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Aspectos gerais da tutela coletiva

Aspectos gerais da tutela coletiva

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Deve-se habilitar instrumentos para que direitos individuais repetidos em enormes proporções no meio social sejam tutelados de forma condigna à Justiça.

 

Resumo: O estudo do direito processual ganhou grande amplitude na atual sociedade de massas, devido à busca pela efetividade dos direitos. Desta forma, fez-se mister aparelhar a sociedade de instrumentos adequados para a tutela dos direitos transindividuais, bem como àqueles direitos individuais que, por razões de estreita semelhança e origem comum, devem ser tutelados coletivamente para assegurar a celeridade e economia processuais e a segurança jurídica dos jurisdicionados, evitando-se o perfilhamento de diversas demandas individuais semelhantes que, por vezes, resultam em decisões contraditórias. Assim, a tutela coletiva acidental tem por escopo político evitar o desprestígio do Poder Judiciário. Neste esteio, a tutela dos direitos individuais homogêneos através das Ações Coletivas é verdadeiro marco na história processual pela efetivação da cidadania vista pela ótica da entrega do bem da vida a quem de direito.

Palavras-chave: Tutela de Urgência, Prescrição, Coisa Julgada, Processo Coletivo.

1. introdução 

Através do presente trabalho, pretende-se analisar a importância da utilização dos instrumentos previstos na legislação para a tutela coletiva como medida indispensável para implementação do direito de acesso à jurisdição, bem como analisar as questões processuais que envolvem a tutela coletiva dos interesses individuais homogêneos, enquanto espécie do gênero dos direitos coletivos. Busca-se o entendimento ideal dos conceitos legais que envolvem o tema estudado e a sistematização da tutela coletiva e sua harmonização com os princípios gerais que regem o nosso ordenamento jurídico.

 É notória a evolução do ordenamento jurídico no sentido de disciplinar a tutela dos interesses coletivos para alcançar a tão desejada efetividade do direito por meio de processos que possam chegar a um termo através da execução de suas decisões, ou ainda, por meio da estabilização das expectativas de seus titulares, ajustando as condutas sociais às normas legais.

No ordenamento jurídico brasileiro, em que o Estado assume o monopólio do poder de coerção, o direito de acesso à jurisdição assume importância essencial, se tornando imprescindível para garantir a implementação dos outros direitos materiais, incluindo os direitos fundamentais, constitucionalmente assegurados.

 Dentre as formas que possibilitam a implementação total do direito de acesso à jurisdição, destacam-se as ações coletivas, visto que possibilitam a solução de um número maior de conflitos em uma mesma ação.

 Outrossim, há que se consignar como corolário da tutela coletiva, o acesso à justiça por quem normalmente não chegaria ao Poder Judiciário para deduzir seus pleitos, seja em virtude de sua hipossuficiência, ou da característica difusa de determinados direitos, que não justificariam o ajuizamento de uma ação por único titular dada a pequena significância da parcela que lhe caberia, mas que representa um vulto muito maior quando vista na integralidade dos interessados.

Por fim, também merecem destaque os princípios processuais voltados a viabilizar a mencionada efetividade, como o da economia processual, uma vez que o modelo individualista e tradicional disciplinado pelo Código de Processo Civil há muito se afunda na mais absoluta ineficácia, por conta da incapacidade estrutural do Estado de absorver as demandas de quantos reclamam o atendimento aos anseios de justiça, que se amplificam no dinamismo da sociedade. Assim, a possibilidade de alcançar, em um único processo, o maior número de jurisdicionados possível vem ao encontro das necessidades do ordenamento jurídico atual, principalmente quando por consequência lógica também logramos a diminuição de decisões conflitantes no seio do Poder Judiciário, que ganha maior dinamismo e abrangência, através da tutela coletiva.

Naturalmente uma disciplina de tamanho impacto gera muita controvérsia e reclama verdadeiros embates doutrinários e jurisdicionais até que se acomode razoavelmente no universo de nossa cultura jurídico-social.

