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O uso indevido do correio eletrônico no ambiente de trabalho

O uso indevido do correio eletrônico no ambiente de trabalho

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Sumário: 1. Introdução. 2. Estatísticas sobre o uso do correio eletrônico no ambiente de trabalho. 3. A natureza técnica do correio eletrônico. 4. A natureza jurídica do correio eletrônico. 5. O poder diretivo do empregador versus direito à intimidade do empregado. 6. A responsabilidade civil do empregador. 7. A importância da política pública de uso de Internet. 8. A possibilidade de aplicação de justa causa e as conseqüências na área cível, trabalhista e penal. 9. O entendimento atual da Justiça do Trabalho. 10. Visão geral de Direito Comparado. 10. Conclusão


1. INTRODUÇÃO

O assunto escolhido para este artigo "O uso indevido do correio eletrônico no ambiente de trabalho" é polêmico e desafiador. O tema provoca calorosas discussões, pois não se trata somente de discutir os princípios protetivos do empregado versus o poder diretivo do empregador perante o Direito do Trabalho. É necessário definir o novo conceito de "privacidade" no século XXI em inseri-lo no ambiente de trabalho

Preliminarmente, antes de iniciarmos o debate jurídico, a primeira questão que se coloca é a análise da natureza técnica do correio eletrônico. O correio eletrônico seria entendido como uma correspondência? Em caso positivo, correspondência fechada ou aberta? Comercial ou pessoal? Pode ser equiparado a um cartão postal, uma vez que a Internet é um veículo aberto? Ou seria equiparado a uma conversa telefônica? Seria um conjunto de dados (informática)? Há os que argumentam que não havendo legislação regulando o assunto, a sua natureza seria sui generis.

Após a definição da natureza técnica do correio eletrônico, passamos ao debate jurídico justificador da violação ou não-violação do correio eletrônico pelo empregador.

Há diversos autores que defendem a sua inviolabilidade, contudo os argumentos são diversos. Alguns argumentam que se trata de correspodência e como tal está protegido pelo sigilo constitucional das correspondências. Há os que entendem que o correio eletrônico tratar-se-ía de conjunto de dados e o texto constitucional ao referir-se "último caso", estaria se referindo somente à conversa telefônica, portanto, o sigilo do correio eletrônico continuaria protegido constitucionalmente. Por último, há aqueles que não entendem que o correio eletrônico seria protegido pelo princípio constitucional do sigilo, contudo, defendem a sua inviolabilidade com base na proteção constitucional da privacidade e intimidade do empregado.

Por outro lado, há uma grande corrente que defende a violabilidade do correio eletrônico. Há aqueles que entendem que poderia ser violável, com autorização judicial, pois se trataria de conjunto de dados e o texto constitucional ao referir-se ao "último caso", se referiria a conjunto de dados e conversa telefônica (com base na Lei nº 9.296/96). Outros argumentam que o correio eletrônico deve ser equiparado à correspondência comercial, portanto, não estaria protegida pelo sigilo constitucional (somente as correspondências pessoais teriam essa proteção). Há uma forte corrente que entende que o correio eletrônico é um instrumento do trabalho, podendo ser monitorado pelo empregador, legitimado pelo seu poder diretivo, não havendo expectativa de privacidade e intimidade em seu uso.

Não há dúvidas que o assunto é atual e envolve uma ampla discussão em vários ramos do Direito. A jurisprudência trabalhista é recente e conflitante. Portanto, a minha pretensão no presente artigo não é apresentar conclusões, mas contribuir para este apaixonante debate técnico e jurídico.


2. ESTATÍSTICAS SOBRE O USO DO CORREIO ELETRÔNICO NO AMBIENTE DE TRABALHO

Estudos divulgados nos EUA [1] mostram que, no ambiente de trabalho com acesso a Internet, 87% das pessoas usam o correio eletrônico para assuntos que não relacionados ao seu trabalho, 21% dos empregados divertem-se com jogos e piadas, 16% planejam viagens, 10% mandam dados pessoais e procuram outros empregos, 3% conversam (ou namoram) em sites de bate-papo, 2% visitam sites pornográficos.

De acordo com o terceiro levantamento sobre ética no local de trabalho [2], estima-se que 40% dos empregados entrevistados declararam que: "o monitoramento no local de trabalho representa uma seria violação ética", comparado com somente 39% que disseram o mesmo sobre a vigilância do local de trabalho através de monitores de televisão.

A pesquisa de opinião também descobriu que uma porcentagem maior de empregados considera que o monitoramento dos correios de voz ("voice mail") e a inspeção dos vestiários ou áreas de trabalho são mais do que o monitoramento dos correios eletrônicos.

O levantamento entrevistou 436 empregados e 121 integrantes de gerencias de alto escalão. Somente 39% dos patrões entrevistados reconheceram que o monitoramento dos correio eletrônicos é seriamente antiético.

Além disso, a pesquisa de opinião identificou que 50% dos patrões e 45% dos empregados ressaltaram que utilizar o correio eletrônico pessoal no trabalho também é considerado antiético e 56% dos patrões e 58% dos empregados declararam o mesmo a respeito da navegação na Internet.

Um levantamento similar realizado no ano passado pela revista "American Management Association" determinou que aproximadamente 67% das companhias americanas monitoram eletronicamente seus empregados de alguma forma.

No ano passado 40 (quarenta) empregados da Xerox Corporation, nos Estados Unidos, foram sumariamente demitidos em um mesmo dia, pois estavam visitando sites pornográficos ou esportivos durante o expediente. Os empregados chegaram a passar até 8 (oito) horas por dia em visitas inadequadas a sites da Web.

O mais surpreendente é que os empregados sabiam que estavam sendo vigiados por um programa que registra todos os acessos à Internet de todos os 92.000 empregados da empresa espalhados por todo o mundo.

De acordo com a empresa Scotts Valley, fabricante de programas que monitoram o acesso à Internet pelos empregados, perto de US$1 bilhão de dólares, ou quase 30% do que as empresas gastam em acesso à Internet, foi desperdiçado em visitas a sites recreacionais em um ano.

Em uma pesquisa recente, feita entre cerca de 1.200 empregadores pela Vault.com, companhia que publica relatórios sobre questões relacionadas com os locais de trabalho, 54% dos entrevistados declararam ter surpreendido seus empregados paginando sites da Internet que não tinham relação com o trabalho.

Em dezembro de 2001, a empresa "The New York Times" demitiu 23 (vinte e três) empregados por terem distribuído imagens pornográficas por correio eletrônico. As dispensas não foram resultado de monitoramento, e sim da reclamação de um empregado.

Segundo uma pesquisa na Inglaterra, o empregado britânico gasta em média 30 (trinta) minutos da sua jornada de trabalho na Internet, sendo metade deste tempo (50%) para ver material pornográfico.

