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Processo judicial eletrônico trabalhista e repercussões no jus postulandi

Processo judicial eletrônico trabalhista e repercussões no jus postulandi

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Analisa-se como o processo judicial eletrônico trabalhista repercute no exercício do “jus postulandi”, e o contraponto entre o uso da tecnologia pelo Poder Judiciário Trabalhista e pelas condições de inclusão digital social.

1. INTRODUÇÃO

É cediço no meio jurídico que o contraditório e a ampla defesa devem ser garantidos nos processos judiciais para serem efetivados o acesso à justiça e o devido processo legal.
Diante da implantação e utilização do processo judicial eletrônico na Justiça do Trabalho, despontou a inquietação de como a celeridade e a duração razoável do processo, buscadas de forma precípua por este, se coadunam com o exercício do “jus postulandi” (que por consequência atinge o contraditório e a ampla defesa) numa sociedade com o nível de inclusão digital como a do Brasil e com os requisitos operacionais exigidos para a utilização do PJE.
O presente artigo possui a finalidade de analisar a repercussão do processo judicial eletrônico trabalhista no exercício do “jus postulandi”.
Para tanto, no primeiro item foi realizada uma abordagem histórica e teórica do processo judicial eletrônico e uma análise mais detida do PJE trabalhista.
Em seguida, no segundo tópico, é realizado um exame do “jus postulandi” e da repercussão do PJE no exercício deste.
A partir de então passa-se à exposição das conclusões sobre o tema.
Vale ressaltar que, o presente artigo é fruto de pesquisas para a elaboração da dissertação final do Mestrado e o tema está intimamente relacionado com a pesquisa que está em desenvolvimento.

2. PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO

2.1 ABORDAGEM TEÓRICA.

O Processo Judicial Eletrônico foi um sistema desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com os tribunais e com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, visando à automação do Poder Judiciário, em busca da celeridade, segurança, economia e com o intuito de efetivar o direito à razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação como prevê o art. 5°, inciso LXXVIII da Constituição Federal. Em suma, o PJE constitui um software com o objetivo de ensejar a visualização do processo por meio da rede mundial de computadores (internet), o que acarreta a substituição do tradicional processo com autos de papel e engendra uma mudança significativa.
O PJE está em paulatina e crescente utilização e constante aperfeiçoamento do sistema. Atualmente, já utilizam o PJE os 24 Tribunais Regionais do Trabalho e 20 órgãos de justiça brasileiros. Ademais, está em fase de experimentação o Sistema PJE 2.0.
O primeiro passo para a abordagem teórica do processo judicial eletrônico é apontar a diferença entre digitalização de virtualização.
A digitalização é “condição necessária para usar os meios eletrônicos de armazenamento, processamento e transmissão de informação (...), o caminho do papel para o computador”.  A Resolução 94/2012  do Conselho Superior de Justiça do Trabalho, em seu art. 3°, inciso III, a define como “processo de conversão de um documento originalmente confeccionado em papel para o formato digital por meio de dispositivo apropriado” (scanners, por exemplo).
A virtualização, por sua vez, consiste em um passo além da digitalização: o uso da informação digitalizada e tratamento de dados inseridos com vistas a resultados esperados.
A digitalização, já se viu, é um processo de representação feito num sentido. Por exemplo: do papel (imagem visual) para o disco magnético (registro físico-tecnológico). A virtualização também é um processo de representação, pode-se dizer, mas feito no sentido oposto. A digitalização vai no sentido dos bits, a virtualização, como aqui proposta, é um fenômeno que parte dos bits e, de maneira inteligente, chega a modelos de representação e a processos de tratamento da informação acessíveis e confortáveis para os humanos. O destinatário é o homem [...].

