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Considerações sobre a responsabilidade civil extracontratual do Estado

Considerações sobre a responsabilidade civil extracontratual do Estado

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Análise de aspectos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e requisitos necessários para que o particular lesado tenha direito a receber indenização pelos danos sofridos em decorrência das ações ou omissões administrativas.

RESUMO:Este trabalho propõe-se a analisar os diversos aspectos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, realizando um estudo da evolução histórica das teorias sobre a responsabilização estatal, bem como dos requisitos necessários para que o particular lesado tenha direito a receber indenização pelos danos sofridos em decorrências das ações ou omissões administrativas.

PALAVRAS – CHAVE:Responsabilidade civil extracontratual – responsabilidade subjetiva – responsabilidade objetiva - pessoa jurídica de direito público – pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público – ação administrativa – omissão administrativa – dano – nexo causal – culpa – dolo.


INTRODUÇÃO

O estudo em epígrafe versa sobre matéria que afeta o Direito Administrativo, mais precisamente a uma análise dos aspectos referentes à responsabilidade civil extracontratual do Estado ou responsabilidade civil da Administração Pública, cujo fundamento constitucional encontra-se disposto no artigo 37, parágrafo 6° da Constituição Federal.

Nestes termos, ao analisarmos as diversas correntes doutrinárias e jurisprudenciais a respeito do tema em questão, exporemos a importância e necessidade da delimitação exata do alcance da responsabilidade civil do Estado, especialmente no que tange às indenizações pelos danos causados às vítimas.

Brevemente analisaremos a evolução histórica do instituto da responsabilidade civil do Estado, abrangendo o período da irresponsabilidade do Estado, posteriormente o período da responsabilidade subjetiva do Estado, sua evolução para o período da responsabilidade objetiva do Estado, ponderando, igualmente, a subdivisão da teoria objetiva na teoria do risco integral e teoria do risco administrativo.

Após a análise das diversas teorias a respeito da responsabilidade civil extracontratual do Estado faremos um estudo detalhado da teoria adotada no Brasil, com as consequências para a obtenção da indenização das vítimas.

Apresentaremos um breve esboço dos requisitos necessários para que um dano seja indenizável, expondo de forma sucinta todas suas conseqüências e variantes.

Com vistas a uma análise abrangente do tema responsabilidade civil extracontratual do Estado realizaremos um estudo sobre as posições doutrinárias e jurisprudenciais a respeito de temas específicos da responsabilidade do Estado, tais como qual a teoria adotada para nortear a forma de indenização dos danos causados por omissão do Estado, a possibilidade de denunciação à lide do agente causador do dano em casos de responsabilidade civil do Estado, a forma de responsabilização das concessionárias de serviço público, e por fim, detalharemos as situações especiais de custódia de pessoas e bens pelo Estado.


1. A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO

Antes de adentrarmos ao estudo da responsabilidade civil extracontratual do Estado, também denominada de responsabilidade civil da Administração Pública, analisaremos os vários aspectos que envolvem o instituto da responsabilidade civil.

Primordialmente cumpre assinalar, como nos ensina o mestre Hely Lopes Meirelles, que a responsabilidade civil é determinada pela obrigação de reparar danos patrimoniais e se finda com o pagamento da indenização (Direito Administrativo Brasileiro, 33ª ed. Malheiros, 2007, p.649).

É certo que, neste trabalho, analisaremos a responsabilidade civil sob várias formas, nestes termos, a estudaremos quanto ao seu fato gerador, quanto ao seu agente e quanto ao seu fundamento.

Destarte, quanto ao fato gerador a responsabilidade civil poderá ser dividida em responsabilidade contratual, que é aquela proveniente de conduta violadora de norma contratual e em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, que é a resultante da violação de um dever geral de abstenção, de respeito aos direitos alheios legalmente previstos.

Por sua vez, quanto ao agente, poderá ser fracionada em responsabilidade direta, que é aquela proveniente de ato do próprio responsável, bem como em responsabilidade indireta, que é aquela proveniente de ato de terceiro, vinculado ao agente ou de fato de animal ou coisa inanimada sob sua guarda.

Já se analisando a responsabilidade civil quanto ao seu fundamento poderá ser estudada na forma de responsabilidade subjetiva, presente sempre o pressuposto culpa ou dolo. Portanto, para sua caracterização devem coexistir os seguintes elementos: a conduta, o dano, a culpa e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano e sob a perspectiva da responsabilidade objetiva, na qual não há a necessidade da prova da culpa, bastando a existência do dano, da conduta e do nexo causal entre o prejuízo sofrido e a ação do agente. A responsabilidade está calcada no risco assumido pelo lesante, em razão de sua atividade.

A responsabilidade civil extracontratual do Estado ou responsabilidade civil da Administração Pública encontra seu fundamento jurídico no artigo 37, parágrafo 6° da Constituição Federal, que determina ser de rigor que as pessoas jurídicas de Direito Público ou pessoas jurídicas de Direito Privado prestadoras de serviço público respondam pelos danos causados por seus agentes. Nestes termos, temos in verbis:

Art. 37 ..........................................

......................................................

parágrafo 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Isto posto, percebemos claramente que a aplicação das regras normativas referentes à responsabilidade civil do Estado ou responsabilidade civil da Administração Pública encartadas no artigo 37, parágrafo 6° da Magna Carta dizem respeito apenas aos danos extracontratuais causados, sendo certo que os danos indenizáveis causados pelo Estado que estejam inseridos nas relações de contratos administrativos seguem regras especiais, que não serão objeto do presente estudo, haja vista que daremos enfoque especial às regras e teorias que versam sobre a indenização dos danos causados extracontratualmente pelo Estado.

