Representatividade na Câmara dos Deputados: O modelo utilizado nos E.U.A. aplicado ao Brasil
Representatividade na Câmara dos Deputados: O modelo utilizado nos E.U.A. aplicado ao Brasil
Rodrigo Pereira Damásio da Silva
Publicado em . Elaborado em .
Apresenta um levantamento de como é a distribuição de assentos de parlamentares entre os Estados, nos EUA e na Câmara dos Deputados do Brasil, elencando diferenças relevantes e trazendo uma estimativa do cenário de adoção do modelo americano no Brasil.
1. INTRODUÇÃO
O Brasil atualmente tem, conforme projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2016), cerca de 206 milhões de habitantes, distribuídos por 26 Estados mais o Distrito Federal – DF. Enquanto isso, o poder legislativo, em âmbito federal, é constituído no modelo bicameral, pela Câmara dos Deputados (representantes do povo) e pelo Senado Federal (representantes dos Estados e do DF).
Ocorre que, na Câmara dos Deputados, a forma atual de distribuição das cadeiras entre os Estados não é capaz de refletir com fidelidade o tamanho da população de cada Estado, gerando uma desproporcionalidade que faz com que o voto de cidadãos em Estados menos populosos de certa forma tenha valor maior que o voto dos Estados com número elevado de habitantes.
Já nos Estados Unidos da América – EUA, a forma de distribuição das cadeiras no Congresso é capaz de estabelecer uma situação em que o voto de cada cidadão tenha a mesma força. Ou seja, cada congressista americano representa aproximadamente o mesmo número de habitantes, independentemente do seu Estado de origem.\
Desta forma, este artigo busca apresentar uma breve explicação do modelo bicameral e as formas mais usuais de definição da composição das casas legislativas. Ainda, pretende demonstrar a desproporção na representatividade na Câmara dos Deputados brasileira e apresentar o desenho que a mesma Câmara teria no caso de adoção do sistema americano de distribuição das vagas na casa legislativa que representa o povo.
2. BICAMERALISMo
O poder legislativo em alguns Estados, tais como Brasil, EUA, Canadá. França e Japão, é construído sobre o chamado “modelo bicameral”, em que o poder é exercido por duas câmaras distintas, formando um sistema de freios e contrapesos entre as casas. Isso, em contraponto a legislativos unicamerais, mais comum em Estados de população homogênea (Portugal, Finlândia) e Ditaduras, onde o processo legislativo é mais simples, geralmente menos custoso ao Estado, no entanto, mais suscetível ao surgimento de decisões autoritárias.
Surgido na Inglaterra do século XIV, o modelo bicameral visa, entre outras consequências, evitar a concentração do exercício do poder legislativo nas mãos de uma única casa legislativa, incrementar as discussões acerca das matérias legislativas, garantir a representação de um espectro mais amplo de interesses e, assim, fornecer uma maior estabilidade política ao Estado.
Ainda, de certa forma, o modelo bicameral atual encontra inspiração em Montesquieu (2000), que na sua obra O espirito das leis apresenta uma reflexão sobre a forma como se dá o exercício do poder legislativo na sociedade inglesa, dividida entre “nobres” e o “povo”:
Sempre há, num Estado, pessoas distintas pelo nascimento, pelas riquezas ou pelas honras; mas se elas estivessem confundidas no meio do povo e só tivessem uma voz como a dos outros a liberdade comum seria sua escravidão, e elas não teriam nenhum interesse em defendê-la, porque a maioria das resoluções é contra elas. A parte que lhes cabe na legislação deve então ser proporcional às outras vantagens que possuem no Estado, o que acontecerá se formarem um corpo que tenha o direito de limitar as iniciativas do povo, assim como o povo tem o direito de limitar as deles.
Assim, o poder legislativo será confiado ao corpo dos nobres e ao corpo que for escolhido para representar o povo, que terão cada um suas assembléias e suas deliberações separadamente, e opiniões e interesses separados.
A situação apresentada acima, cabe ressaltar, apresenta o que é mais conhecido como bicameralismo do tipo aristocrático, no qual o legislativo se divide entre a representação da aristocracia (Câmara dos Lordes) e do povo (Câmara dos Comuns).
