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Normas do Mercosul versus governança regional: um entrave ao processo integracionista

Normas do Mercosul versus governança regional: um entrave ao processo integracionista

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Após 25 anos de formalização do Mercado Comum do Sul – MERCOSUL, é necessário verificar os entraves que provocam a estagnação deste bloco econômico.

RESUMO: Se faz necessário após 25 anos de formalização do Mercado Comum do Sul – MERCOSUL uma verificação acerca dos entraves existentes no âmbito interno, que promovam a estagnação deste Bloco Econômico. Sendo pertinente a análise de uma de suas características principais a intergovernabilidade e a sua relação direta com a latente governança regional existente no âmbito dos Estado-membros. Discutindo-se alternativas que possibilitem a formalização de um bloco forte, legitimo concretizando-se o processo integracionista na América Latina.

PALAVRAS CHAVE: Mercosul. Supranacionalidade. Intergovernabilidade. Integração.


INTRODUÇÃO

A história parece repetir-se em vários pontos do globo terrestre, especificamente no que se refere ao processo de globalização e integração econômica, ou seja, os grandes blocos formados tiveram sua origem na necessidade de fortalecimento inicialmente econômico em virtude do processo de globalização, que promoveu o estreitamento ou a aniquilação das fronteiras geográficas, com a crescente evolução tecnológica e comunicacional[1], além da imposição da cultura capitalista[2], que promoveu a perda de poder pelos Estados e o crescente fortalecimento de grandes empresas privadas que passaram a reterem para si a condução da economia a nível Global, trazendo diversas preocupações aos Estados e incentivando a formação dos processos de integração.

Diante deste fator determinante as formações deste Blocos Econômicos tornaram-se mecanismos essenciais para à sobrevivência dos Estados, não sendo diferente da realidade vivenciada na América do Sul, quebrando-se as barreiras comerciais. A nível Global a União Europeia é vista como o Bloco mais desenvolvido, a união promovida transcende apenas às questões econômicas, possuindo desdobramentos nas esferas políticas, jurídicas e com uma forte tendência de união social e cultural. Este Bloco promoveu e promove cotidianamente mecanismos de fortalecimento de seus objetivos comuns formalizados com a proposta da integração e fortalecidos pelo Direito Comunitário e a supranacionalidade[3].

Diferente da realidade Regional manifestada principalmente no Mercosul. O Mercado Comum do Sul surgiu não apenas do desejo de formalização de uma integração econômica, mas sim da necessidade de subsistência latente de Brasil e Argentina que se uniram em busca de “objetivos comuns”, mas com fortes tendências regionais, ambos os países passavam por momentos de transição política que atingiam diretamente suas economias, que já estavam sofrendo alterações pelo surgimento da Globalização, sendo determinante a criação de alternativas que lhes permitissem sobreviver economicamente, iniciando-se a integração com acordos bilaterais e ampliando-se com a formação do Mercosul.

Errôneo seria realizar a comparação entre as duas realidades apresentadas, tendo em vista que além da questão primordial da economia e da busca de objetivos comuns, destacando-se a zona de livre comércio, as realidades dos países membros de ambos os Blocos são muito diferentes, as realidades históricas, culturais e sociais são diversas em suas origens, gerando consequências diretas nos resultados das integrações existentes nos dias de hoje.

Diante desta realidade, o presente trabalho tem por foco central de análise o Mercosul, propondo-se  verificar inicialmente os avanços e regressos obtidos por este Bloco após mais de 20 anos de sua fundação. Em seguida verificar-se-á as principais consequências da adoção da intergovernabilidade como entrave ao desenvolvimento de forma integral dos objetivos do Mercosul, apresentando as intransigências trazidas com a valorização da Governança Regional pelos países membros, atingindo diretamente a legitimidade das decisões proferidas no âmbito o Mercosul.


1.CONSIDERAÇÕES ACERCA DA EXPERIÊNCIA DE INTEGRAÇÃO NO MERCOSUL

O processo de Integração regional é derivado das necessidades oriundas da Globalização, porém, esta por mais que seja um fenômeno global não é capaz de promover a realização de um único modelo de integração, este é variável conforme os países integrantes, suas culturas, sua conjuntura política dentre outras vertentes. No entanto, a motivação é única, unem-se em busca sempre de objetivos comuns, neste sentido doutrinadores estabelecem a integração como um processo cultural, que necessita da existência de comunicação entre os indivíduos integrantes dos Estado-nação participantes do Bloco[4].

Assim, a integração regional pode ser definida como o meio pelo qual se procura reunir nações em busca de igual objetivo, visando-se, principalmente, ao crescimento mútuo (RESEDÁ, 2002).