De 191 grandes companhias inglesas, 84% dão aos empregado acesso ilimitado à Internet. O empregado que ganha por ano US$30 mil dólares dá prejuízos de US$4 mil ao seu empregador, em tempo de trabalho perdido e uso de linha telefônica para entrar na Internet. A pesquisa mostrou que, embora duas em cada cinco companhias já tiveram problemas sérios devido ao uso impróprio da Internet, os casos que requereram medidas disciplinares chegam apenas a uma quinta parte do total. Entende-se que metade (50%) destas companhias não possuem política de controle de envio de correio eletrônicos para fora do seu recinto.

No Brasil, estima-se que 60% das grandes empresas forneçam para seus empregados algum tipo de correio eletrônico.


2. A NATUREZA TÉCNICA DO CORREIO ELETRÔNICO

Não se pode confundir a privacidade do empregado em suas correspondências e atividades privadas com o uso das tecnologias de comunicação no ambiente de trabalho.

A Internet não é, como alguns insistem em dizer, um ambiente sem regras ou mesmo diferente do mundo real. A rede é só um meio mais rápido e interativo de se fazer tudo o que já fazíamos antes por meios tradicionais. Pela Internet é possível ouvir rádio, ver televisão, ler jornais, livros, revistas, ver fotografias e, também, enviar e receber correio eletrônicos, que se assemelham as tradicionais cartas.

O correio eletrônico seria entendido como uma correspondência? Em caso positivo, correspondência fechada ou aberta? O correio eletrônico consistiria num endereço privativo do usuário, sendo equivalente a uma caixa postal eletrônica?

Alguns argumentam que não poderia ser entedido como correspondência aberta, não se confundindo com um quadro de mensagens público, pois somente o destinatário tem acesso às mensagens enviadas, mediante o uso de uma senha.

Outros defendem que cartas são fechadas, ao passo que os correio eletrônicos não têm esta proteção. Possuem proteção e esta é a função da senha que se digita para abrir a caixa postal mas, na realidade, a senha é só proteção para a caixa postal. Depois de baixadas, todas as mensagens podem ser vistas quantas vezes forem necessárias, sem o fornecimento de qualquer outra informação ou senha que identifique o leitor.

Seria uma correspondência comercial ou pessoal? Há alguns que argumentam que seria similar a uma correspondência comercial, uma vez que o e-mail leva o nome da empresa e que a sigla @ significaria em "atenção a", ou seja, o correio eletrônico é endereçado para a empresa, em atenção ao empregado. Portanto, a empresa poderia adotar o mesmo procedimento aplicado em relação às cartas comerciais, ou seja, qualquer um da empresa poderia abri-las, pois trata-se de documento comercial da empresa, que não enseja expectativa de privacidade e intimidade.

Pode ser equiparado a um cartão postal, uma vez que a Internet é um veículo aberto? Os técnicos em informática advertem que a Internet é um ambiente público, no qual não há expectativa de privacidade. Somente as mensagens criptografadas poderiam ser entendidas como veículos próprios para a manutenção da privacidade entre as partes.

O correio eletrônico seria equiparado a uma conversa telefônica, uma vez que a internet é um veículo que se utiliza da rede telefônica? Contudo, sabe-se que atualmente a tecnologia avançou muito e não poderia ser fazer tal afirmação geral.

Poderia ser entendido como um conjunto de dados? Alguns argumentam que a informática é um conjunto de dados, ou seja, de símbolos.

Finalemnte, há os que argumentam que não havendo legislação regulando o assunto, a sua natureza seria sui generis.


3. A NATUREZA JURÍDICA DO CORREIO ELETRÔNICO

Atualmente, uma das grandes questões que tem movido a discussão na comunidade jurídica é a que diz respeito à inviolabilidade da informação contida nos correio eletrônicos. Muito se fala sobre a falta de legislação no que tange a Internet no Brasil.

Seria a confidencialidade destes, equiparados com aquela existente para a correspondência tradicional? No Brasil, não há legislação específica, nem linha jurisprudencial clara com relação a este assunto.

A transmissão de dados via Internet seria caracterizada como troca de correspondência, capaz de autorizar o sigilo tratado no art. 5o, XII da Constituição Federal e da Lei 6.538, de 22.06.1978 que trata dos serviços postais no Brasil?

Desde o advento da Constituição Federal de 1988, que o inciso XII do art. 5º do referido diploma legal, vem suscitando controvérsias jurisprudenciais e doutrinárias quanto à interpretação do mesmo.

O dispositivo normativo em questão preconiza ser "inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal e instrução processual penal."

O ponto discordante e que a hermenêutica jurídica ainda não conseguiu tornar pacífico, versa sobre o "último caso" enunciado pelo inciso.

Que último caso seria este? Compreenderia tal expressão apenas as comunicações telefônicas ou estas perfariam uma unidade, um conjunto com "dados" em decorrência da conjunção e?

Se coubesse ao inciso restringir-se às comunicações telefônicas, elencaria da seguinte forma: correspondência, comunicações telegráficas, dados, comunicações telefônicas.

Mas, ao invés de preferir a vírgula após o substantivo "correspondência", o legislador constituinte preferiu a conjunção aditiva "e", compondo uma unidade integrada por correspondência mais comunicações telegráficas.

A Lei nº 9.296, de 25 de julho de 1996, foi promulgada para elidir essas dúvidas. O "último caso" para o qual admiti-se interceptação da comunicação nos termos constitucionais, corresponderia a dados e comunicações telefônicas?

O parágrafo único do art. 1º da referida lei que prevê: "a interceptação de comunicações telefônicas de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal dependerá de ordem do Juiz competente da ação principal, sob requerimento de segredo de justiça. Parágrafo único: O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação de comunicações de sistemas e em telemática."

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Melo, já em 1992, na Questão de Ordem da Petição 577, havia tido idêntica interpretação do inciso supracitado.

O Ministro Luiz Vicente Cernichairo, do Superior Tribunal de Justiça adverte que: "a Lei 9.296, de 24 de Julho de 1996, regulamenta o inciso XII, parte final do art. 5o. da Constituição Federal - trata da interceptação de comunicações telefônicas, aplicando-se também ao fluxo de comunicações em sistemas de telemática. O legislador mostrou-se cauteloso. Adotou o sistema da verificação prévia, ou seja, nenhuma interceptação será lícita, se o Juiz não autorizá-la".

Entretanto, a Lei nº 9.296/96, ao invés de solucionar as controvérsias, fomentou-as, pois insignes doutores bradam contra o parágrafo único do seu art. 1º alegando sua inconstitucionalidade.

