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A inconstitucionalidade do ISS na hospedagem

A inconstitucionalidade do ISS na hospedagem

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Sumário:1. Intróito 2. Competência Tributária e a Determinação da Regra-Matriz de Incidência dos Tributos 3. A Regra-Matriz de Incidência do ISS Fornecida pela Constituição 3.1. O Conceito Constitucional (Jurídico) de Prestação de Serviços 3.1.1. Diferença entre "Obrigação de Dar" e "Obrigação de Fazer" 3.2. O Equívoco da Interpretação Econômica de Prestação de Serviços 3.2.1. Interpretação do Direito Através de Conceitos Econômicos 3.2.2. Aceitação da Definição Constitucional de Serviços pela Lei Complementar 4. O Tratamento da Legislação Infraconstitucional acerca do ISS na Hospedagem 5. A Atividade de Hospedagem 5.1. Necessidade de Esclarecimentos acerca de Peculiaridades Inerentes à Atividade Apresentada 5.1.1. Fornecimento de Mercadorias 5.1.2. Recepção 5.1.3. Limpeza 5.2. Conclusão 6. Considerações Finais


1. INTRÓITO

Destina-se o presente estudo à averiguação da validade da incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS) na atividade de hospedagem.

Não obstante o fato desse tributo ser cobrado há mais de trinta anos, alhures já destacamos [1] a importância de se investigar a legitimidade não só dos tributos criados recentemente, mas também daqueles que já se tornaram despesas habituais dos contribuintes.

Assim, coloca-se em relevo que o trabalho em tela também tem por finalidade, como diria Becker, promover uma reeducação dos reflexos condicionados na atitude mental jurídica tributária [2] e, diante de uma fria análise do Direito e do mundo fenomênico, efetuar uma mudança dos conceitos que nos foram impostos no decorrer do tempo e costumamos simplesmente aceitar.


2. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E A DETERMINAÇÃO DA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DOS TRIBUTOS

Entre nós, a Lei Fundamental é que sustenta o complexo de normas que forma o Ordenamento Jurídico. No Direito Tributário, ela é que determina as matérias que serão legisladas e a forma com que o processo legislativo deverá transcorrer – determina a competência tributária [3].

Quando a Carta Excelsa tratou da competência tributária e dos tributos a serem instituídos pelos Entes Federativos, ela procurou fornecer garantias aos virtuais contribuintes tendo em mira as possíveis abusividades que poderiam ser praticadas pelo Poder Legislativo.

Fitando essa garantia, o Poder Constituinte delineou de forma precisa todos os elementos necessários para que o legislador infraconstitucional criasse um tributo [4].

Segundo Geraldo Ataliba, "por ser extremamente exaustiva, a Constituição brasileira não deixa margem de liberdade para o legislador ordinário, seja para eleger a materialidade da h.i., seja para designar os sujeitos passivos." [5]

Assim, a própria Constituição fixou a regra-matriz de incidência possível dos tributos a serem normatizados, com todos os critérios necessários para a sua exigência [6].


3. A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO ISS FORNECIDA PELA CONSTITUIÇÃO

No Imposto Sobre Serviços, o art. 156, inc. III, do Diploma Maior, limitou o legislador municipal na edição de normas para a criação e cobrança desse tributo.

Isso porque o constituinte originário escolheu a prestação de serviços como fato tributável. Por conseguinte, nada além desse conceito poderá figurar na hipótese de incidência do imposto.

Em síntese, calcado no art. 156, III, da CF/88, o legislador somente poderá instituir o ISS com a seguinte regra-matriz de incidência: a) Aspecto material: prestar serviços; [7] b) Aspecto pessoal: b1) sujeito ativo: município; b2) sujeito passivo: quem prestar serviços; c) Aspecto quantitativo: c1) base de cálculo: valor do serviço; c2) alíquota: parcela da base de cálculo que não configure confisco; d) Aspecto espacial: dentro dos territórios municipais; e) Aspecto temporal: momento da prática do aspecto material.

Destarte, essa é a competência tributária que foi atribuída ao legislador municipal. É somente através da utilização desses aspectos que poderá se criar uma norma que terá a força de obrigar o cidadão a pagar ISS.

3.1. O Conceito Constitucional (Jurídico) de Prestação de Serviços

Nesse fio de raciocínio, mister se faz uma análise mais aprofundada do critério material [8] da hipótese de incidência que o criador das leis poderá elaborar para o ISS.

É por entre o estudo desse critério que se poderá identificar possíveis desconformidades da legislação infraconstitucional com as regras da competência tributária demarcadas na Carta Magna.

A ilustre Misabel Derzi, em nota clássica à obra de Aliomar Baleeiro, fornece-nos com precisão o conceito de "prestação de serviços", vejamos:

"A doutrina e a jurisprudência extraem da Constituição as seguintes características da hipótese de incidência do tributo:

"1. a prestação de serviços configura uma utilidade (material ou imaterial), como execução de obrigação de fazer e não de dar coisa;

"2. deve ser prestada a terceiro, excluindo-se os serviços que a pessoa executa em seu próprio benefício, como o transporte de mercadoria de um estabelecimento a outro da mesma pessoa;

"3. executado sem vínculo de subordinação jurídica, mas em caráter independente, razão pela qual excluem-se os serviços prestados pelos empregados a seus empregadores e pelos servidores públicos;

"(...)

