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Responsabilidade dos sócios no inadimplemento tributário

Responsabilidade dos sócios no inadimplemento tributário

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Recentemente, as Fazendas Públicas Municipais, Estaduais e Federais, assim como o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, vêm sustentando o entendimento de que os sócios são pessoalmente responsáveis pelo inadimplemento tributário das empresas em que fazem parte do quadro associativo.

Tal aberração jurídica vem ganhando corpo em nossos tribunais, razão pela qual torna-se imperioso um estudo mais profundo dos preceitos legais acerca do tema, para que seja dada a correta interpretação para a responsabilidade pessoal tributária.

Desta forma, reportamo-nos ao Código Tributário Nacional – CTN que determina 3 (três) casos de possibilidade de atribuir-se a responsabilidade pessoal ao sócio, quais sejam:

(i) liquidação de sociedade de pessoas e não possibilidade de pagamento (artigo 134, VII);

(ii) crimes contra a ordem tributária (artigo 137); e

(iii) obrigação tributária gerada por ato ilícito (artigo 135).

Nos ateremos a responsabilidade pessoal tributária descrita no artigo 135 do CTN, que atualmente vem sendo utilizado como base de sustentação para inclusão das pessoas dos sócios e dirigentes das empresas nos pólos passivos das execuções fiscais.

Ao falarmos de responsabilidade pessoal dos sócios prevista no artigo 135, o primeiro questionamento que se apresenta não pode ser outro se não o de que "não recolher tributo é infração à lei?".

Para que se chegue a uma sensata resposta sobre a indagação, necessitamos primeiramente estudar o artigo 135, do Código Tributário Nacional – CTN, que assim dispõe:

"Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

(...)

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado." (grifou-se)

Da leitura do preceito normativo acima, verificamos que a questão principal refere-se a caracterizar o verdadeiro significado da expressão "infração à lei".

Pois bem, da simples observação da norma verificamos que o legislador refere-se a um ato ilícito, contrário à lei e gerador uma obrigação tributária.

Mas soa ao mínimo estranho a expressão "obrigação tributária decorrente de ato ilícito". Seria possível que um ato praticado ilicitamente pelo contribuinte gere uma obrigação tributária? A resposta é positiva.

Nesse campo poderemos invocar o disposto no artigo 118 do CTN, in verbis:

"Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:

I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis ou terceiros, bem como da natureza de seu objeto ou dos seus efeitos;

II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos."

Para melhor elucidarmos o transcrito na norma tributária acima, vejamos a doutrina a respeito;

"Do mesmo modo, pouco importa que, sob a ótica de outros ramos do Direito, o objeto do fato gerador do tributo seja ou não lícito. Esse fato continuará sendo considerado pelo Direito Tributário como fato gerador de obrigação tributária principal, com todos os efeitos disso decorrentes. Isso demonstra que não cabe cogitar, por exemplo, da licitude ou ilicitude da origem ou fonte dos rendimentos ou proventos. Mesmo que decorram de atividades contravencionais ou criminosas, ainda assim não perdem, perante o Direito Tributário, seu caráter de fatos geradores de obrigação principal, ficando sujeitos à incidência do imposto de renda." [1]

Com efeito, a jurisprudência majoritária de nossos tribunais seguem a mesma coerência:

"RECURSO ESPECIAL. PENAL. PECULATO. CONDENAÇÃO. SONEGAÇÃO FISCAL DE RENDA PROVENIENTE DE ATUAÇÃO ILÍCITA. TRIBUTABILIDADE. INEXISTÊNCIA DO "BIS IN IDEM". BENS JURÍDICOS TUTELADOS NOS TIPOS PENAIS DISTINTOS. PUNIBILIDADE.

São tributáveis, "ex vi" do art. 118, do Código Tributário Nacional, as operações ou atividades ilícitas ou imorais, posto a definição legal do fato gerador é interpretada com abstração da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos. - Não constitui "bis in idem" a instauração de ação penal para ambos os crimes, posto caracterizados peculato e sonegação fiscal, reduzindo-se, porém, a pena para o segundo crime à vista das circunstâncias judiciais. - Recurso conhecido e provido."

(STJ – REsp 182.563 – RJ, Rel. Min. José Arnaldo, DJU, I, 23.11.1998, p. 198 – grifou-se)

Indubitável, portanto, que os fatos ilícitos podem gerar uma obrigação tributária, pois não importa para o Direito Tributário que os fatos sejam repugnados por outros ramos do Direito.

Isto porque, geralmente, o fato imponível descrito na norma de incidência tributária, sempre expressa um acréscimo patrimonial ou uma expressão de riqueza do contribuinte.