A doutrina entende que a comunicação de dados pode ser interceptada da mesma forma que as comunicações telefônicas, porque ambas possuem uma característica em comum: a instantaneidade, ou seja, consumadas as mesmas, nada sobra que possa ser retido como instrumento de prova de um ilícito penal, como ocorre com a correspondência e o telégrafo, hipóteses que permitem a apreensão de objetos tangíveis, quais sejam, a carta e o telegrama, suscetíveis de propiciarem uma investigação eficaz. Assim, um delito pode ser planejado, executado, bem sucedido e até comemorado no ciberespaço, sem que qualquer informação fique inexorável e indelevelmente arquivada em qualquer lugar, podendo prejudicar a produção de provas contra os executores desse delito.

Diante disso, para evitar que criminosos ficassem à margem e a salvo da lei, protegidos por um eventual arcaísmo do Direito, é que o parágrafo único do art. 1º da Lei 9.296/96 abrangeu a comunicação de dados como passível de interceptação legal.

Primando a comunicação pela instantaneidade, pela fugacidade, urge sua interceptação nos termos legais, i.e., quando houver real necessidade em investigação criminal e instrução processual penal e mediante ordem judicial.

Dessa maneira, pode-se dizer que quando da forma de comunicação resultar algo tangível, perceptível materialmente e que, conseqüentemente, possa ser apreendido para fins de investigação ou processo criminal, então o sigilo será absoluto, não podendo a comunicação ser interceptada, como ocorre com a correspondência, com a comunicação telegráfica e mesmo com a comunicação de dados em sistemas informáticos quando os dados em questão repousarem em bancos ou arquivos próprios.

No entanto, como já o dissemos, há quem considere inconstitucional o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.296/96. Assim, o último caso de que fala o inciso XII, do art. 5º, da CF/88, restringir-se-ia a comunicações telefônicas, pois estas vêm por último, por derradeiro, no breve elenco de formas de comunicação integrantes do inciso supracitado.

Portanto, para cogitar-se a quebra de sigilo de comunicação, cinco requisitos precisam ser atendidos: a instantaneidade da mesma; a existência de fortes indícios da autoria ou participação em infração penal; a ordem judicial competente; o procedimento plenamente vinculado (à Lei nº 9.296/96) e o fim legítimo (impossibilidade da prova ser feita por outros meios disponíveis).

Sobre o caráter de ser ou não o correio eletrônico uma correspondência fechada, além dos argumentos iniciais acerca da questão da senha e da característica eminentemente aberta deste recurso que a Internet nos proporciona (o que leva algumas pessoas a considerar o correio eletrônico mais um cartão postal do que uma carta), salienta-se que o correio eletrônico não está entre os objetos descritos na Lei nº 6.538/78, que dispõe sobre os serviços postais e em seu artigo 7º, parágrafo 1º relaciona o que é passível de ser chamado de objetos de correspondência, entre os quais temos apenas carta, cartão-postal, impresso, cecograma e a pequena-encomenda.

Vale dizer ainda que a definição de carta nesta mesma lei, em seu artigo 47, diz expressamente: "ser este objeto de correspondência, com ou sem envoltório, sob a forma de comunicação escrita, de natureza administrativa, social, comercial ou qualquer outra que contenha informação de interesse específico do destinatário".

Além disso, de acordo com a Constituição Federal (art. 21, inc. X) e com o artigo 2º da mencionada Lei, os serviços de correio são aqueles explorados em caráter exclusivo pela União, através de empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações.

A Lei e Constituição, portanto, impedem que servidores prestem serviço postal e de telegrama. Por esse motivo, parece razoável afirmar que tais prestadores de serviços não desenvolvem atividade que, pelo ordenamento legal, é reservada ao Estado e que, portanto, os correio eletrônicos não se confundem com a definição de carta e telegrama tratada na Lei.

Durante um congresso de Direito Eletrônico na cidade de São Paulo em 2000, o Ministro Nelson Jobim comentou a tendência do STF considerar a violação do correio eletrônico não como violação de correspondência (inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal), mas da privacidade (inciso X do mesmo artigo), mostrando a tendência de não se equiparar o correio eletrônico a carta em nosso sistema legal.


4. O PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR VERSUS DIREITO À INTIMIDADE DO EMPREGADO

A Constituição Federal de 1988 adotou o modelo capitalista quando previu o princípio da proteção da propriedade privada. Com base neste princípio, o empregador tem legítimo direito de regular o uso dos bens da empresa.

No Direito do Trabalho, o art. 2º da CLT prevê o poder diretivo do empregador para dirigir a prestação de serviços dos seus empregados, podendo regular como se utilizarão os recursos da empresa no ambiente de trabalho.

Ao empresário, que tem o poder hierárquico para dirigir a prestação de serviços por seus empregados cabe regulamentar como se utilizarão os recursos da empresa no ambiente de trabalho.

Inegável que o empregado tem direito à sua intimidade e à sua privacidade no ambiente de trabalho. Tem o direito de se proteger da entrada indevida do seu empregador em sua vida pessoal.

A origem do conceito jurídico de intimidade é norte-americano. Em 1873, o juiz Thomas A. Cooley, em sua obra "The Elements of Torts", o definiu como "the right to be let alone", ou seja, o direito a ser deixado em paz, ou de ser deixado só.

A previsão normativa específica da proteção da vida privada não tem sido contemplada em nossos textos constitucionais. Apenas recentemente com a atual Constituição Federal brasileira, é que a matéria alcançou tratamento personalizado, pois afirma serem em seu artigo 5, X:

"invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

É indubitável que na época atual devido ao aumento considerável da informação que se dispõe acerca de uma pessoa deve haver a necessidade de resguardo do direito à intimidade protegido por intermédio de uma série de garantias jurídicas frente à intromissão dos demais, feito que ultimamente é mais freqüente pelo surgimento da Informática. 

Portanto, no âmbito laboral coexistem 2 (duas) tendências:

a) Há um interesse legítimo do empresário em utilizar as enormes vantagens proporcionadas pelo tratamento automatizado de dados com vistas de aumentar a eficácia de sua gestão pessoal.

b) Por outro lado, esse acesso e tratamento de dados pessoais do trabalhador, pode por em perigo direitos fundamentais do mesmo, e, sobretudo, seu direito a intimidade.

Haveria uma colisão de direitos? Direito de propriedade e poder diretivo do empregador versus direito à privacidade e intimidade do empregado?

É inegável que o poder diretivo do empregador sobre os empregados lhe permite traçar regras que mantenham a empresa funcionando sem prejuízo, seja qual for o empregado sob sua autoridade.

O Dr. Carlos Roberto Fornes Mateucci afirma que quando o empregador coloca um computador ao dispor do empregado, o faz para uso diretamente ligado as atividades do seu negócio, esteja ele conectado na rede ou não.