Diante desta conjuntura global deu-se a formação do Mercado Comum do Sul – MERCOSUL, criado inicialmente por um acordo de vontades entre Brasil e Argentina[5] e em seguida efetivada na data de 26 de março de 1991 com a assinatura do Tratado de Assunção, documento que promoveu a integração regional entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Este Bloco econômico tem como principal objetivo estabelecido no Tratado supramencionado a integração dos Estados Partes por meio da livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, do estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC), da adoção de uma política comercial comum, da coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais, e da harmonização de legislações nas áreas pertinentes (MERCOSUL).

O surgimento do Mercosul nas palavras de Alberto Amaral (2000) não pode ser imaginada fora dos marcos jurídicos e políticos surgidos com a redemocratização dos países latino-americanos. A complexidade da criação de um Mercado Comum entre economias com características diversas exige negociação contínua e capacidade de diálogo. O Mercado Comum do Sul passou por um período de adaptação de suas metas, objetivos e ideias nos países membros sendo este o período compreendido entre a assinatura do Tratado de Assunção e do Protocolo de Ouro Preto, assinado em 1994, documento que estabeleceu em definitivo o marco institucional deste Integração.  O Protocolo reconhece a personalidade jurídica de direito internacional do bloco, atribuindo-lhe, assim, competência para negociar, em nome próprio, acordos com terceiros países, grupos de países e organismos internacionais (MERCOSUL).

O Protocolo de Ouro Preto determinou em definitivo os órgãos responsáveis pela administração do Mercado Comum do Sul, que diferente da União Europeia, possui como característica a intergovernabilidade, ou seja, não constitui exemplo de integração supranacional de fato, muito embora seus objetivos caminhem para a estrutura da supranacionalidade, o que repercute diretamente na forma de aplicação das normas pelos estados membros (BARBOSA, 2016).

Citamos o posicionamento de Alberto do Amaral Junior em sua obra para demonstrar a importância das Instituições como verdadeiros instrumentos do processo de integração, a existência de instituições fracas e órgãos sem o condão de promover a união e em verdade sem nenhuma autonomia decisória, torna passível se questionar qual de fato as suas finalidades e o que de fato pretendem integrar, neste sentido citamos o mencionado autor, que traz a importância das instituições nos seguintes termos:

“1. possibilitam a incorporação ou a exclusão dos agentes sociais determinando em que condições os atores são considerados habilitados para participar dos procedimentos decisórios; 2. definem a maior ou menor probabilidade de que certos resultados venham a ocorrer. As instituições predeterminam o espectro de resultados possíveis e a probabilidade de sua verificação; 3. agregam e estabilizam a organização dos agentes que interagem com a instituição; 4. induzem padrões de representação que pressupõem o direito de falar em nome de outrem, bem como a capacidade de obter o reconhecimento e a adesão dos representados em relação às matérias decididas pelos representantes; 5. permitem a estabilização dos agentes, representantes e expectativas. Os representantes das instituições em geral esperam, dos demais atores, comportamentos que variam dentro de um nível limitado de possibilidades; 6. Ampliam o horizonte temporal dos atores, já que é possível esperar que as interações institucionalizadas tenham continuidade no futuro ou que sua alteração se processe de maneira lenta e gradual (O’Donnell, 1991, apud Amaral, 2000).

Diante deste fato torna-se imprescindível que se verifique quais são as funções dos órgãos que decidem e que regem esta Integração, quais suas principais características e o que de fato determinam, tendo em vista que em verdade consoante verificar-se-à no transcorrer deste trabalho suas decisões não são vinculativas aos países membros.

Conforme estabelecido no Artigo 1 do“Protocolo de Ouro Preto” sobre a Estrutura Institucional do MERCOSUL, os órgãos com capacidade decisória de natureza intergovernamental do MERCOSUL são: o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do MERCOSUL (MERCOSUL).

O primeiro órgão supramencionado, mais conhecido como CMC, ou órgão superior do MERCOSUL ao qual incumbe a condução política do processo de integração e a tomada de decisões (MERCOSUL), cujas funções são estabelecidas no Art. 8º do Protocolo de Ouro Preto[6], destacando-se para verificação no presente trabalho o que prevê, o inciso segundo, qual seja a função de formular políticas e promover as ações necessárias à conformação do mercado comum, atualmente o CMC é integrado pelos Ministros das Relações Exteriores e pelos Ministros da Economia, ou seus equivalentes dos Estados Partes (MERCOSUL).