Assim, para que ocorra a subsunção do fato real à norma de incidência tributária, e a conseqüente geração da obrigação tributária, pouco importa a origem do fato, da riqueza, ou do acréscimo patrimonial do contribuinte.

Por outras palavras, se uma pessoa aufere renda, pouco importa para geração do crédito tributário e da obrigação de recolhimento do tributo, se a origem dessa renda seja baseada em atos plenamente repugnados e tipificados pelo Direito Penal.

Não nos falta exemplos presentes em nosso cotidiano. Podemos citar uma clínica médica que realiza abortos. Esta clínica cobra determinada quantia pelos abortos, gerando uma renda, uma receita, um faturamento, e consequentemente, uma obrigação tributária decorrente de um ato ilícito e criminoso.

Outro exemplo seria um escritório que assessora determinado contrabandista. Este também gera uma obrigação tributária que tem sua origem em um ato de infração à lei.

Nesses casos, independente dos ilícitos penais apresentados, poderia o fato ocorrido ser vertido em linguagem competente, pelo ente competente ou pelo contribuinte, fazendo nascer o crédito tributário.

Conclui-se que os atos ilícitos geram renda que pode ser declarada e tributada.

Reportando-se, novamente, a construção normativa do artigo 135 do CTN, verificamos que o legislador se refere à responsabilidade pessoal dos administradores quando o crédito tributário decorra de uma ato contrário à lei.

Ora, a norma é clara e não permite divagações. A responsabilidade será pessoal do agente quando ocorrer um ato de infração à lei que gere uma obrigação tributária.

Assim, não podemos de forma alguma ultrapassar a correta interpretação da norma, atribuindo-se a responsabilidade pessoal aos sócios de uma empresa pelo simples inadimplemento tributário.

Não que o fato de inadimplemento tributário esteja fora daqueles considerados ilícitos. Pelo contrário, se a norma atribui à determinada pessoa a responsabilidade pelo pagamento do tributo, o não recolhimento no prazo legal é um fato contrário à lei. Em princípio, a pessoa responsável que não verifica o adimplemento de tributos, locupleta-se e a fortiori comete o ilícito que faz surgir sua responsabilidade.

No caso das pessoas jurídicas o princípio é o mesmo. Imaginemos o sócio que recolhe bônus lucrativo de sociedade e não recolhe o tributo devido em nome desta. O ilícito existe, porém, o que não se confunde é a aplicação do artigo 135, ou seja, a responsabilização pessoal do sócio e dirigente.

Isto porque, o artigo 135 reporta-se a fatos contrários ao disposto em lei e ocorridos anteriormente ao nascimento da obrigação tributária. Enquanto o inadimplemento do tributo é um fato contrário à lei, porém ocorrido posteriormente à geração do crédito tributário. Ambos são considerados como fatos ilícitos, porém ocorridos em momentos distintos. Veja-se:

Ato ilícito → Obrigação Tributária → lançamento → crédito tributário → inadimplemento

Nesse ponto é que os Procuradores da Fazenda Pública se equivocam. O artigo 135 é claro e determina a responsabilização pessoal do sócio "pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos".

Não resta a menor dúvida de que a lei determina a responsabilização pessoal do sócio quando a obrigação tributária decorra de um ato ilícito (infração de lei, contrato social ou estatutos).

Desta forma, se o ato ilícito (não recolhimento) ocorre após o nascimento da obrigação tributária, o fato não está abrangido pela disposição normativa do artigo 135.

Para melhor elucidarmos o tema, invocamos o preceito de que toda norma jurídica descreve o binômio hipótese e conseqüente.

No caso do artigo 135, a hipótese seria um crédito tributário que corresponde a uma obrigação tributária com nascimento atrelado a um fato ilícito. Completando a norma, o conseqüente seria a responsabilidade pessoal dos administradores.

Note-se que a para aplicação do efeito normativo do conseqüente, deve-se observar um fato assim como descrito no preceito jurídico.

Assim, se o fato ocorrido no mundo real não seja o mesmo descrito hipoteticamente na norma tributária, não ocorre a subsunção do fato à norma.

De certo, que o inadimplemento do tributo não é um crédito tributário que corresponde a uma obrigação tributária decorrente de um ato ilícito. Portanto, não operando a hipótese, inexiste o conseqüente e a aplicação da norma.

Observamos que não resta outra conclusão que não seja afastar por completo qualquer possibilidade de responsabilização pessoal dos administradores quando do simples inadimplemento tributário.


Nota

1 DECOMAIN, Pedro Roberto in Anotações ao Código Tributário Nacional – São Paulo, Saraiva: 2000.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASSIANO, Luiz Fernando Ruck. Responsabilidade dos sócios no inadimplemento tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 649, 18 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6592. Acesso em: 25 abr. 2024.