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A necessidade de uma reforma eleitoral ante o combalido modelo pluripartidário

A necessidade de uma reforma eleitoral ante o combalido modelo pluripartidário

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A abordagem dirá respeito à fragilidade do pluripartidarismo e a necessidade de uma reforma eleitoral, para tanto utilizou-se o método dialético e pesquisas bibliográficas, bem como, posicionamentos jurídicos e produção legislativa.

1.      Introdução

 

A República Federativa do Brasil, moldada nos termos da Constituição Federal de 1988, tem como um dos princípios o pluripartidarismo e o revestimento popular enquanto ao poder, podendo exercê-lo diretamente ou dentro do modelo representativo instituído na Carta Magna, não podendo ser confundido com pluralismo político, que diz respeito à garantia do exercício de opiniões diversas. Mesmo com todos os escândalos políticos recentemente envolvendo diversas siglas partidárias, é tímida a intenção de uma real reforma no modelo representativo brasileiro mesmo sendo uma aspiração popular e tema de discussão acadêmica.

O tema é totalmente atual, o número excessivo de partidos contribui com a cultura de loteamento de cargos e exercício de influência em troca de apoio político, ocasionando muitas das vezes em desvirtuamento da atuação representativa que deve estar diretamente vinculada aos determinados estatutos e posicionamentos ideológicos nos quais são filiados os representantes.

No intuito de buscar o modelo eleitoral mais viável e com menor potencialidade de ocorrência sistêmica de corrupção ou imoralidade, tendo em vista o teor íntegro que carece esse tema, serão analisados os posicionamentos favoráveis e contrários e uma visão contemporânea dos resultados que o processo eleitoral obteve tantos anos após a redemocratização.

2.      Pluripartidarismo brasileiro

O sistema político pluripartidário é aquele que admite a participação plena de diversas correntes políticas, partindo da sociedade civil a criação de agremiações partidárias dentro de um programa pré-estabelecido e condizente com as normas democráticas, que visa, em suma, a possibilidade de alternância de poder.

O pluripartidarismo estabelece-se como saída para um Estado que tende a ouvir o maior número de correntes ideológicas possíveis, defensor deste modelo, Bonavides (2001)[1], apoia que “por sua natureza, como se vê, sistema aberto e flexível, ele favorece, e até certo ponto estimula a fundação de novos partidos, acentuando desse modo o pluralismo político da democracia partidária. Torna, por conseguinte, a vida política mais dinâmica e abre à circulação das ideias e das opiniões novos condutos que impedem uma rápida e eventual esclerose do sistema partidário” (grifei).

A aplicação do sistema pluripartidário parte da premissa da vinculação obrigatória aos princípios democráticos, limitando, em algumas situações a participação de partidos que ideologicamente sejam contrários ao Estado Democrático de Direito.

No Brasil, o pluripartidarismo garante a existência de trinta e cinco partidos devidamente registrados[2], cada um com um programa estruturado em uma suposta corrente ideológica. Com base nas determinações constitucionais e tendo em vista o caráter pluripartidário da representação no Brasil, todos os partidos possuem direitos de participação, limitados ao seu nível de alcance, como por exemplo, tempo nas concessionárias de televisão e rádio. Os partidos políticos no Brasil possuem ainda a garantia constitucional da utilização de recursos do fundo partidário, estipulados pela União, como prevê a Carta da República:

Art. 17 [...]

§ 3º Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei. [...]

A ingenuidade do apoio a este modelo representativo parte da crença em uma real atenção as correntes existentes na sociedade, porém, o resultado obtido na experiência político-social é a do escárnio institucional, de coligações partidárias no mínimo duvidosas, com o fito de coalizão estritamente interessada na ocupação de cargos e influência estatal.