O segundo órgão com capacidade de decisão trata-se do GMC, é o órgão executivo do MERCOSUL. É integrado por cinco membros titulares e cinco membros alternados por país, designados pelos respectivos Governos, dentre os quais devem constar necessariamente representantes dos Ministérios das Relações Exteriores, dos Ministérios da Economia (ou equivalentes) e dos Bancos Centrais (MERCOSUL), suas funções estão estabelecidas no Art. 14  do Protocolo de Ouro Preto, destacando-se neste caso que Incumbe ao GMC preparar seu regimento interno, o qual será submetido à aprovação do CMC, fato que evidencia a sua competência auto regulamentadora, ainda que circunscrita a certos limites (AMARAL, 2000).

Como órgão executivo destaca-se a Comissão de Comércio do MERCOSUL tem por função[8]   assistir o Grupo Mercado Comum, compete velar pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados Partes para o funcionamento da união aduaneira, bem como acompanhar e revisar os temas e matérias relacionados com as políticas comerciais comuns, com o comércio intra-MERCOSUL e com terceiros países (MERCOSUL). 

Além dos órgãos de função executiva acima expostos, ressalta-se que o Mercosul ainda instituiu no decorrer de seus 25 anos de sua fundação diversos organismos de caráter permanente entre os quais, o Alto Representante-Geral do MERCOSUL (ARGM), o FOCEM, o Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos (IPPDH), o Instituto Social do MERCOSUL (ISM), o Parlamento do MERCOSUL (PARLASUR), a Secretaria do MERCOSUL (SM), o Tribunal Permanente de Revisão (TPR) e a Unidade de Apoio à Participação Social (UPS) (MERCOSUL)

Verifica-se nas informações colacionadas que tais órgãos possuem a função de gerir o Mercosul, no sentido, de realizar a formalização de legislações protocolos que sejam destinados ao crescimento e fortalecimento do Bloco Econômico. Ocorre que, em seus 25 anos de fundação o Mercosul vem caminhando a passos lentos verificar-se-á no transcorrer deste trabalho que a latente governança regional, ou mesmo a ideia equivocada da necessidade de manutenção da soberania nacional de cada Estado integrante do Bloco faz com que muitas normas consideradas vigentes, em realidade não saiam do papel, sejam letras mortas de Lei sem nenhuma aplicabilidade ou efeito nos ordenamentos jurídicos dos países membros, o que torna o grande número de órgãos mencionados com funções de apresentação e não de aplicação.


2. OS EFEITOS DAS LEGISLAÇÕES DO MERCOSUL SOBRE A GOVERNANÇA REGIONAL, O PROBLEMA DA INTERGOVERNABILIDADE

A tensão entre Direito e Política é historicamente estudada por doutrinadores, que em diversos trabalhos procuraram disciplinar mecanismos que traduzissem o paradoxo e a complementaridade vivenciada por estes dois ordenadores da convivência humana. Havendo a sobreposição de um sobre o outro há a instauração de uma desordem social, que influência diretamente os mecanismos de formulação de normas jurídicas, atingindo a relação entre cidadãos e seus representantes. Ambos possuem no transcorrer do tempo uma característica comum, a evolução de seus conceitos, ou seja, tanto o direito como a política têm que se reorganizar, mesmo que seja através do surgimento de novas normas e tipos de Direito.

No processo integracionista estes dois ordenadores devem caminhar juntos, a evolução de um deve acarretar o crescimento do outro, no que se refere a política, esta deverá ser vista como aliada a Integração e parceira da concessão, no sentido de que as arestas da diferença sejam equilibradas, no direito este deverá se reinventar para acompanhar a evolução dos conceitos de soberania e claro de integração, objetivando-se o equilíbrio entre ambos, caso contrário o processo é falho.

A globalização proporciona que hoje as atividades e ações de um Estado repercutam em todos os demais, todos se têm por atingidos na matéria com a qual guarda relevância a sua experiência. É o que ocorre com a Democracia. Atentados praticados contra ela vêm em feixes e acabam atingindo um conjunto de instituições e mesmo de Estados (ROCHA, 1998).

Com o surgimento da integração promove-se a aproximação entre Estados, com seus problemas sociais e econômicos surge a necessidade de formalização de um Direito próprio para esta finalidade[9], que permita que as consequências à ações dos Estados sejam aplicadas aos demais de maneira controlada e sem grandes prejuízos aos mesmos. Assim, a disciplina responsável pela análise da nova figura jurídica, que emergiu de uma perspectiva marcadamente econômica, foi denominada de Direito Social Comunitário, ou Direito Comunitário, em razão de “referir-se a um ramo do direito que estuda a questão social no interior da Comunidade Econômica Europeia”, hoje União Europeia[10] (RESEDÁ, 2002). Esta nova modalidade de Direito é definida por Eduardo Biacchi Gomes, nos seguintes termos:

“O direito comunitário europeu é um sistema jurídico sui generis, que não se confunde nem como o direito interno dos Estado que compõem a comunidade europeia, pois suas normas são editadas por órgãos comunitários e tem aplicabilidade imediata na ordem jurídica interna de cada um desses países; tampouco se confunde com o Direito Internacional público, pois a aplicação de suas normas se rege por princípios próprios. Assim, esse direito constitui um novo sistema jurídico, distinto de qualquer outro existente, desenvolvido a partir dos tratados institutivos da União Europeia, que se adaptaram às necessidades do bloco econômico com regras, princípios e procedimentos próprios. Sua aplicabilidade foi fruto de longa construção jurisprudencial do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) ” (GOMES, 2005).