Já no Brasil e Estados Unidos, o bicameralismo é do tipo federativo, em que a divisão se faz entre os representantes da população (Câmara dos Deputados) e dos Estados (Senado federal). Isso, com o objetivo primordial de evitar que os Estados mais populosos da federação e, assim, com mais deputados federais, concentrem o poder legislativo da federação em detrimento dos Estados menores.
Até como proposta de reflexão para o seguimento deste artigo, Hans Kelsen (2000) na obra Teoria Geral do Direito e do Estado, traz uma breve análise sobre os sistemas unicameral e bicameral, de forma a apresentar como a democracia se manifesta em cada um desses sistemas, apontando o seguinte:
Democracia no estado de legislação significa – ignorando as democracias diretas – que, em princípio, todas as normas gerais são criadas por um parlamento eleito pelo povo. O sistema unicameral parece corresponder mais intimamente à ideia de democracia. O sistema bicameral, típico da monarquia constitucional e do estado federal, é sempre uma atenuação do princípio democrático. As duas câmaras devem ser formadas de acordo com princípios diferentes, para que uma não seja uma duplicata inútil da outra. Se uma é perfeitamente democrática, a outra deve ser um tanto deficiente em caráter democrático
Encerrando este tópico, pretende-se deixar grifada a importante afirmativa apresentada acima por Kelsen, de que em sistemas bicamerais a forma de formatação de ambas as casas legislativas deve ser distinta e, de certa forma isso é uma constatação lógica, pois de outra forma não seria possível buscar os objetivos do bicameralismo, em especial, a maior pluralidade durantes as discussões legislativas e a garantia de que as leis passem por processos mais complexos de revisão e amadurecimento antes da inserção no ordenamento jurídico.
3. AS CASAS LEGISLATIVAS EM SISTEMAS BICAMERAIS DE ESTADOS FEDERAIS
Antes de apresentar as características das casas legislativas em sistemas bicamerais de Federações, cabe trazer as definições do professor Sérgio Resende de Barros (2016) para os termos Estado Federal e Estado Unitário:
O estado federal (como os Estados Unidos, o Brasil, a Suíça, a Alemanha e outros) é um estado soberano constituído de estados federados (estados-membros) dotados, não de soberania, mas apenas de autonomia, os quais têm poder constituinte próprio, decorrente do poder constituinte originário que fez a federação. Desse modo, no estado federal, além da constituição federal, também existem as constituições estaduais. Já o estado unitário não se constitui de estados-membros: é um estado só, uno, ainda que se possa subdividir em regiões (como a Itália), ou em províncias (como o Brasil na época do Império), ou em departamentos (como a França). Pelo que, no estado unitário, apenas há uma constituição: a constituição nacional.
Particularmente em Estados Federais, o sistema bicameral não chega ao ponto de ser considerado como algo essencial, no entanto, é relativamente comum a utilização desse modo de divisão do poder legislativo, principalmente pelo fato do bicameralismo proporcionar que uma das casas tenha uma representação igualitária entre os Estados, ou seja, que cada membro da federação possua o mesmo número de representantes e, em consequência, o mesmo poder na hora de estabelecer o ordenamento jurídico, o orçamento, entre outras atribuições legislativas.
Destaca-se que a necessidade de uma casa que possua representação igualitária dos Estados membros (geralmente denominada Senado) decorre primordialmente da distribuição populacional não homogênea dentro da Federação, situação que se agrava quando esses Estados e respectivas populações apresentam grande heterogeneidade entre si. Por exemplo, é de amplo conhecimento que alguns Estados americanos possuem população mais tendente ao liberalismo enquanto outros possuem características essencialmente conservadoras.
Ainda sobre a relevância do bicameralismo, Américo Lacombe (2007) traz: “no federalismo, o único sistema justificável é o bicameralismo, pois só ele preenche a necessidade da representação dos Estados-membros de forma igualitária”.
Ilustrando, num sistema unicameral em uma Federação em que a população se concentra de maneira elevada em poucos Estados membros, a representação proporcional apenas ao número de habitantes de cada Estado acaba tornando a voz dos menores Estados praticamente nula no poder legislativo. Como exemplo, nos EUA, conforme o United States Census Bureau (2016), o Estado mais populoso é a Califórnia, com cerca de 39 milhões de habitantes, enquanto o menos populoso é o Wyoming, com 586 mil, ou seja, cerca de 65 vezes menor e, por consequência, menos representado na Câmara.