 2. A PRESCRIÇÃO E A TUTELA COLETIVA

Fixada a noção de prescrição, pode-se examinar seu funcionamento no campo do processo coletivo. Desde logo, surge um problema a ser enfrentado, referente a saber como deve ser posta a questão da pretensão (material) coletiva.

Nesse ponto, parece evidente que o tratamento da prescrição deve ser bifurcado em duas análises distintas: uma para os direitos individuais homogêneos e outra para os direitos coletivos e difusos.

Deve ser assim porque os interesses coletivos e difusos são metaindividuais, de modo que nenhum indivíduo pode, sozinho, invocar a titularidade do direito. Já em se tratando de interesses individuais homogêneos, há, na verdade, um feixe de interesses individuais reunidos para tutela coletiva, de modo que cada indivíduo é titular de um direito, havendo tutela coletiva apenas por conveniência do Poder Judiciário e para permitir tratamento uniforme das pretensões.

Isso implica dizer que, no caso de direitos individuais homogêneos, há pretensões independentes – que são reunidas apenas para tratamento processual uniforme. Já nos interesses difusos e coletivos, há pretensões metaindividuais, que têm por titular uma coletividade.

Esta peculiaridade impõe a necessidade de tratamento diferente entre os direitos coletivos e difusos e os individuais homogêneos.

3. TUTELA DE URGÊNCIA

Procurou-se, no tópico precedente, sem uma pretensão exauriente, analisar os pontos atinentes ao novo modelo processual de tutela provisória, podendo-se resumir que, no novel diploma processual, quer lastreada na urgência, quer amparada na evidência, a antecipação dos efeitos da tutela guarda íntima correlação com “probabilidade do direito”, denominam “prevalência do direito provável ao longo do processo”, ou seja, fundada em qualquer das hipóteses analisadas, a técnica antecipatória tem como pressuposto autorizador a probabilidade do direito.

Diante destas constatações, remanesce o escopo principal destas reflexões: saber o impacto nas ações de natureza coletiva, ou seja, aquelas que visem tutelar direitos e interesses transindividuais, de sorte que é preciso registrar que esta análise deve se dar no bojo de um denominado “microssistema processual” havido da conjugação, entre outras, da Lei da Ação Popular, da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor.

A pretensão é investigar, portanto, se os modelos de tutela de urgência e evidência são compatíveis com o mencionado microssistema processual, se militam em favor da tutela dos direitos protegidos pelas ações coletivas aduzidas e, destarte, podem ser aplicados.

Para atingir as conclusões almejadas, quer nos parecer insuperável iniciar-se por uma singela recapitulação do surgimento do aludido microssistema de tutela coletiva.

O Código de Defesa do Consumidor, além de dispor sobre as relações de consumo, terminou por disciplinar a Lei de Ação Civil Pública, de sorte que, ao assim fazer, harmonizou e unificou os elementos, empregando à sistemática processual e àquela da Lei de Ação Civil Pública o disposto no Título III, da Lei nº 8.078, de 1990

É inegável, portanto, com edição do Código de Defesa do Consumidor, e a compreensão de existir um microssistema processual para as ações coletivas, que se pode reputar que naquilo em que for compatível, seja a ação popular, a ação civil pública, a ação de improbidade administrativa e mesmo o mandado de segurança coletivo, aplica-se o Título III da comentada lei consumerista, impondo o que alguns nominam de um verdadeiro “Código Brasileiro de Processos Coletivos”, um “ordenamento processual geral” para a tutela coletiva.

A integração dos instrumentos de tutela coletiva a um microssistema permite a recepção dos dispositivos normativos que tratam dos diversos instrumentos, individualmente considerados, sempre objetivando maior eficácia na proteção dos direitos transindividuais, de forma que a aplicação do Código de Processo Civil, tanto o antigo quanto o novo, terá caráter residual em relação às disposições normativas que integram o microssistema.

Concebida a conclusão, que é mesmo inarredável, de haver um microssistema processual acerca das ações de natureza coletiva, é necessário para o tema proposto evidenciar o papel que o novo Código de Processo Civil ocupa nesse âmbito, para, a partir desta observação, avaliar a utilização, subsidiária que seja, do modelo de tutela de urgência e evidência nas ações coletivas.