Ressaltamos, ainda, que o texto constitucional utilizou a expressão “agente” no sentido genérico de servidor público, e fez com que fosse passível de responsabilização objetiva todos os danos que qualquer pessoa encarregada de algum serviço público, de caráter permanente ou transitório realize, bastando que o tenha praticado na qualidade de agente público, ou seja, se encontre a serviço do Poder Público.

A responsabilidade objetiva, por ser a adotada para a responsabilização do Estado por danos causados por seus agentes, será explicada de forma detalhada, sendo abaixo discriminado a evolução histórica pela qual passou o instituto da responsabilidade civil até chegarmos a atual teoria da responsabilidade objetiva do Estado.


2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO

Foram diversas as fases nas quais houve a aplicação das regras de indenização pelos atos e omissões dos entes estatais. Inicialmente havia a absoluta irresponsabilidade dos entes estatais, posteriormente, passou-se a admitir formas de indenização do Estado aos particulares, desde que se demonstrando que seus agentes agiram de forma dolosa ou culposa, adotava-se então, a teoria da responsabilidade civil subjetiva, por último a evolução do instituto da responsabilidade civil abarcou a teoria da responsabilidade objetiva, que exclui de sua análise os conceitos de dolo ou culpa para apurar-se a responsabilidade civil extracontratual das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.

Abaixo analisaremos a evolução histórica das teorias a respeito da responsabilidade civil, sopesando os elementos que nas diversas teorias caracterizam a obrigação de indenizar do ente estatal.

2.1. PERÍODO DA IRRESPONSABILIDADE DO ESTADO

Inicialmente, desde a constituição dos Estados absolutistas e despóticos até o ano de 1.873, nenhum prejuízo causado pelo Estado gerava qualquer espécie de indenização, isto em razão do fato dos governantes serem considerados como “representantes de Deus na terra”.

Esta fase de irresponsabilidade do Estado ficou conhecida com a frase “o rei não erra”, haja vista que tinham investidura divina e eram, portanto, tidos por infalíveis.

Ademais, nesse período de irresponsabilidade do Estado também imperava o entendimento de que o Estado é o guardião da legislação, e desta forma o chefe do executivo não atentaria contra essa mesma ordem jurídica, já que ele a representava, não devendo, portanto, ser responsabilizado por qualquer ato que cometesse. A irresponsabilidade do Estado era justificada da seguinte forma: o Estado, por ser pessoa jurídica, não tem vontade própria; o Estado age por intermédio de seus funcionários; por isso, quando há a ocorrência de algum ato ilícito a responsabilidade recai no funcionário, já que este é o executor do ato; quando os funcionários agem fora dos parâmetros legais presume-se que não agiram como funcionários, daí a irresponsabilidade do Estado.

A superação desse período somente ocorreu a partir do ano de 1.873, ocasião na qual o Tribunal de Confeitos da França proferiu uma decisão conhecida como “Aresto Blanco”, em que o prejuízo sofrido por uma criança causado por um vagão de trem fez com que o Tribunal analisasse a indenização devida pelo Estado aos responsáveis pela criança a partir do pressuposto da culpa do serviço público.

Conforme nos ensina o mestre Hely Lopes Meirelles a teoria da irresponsabilidade do Estado está completamente em desuso, sendo certo que as últimas nações que a utilizavam, quais sejam, Inglaterra e Estados Unidos da América do Norte, a abandonaram respectivamente pelo Crown Proceeding Act, de 1.947 e pelo Federal Tort Claims Act, de 1946 (Direito Administrativo Brasileiro, 33ª ed. Malheiros, 2007, p. 650).

2.2. PERÍODO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO

A partir do ano de 1.873, conforme acima exposto, com marco inicial da decisão conhecida como “aresto Blanco” até o ano de 1.946, com o advindo de uma nova Constituição que adotou a teoria objetiva, no Brasil vigorou a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado.

O ato lícito é causa geradora de obrigação, como o contrato e a declaração unilateral de vontade. O ato ilícito, a princípio, pressupõe culpa lato sensu do agente, ou seja, a intenção do agente de prejudicar outrem, a violação de um direito, o prejuízo causado por negligência, imprudência ou imperícia.

O Código Civil de 1916, em seu art. 159, asseverava que:

Art. 159. Todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código (arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553).

No novo Código Civil tal regra foi dividida em mais de um artigo, constante na Parte Geral, Livro III, Título III ["Dos Atos Ilícitos"], e na Parte Especial, Livro I, Título IX ["Da Responsabilidade Civil"].

Na nova redação da legislação civilista, foram modificadas e inseridas algumas palavras, a fim de deixar mais clara a intenção do legislador, além de inserir o posicionamento jurisprudencial já pacífico de que haverá responsabilidade por dano moral independente da existência cumulativa de dano material [art. 186 in fine], bem como o abuso do direito como ato ilícito [art. 187] e o conceito de responsabilidade objetiva [parágrafo único do art. 927]:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

A imputabilidade da conduta do agente, em face do citado art. 159 do antigo Código Civil e art. 186 c.c. 927, caput, do novo Código, sobressalta como elemento subjetivo do ato ilícito. Da mesma forma, se o ato do agente não for voluntário, seja por ação, seja por omissão, ou, ainda, se o evento danoso é proveniente de caso fortuito, força maior ou de outra causa de exclusão de responsabilidade, excluída está a responsabilidade.

