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Representatividade na Câmara dos Deputados: O modelo utilizado nos E.U.A. aplicado ao Brasil

Representatividade na Câmara dos Deputados: O modelo utilizado nos E.U.A. aplicado ao Brasil

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Apresenta um levantamento de como é a distribuição de assentos de parlamentares entre os Estados, nos EUA e na Câmara dos Deputados do Brasil, elencando diferenças relevantes e trazendo uma estimativa do cenário de adoção do modelo americano no Brasil.

        1.   INTRODUÇÃO

O Brasil atualmente tem, conforme projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2016), cerca de 206 milhões de habitantes, distribuídos por 26 Estados mais o Distrito Federal – DF. Enquanto isso, o poder legislativo, em âmbito federal, é constituído no modelo bicameral, pela Câmara dos Deputados (representantes do povo) e pelo Senado Federal (representantes dos Estados e do DF).

Ocorre que, na Câmara dos Deputados, a forma atual de distribuição das cadeiras entre os Estados não é capaz de refletir com fidelidade o tamanho da população de cada Estado, gerando uma desproporcionalidade que faz com que o voto de cidadãos em Estados menos populosos de certa forma tenha valor maior que o voto dos Estados com número elevado de habitantes.

Já nos Estados Unidos da América – EUA, a forma de distribuição das cadeiras no Congresso é capaz de estabelecer uma situação em que o voto de cada cidadão tenha a mesma força. Ou seja, cada congressista americano representa aproximadamente o mesmo número de habitantes, independentemente do seu Estado de origem.\

Desta forma, este artigo busca apresentar uma breve explicação do modelo bicameral e as formas mais usuais de definição da composição das casas legislativas. Ainda, pretende demonstrar a desproporção na representatividade na Câmara dos Deputados brasileira e apresentar o desenho que a mesma Câmara teria no caso de adoção do sistema americano de distribuição das vagas na casa legislativa que representa o povo.


2.   BICAMERALISMo

O poder legislativo em alguns Estados, tais como Brasil, EUA, Canadá. França e Japão, é construído sobre o chamado “modelo bicameral”, em que o poder é exercido por duas câmaras distintas, formando um sistema de freios e contrapesos entre as casas. Isso, em contraponto a legislativos unicamerais, mais comum em Estados de população homogênea (Portugal, Finlândia) e Ditaduras, onde o processo legislativo é mais simples, geralmente menos custoso ao Estado, no entanto, mais suscetível ao surgimento de decisões autoritárias.

Surgido na Inglaterra do século XIV, o modelo bicameral visa, entre outras consequências, evitar a concentração do exercício do poder legislativo nas mãos de uma única casa legislativa, incrementar as discussões acerca das matérias legislativas, garantir a representação de um espectro mais amplo de interesses e, assim, fornecer uma maior estabilidade política ao Estado.

Ainda, de certa forma, o modelo bicameral atual encontra inspiração em Montesquieu (2000), que na sua obra O espirito das leis apresenta uma reflexão sobre a forma como se dá o exercício do poder legislativo na sociedade inglesa, dividida entre “nobres” e o “povo”:

Sempre há, num Estado, pessoas distintas pelo nascimento, pelas riquezas ou pelas honras; mas se elas estivessem confundidas no meio do povo e só tivessem uma voz como a dos outros a liberdade comum seria sua escravidão, e elas não teriam nenhum interesse em defendê-la, porque a maioria das resoluções é contra elas. A parte que lhes cabe na legislação deve então ser proporcional às outras vantagens que possuem no Estado, o que acontecerá se formarem um corpo que tenha o direito de limitar as iniciativas do povo, assim como o povo tem o direito de limitar as deles.

Assim, o poder legislativo será confiado ao corpo dos nobres e ao corpo que for escolhido para representar o povo, que terão cada um suas assembléias e suas deliberações separadamente, e opiniões e interesses separados.

A situação apresentada acima, cabe ressaltar, apresenta o que é mais conhecido como bicameralismo do tipo aristocrático, no qual o legislativo se divide entre a representação da aristocracia (Câmara dos Lordes) e do povo (Câmara dos Comuns).

