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A Revolução Industrial na Grã Bretanha

A Revolução Industrial na Grã Bretanha

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RESUMO:A monografia intenta explicar as razões do pioneirismo britânico no desencadeamento do processo industrial. Para tanto, busca explicação nos antecedentes da Revolução Industrial, principalmente a Revolução Inglesa e o processo de acumulação primitiva. Objetiva-se também explanar as razões da superação do sistema manufatureiro pelo sistema fabril, assim como a mecanização da produção e seus desdobramentos. Por fim, conclui-se enunciando os principais efeitos sociais da Revolução Industrial.

ÍNDICE:INTRODUÇÃO...CAPÍTULO I – OS ANTECEDENTES E AS CAUSAS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL BRITÂNICA..1.1 O CONCEITO DE REVOLUÇÃO INDUSTRIAL..1.2 A REVOLUÇÃO INGLESA E O PREPARO DAS CONDIÇÕES PARA O ADVENTO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL..1.2.1 O Conceito de Revolução Inglesa.1.2.2 A Estrutura Econômica...1.2.3 A Estrutura Política..1.2.4 As Grandes Transformações na Inglaterra.1.3 A ACUMULAÇÃO PRIMITIVA DE CAPITAL.1.3.1 Definição..1.3.2 A Expropriação dos Camponeses.1.3.3 A Gênese do Arrendatário Capitalista..1.3.4 A Repercussão da Revolução Agrícola na Indústria e Formação do Mercado Interno para o Capital Industrial..1.3.5 A Gênese do Capitalista Industrial.CAPÍTULO II - O PROCESSO EFETIVO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL.2.1 o Domínio do Capital   Mercantil   sobre   a   Produção, sua Relação com a Manufatura e a Passagem do Sistema Artesanal para o Manufatureiro  . 2.2 A Passagem do Sistema Manufatureiro para o Fabril e a Questão da Subordinação e Subsunção do Trabalho ao Capital.2.3 A Introdução da Máquina-Ferramenta, a Mecanização da Produção e seus Efeitos. CAPÍTULO III – Efeitos Sociais da Revolução Industrial.BIBLIOGRAFIA.


INTRODUÇÃO

            O que se pretende aqui realizar é uma síntese bibliográfica, baseada principalmente em textos de Karl Marx, Maurice Dobb, José Jobson de Arruda e Eric Hobsbawm. Objetiva-se que esta síntese seja capaz de fornecer ao leitor uma noção razoável do significado e da importância das  modificações ocorridas na sociedade ocidental em decorrência da primeira industrialização e também analisar a sua principal implicação, que foi exatamente a relação de subserviência estabelecida pelo fator capital em relação ao trabalho, que tantos desdobramentos teve, especificamente neste momento de gênese do modo de produção capitalista. É importante ressaltar que estamos tratando do início do processo de industrialização, da 1ª Revolução Industrial, que ocorreu na Grã Bretanha a partir do final do século XVIII. Isto porque é comentado acima que a industrialização trouxe mudanças para a sociedade ocidental; entretanto, essas mudanças ocorreram num primeiro momento. Posteriormente, a industrialização atingiu e provocou mudanças no Oriente, principalmente no Japão, na China e na Coréia, porém isso foge ao objeto de nosso estudo.

Outro aspecto relevante acerca da monografia que merece esclarecimento, é o fato do estudo ser baseado exclusivamente na primeira experiência industrial britânica. A base geográfica do trabalho é a Grã-Bretanha, principalmente a Inglaterra e a Escócia, pelo seu já mencionado pioneirismo nas atividades industriais, devido a uma série de fatores que são esmiuçados adiante, o que investe essa região de relevância ímpar, justificando sua escolha para estudo.

            Com referência à estrutura da monografia, tem-se que a Introdução faz uma apresentação geral do trabalho e o assunto Revolução Industrial é abordado.  O Capítulo I é dedicado exclusivamente às causas e acontecimentos que precederam a Revolução Industrial. É apresentado o seu conceito e feita uma análise das várias condições que a antecederam, principalmente dentro da Inglaterra, abordando as estruturas vigentes e as características da "acumulação primitiva" de capital.

            No Capítulo II, os assuntos são diretamente relacionados com a efetiva ocorrência da Revolução Industrial. Analisa-se primeiramente a questão do domínio do capital mercantil sobre o conjunto da produção e sua relação com a manufatura. Também se aborda a passagem do sistema artesanal para o manufatureiro. Posteriormente, investigam-se as causas da passagem do sistema manufatureiro para o fabril e a questão da SUBORDINAÇÃO E SUBSUNÇÃO na abordagem de Marx. Por último, temos uma tentativa de explicação das consequências da introdução da máquina ferramenta e da mecanização da produção, no que se refere ao trabalhador e ao processo de trabalho.

            Por último, o Capítulo III tem por finalidade mencionar      quais as principais implicações sociais que o surgimento da grande indústria e do sistema fabril acarretou.


CAPÍTULO I – OS ANTECEDENTES E AS CAUSAS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL BRITÂNICA

1.1 O CONCEITO DE REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

Na visão de Iglésias (1981[1981], p. 12), a Revolução Industrial é a passagem do sistema doméstico para o de fábrica,        da manufatura para a maquinofatura, já que a máquina passa a reinar soberana nesta última.

Existe uma grande controvérsia, uma grande polêmica sobre o que foi e no que efetivamente consistiu a Revolução Industrial. Vamos apresentar aqui alguns conceitos, opiniões e comentários de notórios historiadores, primeiramente de Jobson, e a seguir de ilustres estudiosos do assunto, tais como Sombart, Toynbee, Hobsmawn e Mantoux.     