"5. assim como ser objeto de circulação econômica, executado com objetivo de lucro, excluindo-se os serviços gratuitos ou de cortesia, beneficentes ou a preços baixos, como alimentação servida a empregados gratuitamente ou a preço de custo;

"6. finalmente, o serviço deve ser prestado em regime de direito privado (por pessoa física ou jurídica, empresa pública ou sociedade de economia mista);

"(...)

"Portanto, em linhas gerais, o fato gerador do ISS enquadra-se dentro do conceito de serviço, prestado com autonomia, na mesma linha da definição do Código Civil, que, no seu art. 1.216 [9], assim dispõe sobre locação de serviços: ‘toda a espécie de serviços ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição’. O trabalho às vezes, é predominantemente imaterial (do advogado, professor, cantor, et alii), na maioria das vezes, porém, a prestação dos serviços se concretiza em bens materiais. O que é fundamental é que o fazer haverá de prevalecer sobre o dar" [10]

Por isso, o fato tributável que o legislador infraconstitucional poderá descrever deve respeitar as características acima referidas, ou então maculará a norma com a inconstitucionalidade.

Realçamos que o apanágio elementar [11] para a caracterização da prestação de serviços é que a atividade do possível contribuinte constitua uma utilidade como execução de obrigação de fazer e não de dar coisa. [12]

Esse posicionamento já é consolidado pela jurisprudência. Destaca-se o julgamento do STF que decidiu não incidir o ISS sobre a locação de bens móveis visto que nessa operação prevalece a obrigação de ceder coisa a terceira pessoa [13].

Logo, conforme visto, é inviável a tributação de atividades que destoem das características apontadas pela Carta Política. Principalmente, é inadmissível a tributação de atos que se desenvolvam através da obrigação de dar coisa, pois prestação de serviços não é.

3.1.1. Diferença entre "Obrigação de Dar" e "Obrigação de Fazer"

Pela razão de existir a distinção entre as obrigações – assumidas nas ações praticadas pelas pessoas – entre dar e fazer, sendo o elemento caracterizador da prestação de serviços (objeto em estudo), vejamos brevemente, já que o tema não necessita de maiores delongas, qual a distinção entre uma obrigação e outra para podermos, ao final, completar o raciocínio.

Sílvio Venosa, grande mestre do Direito Civil atual, fundado nas lições do augusto Washington de Barros Monteiro, nos fornece subsídios para enxergar a linha tênue que separa estas espécies de obrigações:

"A obrigação de dar tem como conteúdo a entrega de uma coisa, em linhas gerais.

"(...)

"A obrigação de dar é aquela em que o devedor compromete-se a entregar uma coisa móvel ou imóvel ao credor, quer para constituir novo direito, quer para restituir a mesma coisa ao seu titular.

"(...)

"O conteúdo da obrigação de fazer é uma ‘atividade’ do devedor, no sentido mais amplo: tanto pode ser a prestação de uma atividade física ou material (como por exemplo, fazer um reparo em máquina, pintar casa, levantar muro), como uma atividade intelectual, artística ou científica (como, por exemplo, escrever obra literária, partitura musical, ou realizar experiência científica).

"(...)

"Washington de Barros Monteiro (1979, v. 4:87), com a habitual propriedade, esclarece que o ponto crucial da diferenciação está em verificar

"‘se o dar ou entregar é ou não conseqüência do fazer. Assim, se o devedor tem de dar ou entregar alguma coisa, não tendo, porém, de fazê-la previamente, a obrigação é de dar; todavia, se, primeiramente, tem de realizar algum ato, do qual será mero corolário o de dar, tecnicamente a obrigação é de fazer’." [14]

Portanto, repisando o que já foi afirmado pelos Tribunais e pela maioria dos doutrinadores, somente os atos que são executados mediante a obrigação de fazer é que são considerados serviços. Essa é a interpretação jurídica (constitucional) que a Ordenação nos apresenta no momento em que a prestação de serviços é incorporada ao Direito Positivo.

3.2. O Equívoco da Interpretação Econômica de Prestação de Serviços

Entretanto, há uma minoria doutrinária que, embriagada por conceitos pré-jurídicos (conceitos econômicos e financeiros), interpreta a prestação de serviços de modo divergente como o até aqui apresentado. Vejamos um exemplo dessa interpretação através das palavras de Sérgio Pinto Martins:

"O conceito de serviços adotado pela EC nº 18/65 deve ser examinado com base na Lei Maior, que classifica os impostos dentro de uma nomenclatura econômica, e não irmos buscar o conceito de serviços no Código Civil. A Lei Maior deve ser interpretada com base nela, e não com base na lei ordinária. Os serviços a serem tributados pelo ISS são, porém, os previstos em lei complementar. Serviço não tem um conceito jurídico, mas econômico, para os efeitos do inciso III do art. 156 da CF. Logo, não podemos conceituá-lo como obrigação de fazer (Ataliba e Barreto, RDT 5/53-56) ou que não configure obrigação de dar. Serviço é um bem incorpóreo (imaterial) na etapa da circulação econômica. Para haver serviço é necessário que a atividade seja realizada para terceiro, não para si próprio. Assim, não é qualquer transporte municipal que terá a incidência do ISS, mas o transporte municipal prestado para terceiros, desde que haja sempre um conteúdo econômico.

"O ISS tributa serviço de qualquer natureza, os definido em lei complementar. Locação de bens móveis, por exemplo, é serviço porque há circulação de um bem incorpóreo, que está na etapa da circulação econômica, sendo definido em lei complementar como serviço de qualquer natureza." [15]

Destacamos duas falhas gravíssimas dessa corrente doutrinária que são: 1) interpretação do Direito através de conceitos econômicos; 2) Aceitação da definição constitucional de serviços pela lei complementar.