Com isso, demonstramos que se o sistema americano fosse unicameral, baseado unicamente na representatividade populacional, o poder do Estado membro mais populoso seria 65 vezes maior que o com menos habitantes. Sendo essa concentração de força legislativa uma situação certamente a não desejável dentro de uma federação, o sistema bicameral dividido entre uma Câmara representando o povo e outra representando os Estados membros, igualitariamente, se mostra uma solução que traz maiores garantias para a solidez do Estado do tipo federal.
Já compreendendo como se dá a distribuição das vagas na casa legislativa que representa os Estados membros da federação, faz-se necessário avaliar a composição da segunda casa legislativa, comumente descrita como a casa de representação do povo – House of Representatives (EUA) e Câmara dos Deputados (Brasil). Lógico imaginar que a distribuição das cadeiras na casa de representação da população seja dividida igualitariamente entre a população, fazendo com que Estado membro tivesse um número de cadeiras diretamente proporcional ao número de habitantes que possui, no entanto não é o que sempre ocorre na prática, como será observado a seguir.
4. DISTRIBUIÇÃO DOS ASSENTOS NA CASA DOS REPRESENTANTES DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
Nos Estados Unidos da América, a escolha dos membros da casa dos representantes se dá pelo modelo de voto distrital em que cada distrito elege um congressista. Em relação à forma de distribuição do número de representantes para cada Estado, a fórmula de cálculo segue uma proporção direta com a parcela de habitantes que cada membro possui dentro da federação, conforme disposto no trecho abaixo da Emenda XIV à Constituição estadunidense:
Representatives shall be apportioned among the several States according to their respective numbers, counting the whole number of persons in each State, excluding Indians not taxed.
Na prática, a distribuição das cadeiras na casa do povo americana sempre se deu de forma proporcional à população, inicialmente com ressalvas e deságio na inserção da população negra no cálculo do número de habitantes da cada Estado, o que foi superado com a Emenda XIV acima citada.
Assim, atualmente, a divisão das 435 cadeiras na casa dos representantes é realizada através de métodos que busquem uma distribuição que reflita da melhor forma a distribuição populacional nos EUA, destacando que cada Estado membro tem a garantia de no mínimo um representante. Detalhando melhor o procedimento utilizado, os dados populacionais são coletados através de censo populacional de caráter nacional, realizado a cada dez anos pelo United States Census Bureau.
Aliado aos dados coletados, a distribuição das cadeiras segue um método de cálculo utilizado desde 1940, denominado “método das iguais proporções”, um conjunto de fórmulas que buscam, traduzindo Laurence Schmeckebier (1951), possibilitar que:
[...] a diferença de representação entre dois Estados quaisquer seja a menor possível quando medida pela diferença relativa na população média por distrito e, também, pela diferença relativa na parcela individual de um representante.
Ressalta-se que, apesar de ter sido questionado por algumas ações judiciais na década de 1990, o método de cálculo atual continua a ser considerado constitucional, nos termos das decisões da Suprema Corte americana, nos casos United States Department of Commerce v. Montana 112 S.Ct. 1415 (1992) e Franklin v. Massachusetts 112 S.Ct. 2767 (1992).
