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Crimes imprescritíveis e a corrupção

Crimes imprescritíveis e a corrupção

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O aumento do rol dos crimes imprescritíveis previstos na constituição de 1988 mediante proposta de Emenda à Constituição - a proposta de um novo Brasil em tempos de corrupção.

                                 

            Não é novidade a constatação de que a metástase da corrupção há muito tempo está enraizada na política brasileira. Para solucionar este gravíssimo impasse, várias ideias estão sendo propostas sobre o enorme tabuleiro da democracia.

            No entanto, um dos problemas reside na prescritibilidade dos crimes cometidos. Consabido que os ímprobos políticos, não raras vezes, contratam renomados escritórios de advocacia para defesa de seus crimes. Estes profissionais navegam incansavelmente no mar de legislações e recursos possíveis, sempre no honroso mister da busca pela realização da justiça. Alguns logram êxito e alcançam absolvição (liberdade de seus clientes) sob o manto da prescrição penal.

            Uma das soluções para esta triste realidade (ciência do malfeitor de que a morosidade do judiciário pode lhe favorecer com advento da prescrição), reside na ampliação do rol dos crimes constitucionalmente imprescritíveis.

            E de que forma isso seria possível na atual carta magna?

            Na CF/88, são imprescritíveis os crimes previstos no art. 5º, inciso XLII (prática do racismo) e os do inciso XLIV (a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático).

            Consenso no campo jurídico de que a prescrição dos crimes é a regra no ordenamento jurídico-constitucional e, ademais, equiparada ela a direito fundamental, inserido dentro das cláusulas pétreas. Daí resulta a imutabilidade e intangibilidade da matéria prescrição ser deliberada por proposta de Emenda à Constituição que almeje aboli-la, consoante art. 60, §4º, IV, da CF/88: “A constituição poderá ser emendada mediante proposta: §4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais”.

            Simples assim: salvo nova ordem constitucional (poder constituinte originário – tal como ocorreu na Assembleia Nacional Constituinte de 1988), a retirada da prescrição dos crimes em geral é regra imodificável, e, portanto, o poder constituinte derivado não pode deliberar sobre esta matéria, nem mesmo pelo processo legislativo de proposta de Emenda à Constituição.

            Contudo, pela via oblíqua, nada impede que seja acrescentado (ampliado) o rol dos crimes imprescritíveis (verdadeiras garantias em prol da sociedade) por proposta de Emenda à Constituição, tal como ocorrera historicamente na promulgação da EC nº 45.

            É vedado abolir direitos e garantias individuais. Entretanto, acrescentar novas garantias em benefício da sociedade é permitido na melhor hermenêutica constitucional.

            Ou seja, em tempos de combate à corrupção, poder-se-ia apresentar proposta de Emenda à Constituição ampliando o rol dos crimes imprescritíveis, como, por exemplo, os praticados contra o Erário, a Administração Pública e Saúde.

            Trazendo esta proposta normativa de cunho constitucional para a atualidade, a certeza da imprescritibilidade do crime cometido, incentivaria os corruptos a realizarem delações premiadas quando inicialmente tipificado o delito imputado.

            Do mesmo modo, desestimularia o intuito dos competentes advogados de utilizar estratégias processuais visando protelar ao máximo a tramitação dos processos via recursos até a última instância, uma vez que apurada a culpabilidade do crime imprescritível já em primeiro grau, a certeza da impunidade pelo fator “tempo/morosidade/processo/prescrição” não se justificaria, sob nenhum argumento plausível.

            Aprofundando a ideia, na hipótese de ser apurada a autoria e a materialidade do crime (mesmo em primeira instância), a partir daí, pouco importaria as causas suspensivas ou interruptivas da prescrição previstas no Código Penal, uma vez que o crime é imprescritível. Assim, um dos atuais problemas do poder judiciário (morosidade em decorrência do elevado número de processos e recursos protelatórios) diminuiria consideravelmente, haja vista que lá no fim da estrada há um muro intransponível: a própria imprescritibilidade destes crimes.

            A prescrição infraconstitucional ou o aumento do rol dos crimes imprescritíveis (prática aqui sugerida), é do crime, pouco importando a garantia constitucional da “prerrogativa de foro” ou a qualificação do agente corruptor (político, funcionário público, pobre ou rico).

            Todas as variáveis teóricas e práticas desta proposta, a curto prazo, resultaria numa mudança de cultura no cometimento dos atos de improbidade e corrupção no País. Teríamos um vetor de inibição diante da impunidade.

            Adotada a medida ora sugerida, ficará bem claro na consciência do corrupto de que os graves crimes de lesa-pátria são imprescritíveis. E por decorrência lógica, a certeza de que vão resultar, objetivamente, no encarceramento.

            Se você fosse corrupto, como agiria?



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