Como podemos observar, no direito brasileiro a responsabilidade civil comum não se desvencilhou do princípio fundamental da culpa, pois o art. 159 do antigo Código Civil, bem como art. 186 c.c. 927, caput, do novo Código, disciplinam que a vítima que sofreu um dano tem direito a sua reparação, e, portanto, o ofensor tem o dever de repará-lo. O dever de reparação só prosperará se a culpa for extraída da conduta danosa.

Pela teoria da responsabilidade civil extracontratual subjetiva do Estado aceitava-se, portanto, o pagamento de indenização fundado na noção de “culpa”, apresentando-se, assim, a teoria da responsabilidade com culpa.

Neste diapasão, a vítima para conseguir indenização estatal deveria alegar e provar quatro requisitos, quais sejam, ato estatal, dano, nexo causal entre o ato e o dano e culpa ou dolo do agente estatal.

É certo que nesse período (1.873 até 1.946) houve início da aplicação de teorias civilistas para a determinação do dano estatal indenizável, sendo certo que se evoluiu para a noção de culpa administrativa, nos casos de inexistência, mau funcionamento ou retardamento do serviço público.

A teoria subjetiva analisa a falta do serviço público (que poderá ser determinado pela inexistência do serviço, mau funcionamento do serviço ou retardamento do serviço) para determinar-se a culpa da Administração, que fará com que surge o dever estatal de indenizar.

Na atualidade, a noção de responsabilidade civil subjetiva ainda continua com plena aplicação no Direito Civil, contudo, sua aplicação no Direito Administrativo, especialmente no que tange a responsabilidade civil extracontratual das pessoas jurídicas de direito público e pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos encontra-se defasada pela aplicação da teoria da responsabilidade objetiva que a seguir será detalhada.

Contudo, é de se observar e em tópico próprio abaixo analisaremos, que forte corrente doutrinária entende ser correta a aplicação da teoria subjetiva em casos de danos provocados por omissão administrativa.

2.3. PERÍODO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO

A teoria da responsabilidade objetiva do Estado foi inserida no bojo das normas constitucionais da Magna Carta de 1.946, sendo certo que seus preceitos jurídicos vigoram até os dias atuais.

Pela teoria da responsabilidade objetiva do Estado não é necessário para a existência de dever de indenização estatal que as vítimas comprovem culpa ou dolo do agente estatal. Neste sentido, a aplicação da teoria objetiva visa dar maior proteção às vítimas de danos oriundos de atos administrativos, diminuindo o ônus probatório para o ressarcimento de eventuais danos sofridos.

Neste diapasão é facilmente perceptível que a evolução da aplicação da teoria subjetiva para a teoria objetiva promoveu uma sensível facilitação da ação da vítima nos casos concretos da reparação do dano, gerando aos infratores a obrigação de indenizar por acidentes provenientes de suas atividades, em detrimento da teoria subjetiva, para a qual o agente precisa salientar a culpa dentro da ideia de desvio de conduta.

Destarte, é certo que a prova da conduta dolosa ou culposa, obrigatória em casos de aplicação da teoria da responsabilidade civil subjetiva, é de extrema dificuldade em sua constatação, criando grandes óbices à vítima, que quase sempre acabava arcando com os respectivos ônus. Com a técnica da presunção de culpa, impõe-se a inversão do ônus da prova, em razão da condição menos favorável da vítima.

Assim é certo que da análise da falta do serviço (teoria subjetiva) passamos a perquirir o fato do serviço (teoria objetiva).

Desta forma, a obrigação de indenizar nasce somente com o ato lesivo e injusto que causou prejuízo às vítimas, não necessitando que os particulares demonstrem qualquer falta de serviço e nem mesmo conduta culposa ou dolosa dos agentes da Administração Pública, basta, portanto, o fato do serviço, que causou algum prejuízo.

Nos dizeres do mestre Carlos Roberto Gonçalves temos que:

A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de eqüidade, existente desde o Direito Romano: aquele que lucra com a situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentm, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda). Quem aufere os cômodos (ou lucros), deve suportar os incômodos (ou riscos) (Responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 6)

São requisitos necessários para comprovação da responsabilidade indenizatória do Estado apenas a demonstração do ato administrativo, o dano e o nexo de causalidade entre o ato e o dano. Não é necessário, portanto, que a vítima comprove a atuação culposa ou dolosa do agente estatal.

Destarte, a teoria da responsabilidade objetiva do Estado não se baseia na noção de culpa, mas sim na idéia de risco dos atos administrativos.

Ademais, salientamos que danos causados por obras públicas também geram para o Estado a obrigação de indenizar pelos mesmos fundamentos dos danos causados pelos serviços públicos, haja vista que, conforme nos ensina Hely Lopes Meirelles, “embora a obra seja um fato administrativo, deriva sempre de um ato administrativo de quem ordena sua execução” (Direito Administrativo Brasileiro, 33ª ed. Malheiros, 2007, p. 658).

É certo ainda que, existem duas variantes da teoria da responsabilidade objetiva do Estado, que dizem respeito à possibilidade de exclusão da responsabilidade estatal, assim, há a teoria do risco integral, que não reconhece qualquer excludente ao dever de indenizar, bem como existe a teoria do risco administrativo, que reconhece duas excludentes ao dever de indenizar, quais sejam, a culpa exclusiva da vítima e o caso fortuito e a força maior.