Sendo assim, através dos dados do censo populacional realizado em 2010 e do método das iguais proporções, foi estabelecida a atual divisão dos 435 assentos da Casa dos Representantes, sendo configurado o quadro abaixo:
Estado |
Representantes |
Censo 2010 |
Hab/Cadeira |
Estimativa 2015 |
Hab/cadeira |
.Alabama |
7 |
4.779.736 |
682.819 |
4.858.979 |
694.140 |
.Alaska |
1 |
710.231 |
710.231 |
738.432 |
738.432 |
.Arizona |
9 |
6.392.017 |
710.224 |
6.828.065 |
758.674 |
.Arkansas |
4 |
2.915.918 |
728.980 |
2.978.204 |
744.551 |
.California |
53 |
37.253.956 |
702.905 |
39.144.818 |
738.581 |
.Colorado |
7 |
5.029.196 |
718.457 |
5.456.574 |
779.511 |
.Connecticut |
5 |
3.574.097 |
714.819 |
3.590.886 |
718.177 |
.Delaware |
1 |
897.934 |
897.934 |
945.934 |
945.934 |
.Florida |
27 |
18.801.310 |
696.345 |
20.271.272 |
750.788 |
.Georgia |
14 |
9.687.653 |
691.975 |
10.214.860 |
729.633 |
.Hawaii |
2 |
1.360.301 |
680.151 |
1.431.603 |
715.802 |
.Idaho |
2 |
1.567.582 |
783.791 |
1.654.930 |
827.465 |
.Illinois |
18 |
12.830.632 |
712.813 |
12.859.995 |
714.444 |
.Indiana |
9 |
6.483.802 |
720.422 |
6.619.680 |
735.520 |
.Iowa |
4 |
3.046.355 |
761.589 |
3.123.899 |
780.975 |
.Kansas |
4 |
2.853.118 |
713.280 |
2.911.641 |
727.910 |
.Kentucky |
6 |
4.339.367 |
723.228 |
4.425.092 |
737.515 |
.Louisiana |
6 |
4.533.372 |
755.562 |
4.670.724 |
778.454 |
.Maine |
2 |
1.328.361 |
664.181 |
1.329.328 |
664.664 |
.Maryland |
8 |
5.773.552 |
721.694 |
6.006.401 |
750.800 |
.Massachusetts |
9 |
6.547.629 |
727.514 |
6.794.422 |
754.936 |
.Michigan |
14 |
9.883.640 |
705.974 |
9.922.576 |
708.755 |
.Minnesota |
8 |
5.303.925 |
662.991 |
5.489.594 |
686.199 |
.Mississippi |
4 |
2.967.297 |
741.824 |
2.992.333 |
748.083 |
.Missouri |
8 |
5.988.927 |
748.616 |
6.083.672 |
760.459 |
.Montana |
1 |
989.415 |
989.415 |
1.032.949 |
1.032.949 |
.Nebraska |
3 |
1.826.341 |
608.780 |
1.896.190 |
632.063 |
.Nevada |
4 |
2.700.551 |
675.138 |
2.890.845 |
722.711 |
.New Hampshire |
2 |
1.316.470 |
658.235 |
1.330.608 |
665.304 |
.New Jersey |
12 |
8.791.894 |
732.658 |
8.958.013 |
746.501 |
.New Mexico |
3 |
2.059.179 |
686.393 |
2.085.109 |
695.036 |
.New York |
27 |
19.378.102 |
717.707 |
19.795.791 |
733.177 |
.North Carolina |
13 |
9.535.483 |
733.499 |
10.042.802 |
772.523 |
.North Dakota |
1 |
672.591 |
672.591 |
756.927 |
756.927 |
.Ohio |
16 |
11.536.504 |
721.032 |
11.613.423 |
725.839 |
.Oklahoma |
5 |
3.751.351 |
750.270 |
3.911.338 |
782.268 |
.Oregon |
5 |
3.831.074 |
766.215 |
4.028.977 |
805.795 |
.Pennsylvania |
18 |
12.702.379 |
705.688 |
12.802.503 |
711.250 |
.Rhode Island |
2 |
1.052.567 |
526.284 |
1.056.298 |
528.149 |
.South Carolina |
7 |
4.625.364 |
660.766 |
4.896.146 |
699.449 |
.South Dakota |
1 |
814.180 |
814.180 |
858.469 |
858.469 |
.Tennessee |
9 |
6.346.105 |
705.123 |
6.600.299 |
733.367 |
.Texas |
36 |
25.145.561 |
698.488 |
27.469.114 |
763.031 |
.Utah |
4 |
2.763.885 |
690.971 |
2.995.919 |
748.980 |
.Vermont |
1 |
625.741 |
625.741 |
626.042 |
626.042 |
.Virginia |
11 |
8.001.024 |
727.366 |
8.382.993 |
762.090 |
.Washington |
10 |
6.724.540 |
672.454 |
7.170.351 |
717.035 |
.West Virginia |
3 |
1.852.994 |
617.665 |
1.844.128 |
614.709 |
.Wisconsin |
8 |
5.686.986 |
710.873 |
5.771.337 |
721.417 |
.Wyoming |
1 |
563.626 |
563.626 |
586.107 |
586.107 |
TOTAL |
435 |
308.143.815 |
708.377 |
320.746.592 |
737.348 |
Dos dados acima, podemos extrair que cada membro da Casa dos representantes corresponde em média a 708.377 habitantes. Logicamente, é impossível estabelecer uma distribuição de assentos entre Estados que resulte numa distribuição idêntica, sendo assim, se observam algumas distorções na distribuição americana, em especial quando se analisa a projeção oficial para a população para o ano de 2015. O Estado de Montana, por exemplo, possui apenas um representante para uma população estimada de cerca de 989 mil habitantes, no entanto, é uma situação que potencialmente será amenizada na ocasião do próximo censo populacional.
