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O vazamento nos acordos de colaboração premiada na Lava Jato

O vazamento nos acordos de colaboração premiada na Lava Jato

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A questão da nulidade nos vazamentos efetivados na lava jato.

 

Conceito e base jurídica:

 

De início, registre-se que a delação premiada é um meio de obtenção de prova, por meio do qual o investigado "delata", ou seja, indica a existência do outro coautor ou partícipe envolvido na organização criminosa. É espécie do gênero " colaboração premiada" ( terminologia usada pela Lei n.º 12.850/2013),  e tem por finalidade indicar a  localização, qualificação completa, e os detalhes do envolvimento do respectivo partícipe ou coautor até então desconhecido na investigação ( artigo 4º da referida  Lei que rege as organizações criminosas).

 

É um negócio jurídico processual personalíssimo, efetivado entre o Membro do Ministério Público e o investigado ou réu (acompanhado de defensor), e tem por finalidade obter a redução de pena por parte do colaborador, não podendo ser questionado pelo delatado, em razão da ausência de sua legitimidade, tendo a lei conferido legitimidade apenas aos envolvidos no acordo (Ministério Público e colaborador), nos termos do entendimento do STJ.

 

Com efeito, quando um investigado se dispõe a colaborar, a expectativa é a de que sejam identificados os respectivos comparsas da organização criminosa, elucidando-se a tarefa de cada um e a hierarquia da estrutura criminosa. Para gozar dos benefícios legais, o agente colaborador deve revelar detalhes de como, quando e onde os fatos incidiram, e o modus operandi relacionado à forma como os criminosos ocultaram o produto dos crimes.

 

No intuito de permitir que o Ministério Público investigue os dados trazidos pelo colaborador e recupere o produto dos crimes, a Lei prevê que o acordo (e a sua homologação) pelo juiz serão sigilosos, devendo ser preservada a integridade física (incluindo a vida) dos que se dispõe a ajudar a Justiça no esclarecimento dos crimes, tudo com base no interesse público relacionado à necessidade de identificação da autoria e dos detalhes da organização criminosa.

 

Pela lei, o acordo de colaboração premiada só deixará de ser sigiloso após o recebimento da denúncia. Além disso, uma sentença condenatória não poderá ser proferida com fundamento exclusivamente nas declarações do agente colaborador, sendo imprescindível o cotejo com as provas produzidas judicialmente, haja vista os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa.

 

Destarte, percebe-se que os vazamentos parciais ou totais de colaborações em fase de negociação não interessam ao Ministério Público e aos demais órgãos de investigação.

 

A uma, porquanto expõem o agente colaborador, já que o intuito é preservar a identidade (sigilo) da fonte, envolvendo o detalhamento de toda a empreitada criminosa.

 

A duas, porque, uma vez tornados públicos os dados fornecidos, o Ministério Público terá dificuldades para angariar provas obtidas judicialmente, inviabilizando a formação de meio probatório necessário à prolação de sentença condenatória (a tendência será a destruição e a obstrução das provas necessárias ao convencimento judicial).

 

Por fim, em virtude de a organização criminosa (revelada) ter a oportunidade de alterar a estratégia e o modus operandi de sua atuação, introduzindo novas e diferentes técnicas de efetivação da conduta criminosa.

 

Ademais, não é razoável imaginar que o "presentante" do Parquet se submeta ao risco de ser processado administrativa e criminalmente, maculando todo um trabalho que, não raro, demora anos para ser concluído.

 

 Como se nota, a divulgação premeditada de dados investigativos deve ser combatida e investigada, sendo os seus responsáveis punidos com rigor, não se podendo, contudo, atribuir a autoria ao representante do Ministério Público, sem que haja comprovação efetiva do referido ato.

 

Discute-se, porém, se a divulgação do conteúdo do acordo, antes do recebimento da denúncia tornaria nula a delação. Nesse ponto, em que pese o entendimento em sentido contrário (O Ministro Gilmar Mendes recentemente levantou a hipótese de o STF discutir a referida questão, em entrevista à imprensa), não há que se falar em nulidade pelo fato de não ter havido um vício substancial na formalização do acordo (disponível em http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-12/gilmar-mendes-diz-que-supremo-tem-que-discutir-vazamento-de-delacoes).

 

No mesmo sentido, o Ministro da Transparência Torquato Jardim, em artigo publicado no CONJUR, afirmou que a divulgação indevida seria causa de nulidade absoluta ( disponível em http://www.conjur.com.br/2017-fev-22/ministro-cgu-critica-prisoes-longas-vazamentos-lava-jato).

 

Contudo, apenas se o acordo for efetivado mediante tortura (prova ilícita), ou por meio de coação física irresistível, poder-se-á argumentar pela incidência de ato que nulifique a avença, maculando-a em sua origem, em razão de um defeito substancial do próprio ato em si.

 

Dessarte, inexistindo vício substancial no negócio jurídico, e a manifestação da vontade tendo sido livremente externada, o conteúdo revelado indevidamente configurará causa de descumprimento, rompimento, ou "distrato"  do pacto , e não nulidade.

Conclusão

 

A divulgação dos dados configura uma quebra de cláusula contratual, devendo ensejar o rompimento, distrato, rescisão, mas jamais sua nulidade, por não haver um vício original do ato, e por ausência de previsão legal.

 

Nesse ponto, poderá haver a apuração e punição do agente que efetivou a divulgação criminosa dos dados, por incidir nas penas do art. 325 do CPB c/c art. 18 da Lei 12.850/13, ou do crime previsto no art. 10 da Lei 9296/96, quando for a hipótese de"vazamento" de conversas oriundas de monitoramento resultante de interceptação telefônica.

 

 


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