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O IPTU progressivo na Constituição Federal de 1988

O IPTU progressivo na Constituição Federal de 1988

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O IPTU (imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana) é imposto de competência privativa dos Municípios e do Distrito Federal (Constituição Federal, art. 156, I, c/c. art. 147, fine). Os contornos infraconstitucionais desse tributo nos são dados pelo artigo 32 do CTN, que diz que o IPTU "tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do município".

A maioria da doutrina considera o IPTU um imposto real, muito embora existam aqueles que defendam sua natureza de imposto pessoal, já que ele "incide" na verificação da qualidade de "ser proprietário", sem contar o fato de que o liame das obrigações jurídicas sempre se estabelece entre pessoas, o que afastaria a existência de impostos reais. De toda sorte, predomina na doutrina e na jurisprudência o entendimento que considera o IPTU um imposto real.

Imposto real é aquele que é calculado sem atender às condições pessoais do contribuinte, ignorando por completo sua situação individual. Tal tipo de exação tem em vista apenas a matéria tributável, segundo seus caracteres objetivos específicos, independentemente das condições econômicas, jurídicas, pessoais ou de família, relativas ao contribuinte. Nesse passo, a alíquota tributária é, por seu turno, fixada exclusivamente em função das circunstâncias materiais da situação de fato prevista na lei.

A pugnada natureza de imposto real acendeu os debates sobre a possibilidade de fixação de alíquotas progressivas para o IPTU. E foi com supedâneo nesse entendimento, qual seja, de que o IPTU consiste em um imposto real, que o STF consolidou entendimento, sob a égide da constituição anterior, acerca da inconstitucionalidade da progressividade da alíquota do IPTU (RE n° 153.771/MG; RE n° 199-281-6/SP e Súmula 589), o que afastou qualquer influência da capacidade contributiva no cálculo desse tributo.

Esse debate voltou à baila quando da vigência do Texto Constitucional de 1988, por conta da disposição contida no art. 156, § 1°, da CF; in verbis:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I – propriedade predial e territorial urbana;

[...]

§1° O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade.

Apesar de qualificado entendimento doutrinário em sentido contrário, o STF fincou novamente posição no sentido de que a única progressividade que o IPTU comporta, nos termos do texto constitucional em vigor na época, era a veiculada pelo art. 182, § 4°, Inc. II, da CF/88, qual seja, a chamada progressividade no tempo, de conteúdo sancionatório, para o atendimento da função social da propriedade urbana.

Entretanto, exsurgiu no mundo jurídico a EC nº 29/2000, que alterou a redação do caput e acrescentou parágrafos ao art. 156 da CF/88, possibilitando uma progressividade fiscal e extrafiscal do IPTU, colocando uma pá de cal nas discussões.

A nova redação do § 1º do art. 156 estatui que o IPTU "sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II (...) poderá: I – ser progressiva em razão do valor do imóvel; e II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel".

Devemos nos ater, e aqui está o cerne de nossas considerações, ao fato de que o inciso I, do § 1°, do art. 156, da CF/88, prescreve uma progressividade de cunho evidentemente fiscal, com base na capacidade contributiva. De fato, a Carta da República, em prol de satisfazer o comando imperativo contido no art. 145, §1°, da CF/88 (princípio da capacidade contributiva), tomou como signo presuntivo de riqueza o valor do imóvel a ser tributado, o que possibilita uma melhor adequação entre o encargo econômico da exação e a capacidade financeira do contribuinte para suportá-la. Temos, então, a progressividade tributária clássica e usual, que consiste no crescimento da alíquota de acordo com o crescimento da base de cálculo, ou seja: quanto maior o valor do imóvel, maior será a alíquota.

Por outro lado, o inciso II do mesmo dispositivo não se relaciona com o princípio da capacidade contributiva, tendo uma função extrafiscal, ao permitir o manejo das alíquotas do tributo em comento para a consecução das finalidades cristalizadas no Plano Diretor das Cidades, em prestígio da função social da propriedade urbana, nos termos do art. 182 da CF, que, de maneira inaugural, institui no seio da Carta da República um Capítulo sobre o tema da Política Urbana [1]. Aqui não temos progressividade, mas sim seletividade, já que, de acordo com as lições de Hugo de Brito Machado, "seletivo, por sua vez, é o imposto cujas alíquotas são diversas em razão da diversidade do objeto tributado. Assim, o IPTU será seletivo se as suas alíquotas forem diferentes para imóveis diferentes, ou de um critério qualquer, mas sempre diferença de um imóvel para outro imóvel" [2].

Existe ainda a progressividade das alíquotas do IPTU em razão do tempo, veiculada pelo art. 182, § 4°, inc. II, da CF/88, que, sem perder o seu conteúdo extrafiscal de instrumento de promoção da adequação da propriedade urbana à sua função social, carrega também, à evidência, caráter punitivo, sendo inclusive chamada na doutrina de progressividade penal. Realmente, nela o pressuposto de fato para a variação do IPTU não é um fato lícito, mas ilícito, qual seja, a inação do contribuinte ante as prescrições contidas no Plano de Urbanização da Cidade, o que, de certa forma, desvirtua seu caráter tributário.