Em relação à garantia de representatividade mínima na Casa dos Representantes, é importante destacar que alguns Estados, mesmo possuindo menos de 737 mil habitantes (quociente entre a população total e o número total de assentos) em 2010, possuem direito a um representante, caso dos Estados do Alasca, North Dakota, Vermont e Wyoming.
Por fim, sobre a distribuição da força de cada Estado dentro da Casa dos Representantes, é possível verificar que essa não é uma preocupação dentro do modelo atual de distribuição das cadeiras. Enquanto sete Estados possuem apenas um representante, os três Estados mais populosos em 2010, Califórnia, New York e Florida, possuem, respectivamente, 53, 36 e 27 representantes eleitos em seu território, no sistema distrital. Claramente, o sistema busca a igualdade de força em relação ao número de habitantes, deixando a preocupação da igualdade de forças entre os Estados centrada apenas no Senado.
5. DISTRIBUIÇÃO ATUAL DOS ASSENTOS NA CÂMARA DOS DEPUTADOS FEDERAIS DO BRASIL
No Brasil, a casa de representação do povo é a Câmara dos Deputados, atualmente com 513 assentos, distribuídos entre os Estados conforme regras constitucionais, conforme segue abaixo:
Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.
§ 1º O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados.
Assim, as diretrizes constitucionais para a distribuição das cadeiras da Câmara dos Deputados são um método proporcional população de cada Estado e a garantia um mínimo de 8 e um máximo de 70 deputados dentro de cada Estado.
A distribuição de assentos atual é resultante da Lei Complementar n.º 78 de 1993, que definiu 513 como o número máximo de Deputados Federais, de dados populacionais levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e de cálculos elaborados pelo TSE que resultam na distribuição das cadeiras entre os Estados.
Sobre esses cálculos do TSE e posterior divulgação da distribuição das cadeiras, o STF julgou em 2014 (ADI 4947, 4963, 4965, 5020, 5028 e 5130 e ADC 33) que a definição da distribuição, inclusive da forma de cálculo, pelo próprio TSE infringe o texto constitucional, tendo em vista que o art. 45 da CF estabelece que a definição da representação de cada Estado será realizada por meio de lei complementar.
Sendo assim, as alterações aprovadas no âmbito do TSE no período anterior as eleições de 2014 acabaram não sendo efetivadas para a legislatura 2015-2018. Logo, a sistemática de atualização dessa divisão de cadeiras entre Estados ainda carece de uma consolidação, através de uma Lei Complementar que venha a substituir ou alterar a LC n.º 78.
Com isso, nas últimas legislaturas, a distribuição dos assentos da Câmara dos Deputados entre os Estados permaneceu inalterada, conforme tabela abaixo, onde é apontado também a estimativa do IBGE (2016) para a população brasileira atual e sua distribuição territorial.
