícita no inciso XLVII, a, do art. 5º, em que se contempla a pena de morte em caso de guerra formalmente declarada.

Outra característica é a Indivisibilidade. Os direitos fundamentais são um conjunto, não cabendo análise isoladamente. Assim, o desrespeito a um deles é, na verdade, o desrespeito a todos. Abrir exceção com relação a um é fazê-lo em relação a todos. Não se pode desrespeitar direitos fundamentais “só um pouquinho”, ou “só para uma pessoa”.

A característica da Inviolabilidade afirma a impossibilidade de desrespeito aos direitos fundamentais por determinação infraconstitucional ou por atos de autoridade, sob pena de responsabilização civil, administrativa e criminal.

A Efetividade é a atuação dos Poderes Públicos se pautando (sempre) na necessidade de se efetivar os direitos e garantais institucionalizados, inclusive por meio da utilização de mecanismos coercitivos, se necessário for.

Em relação a Imprescritibilidade e a e a Inalienabilidade, determina-se que, via de regra, os direitos fundamentais não podem ser vendidos, nem doados, nem emprestados etc. Não passíveis de alienação, deles não se pode dispor, tampouco prescrevem. Inalienabilidade é característica que exclui quaisquer atos de disposição, quer material - destruição física do bem -, quer jurídica - renúncia, compra e venda ou doação. Desse modo, um indivíduo, tendo em conta a proteção que recai sob sua integridade física, não pode vender parte do seu corpo ou dispor de uma função vital, tampouco mutilar-se voluntariamente. Ressalte-se que, como a indisponibilidade justifica-se pela proteção que se deva dar à dignidade da pessoa humana, nem todos os direitos fundamentais devem ser interpretados como indisponíveis.

Indisponíveis seriam tão somente os direitos que intentam preservar a vida biológica - sem a qual não há substrato físico para o desenvolvimento da dignidade - ou que visam resguardar as condições ordinárias de saúde física e mental, assim como a liberdade de tomar decisões sem coerção externa.

Visto por esse ângulo, em certas ocorrências fáticas nada impedirá que o exercício dos direitos seja restringido em prol de uma finalidade aceita ou tolerada pela ordem constitucional. Assim, direitos como a liberdade de expressão e a de professar qualquer fé, por exemplo, podem ser limitados em um sopesamento com outros direitos.

Vale destacar que parte da doutrina aponta alguns direitos como absolutos. NORBERTO BOBBIO aponta como absolutos os direitos de não ser escravizado e o de não ser torturado.

Direitos fundamentais possuem Complementariedade, ou seja, não são interpretados isoladamente, de maneira estanque. Ao contrário, devem ser conjugados, reconhecendo-se que compõem um sistema único - pensado pelo legislador com o fito de assegurar a máxima proteção ao valor "dignidade da pessoa humana".

Destaca-se, ademais, que referida complementaridade também se faz sentir quando do exercício dos direitos, com mais de um direito sendo exercido em uma ação: que igualmente pode ser cumulativo: por exemplo, quando um cidadão solicita informações dos órgãos público, peticionando (direito de petição) e exigindo publicidade (direito de informação).

A Interdependência se relaciona no sentido de que as previsões constitucionais que se traduzem em direitos fundamentais possuem interseções/ligações intrínsecas, com o intuito óbvio de intensificar a proteção engendrada pelo catálogo de direitos – em que pese à autonomia. Estes estão todos interligados, associados. A liberdade de locomoção, por exemplo, está intimamente vinculada à garantia do habeas corpus, bem como a previsão de que a prisão válida somente se efetivará em flagrante deliro ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judicial competente.

2.8 - QUANTO À ATUAÇÃO DOS SUJEITOS NOS DIREITOS HUMANOS

Para se fazer uma abordagem acerca da situação de sujeito ativo inserido nos Direitos Fundamentais, torna-se importante saber que estes são classificados em duas categorias: sujeito ativo e sujeito passivo.

2.8.1. SUJEITO ATIVO

Esta classe de sujeito pode ser dividida em quatro agrupamentos de sujeito ativo, resultando das condições ou das demandas dos indivíduos.