A Revolução Industrial é "[...] a        culminância de um processo  secular, com suas raízes fundidas na crise do sistema          feudal, que consolida o modo de produção capitalista, instaurando um sistema econômico-social e uma ideologia específica." (Jobson, l987, p. 8).       Neste prisma, a Revolução Industrial é o complemento direto da Revolução Inglesa do século XVII, com a ascensão da burguesia ao poder, o fenômeno do protetorado de Oliver Cromwell e a Revolução Gloriosa de 1688. O pioneirismo inglês justifica-se pelo fato de a Inglaterra ter superado o feudalismo antes dos demais países.

Convencionou-se dizer que a Revolução Industrial se verificou na segunda metade do século     XVIII,            na Grã-Bretanha, sobretudo na Inglaterra, no período considerado entre os anos de 1780 e 1830, segundo classificação geralmente adotada. Os chamados "anos revolucionários" ocorreram no intervalo entre 1780 e 1800. Esse processo contou com o aperfeiçoamento da máquina a vapor, que assegurou novo elemento energético superior a qualquer outro existente, manifestando-se sobretudo na produção têxtil e metalúrgica. É a passagem do sistema doméstico para o sistema de fábrica. No momento da Revolução Industrial, cristalizou-se o capitalismo.

Podemos dividir a cronologia da produção humana recente em três estágios: artesanato, manufatura e indústria. O homem passa de agente de direção, ou seja, passa da condição de artesão, portador de um conhecimento completo sobre o processo produtivo e dono dos meios de produção, para agente de execução de uma tarefa específica do processo de produção sobre o qual, anteriormente, ele tinha conhecimento quase que absoluto. Assiste-se, pois, à passagem da manufatura para a maquinofatura.         Estaria aí a natureza da Revolução Industrial, que poderia ter seu esquema completado com a produção em série, em grande escala, para um consumidor indeterminado.

Enquanto antes se produzia para certo mercado, conhecido por pessoas conhecidas, agora se produz para um mercado anônimo. Antes o artigo era feito pelo artesão, uma pessoa, agora o é pela máquina ou por várias pessoas que dividem as tarefas de modo a tornar o trabalho mais racional e rentável. A produtividade do trabalho com a máquina é evidentemente muito superior à do trabalho antigo. Altera-se fundamentalmente o modo de produzir.  Não prepondera mais a produção domiciliar do artigo, o sistema artesanal, mas a existência da fábrica, a agrupar até centenas de trabalhadores.

A Revolução lndustrial é uma síntese que culmina um período e dá nascimento ao capitalismo pleno, superando os métodos da "acumulação primitiva", pré-capitalista. É relevante esclarecer o significado de capitalismo pleno, que vem a ser aquele caracterizado por uma definição mais abrangente de capitalismo e outra que representaria o entendimento marxista, que são enunciadas em seguida. Para Sandroni (1994, p. 13), o capitalismo é o sistema econômico e social que se baseia na separação entre trabalhadores juridicamente livres, que dispõem apenas da força de trabalho e a vendem em troca de salário, e capitalistas, que       são os proprietários dos meios de produção e contratam os trabalhadores para produzir mercadorias (bens dirigidos para o mercado) visando à obtenção de lucro. O mesmo autor nos diz que

[...] para Karl Marx, o que define o capitalismo é a exploração dos trabalhadores pelos capitalistas. O valor do salário pago corresponderia apenas a uma parcela mínima do valor do trabalho executado. A diferença, denominada mais-valia, seria apropriada pelos proprietários dos meios de produção, sob a forma de lucro. (Sandroni, 1994, p. 42).

Voltando à explicação sobre acumulação primitiva. Segundo nos informa Sandroni (1994, p. 9), a acumulação originária de capital, para Marx, se desenvolveu a partir de dois  pressupostos: um foi a concentração de grande massa de recursos (dinheiro e meios de produção)  nas mãos de um pequeno número de proprietários; outro, a formação  de um grande contingente de indivíduos despossuídos de bens e obrigados a vender sua força de trabalho  aos senhores de terra e donos de manufatura. Historicamente, isso foi            possível graças às riquezas acumuladas pelos negociantes europeus com o tráfico de escravos africanos, o saque colonial (metais preciosos) e a         apropriação privada das terras comunais dos camponeses, resultante do cercamento dos campos na Inglaterra. Ela conduz à consolidação definitiva do modo de produção capitalista, que passa a estar identificado com a industrialização, e que se caracteriza principalmente pelo progresso técnico continuado,           capitais mobilizados   para o lucro, separação mais clara entre uma burguesia possuidora dos bens, e os assalariados despossuídos.

O ponto principal da monografia é a essência da transformação da manufatura em fábrica, que é o cerne da própria Revolução Industrial, cerne este caracterizado pela substituição de ferramentas acionadas por energia humana por máquinas movidas por energia motriz. É importante ressaltar também o outro fulcro do trabalho, que é o fato de a manufatura ter sido incapaz de continuar o seu desenvolvimento assentada sobre a sua própria base técnica, o que culminou mais tarde com a sua evolução para a fábrica. O que motivou essa incapacidade e o surgimento da fábrica? Que limites a manufatura impõe ao capital? A resposta nos é dada por Marx.