A informatização do processo judicial no Brasil tem sido implantada de forma paulatina. Não há como ser diferente em razão da burocratização, de se coadunar a prática com o atendimento das normas e princípios processuais e da necessidade de inclusão digital e acessibilidade plena dos órgãos do poder judiciário e sujeitos da relação processual.
As fases para a implantação paulatina do processo judicial eletrônico vão dos autos de papel, passando pelos autos híbridos (papel e peças digitalizadas, ou seja, o envio combinado com impressão seguida da digitalização para juntada), em seguida pelos autos formados e sob tramitação exclusivamente eletrônica; por fim, chega-se ao processo virtual.
No que tange aos princípios que regem o processo judicial eletrônico, apesar de ter sido criado para promover a celeridade, devem ser respeitados e harmonizados todos os demais princípios constitucionais e processuais  (princípio da investidura, aderência ao território, inelegibilidade, inevitabilidade, inafastabilidade, juiz natural, inércia, devido processo legal, imparcialidade do juiz, igualdade, da ampla defesa e contraditório, da livre investigação das provas, motivação das decisões, publicidade, lealdade processual, instrumentalidade, da economia processual, duplo grau de jurisdição).
Quanto ao princípio da celeridade, o sistema de processo eletrônico implementado pelo Judiciário permite reduzir significativamente o tempo de tramitação das ações, quando comparado ao meio físico (papel). Com a EC n. 45/2004, que acrescentou ao rol dos direitos fundamentais o princípio da razoável duração do processo e da celeridade processual, o processo eletrônico foi vislumbrado como instrumento de efetivação desta norma principiológica.
O processo eletrônico possui vantagens evidentes em relação ao processo tradicional. A maioria destas vantagens está relacionada à celeridade processual, à segurança e ao acesso ao processo de forma permanente (se mantidas as condições de conexão e da programação), mesmo em horários e dias que o fórum não tem atendimento ao público (acesso remoto).
Em relação às vantagens relacionadas à celeridade processual, tem-se: rotinas automáticas (autuação, distribuição, numeração, marcação audiências, juntadas, conclusões, verificação de prazos etc.); tendência de eliminação do atendimento de balcão pelas Secretarias; despachos em série; movimentação em bloco; geração de comunicações processuais (intimações, citações, ofícios etc.); giro processual maior (eliminação dos gargalos ou tempo morto do procedimento).
Para a manutenção e melhoria contínuas do sistema do processo judicial eletrônico, é necessário que haja investimentos na formação continuada dos operadores, na pesquisa constante para a descoberta de novas ferramentas e novos conhecimentos, na busca de alternativas para problemas causados pela desconexão (haja vista que o sistema só funciona se houver conexão com a internet).
Por outro lado, além dos aspectos positivos decorrentes do processo judicial eletrônico, existem alguns efeitos negativos que não podem ser olvidados. Haja vista que trata-se de um “software”, de um sistema de informática, o PJE pode apresentar falhas. Dentre estas, as mais frequentes são aquelas referentes à indisponibilidade ou erro do sistema, por exemplo. Em algumas circunstâncias, os usuários do PJE podem não obter êxito em acessar “links”, enviar documentos ou visualizá-los, acessar o sistema etc.
Importante destacar ainda que o acesso e a utilização do sistema do PJE esbarram, até o presente momento, em pré-requisitos operacionais. Não são todos os sistemas operacionais (o Windows 10, que é o mais recente não é compatível), nem todos os navegadores de internet (apenas o “Mozilla Firefox”, na versão 33.1 de 32 bits) e nem todos os “plug-ins” de navegadores (somente o Java, nas versões 7 e 8) que permitem a instalação para o acesso do sistema do PJE.
Ademais, para anexar documentos ao sistema do PJE (petições e atos processuais) mister se faz a obtenção de uma assinatura digital, que não poderá ser adquirida por qualquer usuário. A assinatura digital consiste na obtenção de um determinado certificado (padrão ICP- BRASIL) que possibilita a criação de documentos digitais com validade legal pelos usuários do sistema PJE. A assinatura eletrônica é regulamentada pela Medida Provisória número 2.200-2, de 24 de agosto de 2001. Através dela, é possível aferir a origem e integridade dos documentos de um processo que tramita nas bases do PJE. A obtenção do certificado digital se dá através de uma unidade certificadora que é uma entidade integrante da ICO-Brasil.