Salientamos ainda que, no caso da teoria do risco administrativo somente a culpa exclusiva da vítima exclui o dever estatal de indenizar, desta forma, em casos de culpa concorrente da vítima haverá compensação das culpas, assim, caso o Estado possua a maior parcela de culpa ele indenizará, descontando-se a culpa do particular.

A teoria do risco administrativo exclui a responsabilidade civil de indenizar em casos de culpa exclusiva da vítima por entender que em tais casos há o rompimento do nexo causal, faltando, desta forma, um dos requisitos para se perquirir a responsabilidade objetiva do ente estatal, já nos casos de caso fortuito ou força maior há a exclusão da responsabilidade do Estado por existir rompimento do ato administrativo, portanto, igualmente, neste caso, faltará um dos elementos para demonstrar-se a responsabilidade objetiva no caso concreto.


3. TEORIA SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO ADOTADA NO BRASIL

É entendimento pacificado entre doutrina e jurisprudência que o ordenamento jurídico pátrio permite que o Estado possa causar prejuízos aos seus administrados, através de comportamentos lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, resultando-lhe a obrigação de reparar tais danos.

A responsabilidade do Estado obedece a um regime próprio, compatível com sua situação jurídica, pois potencialmente tem o condão de proporcionar prejuízos macroscópicos. Ademais, os administrados não têm poderes para diminuir a atuação do Estado, no âmbito de seus direitos individuais.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a responsabilidade do Estado está implícita na noção do Estado de Direito, não havendo necessidade de regra expressa para firmar-se isto, posto que no Estado de Direito todas as pessoas, de direito público ou privado, encontram-se sujeitas à obediência das regras de seu ordenamento jurídico. Desta forma, presente também está o dever de responderem pelos comportamentos violadores do direito alheio.

Hely Lopes Meireles utiliza o termo "responsabilidade da administração", pois entende que o dever de indenizar se impõe à Fazenda Pública (Direito Administrativo Brasileiro, 33ª ed. Malheiros, 2007, p. 649).

Assim, é certo que nossa Constituição Federal adotou em seu artigo 37, parágrafo 6° a teoria da responsabilidade objetiva do Estado em casos de danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem aos particulares.

Nestes termos, haverá o dever estatal de indenizar quando haja um ato administrativo, que cause um dano a um particular, existindo nexo de causalidade entre o dano e o ato administrativo.

Desta forma, garantir-se-á uma rápida resposta processual aos particulares que tiveram prejuízo por atos administrativos, sem que a eles seja imputado o difícil, senão impossível ônus de demonstrar a culpa ou dolo do agente estatal que causou o dano, bem como se garante o direito dos entes estatais e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público serem ressarcidas em diversas demandas em face dos seus agentes, que dolosa ou culposamente causarem danos aos particulares.

Como acima nos referimos, a teoria da responsabilidade objetiva divide-se em duas variantes, a teoria do risco integral, que não admite qualquer exclusão da responsabilidade estatal e a teoria do risco administrativo, que reconhece duas excludentes do dever de indenizar, quais sejam, a culpa exclusiva da vítima e o caso fortuito ou força maior.

No Brasil adotou-se a variante da teoria objetiva consistente na teoria do risco administrativo, desta forma, será excluído o dever do Estado de indenizar os particulares em casos de demonstração cabal da existência de culpa exclusiva das vítimas ou ocorrência de caso fortuito ou força maior.

Não obstante, é de rigor salientarmos que em dois únicos casos nosso país adotou a teoria do risco integral, não se admitindo que os entes estatais aleguem em seu favor, para não constituírem o dever de indenizar, qualquer espécie de excludente, ou seja, em dois casos nossa legislação não admite que o Estado deduza a pretensão de existência no caso concreto de culpa exclusiva da vítima e nem mesmo de caso fortuito ou força maior.

Destarte, em casos de ocorrência de dano ambiental e dano nuclear é adotada a teoria da responsabilidade objetiva, na modalidade risco integral, não se admitindo qualquer espécie de exclusão do dever de indenizar.

Devemos ainda salientar que a teoria da responsabilidade objetiva somente é adotada nos termos do texto constitucional acima citado, em casos de atos administrativos, responsabilizando-se objetivamente a Administração Pública, portanto, em relação a atos legislativos e judiciais a regra, em caso de algum particular invocar prejuízo, será a utilização da responsabilidade subjetiva, sendo necessária a demonstração de conduta culposa ou dolosa.


4. REQUISITOS DO DANO INDENIZÁVEL

Primeiramente devemos salientar que a responsabilidade civil extracontratual do Estado poderá ser proveniente de duas situações distintas, quais sejam: de conduta positiva do Estado, isto é, comissiva, no sentido de que o agente público é o causador imediato do dano ou de conduta omissiva, em que o Estado não atua diretamente na produção do evento danoso, mas tinha o dever de evitá-lo, como é o caso da falta do serviço nas modalidades em que o serviço não funcionou ou funcionou tardiamente, ou ainda, pela atividade que se cria a situação propiciatória do dano porque expôs alguém a risco.