3.       O Restabelecimento do Pluripartidarismo no Brasil pós ditadura militar

 

Durante a vigência do regime militar ditatorial que teve início em 1964[3], no qual estabelecia a hegemonia do poder executivo na tomada de decisões jurisdicionais, foi instaurado o regime bipartidário diante das exigências esdrúxulas para criação de outros partidos, permitida a existência de duas correntes partidárias: a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e Movimento Democrático Brasileiro (MDB). A mudança no quadro eleitoral surge a partir do Ato Institucional número 2, de 1965, que determinou a extinção de todos os partidos políticos no Brasil, que trouxe em seu texto o seguinte comando:

ATO INSTITUCIONAL Nº 2

[...]Art. 18 - Ficam extintos os atuais Partidos Políticos e cancelados os respectivos registros. [...].[4]

O regime bipartidário instituído, mesmo diante de um lastimável cenário político de direitos individuais cerceados, fez transparecer à época um posicionamento ideológico bem definido, onde o MDB, contrário ao regime, impunha seu posicionamento político mesmo que de forma limitada.

Na década de 1980, o pluripartidarismo foi reestabelecido, diante da abertura política iniciada no governo do Presidente militar João Figueiredo [5], com a intenção de evitar o desgaste das forças militares que dominavam o Estado.

A Constituição Federal de 1988 normatiza a natureza pluripartidária do sistema eleitoral brasileiro, traz em seu arcabouço normativo a seguinte redação:

[...]Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana[..]. (grifei).

A garantia constitucional da solidez de um sistema eleitoral pluripartidário advém da intenção do constituinte de confrontar o sistema estabelecido durante o regime militar, garantindo a livre iniciativa da sociedade em estabelecer suas ideologias em programas instituídos e com alcance nacional.

4.      Análise sobre o pluripartidarismo e sua efetiva garantia de representatividade no Brasil

 

O sistema eleitoral adotado pelo Estado de Direito brasileiro garante uma ampla participação de diversas siglas partidárias com o intuito de que o alcance da representatividade atinja os mais diversificados grupos sociais, porém, o que salta aos olhos a cada eleição é um movimento sistemático de utilização de candidatos eleitos para barganha, poucos exprimem suas ideologias nas tomadas de decisões. Sobre isso o professor Benedito Tadeu César[6] relata:

"Hoje, no Brasil, basta que um partido consiga cumprir a exigência do coeficiente eleitoral em um Estado para que tenha essa representação no Congresso – ou seja: ele precisa estar implantado para existir, mas não precisa ter representação nacional. Isso estimula a baixa representatividade e gera uma instabilidade política, pois faz com que a maioria das legendas, para se valer das benesses do fundo partidário e para negociar tempo, faça da política um grande balcão de negócios – no qual, depois, barganharão apoios ou votos por cargos e verbas".

O relato supracitado traduz muito bem a sensação sobre a presença do pluripartidarismo em nossa realidade política, a existência de diversas siglas não reforça efetivamente a participação abrangente que visa o modelo eleitoral em sua raiz, na verdade, a experiência comprova que tal sistema incentiva a representatividade ocasional, sem vinculação às propostas partidárias.

O processo eleitoral brasileiro garante a possibilidade de coligação entre diversas siglas partidárias, diante de um cenário de 35 partidos devidamente registrados no Tribunal Superior Eleitoral é possível analisar a minimização das definições ideológicas entre as siglas, faz-se clarividente a baixa densidade de interesse comum dos partidos políticos, a vinculação deixa de ter um sentido amplo e passa a atender as necessidades e anseios de interesses privados.

Ademais, a aplicação plena do pluripartidarismo esbarra em outro fator providencial, a monopolização de algumas siglas partidárias. O número elevado de partidos políticos não garante a participação relevante de siglas partidárias no cenário da política nacional, a eleição para o cargo de Presidente da República ilustra muito bem essa realidade, nos últimos 22 anos apenas dois partidos conseguiram manter-se na disputa eleitoral pelo voto direto, provavelmente por seu projeto bem definido e suas vinculações ideológicas claras, foram o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Partido dos Trabalhadores (PT)[7], que após a real estabilidade democrática tiveram suas propostas aceitas pela maioria dos eleitores. A comunidade eleitoral tende a escolher projetos mais bem definidos e que são realmente colocados em prática por seus correligionários.