Como observado no tópico precedente, o sistema de tutela provisória a ser inaugurado no novo Código de Processo Civil é substancialmente distinto do modelo anterior, porém sua aplicabilidade no âmbito das ações coletivas quer nos parecer que subsiste; eis que no âmbito da Lei de Ação Civil, conquanto não haja previsão legal, tem-se que o artigo 19 possibilita sua utilização, de sorte que toda a construção doutrinária que assinalava ser possível aplicar-se o artigo 273 do antigo Código de Processo Civil, e mesmo aquela que observava os requisitos deste artigo mais severos que os da lei consumerista, parecem militar em favor da utilização subsidiária do modelo de tutela de urgência e evidência nas ações coletivas.

Como ocorria com a tutela provisória regida pelo CPC de 1973, a tutela provisória instituída pelo CPC de 2015, tanto na modalidade “urgência” como na espécie “evidência”, é também aplicável às ações coletivas, e isso sem afastamento da utilização concomitante do microssistema de tutela coletiva antes referido, uma vez que tais institutos, conjuntamente, possibilitam melhor concretude, realização e efetividade do Direito.              

4. SENTENÇA E COISA JULGADA

 A classificação das sentenças é comumente efetivada com base no tipo de provimento jurisdicional pedido pelo autor, quais sejam, ações de conhecimento, de execução e cautelares.

Dentro das ações de conhecimento, a subdivisão mais tradicional da doutrina mantinha-se em ações declaratórias, constitutivas e condenatórias. Todavia, percebe-se nitidamente uma tendência doutrinária nos últimos anos visando à subdivisão das ações de conhecimento em cinco categorias: a) declaratórias, b) constitutivas, c) condenatórias, d) mandamentais, e e) executivas lato sensu.

  Essa classificação quinaria parte do pressuposto de que nem todo provimento que impõe mudança no mundo dos fatos pode ser classificado como condenatório.

Sobre as sentenças proferidas em processo coletivo que tenha por objeto interesses individuais homogêneos, não há limitação ou cerceamento de qualquer espécie.

Podem elas ser utilizadas para obter todo e qualquer tipo de provimento jurisdicional, dentro da ideia do CDC de que para a defesa dos direitos e interesses protegidos pelo Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela, explicitada no art. 83 do CDC. Assim, esse tipo de ação coletiva poderá ser meramente declaratória, constitutiva ou condenatória (a obrigação de fazer ou não fazer ou a obrigação de pagar). Os arts. 91 e ss. CDC tratam de uma especial ação em defesa de interesses individuais homogêneos, que é a de responsabilidade civil pelos danos individualmente sofridos, detalhando minuciosamente sua disciplina: mas isso não exclui outros pedidos de tutela dos interesses individuais homogêneos.

Por isso, nenhuma das espécies classificadas fica excluída da técnica processual desenvolvida para a tutela dos interesses tratados de forma coletiva, visto que as próprias razões que determinam tal tratamento justificam o uso de todos os meios possíveis para a obtenção do resultado pretendido.

A sentença condenatória proferida nas ações que envolvam interesses individuais homogêneos fixa genericamente a responsabilidade do réu pelos danos causados à coletividade que se amolde às circunstâncias de fato deduzidas na demanda, determinando o dever de indenizar e, consequentemente, tornando imprescindível a liquidação por artigos, em que o lesado deverá comprovar o dano individual, o nexo de causalidade e o montante do respectivo prejuízo.  

Vê-se nesse tipo de ação coletiva, que a noção de substituição processual assume uma feição própria nessa situação, pois o substituto pleiteia o direito alheio com uma medida de abstração mais acentuada, isto é, busca o reconhecimento de um direito a ser delimitado posteriormente pelo próprio titular, ou, considerando as possibilidades de legitimação também para a execução coletiva, pelo menos em outro expediente processual.