A empresa tem o direito de através de seu departamento técnico criar nomes de usuário e senha de acesso para cada empregado, estabelecer direitos e privilégios destes na rede e efetuar, sem prévio aviso, a mudança nestes nomes, senhas e/ou privilégios. É importante que tanto o nome de usuário quanto à senha de um empregado na rede da empresa sejam atribuídos por ela, e não pelo empregado.

A motivação disso é simples, pois o empregado pode ficar doente, faltar, pedir demissão ou mesmo ser despedido sem que o serviço que este prestava tenha de sofrer qualquer atraso ou interrupção.

Se a senha de uma estação é privada, tal se torna mais difícil, o que não ocorrerá se a senha puder ser suprida pelos técnicos da empresa para que outro possa exercer as atividades daquele que, temporária ou definitivamente, não está ali para trabalhar.

O poder de organização permite que o empregador expeça regras para o andamento dos serviços na empresa. Estas normas, podem ser positivas ou negativas, gerais ou específicas, diretas ou delegadas, verbais ou escritas.

Nas grandes empresas o poder de organização também se manifesta através da imposição unilateral de um conjunto de normas estruturais chamado Regulamento Interno de Trabalho, cujo teor obriga tanto a comunidade de trabalho como o empregador.

Argumenta-se que existem áreas onde o controle das correspondências e

dos telefonemas é lícita e viável, inclusive visando a proteção do empregado. Isto ocorre em áreas especialmente sensíveis, como por exemplo, a mesa de valores de um banco, onde através deste tipo de controle se pode identificar os responsáveis por uma ordem de compra e venda.

Seria razoável em áreas como o telemarketing, onde o poder diretivo do empregador abrange o direito de controlar as tarefas de seus empregados, o que só pode ser feito através do monitoramento das chamadas telefônicas.

Argumentam alguns que se o empregador pode normatizar o uso pelos seus empregados dos veículos que possui, pode regular o uso do telefone e dos demais equipamentos, como não poderia fazê-lo sobre o tráfego na rede ou de seus correio eletrônicos?

Deveria o empregador aceitar que um empregado divulgasse o endereço da empresa como seu endereço pessoal de correspondência e daí em diante recebesse cartas e encomendas pessoais no seu local de trabalho?

Além do lugar adequado para armazenamento disso tudo, fatalmente surgiriam os casos de furto de cartas e encomendas entre eles e casos de furto de materiais da empresa levados através dos pacotes recebidos.

Nas hipóteses dos empregados que teriam de parar o trabalho e se dirigir até a portaria para receber encomendas registradas e na tendência deles a querer interromper o serviço para ler o que receberam. Se a perspectiva já é ruim, imagine outros perigos como pacotes bomba ou na atual ameaça de anthrax e visualize o risco para o seu negócio, até mesmo em relação aos outros empregados, pois se algo ocorrer na empresa, quem seria o responsável?

Poderiam os empregados mandar, da empresa e as expensas desta, suas cartas e encomendas? Argumentam-se que como se pretende aceitar ambas as situações imaginadas, só porque elas ocorrem com algo imaterial (e as vezes nem tanto) como o correio eletrônico? Por acaso o risco é menor?

Há alguns que argumentam que não há privacidade do empregado no ambiente do trabalho. Tal afirmação não pode ser convalidada, pois é demasiadament extremista. O empregado tem interesse legítimo de ter respeitada a sua privacidade e sua intimidade dentro dos limites impostos pelo empregador. Por outro lado, como equilibrar ambos os direitos? Como estabelecer tais limites, sem se fazer do local de trabalho um lugar opressor e pesado para o empregado?


5. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR

A empresa, dona do equipamento que acessa a rede, da conta que permite a conexão e empregadora de quem está navegando ou mandando correio eletrônicos, é responsável pelos atos desta pessoa, tanto quanto o é pelos do motorista que, ao volante de um caminhão de sua propriedade, atropela e mata alguém.

A empresa é responsável pelos danos materiais e morais causados por atos de empregados, consoante Súmula 341:

"É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto".

Portanto, se um empregado, através do correio eletrônico da empresa onde trabalha, remete uma mensagem com vírus para terceiros e causa prejuízos, sua empregadora poderá ser obrigada a ressarcir os danos, materiais e morais da mesma maneira, sem contar a questão relativa a publicidade negativa que isso trará para seu nome.

No local de trabalho, o empregador tem uma preocupação legítima para que o empregado não divulgue informações confidenciais da empresa a outrem ou que não transmita correios eletrônicos com conteúdo não apropriado que não sejam relacionados ao trabalho, tais como materiais pornográficos ou piadas para não sobrecarregar a rede da empresa causando, em alguns casos, a perda de conexão resultando no não recebimento de arquivos importantes ou na necessidade de aquisição de placas de memória para ampliação da capacidade dos sistemas.

Sem mencionar o recebimento de vírus que podem vir anexados a correio eletrônicos e que podem causar um dano irreparável, como foi o caso do vírus "I Love You".


6. A IMPORTÂNCIA DA POLÍTICA PÚBLICA DE USO DE INTERNET

O empregador, com fundamento no poder diretivo, pode estabelecer uma política pública sobre o uso da rede e dos meios de informática no local de trabalho. Esta política, que pode ser uma norma coletiva ou um Termo Aditivo ao contrato de trabalho (como permite o artigo nº 444 da CLT), deve tratar não apenas de dar ciência ao empregado de que a rede, o equipamento, o nome de usuário e a senha que usa são propriedade da empresa e que seu tráfego é continuamente monitorado, como também explicitar para ele o que será aceito ou não como conduta nas comunicações eletrônicas, suas responsabilidades e deveres quanto ao sigilo dos dados e documentos que manipula ou tem acesso.

Além disso, deveria conter informações sobre a proibição da eliminação de correspondências eletrônicas, proibição de transmissão de mensagens com conteúdo sexual, racial, político ou religioso (ofensivas ou não), proibição de mensagens agressivas ou difamatórias, proibição de cópia, distribuição, posse ou impressão de material protegido por direitos autorais, proibição de instalação ou remoção software no equipamento da empresa, proibição de uso da rede para atividades não relacionadas com a empresa, proibição do uso da rede para atividades ilegais ou que interfiram com o trabalho de outros (interna ou externamente), proibição do o uso dos equipamentos computacionais da empresa para conseguir acesso não autorizado a qualquer outro computador, rede, banco de dados ou informação guardada eletronicamente (interna ou externamente), proibição da consulta de correio eletrônico de contas particulares (via software dedicado ou mesmo browser) em equipamento da empresa, mesmo fora do horário de trabalho, notificação expressa de quais palavras e/ou arquivos não podem ser empregados em mensagens destinadas a sair da rede interna da empresa, conhecimento dos limites de acesso de cada pessoa/setor na estrutura interna da rede da empresa.