5.      Crise da Democracia Representativa no Brasil

A representatividade democrática baseia-se no exercício do poder político por representantes eleitos que são legítimos para a declaração do interesse público por meio da ferramenta de soberania popular, o voto. O método democrático que embasa o modelo representativo e a concorrência que lhe é inerente, são abordados com muita eficiência por Schumpeter (1984)[8]:

“[...] o método democrático é aquele acordo institucional para se chegar a decisões políticas em que os indivíduos adquirem o poder de decisão através de uma luta competitiva pelos votos da população[...]”

O descontentamento de grande parte do eleitorado parte da sensação de ausência do cumprimento de servir por parte dos legitimados pelo voto, o número excessivo de partidos políticos ocasiona um impulso para essa celeuma, faz-se evidente a falta de intimidade entre a perspectiva criada pelo eleitor com a atuação das siglas partidárias.

A realidade representativa no pluripartidarismo brasileiro esbarra no excesso de siglas partidárias, que em suma, não exprimem a vontade popular, sobre isso, quase em um entendimento extremamente elucidativo Dulci (2005) ensina:

“O incômodo com a existência de muitos partidos talvez reflita uma imagem idealizada da democracia partidária como jogo de poucos competidores, portanto mais previsível. Ora, em todos os países de democracia consolidada a liberdade de competição propicia a apresentação de partidos efêmeros, e candidaturas folclóricas sem com isso pôr em xeque a estabilidade do sistema. O debate político e o voto dos eleitores é que decidem, e geralmente decidem por poucos partidos efetivos.”

O resultado de um pluripartidarismo ineficaz é o custo desnecessário com a manutenção de supostos projetos ideológicos que pouco acrescentam no cenário político brasileiro e o despendimento de recursos do fundo partidário[9] para o financiamento de campanhas, que poderiam ser revertidos em projetos mais bem definidos sem o risco de ausência de representatividade de uma determinada linha política ou sua supressão.

6.      O Bipartidarismo como uma saída para a reforma eleitoral

O bipartidarismo é uma estrutura político-partidária que desenvolve uma rotina representativa com apenas dois partidos políticos, onde a sigla perdedora do pleito faz uma oposição institucionalizada. Historicamente o modelo bipartidário é desenvolvido em dois pólos, o conservador e o liberal, que impõe uma estabilidade política ampla, influenciando o eleitorado a estabelecer-se em um projeto político bem definido, aumentando a confiabilidade na projeção decisória levantada na campanha.

O Brasil teve, durante anos, o bipartidarismo como sistema eleitoral, porém, em uma dinâmica ditatorial imposta pelo regime militar, causa da impossibilidade uma oposição realmente efetiva, pois o cunho autoritário do governo à época garantia ao poder Executivo a cassação de mandatos de opositores, diferentemente de países como Estados Unidos e Grã-Bretanha[10], duas das maiores democracias do mundo, que estabelecem seu sistema político-partidário dentro dos preceitos democráticos.

O Estado de Direito Brasileiro garante a possibilidade de coligações proporcionais que teoricamente unificam correntes ideológicas semelhantes que visam conjecturar uma base de apoio a um projeto administrativo comum, vê-se na prática o total afastamento de um programa bem definido e uma tentativa de majorar a quantidade de votos obtidos com o fito de eleger o maior número de apoiadores possível, porém, consegue-se extrair uma interessante acepção, a que o eleitor escolhe não uma corrente eleitoral específica, mas sim um conjunto de ideais que possibilitam o atendimento aos seus anseios, sendo totalmente possível uma divisão de apenas duas correntes eleitorais bem instituídas.

A unificação dos partidos por meio de um chamamento público para sua fusão a uma corrente específica possibilitaria por meio de um desenvolvimento democrático o enxugamento na desvirtuada situação das agremiações partidárias no Brasil, reduzindo gastos com as campanhas e ampliando a discussão sobre ideias e propostas, que teriam maior realce durante as campanhas.

A Constituição Federal enquanto instrumento irretocável de cidadania e democracia seria a ferramenta mais eficaz para tal alteração de sistema, garantindo à República a continuidade dos preceitos democráticos e do regime presidencialista que garante estabilidade nacional.