Ao mesmo tempo, a manufatura não podia assenhorear-se da produção social em toda a sua extensão, nem revolucioná-la em seu cerne. Como obra de arte econômica atingiu seu apogeu apoiada na extensa base constituída pelos ofícios das cidades e pela indústria doméstica rural. Mas, seu estreito fundamento técnico, ao atingir ela certo estágio de desenvolvimento, entrou em conflito com as necessidades de produção, que ela mesma criou. (Marx, 1985[1890], p. 421-422).

A mudança técnica acima referida, que foi a substituição de ferramentas acionadas por energia  humana por máquinas movidas por energia motriz, faz-se acompanhar por uma mudança vital nas relações sociais de produção, pois cria-se o trabalhador coletivo no sistema de fábricas em substituição ao trabalhador parcial da velha manufatura. Estava aí o ponto decisivo, condição indispensável para a Revolução Industrial, que por sua vez rompe brutalmente com as antigas relações de produção, instaurando o domínio completo da máquina e do capital sobre a sociedade.

A evolução da base técnica da produção até chegarmos ao  capitalismo pode ser descrita a partir do artesanato. Do sistema artesanal, que produz em pequena escala e para uma demanda     reduzida, passa-se para a manufatura, que é estágio de certa complexidade, já com produção mais ampla e diversificada. Depois é que se chega à indústria no conceito moderno, com o uso de utensílios e máquinas que de algum modo substituem o trabalho pesado do homem.

Em relação à conceituação de Revolução Industrial, aos motivos para a ocorrência da mesma e a sua caracterização por notórios economistas e historiadores, fez-se uma seleção de conceitos que são reproduzidos a seguir. Para Sombart, segundo Iglésias (1981, p.12), a ferramenta facilita o trabalho humano, enquanto a máquina é o meio que a substitui. Com a Revolução Industrial, assistir-se-ia à passagem da manufatura a maquinofatura, pois aí a máquina passa a reinar soberana. Para Arnold Toynbee, de        acordo com Iglésias (1981, p. 13), a Revolução Industrial consistiu na transformação da pequena indústria a mão para o consumo local em grande produção para consumo longínquo e na substituição das regulamentações típicas do sistema corporativo de produção pela competição, sem a qual nenhum progresso poderia ser atingido. No ponto de vista de Hobsbawrn, segundo nos informa Iglésias (1981, p. 62), a Revolução Industrial tem estreita ligação com a  indústria algodoeira; já para Phyllis Deane, nos diz Iglésias (1981, p. 67), o principal feito da Revolução Industrial foi a conversão da economia britânica de uma economia baseada na madeira e na água para uma alicerçada no carvão e no ferro.

Na opinião de Cunningham, segundo Jobson (1987, p.10), o avanço econômico da Inglaterra no século XVIII se devia à expansão dos mercados e à acumulação de capitais. Já na de Paul Mantoux, de acordo com Jobson (1987, p.10), a Revolução Industrial foi um fenômeno essencialmente comercial, tendo sido preparada e acompanhada pela expansão do comércio e do crédito, sendo o surgimento da maquinaria o resultado inevitável do desenvolvimento comercial. Para Dobb, ainda segundo Jobson (1987, p.15), a Revolução Industrial consistiu na alteração do caráter da produção, que passou de manufatureira para fabril, de artesanal para industrial, devido à introdução da máquina ferramenta.

1.2 A REVOLUÇÃO INGLESA E O PREPARO DAS CONDIÇÕES PARA O ADVENTO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

A Revolução Inglesa, ocorrida entre 1640 e 1688, fez com que a Inglaterra se desenvolvesse de tal forma em todos os aspectos, seja ele político, econômico ou institucional, de modo a ser capaz de realizar a Revolução Industrial, sendo, por esse motivo, um estudo indispensável para o trabalho. Dividiu-se sua análise em quatro itens, quais sejam: o conceito de Revolução Inglesa, a estrutura econômica, a estrutura política da Inglaterra da época, e as grandes transformações acarretadas pela Revolução Inglesa.

1.2.1 O Conceito de Revolução Inglesa

Foi no século XVII, na Inglaterra, que se deu a 1 ª Revolução Burguesa da Civilização Ocidental. Em 1640 teve início a Revolução Puritana. Em 1688 teve lugar a Revolução Gloriosa. Ambas, contudo, integram o mesmo processo revolucionário. A verdadeira revolução se deu no transcurso da Revolução Puritana, entre 1640 e 1649, de que a Revolução Gloriosa foi apenas um complemento natural. "Nesse contexto, ampliamos o sentido histórico da Revolução Inglesa para inseri-la na Era das Revoluções Burguesas, na medida em que antecipa a Revolução Americana e a própria Revolução Francesa em 150 anos." (Jobson, 1985(1984], p.7). A Revolução Inglesa definiu o padrão de luta política revolucionária até o advento da Era das Revoluções Proletárias. Por isso, merece datar o início    da Era  das Revoluções Burguesas, na visão de Jobson (1985(1984], p. 7).

A Revolução   Britânica foi responsável pela criação das condições para que a Inglaterra superasse o feudalismo antes         das demais nações europeias, propiciando dessa forma a implantação de um capitalismo pleno, já explicado no item anterior, libertando as forças produtivas. Essa libertação suprimiu            completamente ao antigo modo de produção artesanal, eliminou os óbices para o avanço dos cercamentos dos campos e completou a Revolução Agrária. É importante frisar que a Revolução Inglesa foi um movimento de compromisso social entre a nobreza e a burguesia.

