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Princípio da Legalidade no Direito Administrativo

Princípio da Legalidade no Direito Administrativo

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Serão abordadas as influências históricas e ideológicas que motivaram o constituinte de 1988 a dedicar tamanha relevância normativa/constitucional à Administração Pública. Trabalha-se também a ideia de administração pública e princípios administrativos.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivos obter nota na disciplina Direito Administrativo II, do curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão e construir conhecimento científico a respeito do Princípio da Legalidade Administrativa. Inicialmente serão abordadas as influências históricas e ideológicas que motivaram o constituinte de 1988 a dedicar tamanha relevância normativa/constitucional à Administração Pública. Trabalha-se também a ideia de administração pública e princípios administrativos.

Posteriormente traça-se a relação entre a noção moderna de império da lei e o nascimento do Estado Moderno. Faz-se uma referência ao Princípio da legalidade nas constituições brasileiras e o movimento constitucionalista.

Fala-se ainda que em virtude da Constituição de 88, deixou de ser a única forma de criação de direitos. Que a Carta Magna possui hierarquia formal e material. Atribui-se importância normativa aos princípios constitucionais.

Entende-se que na nova conjuntura vigente, ao falarmos em legalidade, remete-se à submissão da atividade administrativa ao ordenamento jurídico.

Passa-se a diferenciação da legalidade na atividade administrativa em face da legalidade em sentido amplo.

Destaca-se as funções primárias do Estado: legislar e aplicar a lei. Que é decorrência lógica o cumprimento obrigatório da norma jurídica por parte do administrador.

Trata-se da necessidade da finalidade e meios estar consoante à norma jurídica para que os atos administrativos sejam considerados legítimos.

Faz-se uma breve pontuação sobre a conduta do administrador investido no Estado.   

O assunto possui relevância acadêmica em virtude da obrigatoriedade dos imperativos da lei na atividade administrativa. Tendo em vista que o Estado Moderno é fundado na submissão das pessoas e da Administração à lei – ordenamento jurídico.

2 DISPOSIÇÕES INTRODUTÓRIAS A RESPEITO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ADMINISTRATIVOS

O capítulo VII, título III da Constituição da República trata da organização do Estado enquanto pessoa jurídica de direito público, a face política-administrativa. Inspirados na Constituição Portuguesa de 1976, o constituinte de 88 resolveu atribuir relevância, com grande tessitura normativa constitucional e principiológicas, à Administração Pública se constitucionalizou.

A ideia/forma de Administração Pública é o ponto tangente entre as atribuições definidas aos três poderes da República, estendendo-se a todos os níveis federativos. No poder Legislativo e Judiciário, a atividade administrativa é meio para as atividades-fim. Aduz Marçal Justen Filho quanto à abrangência da expressão Administração Pública:

A expressão Administração Pública abrange todos os entes e sujeitos exercentes de funções administrativas, ainda que o façam de modo secundário e acessório. Assim, a Administração Pública compreende o Poder Executivo, mas também o Judiciário e o Legislativo enquanto exercentes de atividade administrativa. Ou seja, Administração Pública não é sinônimo de Poder Executivo.(JUSTEN FILHO p. 226,2012 apud MENDES, p. 834, 2014)      

No caput do art. 37, a CF/88 enumera expressamente um rol de princípios orientadores das ações dos investidos do Estado no trato da coisa pública: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. Além dos expressos, vale destacar que a doutrina elenca outros Princípios, os chamados “reconhecidos”, como: Supremacia do Interesse Público, Indisponibilidade do Interesse Público, Princípio da Autotutela, Princípio da Continuidade dos Serviços Públicos, Princípio da Segurança Jurídica, Precaução, Razoabilidade, Proporcionalidade, dentre outros.   

Art.37 da CF/88: A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também ao seguinte: (...)  

José dos Santos Carvalho Filho (2014) conceitua os princípios administrativos como “postulados fundamentais” que inspiram todo o modo de agir da Administração Pública. Os Princípios tratam dos fundamentos da prática administrativa, sendo positivados ou extraídos da ilação estabelecida com base na carta magna.