Já no Brasil e Estados Unidos, o bicameralismo é do tipo federativo, em que a divisão se faz entre os representantes da população (Câmara dos Deputados) e dos Estados (Senado federal). Isso, com o objetivo primordial de evitar que os Estados mais populosos da federação e, assim, com mais deputados federais, concentrem o poder legislativo da federação em detrimento dos Estados menores.

Até como proposta de reflexão para o seguimento deste artigo, Hans Kelsen (2000) na obra Teoria Geral do Direito e do Estado, traz uma breve análise sobre os sistemas unicameral e bicameral, de forma a apresentar como a democracia se manifesta em cada um desses sistemas, apontando o seguinte:

Democracia no estado de legislação significa – ignorando as democracias diretas – que, em princípio, todas as normas gerais são criadas por um parlamento eleito pelo povo. O sistema unicameral parece corresponder mais intimamente à ideia de democracia. O sistema bicameral, típico da monarquia constitucional e do estado federal, é sempre uma atenuação do princípio democrático. As duas câmaras devem ser formadas de acordo com princípios diferentes, para que uma não seja uma duplicata inútil da outra. Se uma é perfeitamente democrática, a outra deve ser um tanto deficiente em caráter democrático

Encerrando este tópico, pretende-se deixar grifada a importante afirmativa apresentada acima por Kelsen, de que em sistemas bicamerais a forma de formatação de ambas as casas legislativas deve ser distinta e, de certa forma isso é uma constatação lógica, pois de outra forma não seria possível buscar os objetivos do bicameralismo, em especial, a maior pluralidade durantes as discussões legislativas e a garantia de que as leis passem por processos mais complexos de revisão e amadurecimento antes da inserção no ordenamento jurídico.


3.   AS CASAS LEGISLATIVAS EM SISTEMAS BICAMERAIS DE ESTADOS FEDERAIS

​Antes de apresentar as características das casas legislativas em sistemas bicamerais de Federações, cabe trazer as definições do professor Sérgio Resende de Barros (2016) para os termos Estado Federal e Estado Unitário:

O estado federal (como os Estados Unidos, o Brasil, a Suíça, a Alemanha e outros) é um estado soberano constituído de estados federados (estados-membros) dotados, não de soberania, mas apenas de autonomia, os quais têm poder constituinte próprio, decorrente do poder constituinte originário que fez a federação. Desse modo, no estado federal, além da constituição federal, também existem as constituições estaduais. Já o estado unitário não se constitui de estados-membros: é um estado só, uno, ainda que se possa subdividir em regiões (como a Itália), ou em províncias (como o Brasil na época do Império), ou em departamentos (como a França). Pelo que, no estado unitário, apenas há uma constituição: a constituição nacional.

Particularmente em Estados Federais, o sistema bicameral não chega ao ponto de ser considerado como algo essencial, no entanto, é relativamente comum a utilização desse modo de divisão do poder legislativo, principalmente pelo fato do bicameralismo proporcionar que uma das casas tenha uma representação igualitária entre os Estados, ou seja, que cada membro da federação possua o mesmo número de representantes e, em consequência, o mesmo poder na hora de estabelecer o ordenamento jurídico, o orçamento, entre outras atribuições legislativas.

Destaca-se que a necessidade de uma casa que possua representação igualitária dos Estados membros (geralmente denominada Senado) decorre primordialmente da distribuição populacional não homogênea dentro da Federação, situação que se agrava quando esses Estados e respectivas populações apresentam grande heterogeneidade entre si. Por exemplo, é de amplo conhecimento que alguns Estados americanos possuem população mais tendente ao liberalismo enquanto outros possuem características essencialmente conservadoras.

Ainda sobre a relevância do bicameralismo, Américo Lacombe (2007) traz: “no federalismo, o único sistema justificável é o bicameralismo, pois só ele preenche a necessidade da representação dos Estados-membros de forma igualitária”.

