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prints de redes sociais não podem servir como base para decreto cautelar

prints de redes sociais não podem servir como base para decreto cautelar

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 É possível o Delegado de Polícia diante de inquérito policial ou a Autoridade Militar que presidia o Inquérito Policial Militar se valha de prints como meio de elemento de informação e subsidiar eventual indiciamento ou qualquer outra medida cautelar? Pugnamos que não vejamos: quando a apreensão do celular for possível artigo , inciso II do Código de Processo Penal e, art. 12, alínea b, art. 13, f, h art. 170 ss c/c art. 301, tudo do Código de Processo Penal Militar e a Lei 9.296/96 e Lei nº 12.965/2014, tudo visando a quebra de dados, protegidos constitucionalmente pelo artigo , inciso XII da Constituição Federal.

Portanto, os documentos que mencionam conversam de watssap e documentos publicados devem ser desentranhados do procedimento investigativo, ou processual penal comum ou especial, ou até mesmo dos processos administrativos, com arrimo nos art. LVI c/c art , a e art. 157 do Código de Processo Penal. Pensamos, pois se num estado de exceção de prisão em flagrante necessita de ordem judicial, ainda mais o cidadão civil ou Militar em plena liberdade. Neste caso, deve sim, ser estendida essa interpretação, art. , primeira parte do CPPM.

E, cita-se como exemplo para maior compressão, se no Estado de Defesa é vedado à incomunicabilidade do preso, art. 136, § 3º, inciso IV da Constituição Federal, logo no Estado de normalidade Constitucional não se pode aplicar o art. 17 do Código de Processo Penal Militar, sob pena de incidência na Lei de Abuso de Autoridade dentre outros. Sobre o assunto Cícero Robson Coimbra Neves ensina:

“Cumpre, por fim, mencionar que o CPPM, no art. 17 ou art. 21 do CPP, prevê a possibilidade de decretação da incomunicabilidade do indiciado. Diz o citado artigo que o encarregado do inquérito poderá manter incomunicável, o indiciado, que estiver legalmente preso, por três dias no máximo. Todavia, fazendo o cotejo com a Constituição Federal, tal dispositivo não foi recepcionado pela nova ordem constitucional. O art. 136, § 3º, IV, da CF, ao tratar do estado de defesa e do estado de sítio, veda a incomunicabilidade do preso. Ora, se nem nesses estados de exceção é permitida a incomutabilidade, muito menos será em situação de normalidade”. (NEVES, Cícero Robson Coimbra. Manual de direito processual penal militar: (em tempo de paz) – São Paulo 2014. Pag. 285).

Portanto, acertadamente andou bem o Superior Tribunal de Justiça em decidir que o acesso de dados de conversa de Wattssap necessita de autorização judicial, decisão essa que foi muito festejada pela comunidade jurídica. Para o STJ: “É situação similar às conversas mantidas por email, onde para ter acesso tem-se igualmente exigido a prévia ordem judicial” e continua “Deste modo, ilícita é tanto a devassa de dados, como as das conversas obtidos de celular apreendido, porquanto realizada sem ordem judicial” Habeas Corpus nº 51. 531, no Recurso Ordinário (art. 105, II, a, da CF), Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 19/04/2016, DJe 9/5/2016 (Informativo 583 do STJ).

Eis, que as provas ou elementos de informações que contenham transcrição de conversas, publicações de documentos através de Wattssap devem ser desentranhadas do processo administrativo ou judicial ou investigativa, NULAS, pois violaram dispositivos constitucionais como art. 5º X e XII (“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”) este último a qual exige reserva de jurisdição.

O relator, Min. Néfi Cordeiro cravou em seu voto que a Constituição prevê a inviolabilidade da intimidade e de dados e comunicações telefônicas. A quebra do sigilo telefônico foi regulamentada pela Lei nº 9.294/96, segundo a qual, o usuário de serviços de telecomunicações tem direito à inviolabilidade e ao segredo de sua comunicação, salvo nas hipóteses e condições constitucional e legalmente previstas(art. 3º, inc. V). O dispositivo estaria em consonância com o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14), que assegura ao usuário a inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial” (art. 3º, III). Ainda segundo o relator do caso levado a corte cidadã, […] na perícia realizada, houve acesso aos dados do celular e às conversas de whattsapp obtidos sem ordem judicial. No acesso aos dados do aparelho, tem-se devassa de dados particulares, com violação à intimidade do agente. Embora possível o acesso, necessária é a prévia autorização judicial devidamente motivada.