7.      Conclusão

Diante do exposto, é patente a necessidade de uma reforma eleitoral frente à fragilidade ideológica do sistema pluripartidário utilizado no Brasil, que devido ao excessivo número de partidos tem alto custo e uma ampla desvinculação aos programas pré-instituídos, permitindo a ocorrência de “siglas de aluguel” e aumento da descrença popular no sistema eleitoral.

O bipartidarismo surge como uma opção relevante para a intervenção moral que o sistema eleitoral necessita, reforçando a estabilidade política e a existência de projetos partidários bem definidos ampliaria a coerência institucional do pleito eleitoral, diminuindo o número de partidos e consequentemente os gastos com recursos partidários e campanhas com altos custos.

A reforma eleitoral deve intervir no processo democrático tendo em vista os anseios da população, pois vem dela a legitimidade necessária para a manutenção do pleito e do sistema político, que já não agrada mais. A crise sistêmica que ocasiona a descrença na classe política advém de um modelo político-partidário ineficaz, que estimula condutas ilícitas e não corresponde aos anseios populares pelo esfacelamento ideológico.

{C}8.      Referências bibliográficas

Palácio do Planalto. Ato institucional nº2. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-02-65.htm> Acesso em: 03-12-2016 às 14h49min.

Palácio do Planalto. Constituição Federal (1888). Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 02-12-2016 às16h55min.

Presidência da República. Disponível em: <http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/presidencia/ex-presidentes/jb-figueiredo> Acesso em: 03-12-2016 às 16h21min.

Memorias da Ditadura no Mundo. Disponível em: <http://memoriasdaditadura.org.br/periodos-da-ditadura/> Acesso em: 03-12-2016 às 16h40min.

Tribunal superior eleitoral. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/partidos/partidos-politicos/registrados-no-tse> Acesso em: 04/12/2016 às 20h36mim.

GARCIA, Janaina. Novos partidos são inexpressivos e favorecem barganha política. Disponível em <http://noticias.uol.com.br/politica/ultimasnoticias/2013/09/25/novos-partidos-sao-inexpressivos-e-favorecem-barganha-politica-dizem especialistas.htm> Acesso em: 05/12/2016 às 13h22min.

BONAVIDES, Paulo. Ciência política. Malheiros Editora, 10ª ed. São Paulo, 2001, pág 200/202.

                                                                            

SCHUMPETER, J. A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984.

 DULCI, Otávio. Os Percalços da Reforma Política. Teoria e Debate nº 62, abril/maio 2005. [acessado em 08 de Dezembro de 2016].

http://www.fpa.org.br/td/td62/td62_reforma.htm;


[1] pág., 250/252.                                                                                                                                                                

[2] Segundo informações presentes no sítio eletrônico Tribunal Superior Eleitoral que podem ser acessadas no endereço http://www.tse.jus.br/partidos/partidos-politicos/registrados-no-tse.

[3] Regime militar – 1964 a 1985.

[4] ATO INSTITUCIONAL Nº 2, DE 27 DE OUTUBRO DE 1965. Mantem a Constituição Federal de 1946, as Constituições Estaduais e respectivas Emendas, com as alterações introduzidas pelo Poder Constituinte Originário da Revolução de 31.03.1964, e dá outras providências.(grifei).

[5] Vigésimo Segundo Período de Governo Republicano - 15.03.1979 a 15.03.1985.

[6]  Doutor em Ciências Sociais e Professor do departamento de Ciência Política da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

[7] Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2003), Luiz Inácio Lula da Silva (2003 - 2011), Dilma Vana Rousseff (2011 – 31/08/2016 – Impeachment).

[8] p.336

[9] A Constituição Federal garante em seu artigo 17, § 3º que os partidos estabelecidos farão jus ao recebimento de recursos do fundo partidário, bem  como, espaço nas redes de televisão e rádio.

[10] Os Estados Unidos da América possuem um bipartidarismo presidencialista de natureza republicana, enquanto a Grã-Bretanha possui uma vinculação ao bipartidarismo clássico monárquico.



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