Vejamos item por item:

3.2.1. Interpretação do Direito Através de Conceitos Econômicos

O maior equívoco [16] cometido pela doutrina supramencionada é a própria forma de interpretação das normas jurídicas. Aqueles que interpretam o Direito através das ciências paralelas contaminam o direito com elementos estranhos à Ciência Jurídica.

Kelsen foi o primeiro a detectar a infecção do direito por elementos não-jurídicos. Logo no início de sua principal obra ele expôs este contágio no objeto do direito [17]. E Becker, amparado nos ensinamentos da Teoria Pura do Direito, transplantou para o Direito Tributário, especificamente, o raciocínio de que as disciplinas extrajurídicas obscurecem a natureza do Direito. Com sua persuasão singular criticou o maior equívoco do Direito Tributário, diagnosticando a demência e expondo a terapêutica necessária:

"Há juristas - adverte F. Carnelutti - que quase sempre cometem o erro de aceitar e utilizar empiricamente os conceitos das ciências pré-jurídicas, sem cuidarem de pesquisar o novo e diferente conteúdo (significado) que elas passam a vestir no momento em que entram no mundo jurídico. Este mau costume - lamenta F. Carnelutti - tem gerado dentro do direito dificuldades numerosas e graves.

"Ora, em nenhum ramo do direito, estas dificuldades são tão numerosas e tão graves quanto as que este mau hábito tem gerado dentro do Direito Tributário. O maior equívoco no Direito Tributário é a contaminação entre princípios e conceitos jurídicos e princípios e conceitos pré-jurídicos (econômicos, financeiros, políticos, sociais, etc.).

"Esta contaminação prostitui a atitude mental jurídica, fazendo com que o juiz, a autoridade pública, o jurista, o advogado e o contribuinte desenvolvam (sem disto se aperceberem) um raciocínio pseuso-jurídico. Deste raciocínio pseudo-jurídico resulta, fatalmente, a conclusão invertebrada e de borracha que se amolda e adapta ao caso concreto segundo o critério pessoal (arbítrio) do intérprete do direito positivo (regra jurídica). Em síntese: aquele tipo de raciocínio introduz a incerteza e a contradição para dentro do mundo jurídico; incertezas e contradições que conduzem todos ao manicômio jurídico tributário e à terapêutica e à cirurgia do desespero.

"(...)

"Portanto, o único remédio - para curar a atual demência jurídica tributária e sair do manicômio onde todos se encontram - é sujeitar-se ao trabalho de reeducar os reflexos condicionados, na atitude mental jurídica tributária." [18]

Pelo exposto, vislumbra-se que a interpretação econômica do Direito Tributário é tão frágil quanto um enfeite de cristal. Nesse diapasão, a definição econômica de serviços não é útil para caracterizar o campo de incidência do Imposto Sobre Serviços. Portanto, a prestação de serviços deve se operar, como visto, por uma execução de obrigação de fazer, não de dar coisa.

3.2.2. Aceitação da Definição Constitucional de Serviços Pela Lei Complementar.

Ademais, a interpretação econômica de serviços é herege porque admite que a lei complementar pode definir o alcance de instituto utilizado na própria Constituição Federal.

Como é consabido, a Lei das Leis é soberana e imutável pelo legislador inferior. Dentro desse raciocínio, a atribuição constitucional do poder de criar tributos é inalterável, sendo que a própria Constituição impõe limites quanto ao conteúdo que será legislado.

Assim, acompanhados com Carrazza, entendemos que "a lei complementar não pode considerar serviços, para fins de tributação por via de ISS, fatos que não o sejam. Isto feriria, dentre outros, o direito subjetivo do contribuinte de só ser tributado pela pessoa política competente e nos estritos termos da Constituição.(...) nem mesmo a lei complementar nacional pode alterar o precitado esquema constitucional." [19]

Por isso, acertadamente julgou o STF ao declarar a inconstitucionalidade da cobrança do ISS na locação de bens móveis. A Lei Complementar não pode alterar os conceitos definidos pela Carta Excelsa, que veda a instituição do ISS nas atividades que se operem pela obrigação de dar coisa.


4. O TRATAMENTO DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL ACERCA DO ISS NA HOSPEDAGEM

Após considerações imprescindíveis, adentrando em definitivo no tema proposto, vejamos agora o tratamento da legislação infraconstitucional acerca do ISS na hospedagem.

Em conformidade com o exposto, a Lei Complementar deve ater-se à regra-matriz de incidência fixada pela Norma Magna, respeitando o conceito jurídico de serviços para dispor sobre o Sistema Tributário Nacional em caráter geral.

Até o dia 31 de julho de 2003, o diploma normativo que foi recepcionado pela CF/88 e fazia as vezes da Lei Complementar do ISS era o decreto-lei nº 406/68 que, em seu art. 8º, prescrevia: "Art. 8º. O imposto, de competência dos Municípios, sobre serviços de qualquer natureza, tem como fato gerador a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante da lista anexa."

Com o advento da Lei Complementar nº 116/2003, esse dispositivo foi expressamente revogado [20], passando a ter vigência, em seu lugar, o art. 1º da aludida Lei Complementar:

"Art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador."

"(...)

"§ 4º A incidência do imposto não depende da denominação dada ao serviço prestado."