2.2  HISTÓRICO E DISCIPLINA LEGAL DO PJE NO BRASIL

A normatização do processo judicial eletrônico, que envolve a informatização do processo como um todo, precederam legislações que permitiram a prática de algum ato do procedimento utilizando um meio tecnológico.
Pioneira neste aspecto foi a previsão de possibilidade de realização do ato de comunicação processual (citação) por meio de fac-símile (fax) pela Lei n. 8.245/1991 (no art. 58, inciso IV).
Posteriormente, a Lei n. 9.800/1999, conhecida como “Lei do Fax”, autorizou a transmissão de peças processuais por esta via ou similar. Neste ponto, vale salientar que a jurisprudência não considerou o “e-mail” no conteúdo do termo “similar” utilizado pelo legislador.
Em seguida, a Lei dos Juizados Especiais Federais (Lei n. 10.259/2001), previu a possibilidade de tramitação de processos totalmente eletrônicos.
A Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) foi o próximo degrau na previsão de utilização de meios eletrônicos de informática para a prática de atos processuais, com disciplina pela Medida Provisória n. 2.200-2/2001.
No Código Civil de 2002, o artigo 225 autoriza que as reproduções em geral, mecânicas ou eletrônicas, de fatos ou de coisas que fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão.
Com a promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004 que introduziu ao art. 5, dentre o rol de direitos fundamentais, o princípio da duração razoável do processo e o direito aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação, os Poderes da União passaram a buscar meios para a efetivação desta norma.
Em 14 de abril de 2004, o STF, através da Resolução nº 287, permitiu a prática de atos processuais (petições ou documentos) por e-mail.
Em 2006, com a Lei n. 11.382, houve a regulamentação pelo Poder Legislativo da penhora on line, que já era praticada por meio de convênios celebrados entre o Banco Central e os Tribunais (através do BACENJUD), desde 2001 (começou com o STJ e o Conselho de Justiça Federal; em 2002, foi firmado o Convênio entre o TST e o Banco Central). A Lei n.º 11.382/2006 (art. 655-A) inseriu no CPC dispositivos que autorizam expressamente o uso de meio eletrônico para fins de constrição de dinheiro. Além do BACENJUD, o RENAJUD (sistema que faz a constrição eletrônica de veículos, através de convênios firmados entre os tribunais e o DENATRAN) e o INFOJUD (sistema que ajuda a obter, através de um sistema eletrônico, informações de declarações fiscais dos devedores em processo, através de convênios firmados entre o Poder Judiciário e a Receita Federal) também são ferramentas que utilizam a tecnologia e sistemas de informação para otimizar o sistema processual, mais especificamente, a execução das decisões judiciais.
Também em 2006, entrou em vigor a Lei n. 11.419/2006 (que dispõe sobre a informatização do processo judicial, alterando o Código de Processo Civil de 1973 ), que se originou de um projeto de lei de iniciativa da Associação dos Juízes Federais (AJUFE), apresentado na Câmara do Deputados, em 2001, e que após cinco anos de tramitação foi promulgada pelo Presidente da República, em 19 de dezembro de 2006.
A Lei n. 11.419/2006, que disciplina de forma breve a informatização do processo, determina em seu art. 1°, parágrafo 1°, que suas regras se aplicam a todos os processos judiciais (civil, penal, trabalhista), respeitadas as regras processuais de cada área. A Lei nº 11.419/06 foi dividida em quatro capítulos. No Capítulo I (arts. 1° a 3°), trata da informatização do processo e dos conceitos de meio eletrônico, transmissão eletrônica e da assinatura eletrônica. O Capítulo II (arts. 4° a 7°) traz as regras de comunicação dos atos processuais. O Capítulo III (arts. 8° a 13) normatiza sobre o processo eletrônico, comunicação processual da Fazenda Pública, digitalização de documentos. Por fim, o Capítulo IV elenca as alterações ocorridas no Código de Processo Civil. A Lei 11.419/2006 possui um breve texto com vinte e dois artigos e delega a sua regulamentação, por resoluções, aos tribunais e órgãos do Poder Judiciário, no âmbito de suas respectivas competências. A referida lei utiliza termos próprios da área de informática. A “certificação digital” (que já era utilizada em outras searas, como em processos administrativos, por exemplo), que consiste em uma espécie de documento eletrônico comprobatório de identificação de partes, expedido por autoridade certificadora credenciada que possibilita o envio de arquivos para o processo. O vocábulo digitalização, elucidado acima, é outro exemplo do uso de termos técnicos da área de informática. No que pertine à digitalização, há quem critique a opção do legislador no processo judicial eletrônico por este meio e pelo fato de a Lei n. 11.419/2006 não ter feito referência à virtualização.