Vale ressaltar que, na evolução jurídica, nos últimos anos, o Direito brasileiro passou a criar e positivar um microssistema dos direitos coletivos (em se sentido lato), a fim de melhor efetivá-los. Incluem-se nele, a título de exemplo, as leis da Ação Civil Pública, da Ação Popular, do Código de Defesa do Consumidor, de Improbidade Administrativa e dos Estatuto da Pessoa Idosa e o da Criança e do Adolescente.

Tais dispositivos devem ser interpretados em conjunto, a fim de criar uma rede benéfica para sua implementação, na esfera material e processual, e interpretando-as de forma positiva para os direitos coletivos. Utiliza-se a interpretação teleológica, sendo que se o legislador criou uma lei para favorecer direitos coletivos, muitas vezes protegendo grupos vulneráveis, deve-se interpretar os artigos com essa finalidade.

Há diversos julgados do STJ neste sentido (grifo meu):

Caso ocorra dissolução da associação que ajuizou ação civil pública, é possível sua substituição no polo ativo por outra associação que possua a mesma finalidade temática. O microssistema de defesa dos interesses coletivos privilegia o aproveitamento do processo coletivo, possibilitando a sucessão da parte autora pelo Ministério Público ou por algum outro colegitimado (ex: associação), mormente em decorrência da importância dos interesses envolvidos em demandas coletivas.

STJ. 3ª Turma. EDcl no REsp 1.405.697-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/09/2019 (Info 665).

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DE INTERESSES OU DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. ARTS. 127 E 129, III E IX, DA CF. VOCAÇÃO CONSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À SAÚDE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RELEVÂNCIA PÚBLICA. EXPRESSÃO PARA A COLETIVIDADE. UTILIZAÇÃO DOS INSTITUTOS E MECANISMOS DAS NORMAS QUE COMPÕEM O MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA. EFETIVA E ADEQUADA PROTEÇÃO. RECURSO PROVIDO.

(...)

3. É imprescindível considerar a natureza indisponível do interesse ou direito individual homogêneo – aqueles que contenham relevância pública, isto é, de expressão para a coletividade – para estear a legitimação extraordinária do Ministério Público, tendo em vista a sua vocação constitucional para a defesa dos direitos fundamentais. 4. O direito à saúde, como elemento essencial à dignidade da pessoa humana, insere-se no rol daqueles direitos cuja tutela pelo Ministério Público interessa à sociedade, ainda que em favor de pessoa determinada. 5. Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados com o escopo de “propiciar sua adequada e efetiva tutela” (art. 83 do CDC). 6. Recurso especial provido para determinar o prosseguimento da ação civil pública

(STJ, REsp. nº 695.396/RS, 1ª Turma, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 12.04.2011, DJe 27.04.2011).

Em suma, a partir do diálogo das fontes, enxergar-se o microssistema processual coletivo como um sistema integrativo aberto. As leis esparsas se comunicam e interagem, a fim de alcançar a máxima efetividade da tutela coletiva.

O primeiro grupo de sujeitos ativos é o dos Direitos Individuais. O titular é uma pessoa física, um indivíduo, um ser humano. A ele se assimila todo direito de um ente personalizado. A exemplo do direito de uma autorização para a obra em sua residência.

O segundo são os Direitos de Grupos, os individuais homogêneos. São decorrentes de origem comum, na agregação de direitos.

Esses direitos possuem definição legal no art. 81, parágrafo único, inciso III, do Código do Consumidor:

CDC

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

(...)

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Como exemplo temos os direitos de pessoas consumidores atingidos por cláusula abusiva.

O terceiro são os Direitos Coletivos (em sentido estrito), sendo os transindividuais de natureza indivisível. O titular é a coletividade, o povo, a categoria, a classe, etc.. Os membros são vinculados por uma relação jurídica básica. Nos termos da CDC:

CDC

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

(...)

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

Em exemplo são lesões realizados por empregadores em relação a empregados.

O quarto são os Direitos Difusos. Indeterminadas pessoas são titulares, ligadas por circunstâncias de fato. Cita-se:

CDC

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

(...)

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

Direto ao meio ambiente e proteção da comunidade indígena exemplificam tais direitos.

De acordo com a classificação acima, as liberdades são direitos individuais, os direitos de solidariedade, direitos difusos, os direitos sociais, direitos individuais ou coletivos. Os direitos-garantia podem ser direitos individuais, coletivos ou difusos.