Os Princípios administrativos submetem o Estado na criação legislativa dos diversos órgãos e entidades da Administração Pública, esta enquanto aparelho, bem como os atos inerentes à administração pública, esta enquanto atividade. Deste modo corrobora os ensinamentos do Ministro Carlos Ayres Britto ao versar a respeito dos Princípios expressos no art. 37 caput:

Princípios, esses, regentes de qualquer das modalidades de administração pública (...)a administração pública enquanto atividade e a Administração Pública enquanto aparelho ou aparato de poder. Logo, princípios que submetem o Estado quando da criação legislativa de órgãos e entidades, assim como submetem todo e qualquer poder estatal quando do exercício da atividade em si de administração pública. (BRITTO, In: Comentários à Constituição, 2014).

3 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

3.1 Aspectos Históricos e Conceituais

A ideia de Legalidade é inerente ao Estado de Direito, tendo nascimento paralelo ao Estado Moderno. Trata-se do postulado que atribui ao Estado os deveres de criação das normas que o autolimite e o de respeitá-las. (CARVALHO FILHO, 2014).

Logo na primeira Constituição brasileira, a Imperial, de 1824, no art. 179, I, havia uma referência normativa ao Princípio da Legalidade: “Nenhum cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de Lei” – ressalta-se que todas as demais mantiveram alguma referência a este Princípio, excetuando-se a de 1937 -, iluminada pela Revolução Francesa.

A CRF/88 adotou a seguinte redação ao tratar da legalidade, no art. 5°, II: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei.”

Fundado na premissa de império da lei, na qual todo direito deve expressar-se por meio de uma lei, o Estado burguês se valeu do ideário iluminista de Rousseau (a lei como a manifestação da vontade geral) e Locke (a lei como instrumento geral de proteção dos cidadãos). Todos têm o direito de não se submeter senão em face da lei. (MENDES; BRANCO, 2014).

Toda a autoridade tem de submeter-se à soberania da lei, sendo o limite para o exercício da atividade administrativa no Estado de Direito.

Gilmar Mendes e Paulo Branco (2014) aduzem que o Princípio da Legalidade, recepcionado pelas Constituições brasileiras, traduz a moderna concepção de lei como meio de proteção das liberdades individuais, contrapondo-se aos modelos de Estado absoluto e de Polícia. Uma oposição aos poderes autoritários e personalistas, imperando os imperativos da lei em face às vontades dos governantes. Destacam ainda que exista uma similaridade grande dos movimentos constitucionais modernos com o Princípio inglês do Rule of Law. Ressaltam, contudo, que a nova concepção de Estado Constitucional, onde a constituição é hierarquicamente superior, inaugurada no Brasil pela Constituição de 1988, influenciada fortemente pelos movimentos constitucionais europeus – Constituição da Alemanha, da Itália, de Portugal e da Espanha -, trouxe uma gama de princípios que influenciam diretamente na criação legislativa constitucional, na interpretação e aplicação do Direito, alargando as fontes do Direito contemporâneo.

A lei continua a ser mecanismo de proteção dos Direitos e limite aos poderes do Estado, porém, hierarquicamente inferior, na dimensão formal e material, à Constituição. A validade da lei é sempre condicionada a uma interpretação conforme a Carta Magna, podendo ela (a lei) ser afastada pelos órgãos jurisdicionais à luz de um princípio constitucional. Deve-se entender modernamente o conceito de legalidade como referência a todo o ordenamento jurídico, sendo a lei entendida como norma jurídica, independente da forma.

O conceito de legalidade não faz referência a um tipo de norma específica, do ponto de vista estrutural, mas ao ordenamento jurídico em sentido material. É possível falar então em bloco de legalidade ou de constitucionalidade que englobe tanto a lei como a constituição. Lei, nessa conformação, significa norma jurídica, em sentido amplo, independente da sua forma. (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, 2014).

3.2 Legalidade no Âmbito da Administração Pública

Diretriz básica do Direito Público, o Princípio da Legalidade na esfera administrativa encontra diferença em relação aos outros ramos do Direito, isto é, na Administração Pública só poderá ser feito o que está autorizado pela lei, ao contrário da esfera privada, onde é lícito tudo o que a lei não proíbe. A atividade administrativa tem obrigatoriamente que ser autorizada por lei, se não for, será ilícita. Ressalta-se, o administrador só pode atuar onde lhe é autorizado pela norma jurídica.

Conceitua o clássico jurista administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello (apud CARVALHO FILHO, 2014) :

O princípio implica subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que lhe ocupe a cúspide até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel e dócil realização das finalidades normativas.