“O processo eletrônico não pode ser feito sem digitalização e por isso a Lei 11.419/2006 obrigatoriamente passa pelo fenômeno. [...] A Lei 11.419/2006 não se vale em nenhum momento dos termos virtual ou virtualização. [...] O Brasil dispõe de um processo eletrônico fundado na digitalização. [...] A ênfase legal para o fenômeno da digitalização escamoteou a importância de se ir além e de se prestigiar a introdução, no sistema processual, das possibilidades que somente a virtualização pode trazer. [...] Parece fato inquestionável, hoje, que a mera digitalização das peças e demais elementos dos autos processuais – como tem ocorrido no Brasil -  não é condição suficiente para se alcançar um processo eletrônico com as características necessárias para colocar a tecnologia de forma otimizada a serviço de uma melhor prestação jurisdicional, qualitativa e quantitativamente falando.  É condição necessária, mas não suficiente. Muita esperança tem sido posta no processo eletrônico marcado apenas pela digitalização. Entretanto, tais expectativas somente serão atendidas pelo próximo processo, o processo virtual.”

Outro ponto que acirra as discussões e críticas à Lei n. 11.419/2006 é a previsão do sistema de intimação exclusivo pelo portal eletrônico, com dispensa da publicação no Diário da Justiça.
Em 2009, a Lei n. 11.900, de 8 de janeiro de 2009, autorizou a videoconferência para realização de interrogatório e de outros atos no processo.
O “II Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça Mais Acessível, Ágil e Efetivo”, em 26 de maio de 2009, identificou a necessidade de agilização da prestação jurisdicional. Ainda em 2009, das dez metas previstas pelo Conselho Nacional de Justiça com o objetivo de tornar mais ágil a prestação jurisdicional, seis se referem à informatização do Judiciário no Brasil.
Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça instituiu o Processo Judicial Eletrônico (PJE) como sistema informatizado único de processo judicial no âmbito do Poder Judiciário.
O Conselho Superior de Justiça do Trabalho (CSJT) editou em 2014 a Resolução de n° 136, que revogou a Resolução n° 94/2012 sobre a regulamentação do PJE. A Resolução n° 136/2014 do CSJT foi criada para harmonizar-se com a Resolução n° 185/2013 do CNJ e prevê no art. 56 que os Tribunais do Trabalho deverão manter, no âmbito das respectivas unidades judiciárias, estruturas de atendimento e suporte aos usuários do PJE. Ademais, a Resolução n° 136/2014 do CSJT também disciplinou a tempestividade da petição eletrônica integralmente enviada até as vinte e quatro horas do último dia, harmonizando com a Lei n. 11.419/2006.
Sobre o Novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 15 de março de 2016, criou-se expectativas de o mesmo suprir as deficiências das breves disposições da Lei n. 11.419/2006 sobre o processo judicial eletrônico, ainda mais pelo fato dela conferir extensa margem de regulamentação para os tribunais. Desta previsão, decorre a existência de vários tipos diferentes de processos judiciais eletrônicos com regras peculiares e sistemas eletrônicos distintos, causando insegurança jurídica para advogados e partes. Na Bahia, por exemplo, existem Projudi, o PJE, o e-saj (no TJ/BA); PJE e o e-samp da Justiça do Trabalho. As expectativas das regras do novo CPC sobre o processo judicial eletrônico foram, em parte, frustradas: foram feitos aprimoramentos no projeto de lei, mas nem todos os problemas foram solucionados.

O novo Código de Processo Civil pouco se ateve à tramitação processual por meio eletrônico, mesmo apesar dos sete anos de existência da Lei que instituiu o processo judicial informatizado.
Desde março de 2007 o exercício da advocacia em meio eletrônico se condiciona ao conhecimento da regulamentação concretizada por cada um dos 27 Tribunais de Justiça, pelos cinco Tribunais Regionais Federais, pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Superior Tribunal de Justiça, além da Justiça Trabalhista, absolutamente díspares.
Invariavelmente a regulamentação protagonizada pelos Tribunais adentra a seara alheia, instituindo regras e exigências inexistentes no ecossistema do Direito Processual, fato que vem causando grave insegurança jurídica.
O novo CPC não trouxe a tão desejada unificação das regras e procedimentos da tramitação judicial por meio eletrônico. Perdeu-se rara oportunidade de exterminar essas dezenas de ilhas isoladas de normas internas.
Caberá ao Conselho Nacional de Justiça a competência de regulamentar supletivamente aos tribunais quanto à prática e à comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico, cabendo velar pela compatibilidade dos sistemas, disciplinar a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e editando, para esse fim, os atos que forem necessários, respeitadas as normas fundamentais do novo CPC.