O citado autor ressalta ainda algumas características deste tipo de Direito, segundo o mesmo, os órgãos da União Europeia têm autonomia de competências e funções na defesa dos interesses da comunidade; a norma produzida por estes órgãos tem aplicabilidade direta nos ordenamentos jurídicos dos Estados-membros; o ordenamento jurídico comunitário europeu tem existência autônoma em relação as ordens jurídicas internas dos Estados-membros (GOMES, 2005).

Percebe-se uma efetividade e aplicabilidade das normas instituídas por meio do Direito Comunitário, a partir de sua existência passou-se a se utilizar do termo supranacionalidade como uma característica de identificação da União Europeia. Doutrinadores aduzem que a primeira vez que o termo foi utilizado deu-se no âmbito do Tratado de Paris, reconhecendo-se a existência de um poder superior ao das autoridades nacionais dos Estados -membros, a chamada Alta Autoridade, que desempenhava as funções de “vigiar o funcionamento de todo o regime” (GOMES, 2005)[11].

Afirma ainda Gomes no que se refere a inovação trazida pela supranacionalidade que a União Europeia possui um sistema jurídico inédito, pois é independente do direito interno dos estados, visto que as normas jurídicas são produzidas por órgãos comunitários, possuindo aplicabilidade imediata na ordem jurídica interna (BARBOSA,2016, apud, GOMES, 2005, p.1)

A verificação destes termos e do desenvolvimento deste modelo de integração na União Europeia, se faz necessária não para se realizar uma comparação deste com o Mercosul, mas sim para se verificar a diferença entre a supranacionalidade adotada por este Bloco e a intergovernabilidade defendida pelos Estados-membros do Mercosul. Afirma-se defendida, tendo em vista que este é o modelo adotado durante os 25 anos de existência do bloco e devidamente escancarado em seus protocolos e tratados que regem esta integração.

A intergovernabilidade é caracterizada pelo fato de que as normas, tratados, e demais legislações proferidas no âmbito o Mercosul não possuem natureza vinculativa[12], ou seja, os Estados-membros tem a decisão de as incorporar ou não em seus ordenamentos jurídicos, e as mesmas serão acrescentadas seguindo-se o que prevê as normas de recepção internas de cada integrante, suas deliberações não possuem soberania. Esta previsão consta no âmbito do Protocolo de Ouro Preto. As normas do Mercosul são, assim, vinculantes para os Estados que se obrigam a introduzi-las nos sistemas jurídicos internos (AMARAL, 2000). Prevê ainda que as decisões no âmbito interno serão tomadas por consenso entre os Estados- membros[13]. 

Demonstra-se a total falta de autonomia e de gerência do MERCOSUL, as normas proferidas diversamente do estabelecido no Direito Comunitário, possuem caráter de simples normas de Direito Internacional, podem como preleciona Carmem Lúcia serem consideradas como normas, mas em verdade possuem natureza jurídica divergente de Lei, consoante afirma a autora nos seguintes termos:

“Por conta mesmo desta condição de serem as decisões tomadas no processo de integração vinculadas às deliberações independentes e soberanas dos Estados, não se forma um direito supranacional de aplicação direta, automática e imediata em cada qual deles, como se dá no direito comunitário. Não se cria, no âmbito do processo integracionista, um direito comum aos Estados, mas uma criação comum de um direito que cada qual dos Estados estudam e decidem quanto à vigência e aplicação na esfera de suas competências soberanas. Por isso as decisões adotadas pelos órgãos do Mercosul podem ser formalizadas como normas, mas a sua natureza distingue-se das leis, quer do ponto de vista da fonte, quer do ponto de vista da forma, quer do ponto de vista dos efeitos

Norma sem jurisdição de igual natureza e âmbito de incidência correspondente ao de sua fonte não tem essência jurídica, não guarda o vigor que no Direito se deve conter e não produz os efeitos que justificam a sua existência nessa condição. No âmbito do processo de integração de Estados, como não se tem um direito comunitário, também não se tem um órgão judicial que possa dotar as suas decisões de vigor formalmente jurisdicional. Tal como, inexistindo um Parlamento ou órgão legislativo dotado de competência para criar o Direito, não se há de pensar em lei – com a qualificação e a caracterização que lhe são pró- prias –, também sem um órgão judicante dotado de competência para firmar, em caráter definitivo, uma decisão judicial, não se tem a garantia de eficácia daquelas decisões acolhidas supranacional” (ROCHA, 1998).