Assim, a legislação complementar nacional, no mesmo raciocínio que o Diploma Fundamental, elegeu como "hipótese de incidência" (fato gerador) do ISS a prestação de serviços. Fez ainda a ressalva de que a incidência do imposto independe da denominação dada ao serviço. Ou seja, determinou que a essência do ato desenvolvido pelo contribuinte é que caracterizará a prestação de serviços, não importando a roupagem nele colocada: deve ser verificado no âmago do fato imponível o conceito de "serviços" para haver a incidência da norma.

Contudo, tanto a lei revogada quanto a revogadora delegaram à lista anexa a tipicidade de cada serviço tributável [21].

Na norma anterior, o item da lista que amparava a cobrança do ISS na hospedagem era o 99: "99. hospedagem em hotéis, motéis, pensões e congêneres."

Hoje, com a Vigência da LC 116/03, o item da lista que fornece um fundamento à instituição do ISS é o 9.01: "9.01 – Hospedagem de qualquer natureza em hotéis, apart-service condominiais, flat, apart-hotéis, hotéis residência, residence-service, suite service, hotelaria marítima, motéis, pensões e congêneres; ocupação por temporada com fornecimento de serviço."

Isto é, através de vocábulos diferentes, permaneceu a mesma determinação em relação às empresas que praticam a hospedagem: "poderá incidir ISS na atividade de hospedagem de qualquer natureza."

Mas a Lei Complementar, assim como a Constituição Federal, não tem potência para subsumir às prestações de serviços e desencadear o vínculo jurídico entre o prestador e o Município. Somente e tão-somente com a edição da lei municipal é que o indivíduo terá que pagar ISS aos cofres públicos.

Comumente os municípios seguem rigorosamente os dizeres da Lei Complementar para instituir o imposto sobre serviços. Em certos casos há inclusive a cópia do diploma nacional na criação do ISS.

Nesse caso, com base no conjunto de normas (Constituição Federal, Lei Complementar e Lei Municipal), os municípios poderão cobrar o ISS nas atividades de hospedagem.

Todavia, essa é uma afirmação inicial que se faz quando é feita uma leitura apressada dos dispositivos em comento. Em análise mais apurada, através de interpretação sistemática, cabe ao cientista do Direito averiguar se as normas estão dispostas de forma harmônica no Ordenamento Jurídico.

Compete ao jurista a apuração da observância ou inobservância, pelo legislador infraconstitucional, dos limites (quanto ao conteúdo e quanto à forma) com que o poder superior autorizou o poder inferior a legislar.

Passaremos a analisar, deste modo, a inteligência da atividade de hospedagem para que possamos efetuar a apuração exegética da: 1) coadunação das normas citadas com o Ordenamento Jurídico, ou 2) expulsão das aludidas prescrições do Sistema Jurídico Nacional.


5. A ATIVIDADE DE HOSPEDAGEM

Deixemos por ora em nossas mentes os conceitos constitucionais e legais expostos nos tópicos anteriores para, agora, nos atermos à realidade obrigacional que liga um cliente a uma empresa que pratica a hospedagem (hotel, motel, pensão etc.).

Habitualmente no exercício da atividade sub examine existe a seguinte relação cliente-empresa:

1. Determinado indivíduo, sentindo a necessidade de um imóvel para permanência temporária (geralmente por algumas horas ou por uma ou mais noites), procura uma empresa de hospedagem.

2. Ao chegar nesse estabelecimento, a empresa (na fase pré-contratual) sugere os imóveis que estão disponíveis (Unidades Habitacionais), esclarece as características do bem (com os móveis que o acompanham) e o custo do seu uso temporário.

3. Caso o indivíduo aceite as condições propostas pela empresa de hospedagem, ele firma o contrato (que geralmente não é documentado, mas verbal) com o estabelecimento empresarial.

4. Assim, o indivíduo (que passa a ser consumidor [22]) recebe da empresa de hospedagem um imóvel em perfeito estado de uso e tem a posse desse bem por um determinado tempo.

5. Encerrado o uso do imóvel, o cliente deve restituir a posse do bem à empresa de hospedagem e pagar o preço contratado.

Dessa maneira, as obrigações assumidas pelas partes que participam da relação são as seguintes:

1) A empresa de hospedagem: deve ceder temporariamente a posse de uma Unidade Habitacional – em perfeito estado de limpeza, higiene, segurança etc. – ao consumidor;

2) O consumidor: deve pagar o preço ajustado e restituir o bem, sem tê-lo danificado.

É importante destacar que a empresa de hospedagem não deve fazer (elaborar, construir, montar) o bem que vai ser cedido ao cliente. O imóvel, com os móveis que nele estão contidos, já estão prontos. O que ocorre é a simples transferência temporária da posse de um bem pronto, mediante remuneração.

Diante desse fato, verifica-se a precisão da descrição dos vocábulos motel, pensão e hotel no Dicionário Aurélio: "Motel: Hotel para encontros amorosos.", "Pensão: Pequeno hotel de caráter familiar." "Hotel: Estabelecimento onde se alugam quartos e apartamentos mobiliados". [23]

Ou seja, os contratos firmados pela empresa de hospedagem, apesar de não serem regidos pela lei especial [24], são considerados locações sui generis [25] de bem imóvel; nunca uma prestação de serviços.

Isso se dá em virtude da prevalência da cessão de um bem (obrigação de dar) sobre a execução de um serviço (obrigação de fazer).

Vejamos o que o Código Civil Vigente preceitua:

"Art. 565. Na locação de coisas, uma parte se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e o gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição."

"Art. 593. A prestação de serviços, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste capítulo."

"Art. 594. Toda a espécie de serviços ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição."