Com    a evolução do processo revolucionário, foi composta uma  estrutura política e institucional            baseada principalmente em três elementos, que foram o Banco da Inglaterra, o Governador do Tesouro e o Primeiro-Ministro, estrutura esta que muito contribuiu para      a conquista dos mercados externos e para a implantação do capitalismo na Inglaterra. Sob esse ponto de vista, a Revolução Britânica foi a grande Revolução Burguesa da Europa. É   necessário relacionar estruturalmente a Revolução Inglesa e a Revolução Industrial, entendendo-as como   parte do mesmo processo. A  Revolução Industrial aconteceu tão somente em virtude das transformações econômicas, sociais e políticas decorrentes da Revolução Inglesa; por seu turno, a Revolução Inglesa só adquire significação se analisada no contexto mais abrangente do processo histórico posterior, por ela desencadeado, e que tem seu ápice na transformação industrial do século XVIII.

1.2.2 A Estrutura Econômica

Neste   tópico  vai se tratar da estrutura econômica britânica anterior à Revolução Industrial e das modificações  no campo econômico  que propiciaram a sua ocorrência.

Segundo Jobson,

Entre os séculos XVI e XVII acelera-se o processo de transformação do feudalismo para o capitalismo. Tal processo já tivera início nos fins do século XI, quando ocorreram os primeiros sintomas da crise do sistema, e só se completaria com a Revolução Industrial Inglesa nos finais do século XVIII. Esta fase de transição é marcada pela presença de resquícios do sistema feudal e emergência de elementos constitutivos do modo de produção capitalista. É a fase de acumulação originária de capitais; a fase de preponderância do capital mercantil, elemento integrador das atividades econômicas. (Jobson, 1985 [1984], p. 10).

Levando-se em consideração que a produção é impulsionada pela dinâmica do mercado, pela circulação de mercadorias, temos que a acumulação se realiza, precisamente, através do circuito mercantil. Devido isso, o Estado Absolutista dá prioridade à circulação de mercadorias em prejuízo das atividades produtivas, e faz através da política econômica mercantil, que corresponde à            predominância do capital mercantil   e tem por objetivo enriquecimento, o fortalecimento         do Estado e o enriquecimento da burguesia. Tais intentos seriam alcançados mediante a execução do mercantilismo, o que acarretava  balança comercial favorável,  que só seria viável através de uma política de monopólios protecionista e pela criação de um império colonial. O confisco dos bens dos mosteiros e das igrejas realizado pelo absolutismo inglês entre 1536 e 1539 foi fundamental para a transformação da estrutura agrária inglesa, pois a monarquia deu e vendeu a maior parte das terras apropriadas, beneficiando a pequena nobreza (gentry). Esta divisão política do Estado, que objetivava aumentar seu próprio patrimônio com o intuito de promover a centralização política e unificar o mercado nacional, expandiu espetacularmente a quantidade de terras disponíveis no mercado, capitalizando a            agricultura inglesa, o que       não aconteceu em nenhum outro país europeu, até então.

Um elemento crucial no processo de transformação agrária na Inglaterra foram os cercamentos dos campos (enclousures). Poderíamos estabelecer uma classificação geral das terras em open fields e common lands, ou waste lands. Os open fields são campos abertos, nos quais as propriedades se encontram dispersas e mescladas, possuídas por proprietários livres e arrendatários vitalícios, cujo arrendamento poderia ser hereditário, os chamados copy holders.  Disto resultava um modo coletivo de produção agrícola que inibia a iniciativa individual, pois o cultivo era decidido comunitariamente, o que impedia a divisão social da produção e não favorecia o progresso técnico. Já as common lands eram uma propriedade coletiva. Eram as terras baldias, incultas, de baixo valor e fertilidade, entretanto, uma opção para as populações pobres.  Contudo, não havia em relação elas um coletivismo absoluto, já que sobre elas o senhor de terras tinha direitos.

Para Jobson,

Torna-se mais fácil entender o significado dos cercamentos na história da Inglaterra. Trata-se do cercamento dos open fields  e dos  common  lands,  a reunião dos lotes de terra dispersos numa  área contínua que permitiria ao seu proprietário isolá-las das demais propriedades, transformando a terra, em mercadoria e criando as condições para a especialização da produção, a intensificação da divisão social do trabalho agrícola e a penetração mais intensa do capital no campo. (Jobson, 1985[1984], p. 19).

O mesmo autor nos informa que

[...] preponderam, entretanto, os cercamentos de grandes domínios, que tiveram impacto enorme sobre a população camponesa. De fato, a grande indústria da Inglaterra, a indústria de lã, exigia constantes alargamentos dos campos criatórios e esta atividade, como se sabe, restringe a quantidade de mão de obra empregada, diminuindo consideravelmente o mercado de trabalho nos campos ingleses,  tendo como contrapartida o efeito da liberação da população      rural, intensificando o êxodo que, por sua vez, resulta em infinita variedade de trabalhos marginais, criando um exército de reserva para a atividade  manufatureira.  (Jobson, 1985 [1984], p. 19-20).

Ainda segundo Jobson,

[...] o ritmo dos cercamentos se desacelera na segunda metade do século XVI, mas jamais se interrompe de todo durante o século XVII. A posição da monarquia inglesa, entretanto, continuava a ser um fato impeditivo ao avanço dos cercamentos e, nessa medida, um elemento que entravava o avanço do capitalismo na Inglaterra. (Jobson, 1985 [1984], p. 20-21).

Havia

[...] poucas e verdadeiras manufaturas na Europa em meados do século XVI. Com exceção da indústria têxtil, indústria de extração mineral e de construção naval, todas as demais atividades industriais eram organizadas com base no trabalho de artesãos individuais. (Jobson, 1985 [1984], p.22).