Ilustrando, num sistema unicameral em uma Federação em que a população se concentra de maneira elevada em poucos Estados membros, a representação proporcional apenas ao número de habitantes de cada Estado acaba tornando a voz dos menores Estados praticamente nula no poder legislativo. Como exemplo, nos EUA, conforme o United States Census Bureau (2016), o Estado mais populoso é a Califórnia, com cerca de 39 milhões de habitantes, enquanto o menos populoso é o Wyoming, com 586 mil, ou seja, cerca de 65 vezes menor e, por consequência, menos representado na Câmara.

Com isso, demonstramos que se o sistema americano fosse unicameral, baseado unicamente na representatividade populacional, o poder do Estado membro mais populoso seria 65 vezes maior que o com menos habitantes. Sendo essa concentração de força legislativa uma situação certamente a não desejável dentro de uma federação, o sistema bicameral dividido entre uma Câmara representando o povo e outra representando os Estados membros, igualitariamente, se mostra uma solução que traz maiores garantias para a solidez do Estado do tipo federal.

Já compreendendo como se dá a distribuição das vagas na casa legislativa que representa os Estados membros da federação, faz-se necessário avaliar a composição da segunda casa legislativa, comumente descrita como a casa de representação do povo – House of Representatives (EUA) e Câmara dos Deputados (Brasil). Lógico imaginar que a distribuição das cadeiras na casa de representação da população seja dividida igualitariamente entre a população, fazendo com que Estado membro tivesse um número de cadeiras diretamente proporcional ao número de habitantes que possui, no entanto não é o que sempre ocorre na prática, como será observado a seguir.   


      4.   DISTRIBUIÇÃO DOS ASSENTOS NA CASA DOS REPRESENTANTES DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

 Nos Estados Unidos da América, a escolha dos membros da casa dos representantes se dá pelo modelo de voto distrital em que cada distrito elege um congressista. Em relação à forma de distribuição do número de representantes para cada Estado, a fórmula de cálculo segue uma proporção direta com a parcela de habitantes que cada membro possui dentro da federação, conforme disposto no trecho abaixo da Emenda XIV à Constituição estadunidense:

Representatives shall be apportioned among the several States according to their respective numbers, counting the whole number of persons in each State, excluding Indians not taxed.

Na prática, a distribuição das cadeiras na casa do povo americana sempre se deu de forma proporcional à população, inicialmente com ressalvas e deságio na inserção da população negra no cálculo do número de habitantes da cada Estado, o que foi superado com a Emenda XIV acima citada.

 Assim, atualmente, a divisão das 435 cadeiras na casa dos representantes é realizada através de métodos que busquem uma distribuição que reflita da melhor forma a distribuição populacional nos EUA, destacando que cada Estado membro tem a garantia de no mínimo um representante. Detalhando melhor o procedimento utilizado, os dados populacionais são coletados através de censo populacional de caráter nacional, realizado a cada dez anos pelo United States Census Bureau.

Aliado aos dados coletados, a distribuição das cadeiras segue um método de cálculo utilizado desde 1940, denominado “método das iguais proporções”, um conjunto de fórmulas que buscam, traduzindo Laurence Schmeckebier (1951), possibilitar que:

[...] a diferença de representação entre dois Estados quaisquer seja a menor possível quando medida pela diferença relativa na população média por distrito e, também, pela diferença relativa na parcela individual de um representante.

Ressalta-se que, apesar de ter sido questionado por algumas ações judiciais na década de 1990, o método de cálculo atual continua a ser considerado constitucional, nos termos das decisões da Suprema Corte americana, nos casos United States Department of Commerce v. Montana 112 S.Ct. 1415 (1992) e Franklin v. Massachusetts 112 S.Ct. 2767 (1992).