2.8.2. SUJEITO PASSIVO

Indiretamente, o Estado é sujeito passivo dos direitos fundamentais em todos os casos, mas, obviamente, não só. A ele cabe, principalmente, respeitar as liberdades, prestar serviços correspondentes aos direitos sociais e à proteção judicial e zelar pelas situações objeto dos direitos de solidariedade.

Quanto às liberdades e aos direitos de solidariedade, todos estão adstritos a respeitá-los. No tocante a direitos sociais específicos, a Constituição, por exemplo, inclui no polo passivo do direito à educação da família, ao lado do Estado (art. 205). Quanto ao direito à seguridade, inclui a sociedade (art. 195).

Já individualmente, são sujeitos passivos as pessoas e os grupos que tiveram os seus direitos violados.

Cabe ressaltar, que, em relação aos direitos coletivos (sentido amplo), o processo é com maior amplitude, tanto no procedimental, quando na legitimidade processual (inclusive, com a substituição processual – exigir direito alheio em nome próprio). Há essa positivação nos diversos diplomas do microssistema de direitos coletivos. A título de exemplo, cita-se o CDC (grifo meu):

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público,

II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;

IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.

§ 1° O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.

Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

Neste sentido há diversos julgados do STF e do STJ, sendo também doutrina quase unânime.

Inclusive, cabe fazer a distinção entre as ações coletivas promovidas por associações. Se for ação coletiva de rito ordinário proposta pela associação na defesa dos interesses de seus associados, precisa de autorização. Sendo ação civil pública (ação coletiva proposta na defesa de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos), não necessita. Cita-se (grifo meu):

O disposto no artigo 5º, inciso XXI, da Carta da República encerra representação específica, não alcançando previsão genérica do estatuto da associação a revelar a defesa dos interesses dos associados.

As balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial.

STF. Plenário. RE 573232/SC, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, julgado em 14/5/2014 (Repercussão Geral – Tema 82) (Info 746).

(...) 1. Ação civil pública, ajuizada pelo Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais, na qual sustenta a nulidade de cláusulas de contratos de arrendamento mercantil. (...)

3. Por se tratar do regime de substituição processual, a autorização para a defesa do interesse coletivo em sentido amplo é estabelecida na definição dos objetivos institucionais, no próprio ato de criação da associação, sendo desnecessária nova autorização ou deliberação assemblear. (...)

9. As teses de repercussão geral resultadas do julgamento do RE 612.043/PR e do RE 573.232/SC tem seu alcance expressamente restringido às ações coletivas de rito ordinário, as quais tratam de interesses meramente individuais, sem índole coletiva, pois, nessas situações, o autor se limita a representar os titulares do direito controvertido, atuando na defesa de interesses alheios e em nome alheio. (...)

STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1799930/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/08/2019.


3. CONCLUSÃO

Os direitos humanos e fundamentais são essenciais ao resguardo da dignidade humana, estando dispostos no ordenamento jurídico brasileiro de forma “especial”.

Tais direitos surgiram com escopo de limitar e controlar os abusos do poder do Estado, com o objetivo de assegurar aos cidadãos uma vida mais digna. No entanto, alguns desse direitos humanos e fundamentais - os primeiros consagrados no âmbito internacional e os últimos pela Constituição Federal de 1988 - infelizmente não são aplicáveis. Na maioria das vezes pela própria inércia do Estado (leia-se ausência de “vontade política”) e em outras por falta de regulamentação.

A Constituição de 1988 foi essencialmente inovadora ao elencar inúmeros direitos fundamentais e considerá-los cláusulas pétreas – evitando retrocessos com deturpadoras alterações ou modificações pela “vontade política”. No entanto, ainda há muito a se fazer com o intuito de contornar essa situação e encontrar perspectivas que permitam ao menos amenizar os problemas vinculados a tais direitos.

É pertinente observar que nossa Carta Magna deve ser interpretada de maneira que os direitos nela dispostos possam ser exercidos efetivamente, não sendo mera “folha de papel”, com a erosão constitucional por reiterados e longos descumprimentos das normas jurídicas.

A constituição é o pacto jurídico, político e social, contendo as decisões mais importantes para o Estado e a sociedade, indicando o caminho a se seguir. Trata-se da “Lei Maior” de uma sociedade, a qual todos os cidadãos e governantes devem conhecer e respeitar. Basta dizer que as constituições exigem pra duas principais funções: limitar o exercício do poder do Estado (e seus abusos) e para assegurar direitos.