Por volta de 1550, ocorreu uma mudança substancial na distribuição geográfica da produção industrial europeia. O eixo dominante deslocou-se da região de Flandres até a Toscana para a Inglaterra, onde se verificou um arranque industrial entre 1540 e 1640, não sendo acompanhado por nenhuma inovação na organização social da produção ou na base técnica. A produção de tecidos de lã era a principal indústria inglesa. Era o próprio símbolo da prosperidade industrial da Inglaterra. Jobson (1985 [1984], p.26-27) cita C.Hill,  afirmando  que o capital para o desenvolvimento industrial foi fornecido, direta ou indiretamente, por mercadores, traficantes de escravos e piratas e pelo setor da pequena nobreza que fizera fortuna com a pilhagem dos mosteiros, além do dinheiro proveniente das economias oriundas de pequenos proprietários rurais e artesãos.

No seu livro A Revolução Inglesa, Jobson nos dá ciência de que

[...] um dos obstáculos mais sérios ao desenvolvimento industrial foi a regulamentação imposta pelas corporações. Desde a Idade Média que estas últimas, com vistas a adequar a produção ao consumo, regulamentavam a quantidade, a qualidade, os preços e os salários pagos aos jornaleiros,  estabelecendo normas rígidas para o acesso ao artesanato, impondo longos períodos de aprendizagem e a realização de uma obra-prima, julgada pelos mestres já estabelecidos da corporação, que dava acesso ao oficio. Tinham de abandonar os centros          tradicionais de produção manufatureira, estabelecer-se em novas cidades não dominadas pelas corporações ou deslocar-se para as zonas rurais, onde havia mão de obra abundante e barata dos camponeses vítimas dos cercamentos. (Jobson, 1985[1984], p. 27).

A expansão das atividades industriais dependia amplamente da expansão das atividades comerciais, fazendo com que        o desenvolvimento comercial determinasse a transformação industrial. Partindo de uma economia estática, como a economia feudal, o mercado interno foi gradativamente se ampliando na Inglaterra, durante todo o final da Idade Média.  No processo de expansão do capital comercial teve papel primordial a criação das companhias privilegiadas. A primeira a ser fundada foi a Merchant Adventurers, em 1486, e a principal foi a Companhia das Índias, que data de 1600. Na base dessa política mercantil estava o Estado inglês, uma monarquia centralizada e forte que buscava     mercados externos, iniciando a colonização inglesa e um verdadeiro assalto ao mercado           mundial, especialmente espanhol, através da concessão das cartas de corso, que  eram  autorizações dadas por nações beligerantes, no caso a Inglaterra, para que navios da marinha mercante se armassem e praticassem atos de guerra; no caso o saque aos galeões espanhóis que transportavam metais preciosos da América Colonial Hispânica para a Espanha.

1.2.3 A Estrutura Política

Neste   item vai se tentar analisar de que forma as alterações no quadro político britânico do século XVII influenciaram no desencadeamento do processo         industrial do século XVIII.

É importante ressaltar a importância da Revolução Inglesa para, mudando a correlação de forças da sociedade britânica no século XVII e fazendo as alterações institucionais no aparelho de Estado inglês, que serão anunciadas a seguir, proporcionar as condições político­ institucionais para o advento e ocorrência da Revolução Industrial.

O fortalecimento do poder real na Inglaterra se deveu à insularidade, que dava ao poder central acesso marítimo à maior parte do Reino, e também à própria natureza da sociedade medieval inglesa. Segundo Jobson (1985[1984], p. 46), esta natureza se caracterizava pelo fato de os reis ingleses controlarem diretamente a totalidade da nobreza, o que evitava a dispersão de poder e facilitou o fortalecimento acima referido. Os Tudor iniciaram as reformas administrativas em 1530, promovendo a burocratização do governo. Com a ocorrência da Revolução Inglesa, que marcou o fim do Estado absolutista na Inglaterra, e sob a égide do Lorde Protetor Oliver Cromwell, esse processo prosseguiu, e teve como resultado o surgimento do moderno Estado inglês, agora adequado e compatível ao empreendimento de políticas que mais tarde redundariam na formação de condições privilegiadas para a realização da Revolução Industrial.

Várias mudanças foram realizadas, dentre as quais a mais importante foi a centralização da administração sob a tutela do primeiro-secretário. Concretamente, o Estado inglês aparelhou-se para empreender o processo de unificação do país, a integração das cidades inglesas e supressão dos            particularismos da Idade Média, especialmente o poder local da aristocracia. No plano da política externa estimulou-se o avanço sobre os impérios coloniais, principalmente contra           a Espanha. O consenso social perdurou até a substituição dos Tudor pelos Stuart. No começo do século XVII, segundo Jobson (1985 (1984], p.51), era profunda a inadequação entre a estrutura do Estado Absolutista inglês e o novo momento histórico, representado pela emergência da burguesia no contexto das transformações econômicas provocadas pela própria monarquia britânica no século anterior.