No art. 196 do novo CPC, há a previsão de o Conselho Nacional de Justiça e, supletivamente, os tribunais, regulamentarem a prática dos atos processuais do processo eletrônico e prezarem pela compatibilidade dos sistemas. De fato, não resolveu o problema da falta de uniformização normativa que implica na existência de variadas espécies de processos eletrônicos.
Os artigos 193 a 199 do novo CPC tratam da prática de atos processuais por meio eletrônico. Fica claro o apego do legislador ao papel e à digitalização (ao invés da virtualização) ao estabelecer que “os atos processuais podem ser total ou parcialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico, na forma da lei.”
A solução da nova lei ao problema da inclusão digital foi a previsão, no art. 198, de que os tribunais deverão manter gratuitamente em suas dependências, à disposição dos interessados, equipamentos de informática necessários à prática de atos processuais, à consulta e ao acesso ao sistema.
Ademais, o novo CPC (arts. 183, §1°, 232, 246, V e §1°, 272, 275) valorizou as intimações eletrônicas e previu o fim do prazo em dobro para os litisconsortes com procuradores em escritórios de advocacia diferentes no processo eletrônico (art. 229, §2°). Neste último ponto, o legislador merece elogios, pois é desnecessária a computação do prazo em dobro se os autos ficam à disposição dos procuradores no sistema. Quanto às intimações eletrônicas, que têm como objetivo a celeridade, muitos advogados criticam-na e a caracterizam como prejudicial.
O novo CPC foi elaborado num período de transição entre os processos de papel e a ampliação do processo judicial eletrônico e não intentou sanar problemas já existentes da regulamentação do último. Ocorre que quando o processo eletrônico se tornar regra, em um futuro próximo, teremos a sensação que o novo CPC perdeu a oportunidade de atentar para as mudanças.

2.3  PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO NA JUSTIÇA DO TRABALHO


Como visto acima, o processo judicial eletrônico (PJE) possui como finalidade a informatização do Poder Judiciário, com a prática de atos jurídicos de forma virtual.
A Justiça do Trabalho adotou o PJE através de convênio firmado entre o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST).
O CSJT instituiu a Resolução n° 94 que, no artigo 1° prevê que a tramitação de processos, a prática de atos processuais e sua representação serão exclusivamente realizadas por meio eletrônico através do PJE da Justiça do Trabalho, cuja implantação será feita gradualmente.
Em 2014, a Resolução n° 94 do CSJT foi revogada pela Resolução n° 136 deste mesmo órgão.
Na prática, a instalação do PJE foi gradativa pelos Tribunais Regionais do Trabalho e atualmente todos os 24 TRT´s brasileiros já utilizam o PJE para a propositura de novas ações trabalhistas e na tramitação dos recursos.
Atualmente, o PJE que já opera na Justiça do Trabalho e alguns órgãos do Poder Judiciário estão em fase de aperfeiçoamento. O Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e o CNJ estão finalizando as tratativas para a assinatura de um termo de cooperação técnica, visando a implantação do sistema 2.0 na Justiça do Trabalho, cujas vantagens são que o novo sistema permite operação em “tablets” e celulares e dispensa o uso de “token”, com acesso via senha.
O PJE, para ser acessado e utilizado, exige o atendimento de alguns requisitos. O certificado digital, por exemplo, constitui uma assinatura digital necessária para a visualização total do processo e de cada ato processual e para a assinatura de atos processuais pelos servidores e de petições pelos advogados. Ademais, o sistema do PJE exige configurações de programas para ser acessado: o navegador deve ser o “Mozzila Firefox” na versão 33.1 (por enquanto o sistema não é compatível com a versão mais moderna de 43.0); o sistema operacional instalado no computador deve ser ou Windows XP ou 2003 ou Vista ou Windows 7 ou o 8 (não há compatibilidade com o Windows 10 até o momento); o “plugin” do navegador deve ser o Java nas versões 7 ou 8.
Estes requisitos para a utilização do PJE acabam tornando-se um óbice ao acesso à justiça e ao exercício do contraditório e da ampla defesa, mormente quando se demanda sem patrocínio de um advogado, no caso do “jus postulandi”, permitido no processo trabalhista (art. 791 da CLT) e em alguns procedimentos como o dos Juizados Especiais.
A questão trabalhista do empecilho que o sistema do PJE acarreta ao “jus postulandi” e os meios de contornar este óbice é o cerne desta pesquisa.
É notório que o PJE é um caminho sem volta e que apresenta inúmeras vantagens principalmente no que tange à duração razoável do processo, à segurança e economia processuais, mas não devemos olvidar que ele deve se compatibilizar com o contexto processual em que foi aplicado e retrocessos não devem ser permitidos.