Esclarecendo: Na locação predomina a cessão (obrigação de dar) do uso e gozo de coisa não fungível. Já na prestação de serviços, o que se sobressai é a obrigação de um trabalho humano (manual, intelectual, artístico, científico – material ou imaterial) que não esteja sobre o manto da relação empregado-empregador (obrigação de fazer).

Segundo Orlando Gomes, "o característico da locação é o regresso da coisa locada ao seu dono, ao passo que o serviço prestado fica pertencendo a quem pagou e não é suscetível de restituição". [26]

Enfim, as empresas de hospedagem operam suas atividades através da cessão do uso e gozo de um bem imóvel (locação sui generis), mediante certa retribuição, a um consumidor.

5.1. Necessidade de Esclarecimentos Acerca de Peculiaridades Inerentes à Atividade Apresentada

Para espancar eventuais dúvidas infundadas acerca da predominância da obrigação dar sobre a obrigação de fazer na atividade apresentada, mister se fazem os esclarecimentos de alguns pontos.

5.1.1. Fornecimento de mercadorias

Certamente, além da cessão temporária do uso e gozo de um bem imóvel, as empresas de hospedagem colocam à disposição de seus clientes o fornecimento de mercadorias que poderão ser adquiridas do estabelecimento – como alimentos, bebidas, preservativos etc.

A aquisição e revenda de bens móveis são uma atividade secundária desenvolvida pelos estabelecimentos examinados. Esse atrativo opera-se sob o manto das leis comerciais e é tributado pelo imposto estadual incidente sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICMS).

De fato, nenhum cliente de empresa de hospedagem iria nesse estabelecimento, pagaria uma diária, somente para adquirir os bens que são colocados à sua venda. Caso ele necessitasse de uma bebida, compraria em um bar ou mercado; uma comida, em um restaurante; um preservativo, na farmácia etc.

Por isso, esse acessório não desnatura o conteúdo da atividade de hospedagem. Além do mais, essa questão não faz parte do objeto em comento, visto que é atividade sujeita à tributação estadual.

Outrossim, outros atrativos que acompanham a cessão do uso e gozo do bem imóvel (o principal) na hospedagem são: a recepção e a limpeza.

5.1.2. Recepção

Em relação à recepção, verifica-se que ela é desenvolvida através de uma atividade humana. Ela se faz necessária para o contato humano entre o cliente e o estabelecimento hospedeiro.

No entanto, como é notório, em praticamente todo o fornecimento de produtos haverá uma prestação de serviços e, em quase toda a prestação de serviços, haverá o fornecimento de produto [27].

Um advogado, por exemplo, quando presta um parecer, fornece ao seu cliente o papel onde foi elaborado o estudo. Por outro lado, numa venda de mercadorias, existe a apresentação dos produtos através de um atendente (serviço humano).

Essa é uma realidade dominante no mundo empresarial. Todavia, sempre uma atividade será caracterizada pela prevalência de um bem ou de um serviço. Nos exemplos citados, o que domina na atividade do advogado é o conteúdo que existe no papel, que foi desenvolvido através de um serviço intelectual (dar o papel é mera conseqüência do fazer o parecer); já na venda de mercadorias, o que conta é o produto (fazer a apresentação é mera conseqüência do dar a mercadoria). É por isso que os serviços advocatícios são tributados exclusivamente pelo ISS e a venda de mercadorias pelo ICMS.

Sendo assim, considera-se a recepção de uma empresa de hospedagem somente um acessório necessário à atividade. Caso inexistisse esse item numa empresa dessa espécie não haveria meios de efetuar a cobrança, o controle de hóspedes etc.

O que prevalece é a cessão do uso e gozo da Unidade Habitacional!

5.1.3. Limpeza

Outro elemento indispensável na atividade de hospedagem é a limpeza.

Verdade seja, com a constante circulação de clientes nas Unidades Habitacionais desses estabelecimentos é forçoso que a empresa de hospedagem mantenha profissionais destinados a fazer a manutenção, limpeza e higienização dos imóveis.

Essa é mais uma atividade que, pela natureza do negócio, é imprescindível à existência do estabelecimento.

No entanto, convém frisar que não há nesse labor uma prestação de serviços ao cliente do estabelecimento. A limpeza não é prestada a terceiro. A conservação elaborada no interior dos imóveis locados é efetuada em momento anterior ao do uso do imóvel [28].

Utilizando novamente o método da comparação, é tão necessária a limpeza em uma empresa de hospedagem quanto a lavação de roupas na locação de trajes. Nenhum consumidor se hospedará em um lugar sujo e tampouco um indivíduo alugará um traje sórdido.

Logo, nas empresas de hospedagem, a limpeza não se opera mediante a obrigação de fazer (limpar) algo para terceiro. A obrigação que prevalece é a de ceder um imóvel (limpo) ao cliente [29].

5.2. Conclusão

Diante do exposto, tem-se que a atividade de hospedagem opera-se pela a cessão do uso e gozo de um bem imóvel, mediante certa retribuição, a um consumidor.

Além da cessão existem operações inerentes ao desenvolvimento da atividade praticada, como o fornecimento de mercadorias, a recepção e a limpeza.

Entretanto, essas práticas, necessárias e acessórias, não desnaturam a qualidade do principal desenvolvido por empresas que efetuam a hospedagem [30].

Nenhum hóspede contrataria com um hotel, motel etc. somente para consumir os produtos fornecidos; somente para consumir os serviços da recepção; ou, somente para ver a limpeza de um imóvel.