A Constituição de 1988, enquanto marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos no país, destaca, em seu título I, seus princípios fundamentais. Eles refletem a ideologia e a racionalidade constitucional, traduzindo seus valores mais preciosos. A Constituição deve ser lida, interpretada e aplicada seguindo a orientação desses princípios, que projetam a importância da dignidade humana, da cidadania e dos direitos humanos. Todo o aparato estatal criado e organizado na segunda parte da Constituição deve funcionar à luz dos direitos humanos enquanto princípios constitucionais fundamentais. Em última análise, significa dizer que o Estado Brasileiro existe para promover e proteger os direitos humanos.

O significado dos princípios constitucionais pode ser melhor apreendido a partir da análise particular dos princípios e dos direitos humanos e dos direitos fundamentais acolhidos na Constituição Brasileira de 1988.

O rol dos direitos humanos está cada vez mais globalizado, em especial destaque com a questão ambiental. Os malefícios ambientais, independentemente donde sejam causados, têm consequências em todo o globo. O meio ambiente, infelizmente, é um recurso limitado, devendo ser utilizado respeitando o desenvolvimento sustentável. Isso não só por um ou alguns países, mas por todos.

Frise-se que os ideais de universalidade dos direitos humanos defendidos pela ONU desde de sua criação, manifestados com a Declaração Universal do Direitos do Homem de 1948, estão adquirindo uma maior consistência, apesar da evidente constatação de desrespeitos em vários pontos do mundo (inclusive, no Brasil).

A Dignidade da Pessoa Humana define a dignidade como um atributo essencial do ser humano, quaisquer que sejam suas qualificações. Seu surgimento reside no fato da existência do ser humano ser em si mesma um valor absoluto, ou seja, o ser humano deve ser compreendido como um fim em si mesmo e nunca como um meio ou um instrumento para a consecução de outros fins.

Como debatido ao longo desse estudo, o Estado deve ser um instrumento a serviço da dignidade humana e não o contrário. A Dignidade da Pessoa Humana exige o firme repúdio a toda forma de tratamento degradante do ser humano, tais como a escravidão, a tortura, a perseguição ou maus tratos por razões de gênero, etnia, religião, orientação sexual ou qualquer outra.

Ressalte-se que o direito à vida, para parte da doutrina, muito se assemelha ou se confunde com a Dignidade da Pessoa Humana. Sem a vida assegurada, não há como exercer a dignidade humana e todos os direitos dela decorrentes. E não basta garantir a vida como mera existência ou subsistência, mas sim uma vida plena de Dignidade (educação, lazer, etc). Por isso, o núcleo essencial de onde se originam todos os demais direitos humanos reside na vida e na dignidade humana.

A Carta de 1988 é a primeira constituição nacional a consagrar um universo de princípios que guiam o Brasil no cenário internacional, fixando valores a orientar a agenda internacional do país. Essa orientação internacionalista se traduz nos princípios da prevalência dos direitos humanos, da autodeterminação dos povos, do repúdio ao terrorismo e ao racismo e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, nos termos do artigo 4º, incisos II, III, VIII e IX. O artigo 4º, como um todo, simboliza a reinserção do Brasil na arena internacional.

Por fim, urge destacar que no Ordenamento Jurídico brasileiro, a preocupação na busca de alternativas perante a justiça social como objetivo das ordens econômica e social. Os artigos 170, 193, 196 e 205 da Constituição Federal de 1988 traduzem diretrizes concretas para a realização da igualdade material, obrigando o Poder Público a estabelecer políticas públicas capazes de progressivamente alcançarem tais metas.

Essas políticas públicas devem incluir tanto medidas de caráter repressivo-punitivo, a exemplo da criminalização do racismo, prevista no Art. 5, XLII da CFde1988, quanto medidas de caráter afirmativo buscando assegurar igualdade material de oportunidades, que compensem o tratamento desigual de minorias e/ou grupos sociais historicamente mais vulneráveis, como mulheres, homossexuais, afro-descendentes, povos indígenas, pessoas portadores de deficiências, entre outros.

A solução pacífica das controvérsias deve ser prezada e buscada. A maior efetividade aos direitos concretizaria os anseios da população – esta, historicamente, abandonada.

Os problemas relacionados à efetividade desses direitos não podem ser esquecidos. Por isso, faz-se tão importante o presente estudo, sob pena de, além de não efetivá-los, sequer compreendê-los em sua real dimensão.