Considerando-se a perfeita integração entre a ética calvinista e o espírito capitalista, preponderantemente no seio da burguesia,      torna-se fácil entender como     o calvinismo havia penetrado profundamente nos extratos burgueses da sociedade inglesa. De         fato, a ética calvinista estimulava o trabalho metódico, resultando em um processo de acumulação. A ênfase na frugalidade, na sobriedade, exortava a poupança, integrando-se, pois, elementos fundamentais no processo global de acumulação capitalista [...]; no século XVII, com a emergência dos Stuart, as condições para o conflito político estavam maduras. Lembramos que os Tudor haviam exercido na Inglaterra um poder absoluto de fato, mas não de direito, porque, desde 1215, quando da instituição da Magna Carta, os reis ingleses abdicaram de toda e qualquer possibilidade de virem a reivindicar o mesmo estatuto legítimo dos reis franceses, reis por direito divino. Se de fato os reis exerciam o poder, de direito ele pertencia ao Parlamento. [...] Os Tudor já haviam desempenhado o seu papel e a estrutura montada para      tanto representava agora um empecilho       à continuidade do desenvolvimento econômico e ao progresso social. Caracterizava-se então uma inadequação entre a estrutura do poder e as bases          econômicas e sociais. Assim, o Parlamento representando as     forças sociais progressistas neste momento, procura transformar o poder de direito em poder de fato, isto é, assumir o direito que lhe assegurava a Magna Carta, mas que era exercido pela monarquia. (Jobson, 1985 [1984], p. 52-54).

1.2.4 As Grandes Transformações na Inglaterra

A Revolução Inglesa de 1640 transformou a estrutura política, social e econômica da Inglaterra, preparando as condições para o advento da Revolução Industrial.  Destruiu o antigo aparelho de Estado, impondo limites ao poder real, eliminando sua autonomia financeira, confiscando-lhe as propriedades e submetendo-o ao poder do Parlamento. O poder mudou de mãos. Fora exercido até 1640 pelo Rei em termos pessoais e pela aristocracia por delegação, agora passava às mãos de uma pequena nobreza rural, a gentry, identificada com a burguesia mercantil. Efetivamente, se a Revolução de 1640 lançou as bases do predomínio político da burguesia, sem dúvida não lhe deu o poder diretamente, pois o predomínio econômico da burguesia se desenvolveu, a princípio, sob o domínio político da nobreza proprietária, para mais tarde a burguesia alcançar o poder sob a hegemonia da nobreza e, finalmente, chegar à hegemonia do bloco de poder após 1832. No plano ideológico, a Revolução Inglesa abriu espaço para um novo comportamento político dos puritanos, a emergência do liberalismo, a afirmação do individualismo e a teoria do contrato. Pela primeira vez, num processo revolucionário, a burguesia tinha assumido o poder e implantado um projeto político.

No aspecto econômico, a grande mudança se deu na estrutura agrária. Jobson nos diz que

[...] com a transformação na estrutura agrária, rompe-se o bloqueio estrutural, imanente desde o primeiro momento da crise do sistema feudal e a emergência do sistema capitalista, que resultara na crise de crescimento do século XVII, destravando-se as forças produtivas rumo à industrialização do século XVIII. Se a transformação da         estrutura agrária representou o interesse        da gentry proprietária e sequiosa por terras, os interesses da burguesia mercantil          foram atendidos, na medida em que os privilégios corporativos foram abolidos, criando condições para a expansão das atividades industriais nos centros urbanos dominados pelas corporações.  (JOBSON, 1985 [1984], p. 92-93).

Com o ato de navegação de Cromwell de 1651 - e de todos os outros atos que o seguiram - tinha início uma agressiva política de conquista do mercado externo. Destinada, inicialmente, a combater os holandeses, sua finalidade revelou-se bem mais ampla, em         termos de política econômica global. Acompanhada por uma diplomacia eficiente combinada a guerras de conquista, os ingleses concluíram um verdadeiro assalto aos mercados mundiais e coloniais. A rápida      expansão da demanda no mercado externo coincidia com   o maior nível de restrição na produção interna, a qual deveu-se ao fim da dualidade camponesa, isto é, os camponeses não mais faziam artesanato e agricultura, a agricultura  inglesa tornou-se capitalista e a mão de obra camponesa foi liberada para a manufatura, o que impôs a transformação da estrutura técnica da produção par atender às exigências do mercado mundial, resultando a longo prazo na Revolução Industrial.

Finalmente, a Revolução Inglesa é resultado da ação política de uma nova classe social, uma classe burguesa, pela sua identificação com a produção para o mercado. Seu caráter de revolução burguesa, contudo, não se evidencia tão   somente no fato de que a classe agrária capitalista, associada a setores mercantis urbanos, passasse a exercer em última instância o poder, após a destruição do aparelho de Estado legado pelos Stuart; mas, e sobretudo, pelo que ela criou, isto é, condições plenas para o avanço das forças produtivas capitalistas  na Inglaterra, sendo assim, a grande Revolução  Burguesa  da sociedade  ocidental. A Revolução Inglesa criou as condições indispensáveis para a expansão comercial e marítima em escala mundial. No cerne desta política expansionista delineava-se o interesse das indústrias, comerciantes e armadores que obtiveram junto ao governo, a partir de 1649, uma política sistemática de apoio às atividades comerciais. Numerosas instruções produzidas entre 1660 e 1696 configuram o programa comercial e colonial, que dá sentido à política mercantil inglesa. Para finalizar, é importante fazer algumas observações acerca da política mercantil colonial britânica. Os atos de Navegação são a manifestação mais evidente da agressividade mercantil inglesa. Baixados sob liderança de Cromwell entre 1650/51 e complementados em 1660, sob a Restauração, proibiam a todo navio estrangeiro adentrar os portos ingleses com produtos outros que não fossem os de seu país          de origem. O comércio entre Ásia, África e América e os portos ingleses era reservado exclusivamente para os navios construídos na Inglaterra, pertencentes a armadores ingleses e com tripulação igualmente inglesa. O impacto dos atos foi enorme, com a dinamização dos portos de Bristol, Plymouth e Liverpool.  Marcam a passagem de uma organização assentada no monopólio das companhias privilegiadas para uma integração global no comércio do país, baseado num monopólio nacional, com o Estado assumindo o papel de líder. Esses atos incrementaram os mercados coloniais e ultramarinos, em geral, ao mesmo tempo em que qualquer tipo de atividade concorrente com a inglesa foi cerceada.