Assim, em detrimento das normas estabelecidas o que em verdade prepondera é o desejo e interesses dos estados, ou seja, a sua governança regional é o que determinam se os mesmos adotarão o estabelecido em sede de Mercosul ou não, comprometendo-se os princípios basilares da integração e a efetividade da mesma. Prepondera ainda o forte desejo de crescer e se desenvolver muito mais do que o seu vizinho, mesmo em um processo de globalização a individualização é um entrave forte nos Estados-membros.

A adoção deste modelo segundo Gomes funciona como barreira à criação de um direito da integração e uma jurisprudência do bloco que seja referência às políticas projetadas para o futuro. Finalmente, alerta para o fato de que o modelo intergovernamental de integração impede a participação direta do cidadão, uma vez que os atores do processo decisório são os estados e não os cidadãos (BARBOSA, 2016, apud, GOMES, 2005).

Ressalta-se que para que haja processo de integração jurídica é necessária a existência de um mínimo de harmonização, dos princípios e das normas dos direitos nacionais, principalmente quanto às matérias programáticas já tratadas pelas constituições dos Estados-membros, que são assecuratórias de soberana garantia, como os direitos e liberdades fundamentais de natureza humana e política. (RESEDÁ, apud HESPANHA, 2000, P. 23)

Diante deste fato, impõe-se uma verificação acerca da necessidade de concretização da existência de legitimidade às decisões proferidas pelo Mercosul, para que as mesmas possam efetivamente ser integradas aos ordenamentos jurídicos dos Estados-membros em toda sua completude, é necessário levantar-se a discussão acerca da soberania dos Estados e a adoção ou não da supranacionalidade, segundo Silva Regina, está é uma discussão eminente e inevitável, neste sentido afirma que:

“Observe-se, porém, que, se a pretensão é a formação de um mercado comum, existem questões delicadas que terão, inevitavelmente, de ser enfrentadas, e que envolvem a questão da soberania dos Estados-partes. Basicamente, são as discussões sobre adotar ou não o caráter de supranacionalidade para os órgãos comuns, bem como das normas por esses emanadas, e, por fim, da criação ou não de um tribunal supranacional. A instituição, no Mercosul, de entes supranacionais implicaria, ao menos, em reformas legislativas e constitucionais. Assim, seriam dois os momentos políticos necessários à implementação da supranacionalidade. Primeiramente a decisão, o consenso dos Estados-partes e posteriormente o convencimento político para as alterações na ordem jurídica interna”(RESEDÁ, 2002, P.136)

Entende-se que o modelo de supranacionalidade adotado pela União Europeia não é desprovido de vícios, pelo que registra Sabino Cassesse (BARBOSA, 2016, apud, 2006, p. 21) a dificuldade dos mecanismos que conferem a legitimidade popular às decisões tomadas pela União Europeia justamente por faltar nessa organização um debate político, uma linguagem comum e um povo como organismo natural que participe da construção de sentido da democracia.

É perceptível que tanto a supranacionalidade como a intergovernabilidade impossibilitam a efetiva participação dos cidadãos nos processos de efetiva decisão acerca das normas de integração, o que em verdade retira o caráter de legitimidade destas normas.

O Mercosul hoje possui um parlamento com funções meramente ilustrativas, tendo em vista que não há a participação popular em seus órgãos de deliberação, o povo se quer tem conhecimento de como de fato desenvolvem-se as reuniões e qual os verdadeiros impactos destas em suas vidas. Em razão disso, percebe-se também que os cidadãos não possuem o direito de forçar a revisão jurisdicional de uma decisão proferida por um tribunal de direito comunitário, direito assegurado nas esferas nacionais, fugindo, portanto, do controle deles a tomada de decisões dos órgãos comunitários (BARBOSA).

Assim, a intergovernabilidade é de fato um entrave ao processo de integração, tendo em vista que se relaciona a uma questão cultural dos Estados – membros do Mercosul, a superação dos traumas presentes na história de cada pais é determinante para o sucesso do processo, no sentido de que as desconfianças intrínsecas ao direito e a política vigentes devem ser superadas em benefício do Bloco, sem se perder a individualidade cultural particular. Apenas com a busca do equilíbrio entre as legislações e com a formalização de um processo legitimo, com a participação de todos os atores, quais sejam governantes e governados se terá a condição efetiva de suplantar a intergovernabilidade.