O advogado Renato Opice Blum, especialista em direito de informática, sugere às empresas que quiserem fazer o monitoramento que quebrem a expectativa de privacidade do empregado, por meio do contrato, de códigos de conduta e de "pop ups" na tela do computador lembrando que o usuário está sendo monitorado. Ele também recomenda que as empresas reservem um período diário, de 10 a 30 minutos, para que o usuário use o sistema para fins pessoais.

Outro debate interessante é sobre a licitude da "cláusula de invasão de privacidade". Trata-se de cláusula pela qual o empregado ao ser admitido assina uma declaração na qual se declara ciente, e de acordo, de que seus telefonemas e sua correspondência - em papel, ou por meio eletrônico – possam ser devassadas pela empresa, sem aviso prévio.

Alguns entendem que tal cláusula não poderia ser tolerada, em face dos direitos da personalidade e da proteção à intimidade das comunicações. Acrescentam que é inadmissível que, no ato da admissão, no qual o candidato se encontra vulnerável, se exija a assinatura de um termo que atenta contra um valor Constitucionalmente tutelado.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, já admitiu que a revista pessoal, realizada pelo empregador em empregados sob certas circunstâncias não ofende ao inciso X do art. 5º da Constituição (relativo à preservação da intimidade e privacidade, entre outros direitos).

Na ocasião foi julgado Agravo 220459/RJ, que teve como Relator o Ministro Moreira Alves e votação unânime em 1999 (neste acórdão decidiu-se ainda que a revista pessoal também não ofende os incisos II, III e LVII do mesmo artigo 5º).


7. A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE JUSTA CAUSA E AS CONSEQÜÊNCIAS NAS ÁREAS CÍVEL, TRABALHISTA E PENAL.

O uso indevido do correio eletrônico pode configurar justa causa, conforme disposto no art. 482 da CLT. Em vista do fato de que o ônus de prova da justa causa é do empregador, é importante que estejam presentes todos os elementos tipificadores de referida dispensa, tais como:

a) o fato deve estar tipificado nas hipóteses de justa causa previstas no artigo 482 da CLT;

b) deve haver imediatividade do ato;

c) deve haver gravidade tal que impossibilite a manutenção do vínculo de emprego;

d) inexistência de perdão tácito ou expresso e;

e) apreciação das condições do empregado e do seu passado na empresa.

Salientamos que a legislação trabalhista não estabelece a gradação da pena em caso de dispensa com justa causa, ficando ao critério do empregador. No entanto, se a falta é grave, como de furto, o empregado deve ser dispensado de imediato. É recomendável que referida gradação seja prevista em regulamento interno da empresa para reconhecimento da justa causa.

A prova da justa causa deve ser robusta e o ônus de referida prova é do empregador. No caso de monitoramento de e-mails, a prova poderia ser considerada ilícita? Em caso positivo, a empresa deveria requerer judicialmente a quebra de sigilo das mensagens? Em caso de ser entendida como ilítica, poderia ainda ensejar ação de danos morais pelo empregado?

Portanto, há o risco de se entender que a prova é ilícita, sendo assim, não estaria configurada a justa causa. Além disso, há o risco de pleito de danos morais. Por esta razão, alguns não recomendam a demissão por justa causa em casos de uso indevido de correio eletrônico.

Em relação aos aspectos penais, no caso de violação de correio eletrônico

pelo empregador, em nosso ordenamento jurídico nacional criminal, encontramos disposição sobre a matéria em seu Título I – "Dos Crimes Contra Pessoa", onde o bem jurídico, que é o sigilo das informações, é tutelado pela Seção III – "Dos crimes contra a inviolabilidade de correspondência", conforme disposto a seguir:

VIOLAÇÃO DE CORRESPONDÊNCIA

Art. 151 - Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

VIOLAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEGRÁFICA, RADIOELÉTRICA OU TELEFÔNICA

Art. 151, § 1º II - quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre pessoas;

Pena – detenção, de um a três anos.

Em vista dos riscos apontados acima, alguns entendem se a empresa suspeitar que seus empregados praticam fraudes, e agem através do uso das redes de computadores, deveria requerer judicialmente a quebra do sigilo das mensagens, a fim de apresentar em juízo uma prova que venha a caracterizar a justa causa, de maneira robusta.

Contudo, também não é entendimento pacífico, pois alguns questionam qual órgão seria competente para apreciar tal pedido: a Justiça do Trabalho ou a Justiça Penal? A Constituição Federal é expressa no sentido de que: "somente, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal e instrução processual penal". Portanto, cabe aqui novo debate.


8. O ENTENDIMENTO ATUAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO

A demissão de empregados por justa causa pelo uso indevido do correio eletrônico profissional é uma prática usada por algumas empresas que se sentem prejudicadas pelo procedimento. Até o momento, apenas dois casos chegaram aos tribunais brasileiros e os magistrados tomaram posições opostas.

Em um deles, a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), ao analisar o envio de um único correio eletrônico do tipo "corrente", no horário de café do remetente, decidiu que a conduta não tipifica justa causa e que "a violação de correspondência, ainda que eletrônica, fere a garantia à intimidade", porque correio eletrônico é correspondência enviada pelo computador.

A outra decisão, recentemente reformada pela 3ª Turma do TRT da 10ª Região (Distrito Federal e Tocantins), não acolheu a alegação de justa causa feita pela seguradora por entender que a prova de mau procedimento (envio de correio eletrônicos com conteúdo pornográfico) fora obtida ilicitamente, devido à suposta violação da correspondência (correio eletrônico) do empregado.

Não obstante, importa reconhecer que o tema envolve outros aspectos, indo muito além do debate acerca da existência ou não da justa causa para eventual demissão do empregado em falta. Trata-se, em verdade, de antes de mais nada, estabelecer-se o poder do empregador na fiscalização de utilização da Internet pelo empregado.

1. Decisão – Processo n. 13.000613/2000 - Origem: 13ª. Vara de Brasília – HSBC

O autor foi demitido por ter utilizado correio eletrônico da empresa para enviar fotos pornográficas para colegas de trabalho. A empresa possuía em seu regulamento interno norma expressa no sentido de que o uso do correio eletrônico deveria ficar restrito ao trabalho, confessando o autor que inclusive recebeu cópia de referida norma via correio eletrônico interno da empresa. A empresa realizou rastreamento do correio eletrônico e descobriu que o autor enviou inicialmente o correio eletrônico para trainee da empresa, que reenviou para outros colegas, tendo a mensagem espalhado-se. A empresa confessou que para ter acesso ao autor e conteúdo do correio eletrônico fez rastreamento através de seu provedor interno. Portanto, a pessoa que noticiou o fato à reclamada, não foi nenhum das pessoas que integraram a cadeia de distribuição do correio eletrônico.