1.3 A ACUMULAÇÃO PRIMITIVA DE CAPITAL

1.3.1 Definição

Marx afirma que

[...] a  chamada acumulação primitiva é apenas o processo histórico que dissocia o trabalhador          dos meios de produção; recebe  a denominação de primitiva porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção capitalista [...]; para que o então proletário (antigo artesão) pudesse vender livremente sua força de trabalho, levando sua mercadoria a qualquer mercado, tinha ainda de livrar-se do domínio das corporações, dos regulamentos, a que eram subordinados os aprendizes, que tinham seu trabalho entravado. Desse modo, um dos aspectos deste movimento histórico que transforma os produtores em assalariados é a libertação da servidão e da coerção corporativa, além da expropriação dos meios de produção e privação de todas as garantias que as velhas instituições feudais lhes asseguravam.  [...]; o processo que produz o assalariado e o capitalista tem suas raízes na sujeição do trabalhador, processo este que consistiu na transformação da subserviência feudal em exploração capitalista. [...]; marcam época, na história da acumulação primitiva, todas as transformações que servem de alavanca à classe capitalista em formação, sobretudo aqueles deslocamentos de enormes massas populacionais, violenta e repentinamente, privadas de seus meios de produção e sobrevivência e lançadas ao mercado de  trabalho como  hordas   de   operários, desprovidos de direitos. (Marx, 1985 [1890], p. 830-831).

Esse processo teve esse desenrolar clássico na Inglaterra, país que é a base geográfica do trabalho.

1.3.2 A Expropriação dos Camponeses

De acordo com Marx (1985 [1890], p. 830-850), nos fins do século XVI, na Inglaterra, a imensa maioria da população consistia de      camponeses proprietários, fossem seus títulos feudais. Eram assalariados da agricultura camponesa que usavam seu tempo de lazer trabalhando para os grandes proprietários, e       os assalariados propriamente      ditos, uma classe independente e relativamente        pouco numerosa.

O prelúdio que criou a           base do modo capitalista de produção ocorreu no último terço do século XV     e nas primeiras décadas            do século XVI. Com a dissolução das vassalagens feudais é lançada ao mercado      de trabalho uma           massa de proprietários, de indivíduos sem direitos. (Marx, 1985 [1890], p.833).

Marx nos dá ciência de que

Opondo-se ao Rei e ao Parlamento, o grande senhor feudal criou um proletariado incrivelmente maior, usurpando as terras comuns e expulsando os camponeses das terras, os quais possuíam direitos sobre elas, baseados, como os do próprio senhor, nos mesmos institutos feudais.  O florescimento da manufatura de lã impulsionou diretamente essas violências na Inglaterra.  [...]; o processo violento de expropriação do povo recebeu um temível impulso no século XVI, com a Reforma e o imenso saque aos bens da Igreja que a acompanhou. À época da Reforma, a Igreja Católica era proprietária feudal de grande parte do solo inglês. A supressão dos conventos enxotou os habitantes de suas terras, os quais passaram a engrossar o proletariado. (Marx, 1985 [1980], 833-837).

Segundo Marx,

A Revolução Gloriosa trouxe ao poder, em 1688, com Guilherme de Orange, os proprietários da mais valia, nobres e capitalistas. Inauguraram a nova era em que expandiram em escala          colossal os roubos às terras do Estado, até então praticados em  dimensões mais modestas. Essas terras foram presenteadas, vendidas a preços irrisórios, ou simplesmente roubadas mediante anexação direta     a propriedades particulares. [...]; os capitalistas burgueses favoreceram a usurpação, entre outros motivos, para transformar a terra em mero artigo     de comércio, ampliar a área de exploração agrícola e aumentar o suprimento    dos   proletários sem direitos. [...]; como foi visto, a violência que se assenhoreia das terras comuns, seguida em regra pela transformação das lavouras em pastagens, começa no fim do século XV e prossegue no século XVI. Mas, então, o processo se efetivava por meio da violência individual contra a qual a legislação lutou em vão durante 150 anos. O progresso do século XVIII  consiste  em  ter tornado lei o vínculo  para  o  roubo  das  terras pertencentes ao povo, embora os grandes arrendatários empregassem simultaneamente seus métodos violentos particulares. (Marx, 1985[1890], p. 839-841).

Dessa forma, o roubo assume a forma parlamentar que lhe dão as leis relativas ao   cercamento das terras comuns, os decretos de apropriação das terras do povo pelos grandes proprietários. Como          consequências inelutáveis dos cercamentos   dos campos, temos crescimento das cidades e das manufaturas,     pois os despossuídos afluirão para as cidades procurando emprego.

Em suma, o furto dos bens da Igreja, a alienação fraudulenta dos domínios do Estado, a expropriação das terras comuns e a transformação da propriedade feudal de clã em moderna propriedade privada, levada a cabo com terrível violência, figuram entre os métodos da acumulação capitalista. Com   desdobramento disso,            a classe dos grandes proprietários, conquistando o campo para a    agricultura, incorporou as terras ao capital e proporcionou à manufatura das cidades a oferta necessária de operários sem direitos.