Sendo assim, através dos dados do censo populacional realizado em 2010 e do método das iguais proporções, foi estabelecida a atual divisão dos 435 assentos da Casa dos Representantes, sendo configurado o quadro abaixo:

Estado

Representantes

Censo 2010

Hab/Cadeira

Estimativa 2015

Hab/cadeira

.Alabama

7

4.779.736

682.819

4.858.979

694.140

.Alaska

1

710.231

710.231

738.432

738.432

.Arizona

9

6.392.017

710.224

6.828.065

758.674

.Arkansas

4

2.915.918

728.980

2.978.204

744.551

.California

53

37.253.956

702.905

39.144.818

738.581

.Colorado

7

5.029.196

718.457

5.456.574

779.511

.Connecticut

5

3.574.097

714.819

3.590.886

718.177

.Delaware

1

897.934

897.934

945.934

945.934

.Florida

27

18.801.310

696.345

20.271.272

750.788

.Georgia

14

9.687.653

691.975

10.214.860

729.633

.Hawaii

2

1.360.301

680.151

1.431.603

715.802

.Idaho

2

1.567.582

783.791

1.654.930

827.465

.Illinois

18

12.830.632

712.813

12.859.995

714.444

.Indiana

9

6.483.802

720.422

6.619.680

735.520

.Iowa

4

3.046.355

761.589

3.123.899

780.975

.Kansas

4

2.853.118

713.280

2.911.641

727.910

.Kentucky

6

4.339.367

723.228

4.425.092

737.515

.Louisiana

6

4.533.372

755.562

4.670.724

778.454

.Maine

2

1.328.361

664.181

1.329.328

664.664

.Maryland

8

5.773.552

721.694

6.006.401

750.800

.Massachusetts

9

6.547.629

727.514

6.794.422

754.936

.Michigan

14

9.883.640

705.974

9.922.576

708.755

.Minnesota

8

5.303.925

662.991

5.489.594

686.199

.Mississippi

4

2.967.297

741.824

2.992.333

748.083

.Missouri

8

5.988.927

748.616

6.083.672

760.459

.Montana

1

989.415

989.415

1.032.949

1.032.949

.Nebraska

3

1.826.341

608.780

1.896.190

632.063

.Nevada

4

2.700.551

675.138

2.890.845

722.711

.New Hampshire

2

1.316.470

658.235

1.330.608

665.304

.New Jersey

12

8.791.894

732.658

8.958.013

746.501

.New Mexico

3

2.059.179

686.393

2.085.109

695.036

.New York

27

19.378.102

717.707

19.795.791

733.177

.North Carolina

13

9.535.483

733.499

10.042.802

772.523

.North Dakota

1

672.591

672.591

756.927

756.927

.Ohio

16

11.536.504

721.032

11.613.423

725.839

.Oklahoma

5

3.751.351

750.270

3.911.338

782.268

.Oregon

5

3.831.074

766.215

4.028.977

805.795

.Pennsylvania

18

12.702.379

705.688

12.802.503

711.250

.Rhode Island

2

1.052.567

526.284

1.056.298

528.149

.South Carolina

7

4.625.364

660.766

4.896.146

699.449

.South Dakota

1

814.180

814.180

858.469

858.469

.Tennessee

9

6.346.105

705.123

6.600.299

733.367

.Texas

36

25.145.561

698.488

27.469.114

763.031

.Utah

4

2.763.885

690.971

2.995.919

748.980

.Vermont

1

625.741

625.741

626.042

626.042

.Virginia

11

8.001.024

727.366

8.382.993

762.090

.Washington

10

6.724.540

672.454

7.170.351

717.035

.West Virginia

3

1.852.994

617.665

1.844.128

614.709

.Wisconsin

8

5.686.986

710.873

5.771.337

721.417

.Wyoming

1

563.626

563.626

586.107

586.107

TOTAL

435

308.143.815

708.377

320.746.592

737.348

Dos dados acima, podemos extrair que cada membro da Casa dos representantes corresponde em média a 708.377 habitantes. Logicamente, é impossível estabelecer uma distribuição de assentos entre Estados que resulte numa distribuição idêntica, sendo assim, se observam algumas distorções na distribuição americana, em especial quando se analisa a projeção oficial para a população para o ano de 2015. O Estado de Montana, por exemplo, possui apenas um representante para uma população estimada de cerca de 989 mil habitantes, no entanto, é uma situação que potencialmente será amenizada na ocasião do próximo censo populacional.