Entendê-los permite alcançar a efetividade real, tendo em vistas suas delimitação, extensão e fundamentação. E assim, finalmente, serem incluídos no conjunto de valores sociais da sociedade. Sendo esta cada vez mais globalizada, multicultural, dinâmica e em constante transformação.

Uma sociedade só será realmente comunitária com a concretude dos direitos humanos e fundamentais.

Nessa toada, isso será possível se aumentarem as pressões sociais nesse sentido, buscando superar resistências culturais, conceituadas e institucionais (a “vontade política” sendo direcionada). É essencial o comprometimento da sociedade, que deverá enfrentar esse desafio e fazer a sua parte.

Como se pode perceber, as principais formas de garantir a efetivação dos direitos fundamentais será a conscientização, a informação, a educação, e a participação pública. Não é uma tarefa fácil, mas impossível também não.


REFERÊNCIAS

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BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, et al. Curso de Direito Constitucional. São Paulo; Saraiva, 2007.


Notas

  1. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. rev. atual. e ampl. 2. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2010, p. 29.

  2. FILHO, Salomão Ismail. Mínimo existencial: um conceito dinâmico em prol da dignidade humana. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-dez-05/mp-debate-minimo-existencial-conceito-dinamico-prol-dignidade-humana Acesso em: 09 de abril de 2020.

  3. HERRERA, Luiz Henrique Martim; MACHADO, Edinilson Donisete. O mínimo existencial e a reserva do possível: ponderação hermenêutica reveladora de um substancialismo mitigado. Fortaleza, 2010.

  4. CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Judiciário pode determinar a reforma de cadeia pública ou a construção de nova unidade prisional. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/37693cfc748049e45d87b8c7d8b9aacd>. Acesso em: 06/04/2023.

  5. STJ. 2ª Turma. REsp 1389952-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 3/6/2014 (Info 543).

  6. STF. Plenário. RE 592581/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 13/8/2015 (Info 794).

  7. CAVALCANTE, Márcio André Lopes.Ação civil pública determinando que o Estado construa novo presídio.. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br/2014/09/acao-civil-publica-determinando-que-o.html>. Acesso em: 06/04/2023.

  8. RE 440028/SP - Rel. Min. Marco Aurélio – julgado em 29/10/2013- Informativo 726.

  9. STRECK, Lênio Luiz apud HERRERA, Luiz Henrique Martim; MACHADO, Edinilson Donisete. O mínimo existencial e a reserva do possível: ponderação hermenêutica reveladora de um substancialismo mitigado. Fortaleza, 2010.

  10. STJ. REsp 764.085/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 1º.12.2009, DJe 10.12.2009.

  11. CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Parâmetros para nortear as decisões judiciais a respeito de políticas públicas voltadas à realização de direitos fundamentais. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/d871c387c0f0eac2c553c7c4d59796f9>. Acesso em: 21/10/2023.

  12. TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1997. Vol. 1, p.20.

  13. CAVALCANTI, Themístocles apud MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.26.

  14. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em 8 de fevereiro de 2023.

  15. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em 8 de fevereiro de 2023.

  16. RODRIGUES, M. et al. Formação de Conselheiros em Direitos Humanos. Brasília (DF): Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2007, p.11.

  17. Populismo, autoritarismo e resistência: cortes constitucionais no jogo do poder, 2022. https://www.conjur.com.br/2022-ago-03/roberto-barroso-populismo-autoritarismo-resistencia. Acesso em 10/02/2023.

  18. TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1997. Vol. 1, p.390.

  19. DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 202.

  20. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª Edição,. São Paulo: Editora Malheiros, 2006 , p. 571-572.

  21. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 10º ed. Trad. Calos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.6.

  22. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988 / Ingo Wolfgang Sarlet. Imprenta: Porto Alegre, Livr. do Advogado, 2010, p. 53.

  23. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p.40.

  24. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 10º ed. Trad. Calos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 5-19.

  25. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, et al. Curso de Direito Constitucional. São Paulo; Saraiva, 2007, p. 230 e 231.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Wilkson Vasco Francisco Lima. A relação entre os direitos fundamentais e os direitos humanos. Uma análise à luz da República Federativa do Brasil de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7480, 24 dez. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/106777. Acesso em: 19 abr. 2024.