Estado |
Representantes |
População 2016 |
Hab/Cadeira |
São Paulo |
70 |
44.882.467 |
641.178 |
Minas Gerais |
53 |
21.039.408 |
396.970 |
Rio de Janeiro |
46 |
16.669.773 |
362.386 |
Bahia |
39 |
15.299.307 |
392.290 |
Rio Grande do Sul |
31 |
11.305.148 |
364.682 |
Paraná |
30 |
11.272.776 |
375.759 |
Pernambuco |
25 |
9.431.007 |
377.240 |
Ceará |
22 |
8.987.536 |
408.524 |
Pará |
17 |
8.299.580 |
488.211 |
Maranhão |
18 |
6.965.176 |
386.954 |
Santa Catarina |
16 |
6.939.202 |
433.700 |
Goiás |
17 |
6.723.924 |
395.525 |
Amazonas |
8 |
4.021.319 |
502.665 |
Paraíba |
12 |
4.006.408 |
333.867 |
Espírito Santo |
10 |
3.986.772 |
398.677 |
Rio Grande do Norte |
8 |
3.486.264 |
435.783 |
Alagoas |
9 |
3.364.456 |
373.828 |
Mato Grosso |
8 |
3.317.917 |
414.740 |
Piauí |
10 |
3.215.382 |
321.538 |
Distrito Federal |
8 |
2.994.146 |
374.268 |
Mato Grosso do Sul |
8 |
2.693.077 |
336.635 |
Sergipe |
8 |
2.273.656 |
284.207 |
Rondônia |
8 |
1.793.736 |
224.217 |
Tocantins |
8 |
1.538.757 |
192.345 |
Acre |
8 |
820.773 |
102.597 |
Amapá |
8 |
787.891 |
98.486 |
Roraima |
8 |
517.917 |
64.740 |
TOTAL |
513 |
206.633.775 |
402.795 |
No caso brasileiro, percebe-se que o constituinte se preocupou fortemente em não permitir a elevada concentração do poder nas mãos de poucos Estados dentro da Câmara dos Deputados. Com o estabelecimento de um mínimo de 8 e o máximo de 70 cadeiras para cada Estado, efetivar uma distribuição igualitária em relação a população de cada Estado se torna tarefa inalcançável.
Como consequência dessas exigências constitucionais, a distorção na representatividade em relação a população é gritante. Enquanto em São Paulo (Estado mais populoso) um deputado federal representa em média 640 mil habitantes, um parlamentar de Roraima (Estado menos populoso) representa cerca de 64 mil habitantes. Assim, como ambos os deputados de ambos os Estados tem a mesma força dentro da Câmara, se pode afirmar que o “valor” do voto para Deputado Federal de um eleitor de Roraima tem dez vezes mais poder do que o de São Paulo.
Assim, fica evidente que trazer a preocupação de evitar desigualdade de forças entre Estados dentro da Câmara dos Deputados acabou por resultar numa situação em que a representação popular não consegue ser igualitária, justamente na casa legislativa que deveria observar esse preceito básico.
6. PROJEÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DOS ASSENTOS NA CÂMARA DOS DEPUTADOS FEDERAIS DO BRASIL CASO ADOTADO O MODELO DOS EUA
De todos os pontos expostos nos tópicos anteriores, fica claro que o modelo americano de distribuição das vagas, entre os Estados, na casa legislativa do povo, permite uma divisão mais igualitária em relação a população, acarretando numa situação em que o poder de voto de cada eleitor tem um peso relativamente similar, algo a ser defendido, tendo em vista que uma vez eleito cada congressista terá o mesmo peso decisório no processo legislativo.
Sendo assim, de forma a propor um ponto de partida para análises de soluções capazes de tornar a relação habitantes/cadeira mais igualitária na Câmara dos Deputados brasileira, foi realizado um estudo onde a divisão dos 513 assentos se deu através do tamanha da população de cada Estado, sem observar a exigência constitucional de um número máximo de 70 e mínimo de 8 deputados por UF.
Como método para a distribuição, foi encontrada a relação ideal de habitantes por cadeira no Brasil, dividindo-se a população estimada pelo IBGE (2016) para os dias atuais pelas 513 cadeiras, resultando numa representatividade ideal de 1 deputado federal para cada 402.795 habitantes.