Em relação à garantia de representatividade mínima na Casa dos Representantes, é importante destacar que alguns Estados, mesmo possuindo menos de 737 mil habitantes (quociente entre a população total e o número total de assentos) em 2010, possuem direito a um representante, caso dos Estados do Alasca, North Dakota, Vermont e Wyoming.

Por fim, sobre a distribuição da força de cada Estado dentro da Casa dos Representantes, é possível verificar que essa não é uma preocupação dentro do modelo atual de distribuição das cadeiras. Enquanto sete Estados possuem apenas um representante, os três Estados mais populosos em 2010, Califórnia, New York e Florida, possuem, respectivamente, 53, 36 e 27 representantes eleitos em seu território, no sistema distrital. Claramente, o sistema busca a igualdade de força em relação ao número de habitantes, deixando a preocupação da igualdade de forças entre os Estados centrada apenas no Senado.


5.   DISTRIBUIÇÃO ATUAL DOS ASSENTOS NA CÂMARA DOS DEPUTADOS FEDERAIS DO BRASIL

No Brasil, a casa de representação do povo é a Câmara dos Deputados, atualmente com 513 assentos, distribuídos entre os Estados conforme regras constitucionais, conforme segue abaixo:

Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.

§ 1º O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados.

Assim, as diretrizes constitucionais para a distribuição das cadeiras da Câmara dos Deputados são um método proporcional população de cada Estado e a garantia um mínimo de 8 e um máximo de 70 deputados dentro de cada Estado.

A distribuição de assentos atual é resultante da Lei Complementar n.º 78 de 1993, que definiu 513 como o número máximo de Deputados Federais, de dados populacionais levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e de cálculos elaborados pelo TSE que resultam na distribuição das cadeiras entre os Estados.

Sobre esses cálculos do TSE e posterior divulgação da distribuição das cadeiras, o STF julgou em 2014 (ADI 4947, 4963, 4965, 5020, 5028 e 5130 e ADC 33) que a definição da distribuição, inclusive da forma de cálculo, pelo próprio TSE infringe o texto constitucional, tendo em vista que o art. 45 da CF estabelece que a definição da representação de cada Estado será realizada por meio de lei complementar.

Sendo assim, as alterações aprovadas no âmbito do TSE no período anterior as eleições de 2014 acabaram não sendo efetivadas para a legislatura 2015-2018. Logo, a sistemática de atualização dessa divisão de cadeiras entre Estados ainda carece de uma consolidação, através de uma Lei Complementar que venha a substituir ou alterar a LC n.º 78.

Com isso, nas últimas legislaturas, a distribuição dos assentos da Câmara dos Deputados entre os Estados permaneceu inalterada, conforme tabela abaixo, onde é apontado também a estimativa do IBGE (2016) para a população brasileira atual e sua distribuição territorial.

Estado

Representantes

População 2016

Hab/Cadeira

São Paulo

70

44.882.467

641.178

Minas Gerais

53

21.039.408

396.970

Rio de Janeiro

46

16.669.773

362.386

Bahia

39

15.299.307

392.290

Rio Grande do Sul

31

11.305.148

364.682

Paraná

30

11.272.776

375.759

Pernambuco

25

9.431.007

377.240

Ceará

22

8.987.536

408.524

Pará

17

8.299.580

488.211

Maranhão

18

6.965.176

386.954

Santa Catarina

16

6.939.202

433.700

Goiás

17

6.723.924

395.525

Amazonas

8

4.021.319

502.665

Paraíba

12

4.006.408

333.867

Espírito Santo

10

3.986.772

398.677

Rio Grande do Norte

8

3.486.264

435.783

Alagoas

9

3.364.456

373.828

Mato Grosso

8

3.317.917

414.740

Piauí

10

3.215.382

321.538

Distrito Federal

8

2.994.146

374.268

Mato Grosso do Sul

8

2.693.077

336.635

Sergipe

8

2.273.656

284.207

Rondônia

8

1.793.736

224.217

Tocantins

8

1.538.757

192.345

Acre

8

820.773

102.597

Amapá

8

787.891

98.486

Roraima

8

517.917

64.740

TOTAL

513

206.633.775

402.795

No caso brasileiro, percebe-se que o constituinte se preocupou fortemente em não permitir a elevada concentração do poder nas mãos de poucos Estados dentro da Câmara dos Deputados. Com o estabelecimento de um mínimo de 8 e o máximo de 70 cadeiras para cada Estado, efetivar uma distribuição igualitária em relação a população de cada Estado se torna tarefa inalcançável.