3. “JUS POSTULANDI”

Apresentadas algumas considerações teóricas e históricas a respeito do processo judicial eletrônico, com enfoque no trabalhista, passa-se à abordagem do “jus postulandi”, para se atingir o escopo do presente trabalho (consistente na análise da repercussão do PJE trabalhista no exercício do “jus postulandi”).

3.1 CONCEITO

A regra geral do processo civil é que a capacidade postulatória, pressuposto processual subjetivo, é inerente ao advogado. Via de regra, uma pessoa deve postular perante o Poder Judiciário patrocinada por um procurador devidamente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (art. 103 do novo CPC). O artigo 133 da Constituição Federal prevê a indispensabilidade do advogado.
Excepcionalmente, alguns procedimentos admitem que uma pessoa exerça seu direito de ação e de defesa sem advogado. Este é o caso do “habeas corpus”, do processo trabalhista e do procedimento nos Juizados Especiais, por exemplo.
Em linhas gerais, o “jus postulandi”, consiste nesta faculdade das partes (autora e ré) postularem perante o Poder Judiciário, num processo judicial, sem ter constituído advogado.
Historicamente, tem-se que o “jus postulandi” foi criado na “Era Vargas”, com o intuito de incentivar os trabalhadores à sindicalização.
O “caput” do art. 791 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê que “Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final”. 
A expressão “até o final” contida do texto do art. 791 da CLT, segundo a maioria da doutrina significa que o “jus postulandi” poderá ser utilizado pelas partes nas Varas do Trabalho (1° grau) e nos Tribunais Regionais do Trabalho (em grau de recurso).
O art. 839 da CLT prevê que a reclamação poderá ser apresentada pelos empregados e empregadores, ou pessoalmente, ou por seus representantes, e pelos sindicatos de classe.
Em 06 de outubro de 1994, o STF, no julgamento da ADI nº 1.127-8, concedeu liminar com o entendimento de que a atuação de advogado não é imprescindível na Justiça do Trabalho, bem como nos Juizados Especiais e na Justiça de Paz.
O Tribunal Superior do Trabalho, em 30 de abril de 2010, publicou a Súmula 425, que diz: “O jus postulandi das partes, estabelecido no art. 791 da CLT, limita-se às Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho.” 
Vale ressaltar que o instituto do “jus postulandi” objetiva promover o direito de postular em juízo à parte hipossuficiente, que não possui condições financeiras para constituir um Advogado. No entanto, ao se valer do “jus postulandi”, o jurisdicionado, ao não possuir conhecimentos jurídicos, pode tornar-se vulnerável.
Além da opção do “jus postulandi” em que o jurisdicionado, por sua conta e risco formula seus pleitos judiciais, na Justiça do Trabalho, há a possibilidade de a parte se dirigir à vara ou a um órgão específico que reduz a reclamação trabalhista a termo, ou seja, um servidor reduz os fatos narrados pelo cidadão num termo que funcionará como a petição inicial do processo. Esta é a hipótese do art. 840 §2º da CLT.
Após as breves considerações a respeito do “jus postulandi”, passaremos ao exame dos reflexos do processo judicial eletrônico nesta faculdade conferida aos jurisdicionados no processo trabalhista.