Nessa quadra, o Min. Schietti questionou, entretanto, que havia precedente do Supremo Tribunal Federal de uma época em que os celulares não tinham acesso à internet de banda larga, aplicativos, e multifuncionalidade, como hoje. Atualmente, os aparelhos celulares possuem inúmeras funcionalidades de envio e recebimento de mensagens, fotos, vídeos e documentos em tempo real através de aplicativos que neles podem ser instalados, como Whatsapp, Viber, Line, Wechat, Telegram, BBM, SnapChat, etc.

A maioria das empresas e Sociedades Empresárias não armazena em seus servidores essas comunicações. Logo, o Ministro Relator faz distinção de dois tipos de dados protegidos passíveis de obtenção: “os dados gravados no aparelho acessados pela polícia ao manusear o aparelho” e “os dados eventualmente interceptados pela polícia no momento em que ela acessa aplicativos de comunicação instantânea”. Situa esses dados no âmbito do que a doutrina chama de “provas de terceira geração”, conceituadas como “provas invasivas, altamente tecnológicas, que permitem alcançar conhecimentos e resultados inatingíveis pelos sentidos e pelas técnicas tradicionais” (KNIJNIK, Danilo. Temas de direito penal, criminologia e processo penal. A trilogia Olmstead-Katz-Kyllo: o art. da Constituição Federal do Século XXI. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 179).

O Superior Tribunal de Justiça importou um julgado da Suprema Corte dos EUA (caso Riley vs. California), onde um cidadão foi preso por dirigir com a carteira de habilitação vencida e, na revista ao seu automóvel, foram localizadas duas pistolas, o que levou os policiais a examinar o celular do suspeito, constatando que ele seria membro de uma gangue envolvida em diversos homicídios. Em 1º e 2º graus de jurisdição, foi aceita essa busca, com base na chamada Chimel Rule, pela qual não haveria violação à quarta emenda da Constituição, uma vez que “funcionários estariam autorizados a aproveitar objetos sob o controle de um detido e realizar buscas sem mandado para fins de preservação de provas. Alçado o caso à Suprema Corte, o Chief Justice John Roberts concluiu pela necessidade de um mandado para acessar o telefone celular de um cidadão na hipótese de prisão em flagrante, já que seu conteúdo revela dados da intimidade do sujeito. “O fato de a tecnologia agora permitir que um indivíduo transporte essas informações em sua mão não torna a informação menos digna de proteção“.

Deste modo, o revisor do RHC acompanhou o relator pelo provimento do recurso, atestando que “o acesso aos dados do celular e às conversas de whattsapp sem ordem judicial constituem devassa e, portanto, violação à intimidade do agente”.

Por fim, a terceira julgadora, a Min. Maria Thereza de Assis Moura também pediu vista dos autos. Pontuou que a Constituição, em seu art. , inc. XII protege a “comunicação de dados, e não os dados em si mesmos, o que não significa que os dados armazenados no aparelho celular estejam desprovidos de proteção constitucional, na medida em que os modernos smartphones contém elevada quantidade de informações da esfera íntima de privacidade de seu titular.

Concluindo, caso o Delegado de Polícia ou a Autoridade Militar possa dispor do elemento de informação, através de inquérito policial comum ou militar, pois os dados poderiam ser fornecidos através de autorização judicial, sem nenhum prejuízo no decurso do tempo. Logo, o julgado revela um precedente de extrema relevância para a preservação da intimidade do cidadão seja ele militar ou não, uma vez que não há dúvida de que os dados armazenados nos modernos smartphones, a exemplo de outros tantos equipamentos eletrônicos, são altamente privativos. A prática inquisitiva de devassar aparelhos, seja través de “prints”, ou diretamente pela polícia que contém este grau de informações deve ser contida pelo Judiciário e autorizada apenas em casos excepcionalíssimos, fundamentada e mediante adequada ponderação dos interesses incidentes em jogo, pois no caso não havia iminência de grave perturbação da ordem, da disciplina, nem mesmo de outros valores.



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