Fundamentação da sentença de 1a. instância – 09/10/2001

A decisão proferida pela 13ª Vara de Brasília em 09.10.2001, entendeu que a prova da justa causa praticada pelo empregado era ilícita, uma vez que a empresa não tem o direito de violar as correspondências eletrônicas de seus empregados, pelo princípio constitucional do sigilo das correspondências, portanto, não restou provada a justa causa efetuada pela empresa, após a ter encontrado material pornográfico em sua caixa de correio eletrônico.

A prova pretendida pelo Reclamado, a fim de provar a justa causa alegada, não pode ser admitida em juízo em razão de flagrante ilegalidade, já que violada a correspondência do Autor. O Reclamado teve acesso ao teor do correio eletrônico, diretamente, através do provedor que é administrado e mantido pelo próprio Reclamado. Ficou, portanto, patente, que o acesso ao inteiro teor da correspondência eletrônica foi feito sem a participação ou expressa anuência de nenhum dos integrantes da cadeia de comunicação eletrônica, o que, por si só, caracteriza a violação da correspondência e a quebra da legalidade.

Ao julgar o caso, o juiz considerou que a conduta poderia ensejar justa causa, uma vez que o empregado descumpriu a determinação contratual de usar o correio eletrônico somente para assuntos profissionais. Mas a sentença não admitiu a mensagem como prova, pois houve violação do correio eletrônico. A Justiça segue a teoria de que a prova obtida por meio ilícito prejudica todo o processo.

Segundo a decisão, o monitoramento de correio eletrônicos fere o artigo 51, inciso XII da Constituição, que define como inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas.

A Constituição Federal consigna serem inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. (art. 51, LVI). Ainda que, se nos autos possa haver prova de que a conta de correio eletrônico tenha sido distribuída ao Autor com essa restrição/condição, tal circunstância, de modo algum, autorizaria o Reclamado a, quebrando o sigilo da correspondência, ter acesso ao teor do correio eletrônico sem a anuência do Autor, ou de algum dos integrantes da cadeia.

O fato do Autor descumprir a determinação do Reclamado para somente usar sua conta de correio eletrônico para cuidar de assuntos do serviço poderia ser fato grave o suficiente para ensejar a rescisão por justa causa, conforme o caso.

Mas isso não se confunde com os meios através dos quais o Reclamado teve acesso ao teor do correio eletrônico, uma vez que para isso imprescindível que o acesso seja lícito (Constituição, art. 51, LVI, c/c art. 332, do CPC), sem mácula a nenhum princípio ou garantia constitucionalmente assegurada, inclusive o da inviolabilidade do sigilo da correspondência. (art. 51, XII).

Ao Supremo Tribunal Federal, mesmo antes da promulgação da Constituição de 1988, havia sinalizado para a adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada. Todo o conjunto probatório em relação aos fatos ensejadores da alegação de justa causa, incluindo a alegação segundo a qual o autor teria inobservado determinação do Reclamado no sentido de usar a conta de endereço eletrônico exclusivamente para tratar assuntos do serviço, depoimento de testemunhas, confissão de parte, etc. C estão, portanto, contaminados, vez que o acesso ao correio eletrônico efetuado pelo Reclamado se deu de modo ilegal, com violação ao art. 51, XII, da Constituição. "

O artigo 5º, LVI, da Constituição, estabelece: "são inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos", fazendo com que a prova assim colhida não poderá ser aceita num processo criminal, nem será admitida pela Justiça do Trabalho para caracterizar uma justa causa para despedir o empregado, ainda que desonesto.

Provas ilícitas são aquelas cuja obtenção decorre da "violação de normas judiciais de qualquer natureza, especialmente daquelas que protegem os direitos fundamentais (normas constitucionais)".

Assim, se tal prova for utilizada num procedimento interno da empresa, e que resultar na demissão do empregado, ainda que sem justa causa, por um ato decorrente da invasão de privacidade, como p. ex. comentários sobre o chefe, críticas, atos de insubordinação, etc... este poderá requerer indenização pelos danos morais decorrentes da invasão de privacidade.

Fundamentação do acórdão do Tribunal da 10ª. Região

Em decisão inédita na Justiça do Trabalho, a 3ª Turma do TRT-10ª Região reconheceu, de forma unânime, a justa causa na demissão de ex-empregado do HSBC Seguros Brasil S/A acusado de enviar fotos pornográficas por correio eletrônico utilizando o provedor da empresa.

A juíza relatora, Márcia Mazoni, reformou a sentença da 13ª Vara do Trabalho de Brasília, que não acolheu a justa causa alegando terem sido as provas obtidas de modo ilegal, com violação do artigo 5°, inciso XII, da Constituição Federal, o qual estabelece o sigilo da correspondência e das comunicações, salvo por ordem judicial.

Para a juíza relatora Márcia Mazoni, a utilização pessoal de correio eletrônico funcional para fins estranhos ao serviço e de conseqüências nocivas à reputação da empresa é ato grave suficiente para a dispensa por justa causa.

Além disso, a juíza entende que o dispositivo constitucional de inviolabilidade da correspondência, não se aplica ao caso, uma vez que todos os instrumentos são de propriedade da empresa e disponibilizados aos empregados para suas atividades, não existindo "confidencialidade", motivo pelo qual não se configuraria a suposta violação à garantia da intimidade e à obtenção de provas por meio ilícito.

O controle do correio eletrônico seria a forma mais eficaz, tanto de proteção e fiscalização das informações que tramitam na empresa, inclusive sigilosas, quanto de evitar o mau uso da Internet, que pode até mesmo atentar contra a moral e os bons costumes, causando à imagem da empresa prejuízos imensuráveis. Ela enfatizou a responsabilidade solidária que recai sobre a empresa pelos atos de improbidade ou delitos praticados por seus empregados.

Para a juíza Márcia Mazoni, a utilização pessoal de correio eletrônico funcional para fins estranhos ao serviço e de conseqüências nocivas à reputação da empresa é ato grave suficiente para a dispensa por justa causa, tendo em vista a total quebra de confiança entre empregador e empregado, tornando impossível a relação de emprego.

Para a redatora, entretanto, o dispositivo não se aplica ao caso, já que todos os instrumentos são de propriedade da empresa e disponíveis aos empregados para suas atividades, não existindo "confidencialidade", motivo pelo qual não se configuraria a suposta violação à garantia da intimidade e à obtenção de provas por meio ilícito.

Segundo a redatora, a decisão do TRT da 10ª Região pode influenciar o entendimento da Justiça do Trabalho de São Paulo, que analisa as demissões por justa causa, ocorridas no início deste mês, de empregados da Ford do Brasil que repassaram correio eletrônicos com conteúdo pornográfico.