É certo que o cliente tem por escopo a posse temporária do imóvel e, para isso, pagará o preço acordado.

Fitando sob o mesmo prisma uma situação semelhante, analisemos uma locadora de veículos:

Quando um indivíduo vai locar determinado veículo, existe um profissional destinado a fazer a apresentação dos automóveis e a cobrança do preço acordado (como opera uma recepção de hotel); os veículos são locados limpos, encerados, polidos e com a mecânica em perfeito estado (como a conservação e a limpeza em um motel); e, certas vezes, também existe o fornecimento do combustível ao locatário (como o fornecimento de mercadorias numa pensão).

Contudo, apesar da existência de todos esses acessórios, a atividade principal é a locação de veículos – que, conforme posicionamento do STF, não é prestação de serviços por prevalecer a obrigação de dar em detrimento da obrigação de fazer.

Do mesmo modo, hospedagem também não é prestação de serviço e não pode ser passível de cobrança do imposto previsto no art. 156, III, da Constituição Federal (ISS).

Assim sendo, Aires F. Barreto, em lições que como uma luva se amoldam neste trabalho, conclui por nós pela não incidência do ISS na atividade de hospedagem com os seguintes dizeres:

"Se, como acabamos de ver, a locação de bens móveis é intributável, por via de ISS, com maior razão será a singela cessão de espaço em bem imóvel.

"Anote-se, de imediato, que cessão de espaço em bem imóvel é o contrato pelo qual, uma pessoa, titular de bem imóvel, mediante remuneração, cede a outra o direito de uso desse espaço. (...)

"Trata de contrato que tem por essência a obrigação de dar. Resulta do acordo de vontades pelo qual o cedente (titular do imóvel) cede a terceiros (o cessionário) o direito de uso (e, eventualmente, de gozo) de certo espaço em bem imóvel, mediante remuneração (aluguel).

"Sendo a cessão de espaço em bem imóvel negócio jurídico que, diante da nossa ordem jurídica, configura obrigação de dar, segue-se, necessariamente, que jamais pode refletir ‘prestação de serviços’ (que só pode alcançar obrigações de fazer).

"(...)

"Comparativamente, não se desnatura o contrato - que prossegue sendo de locação de imóvel - pela circunstância de o imóvel ser entregue mobiliado ou com alguns serviçais. Mesmo nessas hipóteses, não há falar em prestação de serviços, uma vez que trata de mero acessório (tarefa-meio, atividade-meio) do fim visado: a cessão de espaço em bem imóvel.

"É incogitável a incidência do ISS diante da hipótese na qual há mero requinte de sofisticação dispensável. Deveras, a cessão de espaço em bem imóvel (fim perseguido) não se transmuda em serviço pelo simples fato de, para viabilizar ou facilitar essa cessão, vir-se a fornecer determinada infra-estrutura, com ou sem recursos humanos. A obrigação segue sendo de dar e não de fazer. O eventual fornecimento desses recursos, materiais ou humanos, não altera o fim colimado: cessão de espaço em bem imóvel. E somente podem ser tomadas, para sujeição ao ISS, as atividades entendidas como fim, correspondente à prestação de um serviço integralmente considerado." [31]


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

A Constituição, ao conferir a competência tributária, fixa todos os critérios da norma-padrão de incidência dos tributos a serem instituídos por lei, rigorosamente e exaustivamente, sem deixar margem de liberdade para o legislador ordinário.

No que concerne ao ISS, extrai-se do art. 156, III, da Constituição, os seguintes aspectos da norma que instituirá o imposto: a) Aspecto material: prestar serviços; b) Aspecto espacial: dentro dos territórios municipais; c) Aspecto temporal: momento da prática do aspecto material. d) Aspecto pessoal: d1) sujeito ativo: município; d2) sujeito passivo: quem prestar serviços; e) Aspecto quantitativo: e1) base de cálculo: valor do serviço; e2) alíquota: parcela da base de cálculo que não configure confisco.

Portanto, a prestação de serviços é a única matéria que, com supedâneo no dispositivo constitucional aludido, pode ser tributada a título de ISS pelos municípios.

Para configurar a "prestação de serviços" a atividade desenvolvida deve ser realizada por intermédio de uma obrigação de fazer e não de dar coisa. Esse é, inclusive, o posicionamento do STF (RE 116.121).

Outrossim, convém frisar que a corrente teórica que admite que a prestação de serviços pode ser visualizada quando prevalece a obrigação de dar é falha porque interpreta o direito através de conceitos econômicos e aceita a definição constitucional de serviços pela lei complementar.

Em relação à diferenciação entre as duas espécies de obrigações (dar e fazer), segundo Washington de Barros Monteiro, o ponto fundamental está em verificar "se o dar ou entregar é ou não conseqüência do fazer. Assim, se o devedor tem de dar ou entregar alguma coisa, não tendo, porém, de fazê-la previamente, a obrigação é de dar; todavia, se, primeiramente, tem de realizar algum ato, do qual será mero corolário o de dar, tecnicamente a obrigação é de fazer’." [32]

No tocante à hospedagem, prevista na legislação nacional (LC 116/03) e nas leis municipais, o intérprete deve se ater à essência dos atos praticados nessa espécie de atividade para observar se é válida a tributação pelo ISS.

Tem-se que, quando um cliente procura um estabelecimento de hospedagem (hotel, motel, pensão), o seu fim precípuo é o de ocupar um imóvel (unidade habitacional) por determinado período. Em contrapartida, o estabelecimento tem por obrigação ceder o uso e o gozo deste imóvel pelo prazo acordado, mediante remuneração.