Assim é certo que o doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello classifica as várias hipóteses de comportamento estatal comissivo, que lesa juridicamente terceiros, são eles: a) comportamentos lícitos: a.1) atos jurídicos; a.2) atos materiais; b) comportamentos ilícitos: b.1) atos jurídicos, ex. a decisão de apreender, fora do procedimento ou hipóteses legais, a edição de jornal ou revista; b.2) atos materiais, ex. o espancamento de um prisioneiro, causando-lhe lesões definitivas

Segundo o ilustre mestre Celso Antônio Bandeira de Mello, o dano para ser indenizável segue os requisitos abaixo discriminados.

Caso o ato administrativo lesivo seja ilícito, basta que o dano seja certo e cause lesão a direito da vítima, para que exista o dever estatal de indenizar.

Contudo, em casos nos quais os atos administrativos sejam lícitos, além da existência de dano certo e lesão a direito da vítima, é preciso que os atos administrativos sejam acrescidos dos elementos consistentes em especialidade e anormalidade, posto que a princípio os atos lícitos não geram o dever de indenizar.

Salientamos, ainda que, em casos de ato administrativos lícitos, mesmo que estejam presentes os requisitos da especialidade e anormalidade, e exista portanto, o dever de indenizar possíveis danos causados às vítimas, não haverá o direito de regresso em face ao agente estatal, que licitamente, por sua ação, causou dano aos particulares.

Por outro lado, sempre que esteja presente no caso concreto um ato administrativo ilícito, caberá ao Estado a ação regressiva em face do agente causador do dano, para ressarcir-se do valor da indenização paga aos particulares.

Essa diferenciação entre a possibilidade do Estado ingressar com ação regressiva em face do agente causador do dano, nos casos de atos ilícitos e a impossibilidade de ação regressiva em casos de atos lícitos ocorre em razão da fundamentação diferenciada do dever de indenizar.

Desta forma, o fundamento para o dever de indenizar em casos de danos causados por atos administrativos lícitos encontra-se na ideia de igual repartição dos custos sociais, seria uma variável da aplicação do princípio da isonomia.

Por outro lado, o fundamento para o dever de indenizar em casos de atos administrativos ilícitos encontra-se base no princípio da legalidade, ou seja, atos contrários à licitude devem ser indenizados.

Ressaltamos, ainda que, a indenização devida às vítimas deve englobar tanto o dano emergente, que corresponde ao que a vítima efetivamente perdeu, bem como os lucros cessantes, referente ao que a vítima deixou de ganhar em consequência direta e imediata do ato lesivo praticado pelo agente estatal, bem como deverá englobar os honorários advocatícios, correção monetária e juros de mora. Também é possível que a vítima pleiteie indenização por danos morais, caso o ato lesivo tenha causado abalo em sua honra subjetiva.


5. TEMAS ESPECIAIS DE RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO

Conforme nos propusemos até o presente momento analisamos os elementos que caracterizam a responsabilidade civil extracontratual do Estado, neste momento passaremos ao estudo de temas especiais que norteiam diversos aspectos da responsabilidade civil do Estado.

5.1. DANOS CAUSADOS POR OMISSÃO ADMINISTRATIVA

É certo que as pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos podem causar danos tanto por seus atos quanto por suas omissões. Neste ponto, doutrina e jurisprudência não divergem, contudo, quanto à teoria a ser aplicada em relação aos requisitos necessários para que o particular seja ressarcido dos danos sofridos há profunda divergência doutrinária e jurisprudencial, assim a divergência consiste na aplicação da teoria subjetiva ou teoria objetiva para caracterização da responsabilidade civil extracontratual do Estado em casos de omissão administrativa.

A omissão administrativa ocorre nos casos em que o Estado não age em face de um dever legal de impedir o acontecimento do dano, assim sendo, o Estado não cumpre a expectativa de agir diante de certo evento, em que o ideal e normal seria a ação estatal para se evitar um dano.

Isto posto, concluímos que a responsabilidade do Estado por omissão administrativa é decorrente de ato ilícito, porque havia um dever de agir imposto pela norma ao Estado que, em decorrência da omissão, foi violado.

Para a maioria dos doutrinadores, em especial citaremos o mestre Celso Antônio Bandeira de Mello, caso o dano seja causado por omissão administrativa, como por exemplo em casos de enchente, roubos, furtos, queda de árvores no passeio público, buracos nas vias públicas, a teoria a ser aplicada para se apurar o dever de indenizar é a teoria subjetiva.

Portanto, em casos de omissão estatal deverá a vítima para conseguir indenização estatal alegar e provar quatro requisitos, quais sejam, ato estatal, dano, nexo causal entre o ato e o dano e culpa ou dolo do agente estatal.

O doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello fundamenta a aplicação da teoria subjetiva para a responsabilização do Estado por omissão administrativa a partir da palavra "causarem" do artigo 37 parágrafo 6º da Constituição Federal apenas abarca os atos comissivos e não abrande, portanto, os omissivos, afirmando que estes últimos somente "condicionam" o evento danoso.

Nestes termos, temos a lição do citado doutrinador:

“De fato, na hipótese cogitada, o Estado não é o autor do dano. Em rigor, não se pode dizer que o causou. Sua omissão ou deficiência haveria sido condição do dano, e não causa. Causa é o fato que positivamente gera um resultado. Condição é o evento que não ocorreu, mas que, se houvera ocorrido, teria impedido o resultado. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p 673)

A doutrinadora Odília Ferreira da Luz igualmente comunga do mesmo entendimento do mestre Celso Antônio Bandeira de Mello e afirma:

“Isso não significa, necessariamente, adoção da tese objetiva com exclusividade, pois ainda existe a responsabilidade decorrente da falta do serviço, que é a regra; na verdade, coexistem a responsabilidade objetiva e a subjetiva, esta fundada na faute de service e não mais na culpa do agente público (a não ser nos casos em que o Estado se iguale juridicamente ao administrado.” (Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 298).