2. Decisão – Processo n. 752/2000 – Rito sumaríssimo - 37ª. Vara do Trabalho de São Paulo - UNIMED

O reclamante retransmitiu um correio eletrônico do tipo corrente, ou seja, prometia um ganho com o reenvio da mensagem a um certo número de pessoas. No caso, a Microsoft pagaria US$5,00 a cada correio eletrônico enviado. Apurou-se durante a instrução que referido correio eletrônico foi enviado na hora do café. O ex-empregado confessou ter assinado termo aditivo ao contrato de trabalho, declarando que a utilização do computador, inclusive para envio de correio eletrônicos, era exclusivo para uso profissional. A empresa confessou que há política de monitoramento de correio eletrônicos dos empregados.

Fundamentação da sentença de 1ª. instância – 11/05/2000.

O juiz da Vara do Trabalho entendeu que o autor confessou que utilizou indevidamente equipamento da empresa remetendo correspondência a colegas, sem relação com o objeto de trabalho, violando norma de aditivo ao contrato de trabalho, mantendo a justa causa aplicada pela empresa.

Além disso, fundamentou que pouco importava que o uso ocorreu durante o horário do café, pois a vedação era para uso e não para a utilização do equipamento em determinado momento.

Fundamentação do acórdão do Tribunal da 2ª. Região – 03/08/2000.

O Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo reformou a decisão concluindo que não restou tipificada a justa causa, conforme ementa abaixo descrita:

Justa Causa. "Correio eletrônico" caracteriza-se como correspondência pessoal. O fato de ter sido enviado por computador da empresa não lhe retira essa qualidade. Mesmo que o objetivo da empresa seja a fiscalização dos serviços, o poder diretivo cede ao direito do obreiro à intimidade (CF, art. 5°, inciso VIII). Um único "correio eletrônico", enviado para fins particulares, em horário de café, não tipifica justa causa. Recurso provido.

O Tribunal analisou (dois) 2 pontos em referida decisão: o primeiro diz respeito a violação da intimidade do empregado e o segundo diz respeito a proporcionalidade da pena aplicada pelo envio de apenas um correio eletrônico.

A primeira é extremamente contundente quando assevera que o "correio eletrônico" caracteriza-se como correspondência pessoal. O fato de ter sido enviado por computador da empresa não lhe retira essa qualidade, pois o endereço eletrônico pertence ao empregado.

Manifesta a violação a correspondência, ainda que eletrônica, fere a garantia a intimidade. Mesmo que o objetivo da empresa seja a fiscalização dos serviços, o poder diretivo cede ao direito do obreiro à intimidade (CF, art. 5°, inciso VIII)". O Tribunal afirma que por analogia, o caso equivale a escuta de conversa telefônica.

Ora, uma afirmação desse tipo é extremamente temerável, pois dá carta branca ao empregado que escudado no princípio da intimidade assegurado na Constituição poderá utilizar-se do correio eletrônico para quaisquer fins, pois o empregador não terá o direito de filtrá-lo para investigação e correta aplicação dos bens utilizados para a produção.

Além disso, referida conclusão não soluciona de maneira eficaz o problema trazendo a nosso sentir maior insegurança nas relações trabalhistas. Lembramos ainda que o direito a intimidade, é igual aos demais direitos fundamentais não sendo absoluto e podendo ceder ante os interesses constitucionalmente relevantes, sempre que seja necessário para lograr um fim legítimo, proporcionando o respeito ao conteúdo essencial do direito.

O segundo aspecto diz respeito a proporcionalidade da falta. Conclui o acórdão que "um único "correio eletrônico", enviado para fins particulares, em horário de café, não tipifica justa causa, principalmente praticada por empregado, com mais de 3 (três) anos no emprego, sendo inadmissível o rigor da reclamada".

Devemos reconhecer que o trabalhador deva ter direito a uma comunicação externa durante o horário de trabalho, incluído dentro da empresa. O empregador tem que aceitar o que se denomina direito ao uso social do correio eletrônico. Logicamente, dentro do ambiente de trabalho também pode haver o uso pessoal, não abusivo e justificado, dos meios e comunicação da empresa.

Além disso, a ótica a ser observada não deve ser limitada a quantidade de correio eletrônicos e sim a prejudicialidade que sua utilização possa ocasionar a empresa.


9. VISÃO GERAL DE DIREITO COMPARADO

No Reino Unido, entrou em vigor em 23.10.2000 "The Telecomunication (Lawful Business Practice) (Interception Communications) Regulations 2000", que permite o monitoramento de correio eletrônicos dos empregados desde que os mesmos sejam comunicados sobre tal fato, não sendo necessária a obtenção do consentimento de qualquer empregado.

No Reino Unido, uma lei aprovada no final do ano passado, a RIP, sigla em inglês de Regulação de Poderes de Investigação, permite a empresas interceptar qualquer tipo de comunicação entre seus empregados, sem o conhecimento do remetente ou do destinatário, para fiscalizar, entre outras coisas, se as políticas da companhia estão sendo cumpridas.

Os patrões têm o poder de arquivar e ler qualquer mensagem eletrônica enviada e recebida por seus subordinados em computadores da empresa. A ‘‘espionagem’’ foi legalizada pelo governo e independe de autorização do trabalhador. E mais: o direito à bisbilhotice é assegurado também no caso de conversas telefônicas. Os objetivos são desestimular os correio eletrônicos inúteis ou pornográficos e evitar que o assalariado desperdice seu tempo de trabalho e o dinheiro real da empresa em bobagens virtuais.

Esta determinação tem a finalidade de facilitar o procedimento investigatório das transgressões, promovidas por intermédio da Internet. Acontece que, constata-se ser bem mais provável que os ataques aos computadores ingleses sejam originários de quaisquer outras localidades do mundo. Com isso, nas situações de maior incidência, as normas inglesas restariam inócuas, na medida que não se pode, a princípio, submeter os cidadãos de outras nacionalidades aos ditames legais da Inglaterra.

Nos Estados Unidos é freqüente que o empregado, no ato de sua admissão, assine um termo pelo qual se declara ciente que a empresa tem o poder de, sem aviso prévio, monitorar suas ligações telefônicas e mensagens enviadas, ou recebidas pelo correio eletrônico.

Os norte-americanos, através do Electronic Communications Privacy Act, reformulada em 1986, situam as comunicações havidas por meio eletrônico inclusive aquelas realizadas por intermédio de computador como pertencentes a esfera da privacidade do indivíduo.

Esse entendimento, inclusive, encontra respaldo em precedente norte americano. A doutrina especializada aponta que no caso Katz vs. USA questão sobre a possibilidade de monitoramento de ligação telefônica foi abordada e nela a Corte decidiu que a Constituição protege pessoas e não lugares. Entretanto, ressalva que, quando a pessoa se encontra em público não há que se cogitar da proteção Constitucional e que, portanto, a privacidade deve ser preservada onde há uma razoável expectativa de aquele ambiente seja privado.