Nesse quadrante, podemos afirmar que uma coisa é a progressividade fiscal do IPTU, ligada à capacidade contributiva, com espeque nos arts. 145, § 1º e 156, § 1º, inc. I, da CF/88, que prescinde do plano diretor do Município, em razão de seu caráter fiscal; outra coisa é a progressividade extrafiscal, prevista nos arts. 156, § 1º, inc. II e 182, § 4º, inc. II da CF/88, que depende da edição do plano diretor do Município que efetuará a ordenação da cidade. A primeira prestigia o princípio da capacidade contributiva; a segunda a função social da propriedade urbana, nos termos do plano diretor do Município.

Roque Antonio Carraza analisa com a habitual maestria esse tema:

"O princípio da capacidade contributiva, no IPTU, não se revela no inc. II do §1º do art. 156 da Carta Magna. O princípio da capacidade contributiva, também no IPTU, revela-se no já mencionado art. 145, § 1º (cuja aplicação a este imposto é declarada no inc. I do § 1º do art. 156 da CF), da CF. O IPTU não depende da edição de qualquer plano diretor do Município (art. 182, §§ 1º e 2º, da CF) para poder ter caráter pessoal e ser graduado de acordo com a capacidade econômica do contribuinte" [3].

Em suma, na Constituição Federal, temos a progressividade atendendo aos critérios da capacidade contributiva (art. 145, § 1º e art. 156, § 1º, inc. I da CF/88); em função da localização e do uso (art. 156, § 1º, inc. II); e o previsto no art. 182, § 4º, inc. II, da CF/88, que também é chamada de progressividade no tempo.

Por fim, quadra registrar, para esclarecer antigas e ultrapassadas afirmações, que a progressividade fiscal do IPTU prescinde da edição da uma lei federal a regular as nuanças de sua progressividade, como defendia anteriormente o STF, muito menos necessita da edição de um plano diretor do Município. Tais caracteres são imanentes à progressividade extrafiscal. Aliás, a nosso sentir, tal progressividade, por conta do princípio da efetividade das normas constitucionais, constitui dever do Município, por se tratar de desdobramento necessário de um princípio basilar do sistema constitucional tributário pátrio: o princípio da capacidade contributiva.

Mas, ao revés, a progressividade extrafiscal, além de ter que guardar consonância com a Lei Federal carreadora de normas gerais sobre o tema (no caso, o Estatuto da Cidade), deve ser veiculada também em consonância com o Plano Diretor da Cidade. Mas não é só. A progressividade no tempo (art. 182, § 4°, II, da CF/88) há que ser estatuída por meio de lei municipal específica, consoante os arts. 5° e 7° da Lei n° 10.257/01:

Art. 5º - Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.

§ 1º Considera-se subutilizado o imóvel:

I - cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente;

§ 2º O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumprimento da obrigação, devendo a notificação ser averbada no cartório de registro de imóveis.

Art. 7º - Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5º desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5º do art. 5ºdesta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.

§ 1º O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5º desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.

Fica claro, então, que a despeito da permissão do art. 182, § 4º, II, da CF/88, os Municípios poderão, ou não, instituir, segundo seu próprio juízo de conveniência, e mediante lei municipal específica para área incluída no Plano Diretor, a progressividade extrafiscal de IPTU, seja em razão do uso e localização, seja em razão do tempo.

Destarte, podemos dizer que os pressupostos para o estabelecimento legal da progressividade do IPTU como instrumento de política urbana são: a) a existência de lei federal, estabelecendo normas gerais (que já existe) e b) a elaboração de um Plano Diretor da Cidade. Agora, para a regular criação da progressividade do IPTU no tempo (art. 182, § 4°, II, da CF/88), deve-se acrescentar: c) a existência de uma lei municipal específica para a área incluída no plano diretor; d) a existência de notificação ao particular, devidamente averbada no registro de imóveis, que fixe prazo e condições ao particular para que cumpra os deveres estatuídos na lei municipal específica; e) o descumprimento do dever pelo particular.


Notas

1 O art. 182 estatui que a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes. Ainda com espeque nesse artigo, temos o plano diretor, instrumento normativo municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, que servirá de supedâneo para o alcance dos objetivos colimados no caput do citado artigo. O plano diretor tem, também, a importante tarefa de definir a função social da propriedade urbana, ainda que de modo reflexo, ao definir as exigências fundamentais de ordenação da cidade que ele deverá veicular. Por sua vez, o parágrafo 4º do art. 182 confere ao Poder Público municipal a faculdade de exigir que o proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, promova seu aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: a) parcelamento ou edificação compulsória; b) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressiva no tempo; e c) desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão aprovada pelo Senado Federal. Com se pode depreender de sua simples leitura, o art. 182 do Magno Texto contém normas de eficácia limitada, que necessitavam de normatização ulterior a fim de dar-lhes plenitude de efeitos. E somente após onze anos de debates, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 10.257 de 2001, que regulamenta as indigitadas regras constitucionais. Tal lei instituiu o intitulado Estatuto da Cidade, que contém normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do interesse coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos.

2 Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 353

3 Curso de direito constitucional tributário. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 93.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COLODETTI, Bruno. O IPTU progressivo na Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 406, 17 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5587. Acesso em: 24 abr. 2024.