Outro fundamento para seja aplicada a teoria subjetiva em caso de responsabilidade civil extracontratual por omissão administrativa encontram-se na tentativa de evitar-se que os entes estatais transformem-se em indenizadores universais, por este motivo, além da omissão, dano e nexo casual, as vítimas deverão comprovar a existência de dolo ou culpa do agente estatal para serem ressarcidas dos prejuízos que, porventura sofrerem em decorrência da omissão estatal.

Contudo, há doutrinadores que entendem que a responsabilidade civil extracontratual do Estado por omissão administrativa também segue as regras da teoria da responsabilidade objetiva, tais como os doutrinadores Toshio Mukai e José de Aguiar Dias, que em suas obras doutrinárias defendem que o Estado ao se manter inerte, ou seja, se omitir ante a algum ato, dá causa a um evento danoso e, portanto, deve ser compelido a indenizar o particular lesado.

Neste sentido é a lição do mestre Toshio Mukai, abaixo transcrita:

“As obrigações, em direito, comportam causas, podendo estas ser a lei, o contrato ou o ato ilícito. Ora, causas, nas obrigações jurídicas (e a responsabilidade civil é uma obrigação), é todo o fenômeno de transcendência jurídica capaz de produzir um poder jurídico pelo qual alguém tem o direito de exigir de outrem uma prestação (de dar, de fazer, ou de não fazer)” (MUKAI, Toshio apud LAZZARINI, Álvaro. Responsabilidade civil do Estado por atos omissivos dos seus agentes. Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo. São Paulo, n. 117, p. 16)

O mestre Hely Lopes Meirelles, igualmente defende que o Estado responderá de forma objetiva tanto em casos de ação administrativa, quanto em casos de omissão administrativa, posto que o agir e a inércia de igual forma poderão produzir resultados danosos, sendo de rigor que se imponha o dever estatal de indenizar, sem imputar à vítima a difícil tarefa de demonstrar o dolo ou a culpa do agente causador do dano. (Direito Administrativo Brasileiro, 33ª ed. Malheiros, 2007, p.656 e 657).

Sopesando os diversos entendimentos dos mais renomados doutrinadores da matéria, humildemente externamos nossa opinião em tão espinhosa divergência e entendemos que a omissão administrativa deve ser considerada como causa do dano, e não mera condição do evento danoso, como sustenta a corrente doutrinária que defende a teoria da responsabilidade subjetiva para tais casos.

Destarte, entendemos que o artigo 37, parágrafo 6° da Constituição Federal abarca, além da responsabilidade por atos comissivos, aquela decorrente da conduta omissiva, respondendo, portanto, o Estado de forma objetiva tanto em casos de ações quanto em casos de omissões administrativas.

5.2. DENUNCIAÇÃO DA LIDE

Nos termos do artigo 37, parágrafo 6° da Constituição Federal as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Isto posto, é de se notar que com o dever de indenizar, igualmente abre-se a possibilidade do ente estatal buscar ressarcimento junto àquele que dolosa ou culposamente foi o responsável causador do dano aos particulares.

Nesse caso, ou seja, ocorrendo a denunciação à lide, o Estado chama ao processo o agente causador do dano e demonstrando que este agiu de forma dolosa ou culposa, o Estado em uma mesma demanda indeniza o particular e se culmina também por ressarcir-se do prejuízo, posto que o agente causador do dano será considerado culpado e regressivamente reparará o prejuízo que os cofres públicos sofreram.

 Para considerável corrente doutrinária e a maioria da jurisprudência pátria é perfeitamente possível e até mesmo aconselhável que o Estado promova a denunciação da lide, chamando o agente causador do dano para o feito e resolvendo toda a questão indenizatória em uma única demanda. Haveria, neste caso, economia processual.

Contudo, outra corrente doutrinária, na qual nos filiamos, entende não ser possível e nem aconselhável que o Estado promova a denunciação da lide, isto em razão do fato de nesse caso haver prejuízo processual aos particulares, vítimas do ato ou ação estatal, posto que será considerável o atraso que o feito sofrerá.

O atraso processual da demanda principal de indenização que o particular promove em face do Estado será gravíssimo e evidente, posto que na demanda em que o particular move contra o Estado não será necessário a demonstração de conduta dolosa ou culposa, bastando para a procedência da demanda que fique demonstrado o ato administrativo, o dano e o nexo causal entre ambos.

Por outro lado, para o Estado ser ressarcido pelo agente responsável causador do dano ao particular deverá demonstrar que ele agiu de forma dolosa ou culposa, portanto, a dilação probatória nesse caso será maior e retardará injustificadamente a demanda principal que o particular move em face do ente estatal.

Ademais, será no mínimo incongruente que em uma única ação o Estado se defenda na ação principal que lhe move o particular, alegando a inexistência de um dos elementos do dever de indenizar, quais sejam, ato administrativo, dano ou nexo causal, bem como deduzindo qualquer das espécies de exclusão do dever de indenizar, quais seja, culpa exclusiva da vítima e caso fortuito ou força maior e na demanda secundária, consistente na denunciação da lide, sustente o dever de ressarcimento do agente causador do dano, em razão do fato do mesmo ter causado o dano à vítima de forma culposa ou dolosa.