Assim, não há a necessidade de previamente fazer o imóvel para posteriormente entregá-lo ao hóspede. O imóvel com os seus acessórios já está pronto. Logo, a obrigação principal do hotel, do motel etc. é a de dar.

Por outro vértice, o eventual fornecimento de mercadorias (alimentos, por exemplo) e de recursos humanos (recepção e limpeza) para viabilizar o negócio não desnatura o principal, a essência, a atividade-fim, que continua sendo a cessão do espaço em bem imóvel.

Por todo exposto, denota-se a inconstitucionalidade da cobrança do ISS na hospedagem, visto que prevalece nesse exercício a obrigação de dar. Logo, é situação fora da competência tributária imposta pela Carta Magna.


NOTAS

1 Na oportunidade ressaltamos que "verificada a invalidade do ISS incidente nas atividades de locação de bens móveis – imposto existente há mais de trinta anos – é de extrema importância frisarmos a necessidade de estudar não só as novidades no Direito Tributário, mas também a antiga tributação, aquela que o cidadão já vem contribuindo há anos, evitando, assim, que tributos sejam pagos indevidamente por um período ainda maior" (HOFFMANN, Daniel Augusto, ISS sobre locação de bens móveis: inconstitucionalidade de tributo municipal existente há mais de trinta anos, Jus Navigandi nº 65, mai. 2003.)

2 BECKER, Alfredo Augusto, Teoria Geral do Direito Tributário, Lejus, pp. 39, 40 e 41.

3 Competência tributária é a atribuição constitucional do poder de criar tributos in abstracto.

4 Nas palavras de Carrazza: "A Constituição, ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu – ainda que, por vezes, de modo implícito e com uma certa margem de liberdade para o legislador – a norma-padrão de incidência (o arquétipo genérico, a regra-matriz) de cada exação. Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma-padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador (federal, estadual, municipal ou distrital), enquanto cria o tributo, não pode fugir deste arquétipo constitucional." (CARRAZZA, Roque Antônio, Curso de Direito Constitucional Tributário,Malheiros, pp. 311, 312 e 313.)

5 ATALIBA, Geraldo, Hipótese de Incidência Tributária, Malheiros, p. 81.

6 Paulo de Barros Carvalho agrupa todos os elementos do tributo no que ele intitula de Regra-Matriz de Incidência (CARVALHO, Paulo de Barros, Curso de Direito Tributário, Saraiva, Capítulo X). Assim, pode-se observar a existência dos critérios: material, pessoal (sujeito ativo e passivo), quantitativo (base de cálculo e alíquota), espacial e temporal.

7 Desde que não sejam os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações (arts. 156, III e 155, II da Constituição).

8 O direito, abstrato por natureza, descreve possíveis condutas humanas. Quando as condutas hipotéticas previstas ocorrem no mundo dos fatos (fato gerador, ou, fato imponível), há a incidência (subsunção) da norma e a aplicação de um mandamento (um comando), também previsto na norma. O critério material da hipótese de incidência diz respeito à descrição de um ato, fato, ou estado de fato que poderá ser realizado no mundo real. É o espelho, o desenho, o reflexo daquilo que pode ser verificado na prática da vida.

9 Atual artigo 594 do novo Código Civil.

10 DERZI, Misabel Abreu Machado, Direito Tributário Brasileiro, Forense, p. 491 – itálico acrescido.

11 Todos os atributos são indispensáveis, porém, este é o que se destaca no cerne da atividade.

12 Também neste sentido: COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, Curso de Direito Tributário,Forense, p. 363 e 364.

13 "TRIBUTO - FIGURINO CONSTITUCIONAL. A supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS - CONTRATO DE LOCAÇÃO. A terminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável - artigo 110 do Código Tributário Nacional." (Recurso Extraordinário - RE - 116121/SP)

14 VENOSA, Sílvio de Salvo, Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, Atlas, pp. 80, 81, 100 e 101.

15 MARTINS, Sérgio Pinto, Manual do Imposto Sobre Serviços, Cejup, pp. 35 e 36 – destaque acrescido.

16 "O Maior Equívoco" é o título do item 10 do Capítulo I (Diagnóstico da Demência) da obra de Becker: BECKER, Alfredo Augusto, Teoria Geral do Direito Tributário.

17 "...um relance de olhos sobre a ciência jurídica tradicional, tal como se desenvolveu no decurso dos sécs. XIX e XX, mostra claramente quão longe ela está de satisfazer à exigência da pureza. De um modo inteiramente acrítico, a jurisprudência tem-se confundido com a psicologia e a sociologia, com a ética e a teoria política. Esta confusão pode porventura explicar-se pelo facto (sic) de estas ciências se referirem a objectos (sic) que indubitavelmente têm uma estreita conexão com o Direito. Quando a Teoria Pura empreende delimitar o conhecimento do Direito em face destas disciplinas, fá-lo, não por ignorar ou, muito menos, por negar esta conexão, mas porque intenta evitar um sincretismo metodológico que obscurece a essência da ciência jurídica e dilui os limites que lhe são impostos pela natureza do seu objecto (sic)." (KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, Tipografia Guerra, p. 17 e 18)

18 BECKER, Alfredo Augusto, Teoria Geral do Direito Tributário, pp. 39, 40 e 41.

19 CARRAZZA, Roque Antônio, Curso de Direito Constitucional Tributário, pp. 544 e 545.

20 Consoante art. 10 da LC 116/03: "Ficam revogados os arts. 8º, 10, 11 e 12 do Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968; os incisos III, IV, V e VII do art. 3º do Decreto-Lei nº 834, de 8 de setembro de 1969; a Lei Complementar nº 22, de 9 de dezembro de 1974; a Lei nº 7.192, de 5 de junho de 1984; a Lei Complementar nº 56, de 15 de dezembro de 1987; e a Lei Complementar nº 100, de 22 de dezembro de 1999.