Como consequência dessas exigências constitucionais, a distorção na representatividade em relação a população é gritante. Enquanto em São Paulo (Estado mais populoso) um deputado federal representa em média 640 mil habitantes, um parlamentar de Roraima (Estado menos populoso) representa cerca de 64 mil habitantes. Assim, como ambos os deputados de ambos os Estados tem a mesma força dentro da Câmara, se pode afirmar que o “valor” do voto para Deputado Federal de um eleitor de Roraima tem dez vezes mais poder do que o de São Paulo.

Assim, fica evidente que trazer a preocupação de evitar desigualdade de forças entre Estados dentro da Câmara dos Deputados acabou por resultar numa situação em que a representação popular não consegue ser igualitária, justamente na casa legislativa que deveria observar esse preceito básico.


6.   PROJEÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DOS ASSENTOS NA CÂMARA DOS DEPUTADOS FEDERAIS DO BRASIL CASO ADOTADO O MODELO DOS EUA

De todos os pontos expostos nos tópicos anteriores, fica claro que o modelo americano de distribuição das vagas, entre os Estados, na casa legislativa do povo, permite uma divisão mais igualitária em relação a população, acarretando numa situação em que o poder de voto de cada eleitor tem um peso relativamente similar, algo a ser defendido, tendo em vista que uma vez eleito cada congressista terá o mesmo peso decisório no processo legislativo.

Sendo assim, de forma a propor um ponto de partida para análises de soluções capazes de tornar a relação habitantes/cadeira mais igualitária na Câmara dos Deputados brasileira, foi realizado um estudo onde a divisão dos 513 assentos se deu através do tamanha da população de cada Estado, sem observar a exigência constitucional de um número máximo de 70 e mínimo de 8 deputados por UF.

Como método para a distribuição, foi encontrada a relação ideal de habitantes por cadeira no Brasil, dividindo-se a população estimada pelo IBGE (2016) para os dias atuais pelas 513 cadeiras, resultando numa representatividade ideal de 1 deputado federal para cada 402.795 habitantes.

No passo seguinte, a população de cada Estado foi dividida pelo quociente acima extraído (402.795), desta operação o número inteiro representa o número inicial de assentos. As vagas restantes da etapa de cálculo anterior foram distribuídas aos Estados que mais próximos se encontraram de obter mais um assento, até serem preenchidos todos os 513 assentos. Com o resultado final foi elaborada a tabela de distribuição abaixo:

Estado

Cadeiras

População

Hab/Cadeira

São Paulo

111

44.882.467

404.347

Minas Gerais

52

21.039.408

404.604

Rio de Janeiro

41

16.669.773

406.580

Bahia

38

15.299.307

402.613

Rio Grande do Sul

28

11.305.148

403.755

Paraná

28

11.272.776

402.599

Pernambuco

23

9.431.007

410.044

Ceará

22

8.987.536

408.524

Pará

21

8.299.580

395.218

Maranhão

17

6.965.176

409.716

Santa Catarina

17

6.939.202

408.188

Goiás

17

6.723.924

395.525

Amazonas

10

4.021.319

402.132

Paraíba

10

4.006.408

400.641

Espírito Santo

10

3.986.772

398.677

Rio Grande do Norte

9

3.486.264

387.363

Alagoas

8

3.364.456

420.557

Mato Grosso

8

3.317.917

414.740

Piauí

8

3.215.382

401.923

Distrito Federal

8

2.994.146

374.268

Mato Grosso do Sul

7

2.693.077

384.725

Sergipe

6

2.273.656

378.943

Rondônia

5

1.793.736

358.747

Tocantins

4

1.538.757

384.689

Acre

2

820.773

410.387

Amapá

2

787.891

393.946

Roraima

1

517.917

517.917

TOTAL

513

206.633.775

402.795

Do resultado, podemos verificar que os três Estados mais populosos, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro ficariam com 111, 52 e 41 assentos, respectivamente. Enquanto isso, Estados menos populosos como Roraima, Acre e Amapá ficariam com 1, 2 e 2 assentos.