Neste sentido, entendemos de maior eficácia que o Estado espere o desfecho da demanda na qual o particular invoque o dever estatal de indenizar um dano sofrido e a partir da sentença de procedência em que fique cabalmente demonstrado o dever de indenizar o Estado então promova uma segunda demanda, em ação regressiva pelo prejuízo que o agente estatal responsável, por dolo ou culpa causou ao particular.

Nesse caso não haverá qualquer prejuízo ao particular, que não terá um atraso injustificável em sua demanda de indenização em face ao ente estatal, bem como não haverá qualquer prejuízo ao Estado, que mesmo sendo condenado a indenizar o particular, será posteriormente ressarcido pelo agente causador do dano, que agiu de forma dolosa ou culposa.

5.3. A RESPONSABILIDADE DAS CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS

Reza o artigo 37, parágrafo 6° da Constituição Federal que serão responsáveis pelo dever de indenizar não somente as pessoas jurídicas de direito público, mas também as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Ao analisar o dispositivo acima o Supremo Tribunal Federal restringiu a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva no que tange às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.

Desta forma, consoante o entendimento o Supremo Tribunal Federal, exarado no julgamento do RE 262.651-1 SP, a responsabilidade das concessionárias de serviço público perante os usuários é objetiva, sendo certo que nesse caso o Estado responde de forma subsidiária.

Contudo, perante terceiros não usuários, aplica-se em relação à responsabilização das concessionárias os requisitos da teoria subjetiva, devendo o terceiro não usuário do serviço público demonstrar que a concessionária agiu de forma dolosa ou culposa, sendo certo que nesse caso o Estado não responde de forma alguma, nem mesmo de forma subsidiária.

Neste diapasão é certo que a regra de responsabilidade objetiva pelos danos causados pelos agentes das pessoas jurídicas de direito privado encartada no artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal refere-se apenas aos danos causados aos usuários dos serviços prestados pelas pessoas jurídicas e não àqueles causados a terceiros, que não guardam relação de beneficiários da utilização do serviço.

Destarte, temos que o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal restringe a responsabilização de forma objetiva das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos aos danos causados aos usuários dos serviços prestados, limitando-se o alcance da expressão “danos causados a terceiros” constante no artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal.

Desta forma, os terceiros, que não são usuários dos serviços públicos prestados pelas pessoas jurídicas de direito privado não são albergados com a responsabilização objetiva das prestadoras de serviços, devendo, portanto, valerem-se das regras de responsabilização subjetiva caso sintam-se de alguma forma lesados pelas ações ou omissões das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços público.

A interpretação do artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal, que restringe a extensão da responsabilidade objetiva apenas aos usuários dos serviços públicos prestados pelas pessoas jurídicas de direito privado, e a contrario sensu, impõe a responsabilidade de forma subjetiva aos terceiros não usuários dos serviços públicos que sofreram algum dano causado pelas prestadoras de serviços públicos foi consolidada com o julgamento do Recurso Extraordinário 262.651-1 SP, Rel. Min. Carlos Velloso.

Isto posto, com a decisão exarada no Recurso Extraordinário 262.651-1 SP resta claro que somente os usuários dos serviços públicos podem responsabilizar as pessoas jurídicas de direito privado de forma objetiva, posto que possuem direito subjetivo ao recebimento do serviço público de forma eficiente e sem que lhes causem qualquer dano, sendo essa a interpretação teleológica do artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal.

5.4 SITUAÇÕES ESPECIAIS DE CUSTÓDIA

Os casos de custódia estatal referem-se às situações nas quais o Estado assume a guarda de pessoas e/ou bens, estabelecendo uma relação jurídica de sujeição especial.

Nesses casos especiais de custódia, o Estado responde de forma objetiva, quer se trate de ato administrativo, quer se trate de omissão administrativa.

Como exemplo, podemos citar o caso de presos mortos nas penitenciárias por outros detentos, crianças feridas em escolas públicas, bens deteriorados em galpões da Receita Federal. Mesmo que os danos ou prejuízos tenham sido causados por omissões do poder público haverá obrigação de indenizar.

Salientamos que, mesmo nestes casos, é aplicável a teoria do risco administrativo, sendo de rigor, portanto, a exclusão do dever de indenizar em casos de culpa exclusiva da vítima (como por exemplo, casos de suicídio de presos nas penitenciárias, que não gerará dever estatal de indenizar), bem como nos casos de caso fortuito ou força maior (como casos de morte natural de presos nas penitenciárias, que igualmente não gera qualquer espécie de dever de indenizar).


CONCLUSÃO

Conforme acima, verificamos que são muitas as variáveis que encontramos ao estudar a responsabilidade civil extracontratual do Estado, ou responsabilidade civil da Administração Pública, especialmente em razão do fato da responsabilidade civil tratar de um assunto delicado, referente ao dever estatal de indenizar os prejudicados pelos atos e omissões praticados pelos agentes públicos.

Primeiramente, devemos notar a extrema evolução histórica do instituto, que partiu de um estágio de total irresponsabilidade do Estado pelos danos causados por seus agentes e hoje admite o dever de indenizar mesmo sem a exigência de demonstração de conduta culposa ou dolosa por parte do agente público, consagrando-se, assim, a teoria da responsabilidade civil objetiva da Administração Pública, encartada no artigo 37, parágrafo 6ª da Constituição Federal.