3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os processos de integração regional iniciam-se por uma necessidade de estabelecimento de um equilíbrio econômico, que permitam aos países membros o desenvolvimento pleno de suas atividades como Estado, mas também a sua sobrevivência. A globalização traz consigo o que alguns autores denominam de global governance, que nada mais é do que a perda de soberania não em benefício de melhorias para o Estado, mas sim a perda de espaço para o setor privado, para as grandes empresas que não apenas interferem na economia, mas com globalização buscam interferir na política e até mesmo na cultura dos países.

Diante deste fato a Integração torna-se uma alternativa viável e benéfica se realizada aos fins que de fato se propõe, ou seja, busca-se não apenas a realização de uma zona de comércio livre, mas sim uma integração entre cidadãos, uma integração que promova uma garantia de direitos e deveres que possam sem comungados por todos os integrantes dos Estados-membros.

Para tanto, se faz imprescindível que além destes objetivos comuns, exista o desejo real de formalização desta integração, e este apenas existe se superados os retrocessos que surgem com a busca de benefícios individuais, de crescimento local e não regional como de fato prevê a integração. Cada processo integracional desenvolve-se de modo próprio, com a influência direta de suas características culturais, não se objetiva com este trabalho afirmar que o modelo seguido pela União Europeia é mais benéfico que o modelo escolhido pelo Mercosul, de fato tal comparação é algo irracional em virtude das enormes diferenças dos Estados-membros integrantes de cada modelo, o que em verdade objetiva-se é aprender-se o que de benéfico traz este bloco e implementa-lo no Mercado Comum do Sul, possibilitando a evolução e fortalecimento de suas atividades.

Consoante o supramencionado a intergovernabilidade traz um enorme retrocesso ao Mercosul, empreende-se enormes esforços de formalização de protocolos, legislações no âmbito dos órgãos de gerência executiva, que em verdade não são implantados pelos Estados-membros, os mesmos em detrimento aos objetivos comuns estabelecidos, se fecham em suas governanças regionais e em suas diferenças institucionais e não propõe-se em buscar alternativas que lhes permitam realizarem efetivamente a interação regional.

A necessidade de formalização de um bloco econômico unido, forte e principalmente legitimo exige ainda que exista a participação efetiva dos cidadãos que o integram, a simples imposição de normas proferidas de forma indireta, ou seja, seja a realização de consultas e sem a participação de um parlamento forte e escolhido pelo povo não tem o condão de conferir legitimidade às leis.

Devem entender os Estados-membros que uma integração verdadeiramente se efetiva e atinge seus objetivos comuns com o apoio de seus cidadãos, estes não são meros enfeites, são ativos e necessitam sentirem-se pertencentes a esta nova conjuntural econômica, política e cultural que se desenvolve nos dias atuais, para que em verdade possam defende-la e lutarem por sua efetivação.

Não se deseja discutir acerca da perda ou não da soberania individual de cada país, o que de fato percebe-se é que a globalização, e a consequente formação de blocos econômicos são processos que não iram retroagir. Cada dia mais formam-se grandes conglomerados de empresas fortes e atuantes, que influencia os cidadãos de forma negativa contra seus próprios Estados, perdendo esta sua soberania de forma efetiva, esta perda se ocorre não é restritiva ao processo integracionista.

A unificação objetivada não é traduzida na formalização de uma Constituição regional que suplante todas as Constituições dos países membros, no caso do Mercosul, haverá em verdade a necessidade de realização de estudos mais intrínsecos com a efetiva participação popular para que se proponha os caminhos futuros a serem seguidos pelo Mercado Comum do Sul.

Assim, a existência de organismos jurídicos que garantam a realização de um regular procedimento, e aplicação das Leis, conferem a legitimidade pretendida para de fato existir-se uma integração regional, além da superação das diferenças regionais e o entendimento consolidado de que um bloco econômico integrado e legitimo trará a formação de uma soberania forte, e a valorização regional de todos os Estados-membros participantes, e que a preleção pela governança regional de fato não trazem aos países os benefícios obtidos pela integração e o crescimento interno pretendido pelos mesmos.


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Notas

[1] De forma sintética, o processo de globalização irradia efeitos em todos os setores da sociedade. É o pano de fundo em que ocorrem conexões entre os países do globo, estas marcadas pela integração econômica, cultural e política e instrumentalizada através do progresso tecnológico, cominando na crescente interdependência entre os países e consequente redefinição das suas estruturas-base, a saber: território, soberania e povo (BARBOSA, 2016, apud PIOVESAN, 2002, p. 39).

[2] (...) na progressiva internacionalização dos mercados de bens, serviços e créditos, induzida pela redução de tarifas de exportação, de obstáculos aduaneiros e pela padronização das operações mercantis. Essa internacionalização trouxe, como subproduto, a súbita homogeneização de hábitos de consumo assim como das predicações e da apresentação formal dos bens e serviços afetados pela expansão dos mercados, resultando ainda na fragmentação e na dispersão internacional das etapas do processo produtivo (FREITAS JR., 1997, p. 64).