3.2 REPERCUSSÕES DO PJE TRABALHISTA NO “JUS POSTULANDI”

Necessário neste tópico é o exame da Resolução n° 136/2014 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, que substituiu a Resolução 94/2012.
A Resolução n° 136/2014 do CSJT traz, no art. 6°, parágrafo 1°, regra sobre a utilização do PJE na Justiça do Trabalho pelos jurisdicionados optantes pelo art. 791 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A referida Resolução determina no art. 5° a necessidade da assinatura digital para obter acesso ao sistema do PJE trabalhista. No entanto, ressalva no art. 6°, parágrafo 1°, que “partes ou terceiros interessados desassistidos de advogados poderão apresentar peças processuais e documentos em papel, segundo as regras ordinárias, nos locais competentes para recebê-los, que serão digitalizados e inseridos no processo pela Unidade Judiciária.” 

Através de tal dispositivo normativo, torna-se evidente que a presente resolução prezou pela manutenção e respeito ao “jus postulandi” e reservou aos tribunais (“unidade judiciária”) os atos de recebimento das postulações dos jurisdicionados que não possuem advogado e posterior digitalização para que haja o andamento processual. Não houve alterações significativas neste aspecto do “jus postulandi” em relação ao sistema que ocorria com os processos físicos.
O PJE para a Justiça do Trabalho, como visto, apresenta pré-requisitos técnicos e conhecimentos de informática para que seja possível o acesso (certificação digital e assinatura eletrônica), além da ciência prévia das normas de funcionamento do sistema do processo eletrônico. A princípio, estes aspectos denotam que o usuário enfrenta alguns óbices para utilizar o sistema e exercer seus direitos de defesa e postulação. Em razão destes fatores, alguns doutrinadores têm defendido a incompatibilidade do PJE com o “jus postulandi”. No entanto, o art. 6°, parágrafo 1º da Resolução n° 136 do CSJT e as políticas deste Conselho e dos Tribunais Regionais do Trabalho buscam constante aprimoramento do sistema em nome da prezada celeridade processual, que constitui a principal bandeira do PJE.  Este sistema eletrônico de tramitação processual ainda está galgando os primeiros degraus e possivelmente apresentará algumas dificuldades para que os usuários exerçam o “jus postulandi”, mas não houve a intenção de cerceamento deste importante instituto, pelo contrário.

4. CONCLUSÃO

Dos tópicos desenvolvidos no presente artigo, conclui-se:
- O processo judicial eletrônico está em constante avanço de implantação no Poder Judiciário, por ter sido considerado o protagonista na solução da busca pela celeridade e duração razoável do processo;
- Apesar dos avanços e vantagens dos processos judiciais eletrônicos implantados na realidade atual brasileira (relacionados à celeridade, segurança, economia de papel), existem requisitos necessários para o acesso ao sistema eletrônico de tramitação processual como a certificação digital, a assinatura eletrônica e conhecimentos básicos de informática para o programa “rodar” corretamente (navegador específico com determinada versão; plugin de navegador) que podem ser considerados como óbices aos usuários e jurisdicionados;
- O “jus postulandi” é uma faculdade conferida aos jurisdicionados, que não possuem condições de arcar com honorários advocatícios, para postular e se defender sem intervenção de um patrono, em determinados procedimentos judiciais e no processo do trabalho;
- Alguns doutrinadores defendem que o PJE é incompatível com o “jus postulandi” no processo trabalhista, mas a Resolução n° 136/2014 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, que prevê normas sobre o funcionamento do sistema de tramitação eletrônica dos processos trabalhistas, dispõe no art. 6°, parágrafo 1°, que as unidades judiciárias serão responsáveis pelo recebimento e digitalização das postulações dos jurisdicionados que não possuem advogado
- Diante desta previsão da Resolução n° 136/2014, o PJE mantém e reforça com o “jus postulandi”, devendo ser afastadas preocupações doutrinárias que pregaram que o processo judicial eletrônico trabalhista seria incompatível com a faculdade balizada no art. 791 da Consolidação das Leis Trabalhistas e reforçada pela jurisprudência do TST.


REFERENCIAS

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