Com base na Teoria do Estado Moderno, o Estado possui duas funções básicas, a de Legislar e outra de executar a lei, sendo esta última Administração Pública e Jurisdição. Para executar a lei deve-se criá-la. Portanto, deonticamente presume-se legítima a atividade do administrador somente de acordo com os dispositivos legais. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. 2014.)  

O constitucionalista Alexandre de Moraes destaca que a legalidade do art. 5°, II, da CRF/88, é mais rigorosa e especial na Administração Pública, isto porque, investido do Estado atua-se como executor do Direito, atividade sem finalidade própria. A atuação é em razão da finalidade imposta pela lei, de modo a preservar a ordem jurídica.

Neste sentido, versando sobre a distinção entre administração pública e administração privada, Carlos Ayres Britto (2014) destaca que o gerenciamento da coisa pública, do que é de todos, é a atividade de quem é senhor da coisa alheia. Portanto, pontua o ministro, que os poderes de gerenciamento do administrador são para o alcance da finalidade estabelecida na Magna Carta ou nas leis que qualifica como sendo de toda a coletividade. Neste ponto, fica evidente a distinção entre administrador e Administração consagrando outro princípio afim, o da Impessoalidade.

O caput do art. 37 da CRF/88 ao estabelecer a legalidade como Princípio orientador da atividade administrativa, atesta que o Estado/Administração Pública gravita ao redor da lei. O meio constitucionalmente conferido para se atingir as finalidades da Administração, primário, é o ordenamento jurídico.

Em decorrência da atividade administrativa está sempre vinculada aos ditames da lei, os princípios estabelecidos no caput do art. 37, são de rigorosa densidade-jurídica-positiva. Evidenciando o aspecto material do Princípio da Legalidade, a administração pública é legitimamente plena quando seus meios de atuação e seus fins são extraídos da lei

5 CONCLUSÃO

A ideia de Legalidade, da supremacia da lei legislada, surgiu em um momento da história ocidental ímpar, fruto dos movimentos revolucionário que se contrapuseram aos Estados absolutistas.  

Com a queda do antigo regime, a lei passou a ser a única fonte do Direito, guardiã das liberdades em face do poder.  Surgiu então o Estado Moderno, onde todos estão subordinados às leis, inclusive o Estado, que possui a atribuição de criá-las e aplicá-las.

O novo regime secularizou a Administração Pública do administrador. Este deixou de ser visto como o Estado em si mesmo. A finalidade da atividade administrativa que antes era definida subjetivamente pelo monarca, passou a ser definida pelo que a lei traduz como objetivo geral.

Contudo, com o advento do movimento constitucionalista, as cartas magnas ganharam força normativa, figurando como o topo hierárquico dos ordenamentos jurídicos. A lei neste novo momento deve sempre ter como critério de validade a conformidade com a Constituição e sua tessitura principiológica.

   Entende-se que o Princípio da Legalidade Administrativa, da necessidade de autorização da lei como critério para licitude dos atos administrativos, continua pertinente. Porém, deve-se entender a expressão lei, neste contexto, como ordenamento jurídico.

Com a nova fase da hermenêutica constitucional, em situações específicas e excepcionais, como em face da supremacia do interesse público, pode-se admitir, com a devida fundamentação, a mitigação do Princípio da Legalidade Administrativa.  

Ressalta-se que como regra os meios e fins da Administração Pública são os definidos na Magna Carta e na Legislação Infraconstitucional.

Se aplicar a lei é função primária do Estado, diante da Teoria do Estado Moderno, cabe ao administrador aplicar a lei para que sua atividade seja legítima.

REFERÊNCIAS

CANOTILHO,J.J Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira Mendes; Sarlet, Ingo Wolfgang; Streck, Lenio Luiz. Comentários à constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27 ed. – São Paulo: Atlas, 2014.

GIL, Antônio Carlos. Como classificar as pesquisas? In:______. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas S.A., 2002. Cap. 4, p. 41-44. Disponível em: <https://professores.faccat.br/moodle/pluginfile.php/13410/mod_resource/content/1/como_elaborar_projeto_de_pesquisa_-_antonio_carlos_gil.pdf> Acesso em: 28 Maio de 2015.

MENDES, Gilmar Ferreira Mendes; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev. Atual. – São Paulo: Saraiva, 2014.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 28 ed. São Paulo: Atlas, 2012.


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