[3] A União Europeia possui um sistema jurídico inédito, pois é independente do direito interno dos estados, visto que as normas jurídicas são produzidas por órgãos comunitários, possuindo aplicabilidade imediata na ordem jurídica interna. Além disso, o ordenamento supranacional é regido por princípios próprios, estes sedimentados pela interpretação do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (BARBOSA, 2016, apud GOMES, 2005, p.1).

[4] O processo de integração regional constitui, fundamentalmente, um processo cultural. Para validar esta afirmação, a integração somente poderá realizar-se quando exista um sistema de valores comuns entre os atores do processo, que incluam uma visão do mundo em que se vive e no qual se pretende chegar e que o processo seja internalizado como útil pelos cidadãos dos países-membros. O que somente se tornará possível quando a comunicação interativa entre os indivíduos, independentemente de sua posição social, política, econômica ou intelectual, produzir um sistema axiológico que gere melhores condições de vida. Esta situação constitui um novo processo de legitimação de um estágio superior de organização, assim como o é a união de Estados, seja aduaneira, econômica ou política. Ressalte-se que as dimensões culturais constituem um dos problemas mais importantes da integração, uma vez que, sem esta cultura comum, não haveria integração real (RESEDÁ apud SALOMONI, 1999, P.127-128).

[5] Um processo de integração que se proponha como verdadeiro “não pode e não de ve ser apenas econômico e comercial”, mas antes, deve abarcar dimensões diversas tão ou mais importantes, como a política, a jurídica, a social, a cultural, a ecológica, entre outras. O Mercosul em seu nascimento foi eminentemente político, “oriundo de um projeto geopolítico baseado no fomento da distensão política entre a Argentina e o Brasil” (RESEDÁ apud CHALOULT,1999, P.39)

[6] “I. Velar pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e dos acordos firmados em seu âmbito; II. Formular políticas e promover as ações necessárias à conformação do mercado comum; III. Exercer a titularidade da personalidade jurídica do Mercosul; IV. Negociar e firmar acordos em nome do Mercosul com terceiros países, grupos de países e organizações internacionais. Essas funções podem ser delegadas ao Grupo Mercado Comum por mandato expresso, nas condições estipuladas no inciso VII do art. 14; V. Manifestar-se sobre as propostas que lhe sejam levadas pelo Grupo Mercado Comum; VI. Convocar reuniões de ministros e pronunciar-se sobre os acordos que lhe sejam remetidos pelas mesmas; VII. Criar os órgãos que estime pertinentes, assim como modificá-los ou extingui-los; VIII. Esclarecer, quando estime necessário, o conteúdo e o alcance de suas decisões; IX. Designar o Diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul; X. Adotar decisões em matéria financeira e orçamentária; XI. Homologar o Regimento Interno do Grupo Mercado Comum” (Otermin, 1995, p. 80, apud, Amaral, 2000)

[7] O art. 14 determina que “São funções e atribuições do Grupo Mercado Comum: I. Velar, nos limites de suas competências, pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e dos acordos firmados em seu âmbito; II. Propor projetos de Decisão ao Conselho do Mercado Comum; III. Tomar as medidas necessárias ao cumprimento das Decisões adotadas pelo Conselho do Mercado Comum; IV. Fixar programas de trabalho que assegurem avanços para o estabelecimento do mercado comum; V. Criar, modificar ou extinguir órgãos tais como subgrupos de trabalho e reuniões especializadas, para o cumprimento de seus objetivos; VI. Manifestar-se sobre as propostas ou recomendações que lhe forem submetidas pelos demais órgãos do Mercosul no âmbito de suas competências; VII. Negociar, com a participação de representantes de todos os Estados Partes, por delegação expressa do Conselho do Mercado Comum, e dentro dos limites estabelecidos em mandatos específicos concedidos para esse fim, acordos em nome do Mercosul com terceiros países, grupos de países e organismos internacionais. O Grupo Mercado Comum, quando dispuser de mandato para tal fim, procederá à assinatura dos mencionados acordos. O Grupo Mercado Comum, quando autorizado pelo Conselho do Mercado Comum, poderá delegar os referidos poderes à Comissão de Comércio do Mercosul; VIII. Aprovar o orçamento e a prestação de contas anual apresentada pela Secretaria Administrativa do Mercosul; IX. Adotar resoluções em matéria financeira e orçamentária, com base nas orientações emanadas do Conselho do Mercado Comum; X. Submeter ao Conselho do Mercado Comum seu Regimento Interno; XI. Organizar as reuniões do Conselho do Mercado Comum e preparar os relatórios e estudos que este lhe solicitar; XII. Eleger o Diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul; XIII. Supervisionar as atividades da Secretaria Administrativa do Mercosul; XIV. Homologar os Regimentos Internos da Comissão de Comércio e do Foro Consultivo Econômico Social (AMARAL, 2000)