Empregado não pode usar Internet sem ordem da empresa - Decisão da demissão por uso indevido da Internet, no local de trabalho, na Espanha. O empregado que envia mensagens pela Internet, sem autorização da empresa em que trabalha, pode ser demitido sem direito à indenização e salários pendentes.

O entendimento é da Sala Social do Tribunal Superior de Justiça Catalunya, na Espanha, ao julgar o caso de um empregado que enviou 140 mensagens a 298 destinatários de natureza obscena, humorística e sexual a terceiros e a outros colegas de trabalho.

A Justiça afirmou que o empregado não cumpriu sua real prestação de serviços, já que a empresa somente permite a utilização deste sistema de comunicação por motivos de trabalho.

Na França, em 02 de outubro de 2001, o Tribunal Superior do Trabalho entendeu que o empregador não pode interceptar os correio eletrônicos dos empregados ou ler correio eletrônicos pessoais, inclusive nos casos em que o empregador tenha proibido o uso do computador para fins pessoais. O Tribunal baseou-se no direito de privacidade previsto na Constituição Francesa e num caso de 1995, quando a empresa Nikon demitiu um empregado, alegando justa causa, por ele ter usado computador e tempo de trabalho para fins pessoais.


10. CONCLUSÃO

A tendência é a substituição gradativa do meio físico pelo virtual ou eletrônico, o que já ocorre e justifica adequação, adaptação e interpretação das normas jurídicas nesse novo ambiente. Na grande maioria dos casos é possível a aplicação das leis já existentes o que gera direitos e deveres que deverão ser exercidos e respeitados.

A crítica efetuada em privado, ainda que ofensiva, não pode gerar retaliações contra o empregado. E, como já foi ressaltado num acórdão do TRT da 3ª Região: "a inserção do empregado no seu ambiente de trabalho não lhe retira os direitos da personalidade, dos quais o direito à intimidade constitui uma espécie."

Óbvio que as regras devem ser discutidas e adaptadas as realidades de cada empresa mas, em linhas gerais, recursos, locais e ferramentas de trabalho devem ser usados exclusivamente para esta finalidade.

É salutar que, dependendo das características da rede da empresa e dos seus empregados, haver uma certa tolerância quanto a navegação e uso da Internet, até mesmo porque a rede é dinâmica e a descentralização das informações leva o usuário a navegar bastante até achar o que precisa.

Porém, não é nenhuma ameaça ao empregado ou sua privacidade impedi-lo de usar meios da empresa em benefício próprio ou em prejuízo da empresa e da sua hierarquia, se tal for devidamente explícito a ele desde logo.

O ponto relevante, entretanto, seria estabelecer se, naquele ambiente de trabalho e dentro daquela circunstância, a pessoa teria o direito à privacidade, ou se encontraria num ambiente íntimo.

O Dr. Carlos Roberto Fornes Mateucci afirma que o empregado tem os seguintes direitos: estar só, não ser incomodado e manter suas questões pessoais fora do conhecimento de terceiros. Contudo, para tanto, mister estabelecer em que situações e ambientes o direito à privacidade é assegurado e quando são tratados assuntos de seu específico interesse.

Há que se ter cuidado de não privilegiar a esfera patrimonial-financeira da empresa em detrimento da intimidade do empregado. Deve se delimitar quais são, dentro da empresa e sociedade em geral, os ambientes privados.

As iniciativas isoladas de determinados países, provavelmente, produziram efeitos isolados, ou, até mesmo, nulos. Faz-se necessária a promoção de amplas discussões internacionais, as quais conduzam à assinatura de tratados, que versem sobre matérias relativas à grande rede.

Não devemos permitir que o advento das novas tecnologias provoque o desaparecimento de algumas características, implicações ou abrangências da privacidade dos empregados na empresa, uma vez que as mesmas são cada vez mais freqüentes e essenciais para o intercâmbio de informação.

Não há premissas legais sobre o assunto no direito atual que viabilizem uma correta aplicação do direito, pois o mais correto seria uma reestruturação do direito a intimidade adequando-o as novas tecnologias da informação para que não permitam decisões radicais que pendam apenas em benéfico de uma das partes.

Acredito que não há como não vulnerar os direitos constitucionalmente protegidos, devendo no entanto, o empregador, optar, sensata e ponderadamente, por políticas adequadas de controle da atividade que favoreçam um ambiente de trabalho relaxado e confiável que proporcione autonomia e intimidade, evitando o receio, a pressão e o mal-estar dos trabalhadores por meio de condutas excessivas derivadas do poder empresarial.

Finalmente, entendo que o empregador poderá exercer o controle tecnológico sobre seus empregados, desde que seja analisado caso a caso e atendendo a estritos critérios de idoneidade, necessidade e proporcionalidade, a utilização de medidas de vigilância e controle que sirvam aos fins a que se pretendam causando o menor impacto possível sobre a intimidade e a dignidade do trabalhador, mas não vetando esse controle em todos os casos.


BIBLIOGRAFIA

PAIVA, Mário Antônio Lobato de Paiva. E-mail no ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 069/02.

SOUZA, Mauro Cesar Martins. E-mail na relação de emprego: poder diretivo do empregador (segurança) & privacidade do empregado. São Paulo: LTr, 64-07/863.

ARAÚJO, Luiz Alberto David. A correspondência eletrônica do empregado e o poder diretivo do empregador. São Paulo: Revista de Direito Constitucional, págs 97 e segts.

MATTEUCCI, Carlos Roberto Fornes. Privacidade Funcional: sigilo de e-mail no ambiente de trabalho é relativo. Artigo da internet.

Anônimo. Web no serviço. Empregado não deve usar e-mail para assunto particular. São Paulo: Revista Consultorr Jurídico, 13 de novembro de 2001.

MARTINS, Henrique de Faria. E-mail de funcionários pode ser violado. Artigo disponibilizado na página do CBEJI.

Material da palestra do Dr. Renato Opice Blum.

Diversos artigos da internet


Notas

1 Revista " Management". 2000.

2 Society of Financial Service. 2001.


Autor

  • Adriana Carrera Calvo

    Adriana Carrera Calvo

    coordenadora pedagógica e professora do Instituto de Ensino Jurídico Luiz Flávio Gomes (IELF, Curso Preparatório para Carreiras Públicas), mestranda em Direito do Trabalho pela PUC/SP, advogada trabalhista com experiência em escritórios de advocacia de São Paulo (Trench Rossi & Watanabe, Mattos Filho, Felsberg e Stuber Advogados)

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALVO, Adriana Carrera. O uso indevido do correio eletrônico no ambiente de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 638, 7 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6451. Acesso em: 24 abr. 2024.