De início, até parece uma concentração exagerada de assentos em alguns poucos Estados, com potencial para causar desiquilíbrio no poder legislativo e na federação, mas, quando são realizadas análises preliminares, observa-se que nos EUA a concentração ocorre em termos similares, sem que sejam verificados maiores prejuízos ao funcionamento do poder legislativo.

Como elemento para justificar o parágrafo acima, temos que as cinco UF mais populosas do Brasil (representando 18,5% do total de Estados) teriam juntas 270 deputados (52,6% dos assentos), já nos EUA, os nove Estados mais populosos (representando similarmente 18% do total de Estados) possuem juntos 223 assentos (51.2% dos assentos).

Assim, pode-se verificar preliminarmente que a utilização do modelo americano para distribuição dos assentos na Câmara dos Deputados não acarretaria em uma concentração em níveis superiores ao já observado nos EUA. Na análise superficial proposta nesse trabalho, talvez a grande diferença seria a concentração de deputados federais no Estado mais populoso do Brasil (São Paulo), que ficaria com cerca de 21,6% dos assentos, enquanto a Califórnia, nos EUA, possui pouco mais de 12% das cadeiras da Casa dos Representantes.

Além disso, é necessário destacar que a representatividade das UF menos populosas do Brasil ainda seria maior do que a observada nos Estados menos adensados dos EUA, uma vez que somente Roraima teria apenas 1 deputado federal, enquanto essa situação de representação unitária é observada em 4 Estados americanos.


   7.   CONCLUSÃO

A atual forma de divisão de assentos da Câmara dos Deputados no Brasil, resulta numa grande diferença no valor do voto dos eleitores, quando se compara o número de votos necessários para eleição de um parlamentar em Estados menos populosos com o mesmo número nos Estados com maior número de habitantes.

A utilização de um formato de distribuição das vagas, similar ao utilizado nos EUA seria uma forma de tornar a representatividade mais igualitária em relação a população residente em cada UF brasileira.

A implantação dessa alteração somente é possível através de Emenda Constitucional, tendo em vista que é a Carta Maior que estabelece um número mínimo e máximo de deputados por Estado, que acaba por ser o fator que impede a igualdade buscada pelo método aplicado nos EUA.

Por fim, é necessário avaliar mais profundamente os impactos que essa nova metodologia de divisão de assentos acarretaria na formatação do poder legislativo e as alterações que precisariam ser realizadas no ordenamento jurídico, como, por exemplo, a forma de definição do número de vagas nas Assembleias Legislativas estaduais que atualmente ocorre através de relação com o número de deputados federais.   


   REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MONTESQUIEU, C. S.  A constituição da Inglaterra. In. MONTESQUIEU. O espirito das leis. Traduzido por Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes. 2000 p. 167-178.

SCHMECKEBIER, F. L. The method of Equal Proportions. Law and Contemporary Problems. Volume 17, n. 2, Legislative Reapportionment. 1952, p. 302-313.

SUPREMO Tribunal Federal. STF declara inconstitucionalidade de normas sobre número de deputados. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=269475> Acesso em 28 de novembro de 2016.

UNITED States Census Bureau. Population Estimates. United States Department of Commerce. Disponível em http://www.census.gov/popest/data/state/totals/2015 /index.html 11/11/2016 Acesso em 11 de novembro de 2016.


Autor

  • Rodrigo Pereira Damásio da Silva

    Formação acadêmica: Graduado em Engenharia Civil pela Universidade de Brasília - UnB (2008), atualmente cursando Direito na Universidade de Brasilia - UnB.

    Atuação profissional: Técncio em Regulação de Aviação Civil - ANAC (2008-2009); Analista de Infraestrutura de Transportes - DNIT (2009-2010); Analista de Infraestrutura - MPDG (2010-2013); Especialista em Regulação de Aviação Civil (2013-atual).

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