No passo seguinte, a população de cada Estado foi dividida pelo quociente acima extraído (402.795), desta operação o número inteiro representa o número inicial de assentos. As vagas restantes da etapa de cálculo anterior foram distribuídas aos Estados que mais próximos se encontraram de obter mais um assento, até serem preenchidos todos os 513 assentos. Com o resultado final foi elaborada a tabela de distribuição abaixo:
Estado |
Cadeiras |
População |
Hab/Cadeira |
São Paulo |
111 |
44.882.467 |
404.347 |
Minas Gerais |
52 |
21.039.408 |
404.604 |
Rio de Janeiro |
41 |
16.669.773 |
406.580 |
Bahia |
38 |
15.299.307 |
402.613 |
Rio Grande do Sul |
28 |
11.305.148 |
403.755 |
Paraná |
28 |
11.272.776 |
402.599 |
Pernambuco |
23 |
9.431.007 |
410.044 |
Ceará |
22 |
8.987.536 |
408.524 |
Pará |
21 |
8.299.580 |
395.218 |
Maranhão |
17 |
6.965.176 |
409.716 |
Santa Catarina |
17 |
6.939.202 |
408.188 |
Goiás |
17 |
6.723.924 |
395.525 |
Amazonas |
10 |
4.021.319 |
402.132 |
Paraíba |
10 |
4.006.408 |
400.641 |
Espírito Santo |
10 |
3.986.772 |
398.677 |
Rio Grande do Norte |
9 |
3.486.264 |
387.363 |
Alagoas |
8 |
3.364.456 |
420.557 |
Mato Grosso |
8 |
3.317.917 |
414.740 |
Piauí |
8 |
3.215.382 |
401.923 |
Distrito Federal |
8 |
2.994.146 |
374.268 |
Mato Grosso do Sul |
7 |
2.693.077 |
384.725 |
Sergipe |
6 |
2.273.656 |
378.943 |
Rondônia |
5 |
1.793.736 |
358.747 |
Tocantins |
4 |
1.538.757 |
384.689 |
Acre |
2 |
820.773 |
410.387 |
Amapá |
2 |
787.891 |
393.946 |
Roraima |
1 |
517.917 |
517.917 |
TOTAL |
513 |
206.633.775 |
402.795 |
Do resultado, podemos verificar que os três Estados mais populosos, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro ficariam com 111, 52 e 41 assentos, respectivamente. Enquanto isso, Estados menos populosos como Roraima, Acre e Amapá ficariam com 1, 2 e 2 assentos.
De início, até parece uma concentração exagerada de assentos em alguns poucos Estados, com potencial para causar desiquilíbrio no poder legislativo e na federação, mas, quando são realizadas análises preliminares, observa-se que nos EUA a concentração ocorre em termos similares, sem que sejam verificados maiores prejuízos ao funcionamento do poder legislativo.
Como elemento para justificar o parágrafo acima, temos que as cinco UF mais populosas do Brasil (representando 18,5% do total de Estados) teriam juntas 270 deputados (52,6% dos assentos), já nos EUA, os nove Estados mais populosos (representando similarmente 18% do total de Estados) possuem juntos 223 assentos (51.2% dos assentos).
Assim, pode-se verificar preliminarmente que a utilização do modelo americano para distribuição dos assentos na Câmara dos Deputados não acarretaria em uma concentração em níveis superiores ao já observado nos EUA. Na análise superficial proposta nesse trabalho, talvez a grande diferença seria a concentração de deputados federais no Estado mais populoso do Brasil (São Paulo), que ficaria com cerca de 21,6% dos assentos, enquanto a Califórnia, nos EUA, possui pouco mais de 12% das cadeiras da Casa dos Representantes.
Além disso, é necessário destacar que a representatividade das UF menos populosas do Brasil ainda seria maior do que a observada nos Estados menos adensados dos EUA, uma vez que somente Roraima teria apenas 1 deputado federal, enquanto essa situação de representação unitária é observada em 4 Estados americanos.
7. CONCLUSÃO
A atual forma de divisão de assentos da Câmara dos Deputados no Brasil, resulta numa grande diferença no valor do voto dos eleitores, quando se compara o número de votos necessários para eleição de um parlamentar em Estados menos populosos com o mesmo número nos Estados com maior número de habitantes.
A utilização de um formato de distribuição das vagas, similar ao utilizado nos EUA seria uma forma de tornar a representatividade mais igualitária em relação a população residente em cada UF brasileira.
A implantação dessa alteração somente é possível através de Emenda Constitucional, tendo em vista que é a Carta Maior que estabelece um número mínimo e máximo de deputados por Estado, que acaba por ser o fator que impede a igualdade buscada pelo método aplicado nos EUA.
Por fim, é necessário avaliar mais profundamente os impactos que essa nova metodologia de divisão de assentos acarretaria na formatação do poder legislativo e as alterações que precisariam ser realizadas no ordenamento jurídico, como, por exemplo, a forma de definição do número de vagas nas Assembleias Legislativas estaduais que atualmente ocorre através de relação com o número de deputados federais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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