[8] São funções e atribuições da Comissão de Comércio do Mercosul: I. velar pela aplicação dos instrumentos comuns de política comercial intra-Mercosul e com terceiros países, organismos internacionais e acordos de comércio; II. considerar e pronunciar-se sobre as solicitações apresentadas pelos Estados Partes com respeito à aplicação e ao cumprimento da tarifa externa comum e dos demais instrumentos de política comercial comum; III. acompanhar a aplicação dos instrumentos de política comercial comum nos Estados Partes; IV. analisar a evolução dos instrumentos de política comercial comum para o funcionamento da união aduaneira e formular Propostas a respeito ao Grupo Mercado Comum; V. tomar as decisões vinculadas à administração e à aplicação da tarifa externa comum e dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados Partes; VI. Informar ao Grupo Mercado Comum sobre a evolução e a aplicação dos instrumentos de política comercial comum, sobre o trâmite das solicitações recebidas e sobre as decisões adotadas a respeito delas; VII. propor ao Grupo Mercado Comum novas normas ou modificações às normas existentes referentes à matéria comercial e aduaneira do Mercosul; VIII. propor a revisão das alíquotas tarifárias de itens específicos da tarifa externa comum, inclusive para contemplar casos referentes a novas atividades produtivas no âmbito do Mercosul; IX. estabelecer os comitês técnicos necessários ao adequado cumprimento de suas funções, bem como dirigir e supervisionar as atividades dos mesmos; X. desempenhar as tarefas vinculadas à política comercial comum que lhe solicite o Grupo Mercado Comum; XI. adotar o Regimento Interno, que submeterá ao Grupo Mercado Comum para sua homologação

[09] O tema e a prática do Estado Democrático de Direito passaram, então, a ser buscados em conjunto, em sistemas de direito que se aproximam quanto aos princípios e, inclusive, que se influenciam, na igual medida em que os povos acabam por se irmanarem em suas desigualdades para se complementarem. Tal situação é a base de uma prática jurídica que se apresenta e se acrescenta a cada dia mais acintosamente: aquela que mostra uma nítida e progressiva interconexão entre o direito interno e o direito internacional (ROCHA, 1998).

[10] A Comunidade Europeia criou um novo “centro de produção de direito e de aplicação de normas” que se superpõem ou geram grande influência nas leis nacionais dos Estados-membros. O Tratado que criou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, ainda que limitado ao campo carbo-siderúrgico, consistiu em ser a “primeira efetiva superação do princípio da soberania nacional e constituiu um novo modelo de estrutura supranacional”, tendo, em verdade, significado o surgimento de uma nova dimensão no campo jurídico, a comunitária, gerando, em consequência, o nascimento do Direito Comunitário, que representa, indubitavelmente, “um novo direito”, “uma concepção absolutamente inédita das relações entre direitos nacionais e a esfera supranacional (ROCHA, 1998).

[11] A supranacionalidade, instituto peculiar do Direito Comunitário, permite eficaz aplicação e interpretação de suas normas. Seu conceito foi construído mediante a interpretação de suas normas. Seu conceito foi construído mediante a interpretação desse direito pelos tribunais nacionais dos Estados-membros da União Europeia e pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias; agregando-se a essa noção os princípios da aplicabilidade e do efeito direto, da primazia do Direito Comunitário e da uniformidade na interpretação e aplicação das normas comunitárias (GOMES, 2005).

[12] O Conselho poderá formular Recomendações, de caráter não vinculante, com o objetivo de estabelecer orientações gerais, planos de ação ou incentivar iniciativas  que contribuam para a consolidação do processo de integração. As Recomendações não serão obrigatórias para os Estados Partes e sua incorporação aos seus ordenamentos jurídicos não será necessária (MERCOSUL).

[13]“ No processo de integração, os Estados partes não se vinculam, necessária e automaticamente, às decisões, às quais se chega por consenso (cf., por exemplo, o art. 37 do Protocolo de Ouro Preto, relativo ao Mercosul, pelo qual “as decisões dos órgãos do Mercosul serão tomadas por consenso e com a presença de todos os Estados-Partes”)” (ROCHA, 1998)



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DINIZ, Ingrid Medeiros Lustosa. Normas do Mercosul versus governança regional: um entrave ao processo integracionista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5441, 25 maio 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65111. Acesso em: 18 abr. 2024.