21 Não vai ser discutido neste estudo a taxatividade ou não da lista de serviços da Lei Complementar do ISS. Somente como esclarecimento, é suficiente expor que alguns doutrinadores pensam que os legisladores municipais não podem instituir imposto sobre serviços que não estejam constantes na lista de serviços ditada pela LC (Hugo de Brito Machado, por exemplo); outros entendem que é de competência exclusiva dos Municípios estabelecer os serviços que serão tributados (Roque Antônio Carrazza, p.ex.), não devendo, a lei municipal, subordinação senão à Constituição Federal.

22 Lei 8.078/90. "Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" "Art. 3º. (...) § 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial."

23 Mini Aurélio, Editora Nova Fronteira, pp. 369, 473 e 525.

24 Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991: Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes.

25 HOTELARIA – ESPÉCIE DO GÊNERO LOCAÇÃO Recurso não conhecido com remessa dos autos ao tribunal de alçada (TJPR – ApCiv 0118428-5 – (33) – Curitiba – 7ª C.Cív. – Relª Desª Denise Martins Arruda – DJPR 15.04.2002 - destacamos).

26 GOMES, Orlando, Contratos, Forense, p. 264.

27 Aires F. Barreto faz a classificação dos serviços em "a) serviços puros; b) serviços com emprego de instrumentos; c) serviços com a aplicação de materiais; e d) serviços com emprego de instrumentos e aplicação de materiais.". Para maior aprofundamento acerca desta distinção: BARRETO, Aires F., ISS na Constituição e na Lei, Dialética, pp. 45 a 51.

28 Nos hotéis, a contratação do uso temporário é feita "por dia" (pagando-se as "diárias"), por isso, sempre no instante anterior ao do começo da vigência de cada contrato (de cada diária) é feita a limpeza do imóvel. Já nos motéis, pelo fato de o cliente utilizar as Unidades Habitacionais desses estabelecimentos para encontros amorosos (na maioria das vezes) da mesma forma a limpeza será efetuada, sempre, em momento anterior às ocupações. Nos demais estabelecimentos congêneres, é utilizado o mesmo método para a realização da limpeza.

29 Consoante citação anterior da ilustre Misabel Derzi, uma das características da prestação de serviços é que ela "deve ser prestada a terceiro, excluindo-se os serviços que a pessoa executa em seu próprio benefício" ( DERZI, Misabel Abreu Machado, Direito Tributário Brasileiro, p. 491).

30 Para verificar a atividade principal da hospedagem, utilizaremos o método da exemplificação e da comparação para clarear o raciocínio. Imaginemos o que acontece em um restaurante: Há, nessa atividade, o serviço de recepção, parqueamento de veículos, preparação dos alimentos e das bebidas, atendimento especializado por um garçom e cobrança dos valores pelo caixa. Todas estas atividades desenvolvem-se através de um facere (esforço humano). No entanto, a atividade preponderante é a cessão dos alimentos e das bebidas. Por isso que o tributo devido, nesse caso, é o ICMS.

Logo, questionamos:

Quem iria a um restaurante sem comida e sem bebida?

Por outra banda, conforme as assertivas deste capítulo, o principal na hospedagem é a cessão do espaço em bem imóvel:

Quem iria a um hotel sem quartos?

É até interessante imaginar diversos cidadãos se dirigindo a um restaurante, recebendo o serviço de parqueamento de seus veículos, sendo gentilmente recepcionados por um garçom, sentando ao redor das mesas com o fim de: simplesmente receber este cordial atendimento. Ou então, um casal apaixonado, procurando um motel para fins libidinosos e, já na recepção, a atendente informando: "Infelizmente nós não cedemos a ocupação de imóveis!! Porém, isso não é necessário. Dispomos do principal! Daquilo que realmente vocês querem nesse momento, que é uma excelente recepção, telefones com ótima comunicação e, apesar de não existirem quartos, nossa limpeza é excelente!"

Assim, a essência, o principal, sempre será a atividade preponderante. No restaurante, o principal é o fornecimento de alimentos e bebidas; na hospedagem, a cessão do imóvel.

Nesta linha de entendimento, Aires F. Barreto ainda complementa nossa teoria expondo que: "Não se pode decompor a atividade-fim, consistente na cessão de espaço em bem imóvel - que serviço não é - para sujeitar ao ISS as várias ações-meio que a possibilitam. Não é possível porque ilegal e inconstitucional, pretender tributar atividades-meio, separando-as do fim perseguido, para considerá-las separadamente, isoladamente, como se cada uma delas correspondesse a um serviço autônomo, independente. Isso seria uma aberração jurídica, além de constituir-se em desconsideração à hipótese de incidência desse imposto."(BARRETO, Aires F., ISS na Constituição e na Lei, pp. 45 a 51.)

31 BARRETO, Aires F., ISS na Constituição e na Lei, pp. 131 e 133 (grifamos).

32Apud: VENOSA, Sílvio de Salvo, Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, p. 101.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HOFFMANN, Daniel Augusto. A inconstitucionalidade do ISS na hospedagem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 643, 12 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6553. Acesso em: 19 abr. 2024.