Via de regra, os interesses versarão sobre indenização, pois a natureza dos direitos individuais tutelados pela via coletiva levarão à recomposição patrimonial, em virtude de ato ilícito reconhecido pela sentença, que, no caso dos interesses individuais homogêneos, a tutela ressarcitória ocupará grande parte dos casos, pois é o pagamento do valor dos danos sofridos que promoverá a satisfação dos indivíduos lesados. Todavia, como observa, não se pode afastar a possibilidade da tutela específica, desde que o juiz, ao sentenciar, possua elementos suficientes para a fixação da obrigação a ser cumprida para cada indivíduo.

Em se tratando de decisão (na defesa de direitos coletivos ou difusos) que enseje também a apuração de danos sofridos individualmente, será perfeitamente factível a liquidação individual simultaneamente com a coletiva, destinando-se o valor apurado a título coletivo para o fundo de direitos difusos e permitindo que as vítimas individuais proponham suas próprias liquidações, de acordo a sistemática traçada pela legislação.

 Parece-nos que o mesmo não pode ocorrer com a liquidação prevista no artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor, eis que se trata de uma liquidação residual, que poderá interferir no êxito do ressarcimento dos interessados individuais. É o que expõe Ada Pellegrini Grinover, ao mencionar que tal pedido indenizatório inscreve-se na tutela de interesses individuais homogêneos, de modo que o recolhimento ao Fundo prejudica o direito às indenizações pessoais dos consumidores que quiserem habilitar-se à reparação individual.

5. Considerações finais

A proteção dos direitos dispersos na sociedade de massa requereu tomada de posição contrária à antiga visão processualista individual a fim de abarcar os direitos metaindividuais, também chamados de transindividuais. Tal evolução se deu em decorrência, principalmente, dos estudos de Mauro Cappelletti, o qual previu a segunda onda renovatória da fase instrumentalista do processo.

Assim, a tutela coletiva se inseriu no contexto processual, primeiramente como meio de assegurar o acesso à justiça de direitos transindividuais por natureza, como hoje se aponta na visão tripartida adotada pela legislação nacional na forma dos direitos difusos e coletivos stricto sensu, e, posteriormente, viabilizar uma via de acesso à justiça a direitos individuais de origem comum, os quais devem ser tutelados na forma coletiva por força dos interesses políticos da sociedade, denominados direitos individuais homogêneos pelo art. 81, parágrafo único, inc. III, do Código de Defesa do Consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90), que em seu Título III disciplinou questões importantes sobre a tutela coletiva, foi, dentre vários outros, o instrumento legal que introduziu as normas mais significativas para a operação das indispensáveis mudanças no sistema jurídico para o alcance da tão almejada eficácia do ordenamento.

 Indispensável é a correta compreensão do significado dos interesses individuais homogêneos, que foram reconhecidos pelo sistema como espécie do gênero coletivo, pois através deles se alcançarão as finalidades procedimentais da defesa coletiva, como a economia e celeridade processual, o acesso à justiça e a coerência das decisões judiciais, que certamente representam um grande benefício para toda a sociedade, aliás, mais do que um benefício, verdadeiro direito garantido pela Constituição Federal, nos incisos XXXV e LXXVIII do art. 5°.

A origem comum mencionada pelo artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor há de ser considerada tanto na existência de uma relação jurídica preexistente quanto na situação fática que venha a irradiar efeitos sobre um número expressivo de pessoas.

Conclui-se que o Direito Processual não deve estar em choque com a realidade dos indivíduos, devendo-se habilitar instrumentos para que direitos individuais repetidos em enormes proporções no meio social sejam tutelados de forma condigna à Justiça, ou seja, aplicar aos procedimentos celeridade e unidade de decisões, evitando-se, desta forma, a incredulidade no Poder Judiciário e transformando-o em verdadeiro órgão modificador da realidade social para distribuição de Justiça. Vale então dizer: a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos é elemento essencial à Cidadania.

6. Referências bibliográficas 

BRASIL. Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Atualizada até a Lei n° 12.195, de 14 de janeiro de 2010.

BRASIL. Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Atualizada até a Lei n° 12.195, de 14 de janeiro de 2010.

DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. Salvador: Juspodivm, 2009.



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