Não obstante, explicitamos que a teoria da responsabilidade objetiva do Estado é adotada em nosso país na modalidade da teoria do risco administrativo, admitindo-se a excludente do dever de indenizar em casos de culpa exclusiva da vítima e caso fortuito ou força maior, com exceção de dois casos referentes a danos ambientais e danos nucleares, nos quais há a adoção da teoria do risco integral, não se admitindo qualquer excludente do dever estatal de indenizar.

Realmente, entendemos que nosso legislador constituinte agiu acertadamente ao adotar a teoria da responsabilidade civil objetiva do Estado, encampando a variável do risco administrativo, com as exceções acima expostas, posto que a inexigibilidade da vítima em demonstrar a conduta dolosa ou culposa do particular no caso concreto em muito facilita seu ressarcimento dos danos que o Estado lhe possa causar, haja vista que em qualquer país e em qualquer época da história, os particulares sempre possuem extrema dificuldade em comprovar a conduta dolosa ou culposa dos agentes públicos.

Exatamente por este motivo entendemos que em casos de omissão administrativa o Estado também deve responder de forma objetiva, posto que tanto agindo quanto mantendo-se inerte o agente público poderá causar um grave dano ao particular e não haveria igualdade em tratar-se essas situações semelhantes de forma diferente, atribuindo-se em casos de ação a responsabilidade objetiva do Estado e em casos de omissão a responsabilidade subjetiva. Por este motivo, prima-se por maior senso de justiça, no sentido de que o Estado responda de forma objetiva tanto em casos de ação quanto em casos de omissões administrativas.

Contudo, ressaltamos que mesmo existindo a divergência doutrinária quanto à forma de responsabilização do Estado em casos de omissão administrativa, nos casos de custódia especial do Estado, sobre pessoas ou bens, não há qualquer dúvida doutrinária, o Estado responderá pelos danos causados em casos de situações especiais de custódia tanto em casos de ações quanto omissões administrativas.

É certo, igualmente, que o erário público não arcará de forma integral com as despesas decorrentes do dever indenizar o particular pelos danos sofridos, haja vista que é mandamento constitucional a possibilidade de ação de regresso contra o agente estatal que causou o dano.

Neste ponto, entendemos que a melhor solução para o Estado ressarcir-se em face ao agente público é por meio de uma ação autônoma, posteriormente ao trânsito em julgado de procedência da ação em que o particular buscou a indenização para seu dano, posto que ingressar com denunciação à lide nessa demanda principal que move o particular fará com que haja um atraso injustificado, haja vista que para a vítima adquirir o direito de ser indenizada bastará que comprove o evento danoso, o prejuízo sofrido e o nexo causal entre ambos; já o Estado para se ressarcir deverá comprovar a conduta dolosa ou culposa do agente público causador do dano.

Ademais, devemos salientar que não apenas as pessoas jurídicas de direito público são obrigadas a indenizar os danos que seus agentes causam aos particulares, mas também as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, contudo, pela interpretação elaborada pelo Supremo Tribunal Federal é certo que a regra de responsabilidade objetiva pelos danos causados pelos agentes das pessoas jurídicas de direito privado encartada no artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal refere-se apenas aos danos causados aos usuários dos serviços prestados pelas pessoas jurídicas e não àqueles causados a terceiros, que não guardam relação de beneficiários da utilização do serviço, que nesse caso deverão utilizar as regras da responsabilidade subjetiva, demonstrando a conduta culposa ou dolosa dos agentes das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.

Isto posto, sucintamente expusemos alguns dos principais temas a respeito da responsabilidade civil extracontratual do Estado, tema extremamente fascinante e rico em detalhes e divergências doutrinárias, que está em plena evolução doutrinária e jurisprudencial, nunca se esquecendo que o dever do operador do direito é sempre buscar a solução mais justa para os casos de dever estatal de indenização dos danos que seus agentes causam aos particulares, para desta forma, promover-se a justiça e paz social.


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Nota

[1] Artigo originalmente publicado como capítulo do livro: Discussões no Direito contemporâneo.1 ed.Porto Alegre – RS : Armazém Digital Comunicação Ltda., 2012, v.1, p. 121-140..


Autores

  • Camila Maria Rosa

    Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENP (2017). Pós-graduada em Direito Público pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal - Uniderp (2007). Graduação em Direito pelo Centro Universitário de Araraquara - Uniara (2005). É professora de Direito Penal, Direito Processual Penal, Prática Processual Penal e do Trabalho e Direito Tributário na Faculdade de Araraquara - SP. Foi professora de Direito Penal e Direito Processual Penal no Instituto Matonense de Educação e Ensino Superior - IMEES, em Matão - SP. Foi Assessora Jurídica do Município de Boa Esperança do Sul - SP. É advogada atuante na cidade de Araraquara - SP. É Secretária de Administração e Finanças, no Município de Santa Lúcia - SP. Email: [email protected].

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  • Fernando Rafael Casar

    Fernando Rafael Casar

    Mestrando em Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente pelo Centro Universitário de Araraquara – Uniara. Especialista em Direito Privado pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal – Uniderp (2007). Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Araraquara – Uniara (2005). Professor na União das Instituições Educacionais do Estado de São Paulo Uniesp – Faculdade de Araraquara.

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