1.3.3 A Gênese do Arrendatário Capitalista

Na visão de Karl Marx (1985 [1890], p. 859-861), na Inglaterra, o ponto de partida das transformações que culminaram com o aparecimento da figura do arrendatário capitalista, o seu germe mais primitivo, é o BAILLIF. Durante a segunda metade do século XIV, este é substituído por um colono a quem o landlord fornece sementes, gado e instrumentos agrícolas. Sua situação não é muito diferente da do camponês. Apenas explora mais trabalho assalariado. Logo, se torna parceiro, um tipo que parece mais com o verdadeiro arrendatário.

Marx diz que

O parceiro fornece uma parte do capital, o landlord a outra. Ambos dividem o total em parcelas contratualmente estabelecidas. Essa forma desapareceu rapidamente na Inglaterra, para dar lugar ao arrendatário propriamente dito, que procura expandir seu próprio capital empregando trabalhadores assalariados e entrega ao landlord uma parte do produto excedente, em dinheiro ou produtos, como renda da terra. (Marx, 1985 [1890], p. 860).

Finalmente, a elevação contínua dos preços do trigo, da lã, da carne, enfim, de todos os produtos agrícolas dilatou o capital monetário do arrendatário, sem qualquer intervenção de sua parte, enquanto a renda que tinha de pagar ao dono da terra estava fixada pelo valor monetário antigo. Assim enriqueceu-se às custas do assalariado e do landlord. Não     é de se admirar que a Inglaterra possuísse     em fins do século XVI uma classe de capitalistas arrendatários ricos, em face das condições da época.

1.3.4 A Repercussão da Revolução Agrícola na Indústria e Formação do Mercado Interno para o Capital Industrial

Na concepção de Marx (1985 [1890], p. 862-866),  conforme vimos, a expropriação e expulsão da população rural, renovadas, intermitentes, proporcionaram à indústria urbana massas sempre novas       de operários totalmente desligados da esfera     corporativa, ao mesmo tempo em que continuavam a existir camponeses independentes que mantinham sua própria cultura enquanto ocorria o adensamento do proletariado industrial.

Na situação anterior, o linho era repartido entre os inumeráveis pequenos produtores que o cultivavam e ficava em pequenas porções com suas famílias; agora, concentra­se nas mãos de um capitalista para quem outras pessoas o fiam e o tecem. Antes, o trabalho extra despendido na fiação do linho se convertia em renda extra de inúmeras famílias camponesas, agora, se concretiza em lucro para o capitalista. Os fusos, os teares e matérias-primas se transformaram de meios de existência independente de fiandeiros e tecelões em meios de comandá-los e de extrair deles trabalho não pago.

De acordo com as palavras de Karl Marx,

As grandes manufaturas e os grandes arrendamentos não mostram, à primeira vista, que são uma soma de numerosos centros diminutos de produção, tendo sido formados pela expropriação de muitos produtores pequenos e independentes, [...], a expulsão e expropriação de parte da população rural libera os trabalhadores, seus meios de subsistência e seus meios de trabalho,  em benefício do capitalista industrial, e além disso, cria o mercado interno, [...]; anteriormente, a família camponesa produzia e elaborava os meios de subsistência e matérias-primas, que eram, na sua maior parte, consumidos por ela mesma. Esses meios de produção        e matérias-primas transformaram-se agora em mercadorias; o arrendatário vende-as no mercado gerado pelas manufaturas. Fios e artigos de linho agora são artigos de manufatura que encontram          seu mercado exatamente nos distritos rurais. (Marx, 1985 [1890], p. 864-865).

À expropriação dos camponeses que trabalhavam antes por conta própria e ao divórcio entre eles e os meios de produção correspondem o epílogo da indústria doméstica rural e o processo de dissociação entre a manufatura e a agricultura. Isto porque, para funcionar e se consolidar, o modo capitalista de produção necessita de uma quantidade cada vez maior    de meios de produção, principalmente fusos, teares e matérias-primas, que anteriormente asseguravam um meio de subsistência autônomo aos fiandeiros e   tecelões, para então transformá-los em fonte de extração de mais-valia para os capitalistas. Por isso, só a destruição da            indústria doméstica rural pode propiciar ao  mercado interno a consistência requerida pelo capitalismo.

Entretanto, o período manufatureiro propriamente dito não chega   a realizar uma transformação            radical. Recordemos   que a manufatura só se apodera da produção nacional de modo muito fragmentário, encontrando sua base principal nos    ofícios urbanos e na indústria doméstica rural.

Somente a indústria moderna, com as máquinas, proporciona a base sólida da agricultura capitalista, expropria radicalmente a imensa maioria  dos  habitantes do campo e conserva a separação entre agricultura capitalista e indústria doméstica rural, cujas  raízes,  a fiação e a tecelagem, são extirpadas.

Por isso, só ela consegue se apoderar do mercado interno por inteiro para o capital industrial. (MARX,        1985[1890], p. 866).

1.3.5 A Gênese do Capitalista Industrial

De acordo com Karl Marx,

O capital dinheiro formado por meio da usura e do comércio era impedido de se transformar em capita1 industrial pelo sistema feudal no campo e pela organização corporativa nas cidades. Esses entraves caíram com a dissolução das vassalagens feudais e com a expropriação e expulsão da população rural. As novas manufaturas se instalaram nos portos marítimos ligados ao comércio de exportação ou em portos do interior do país fora do controle do velho sistema urbano e da organização corporativa. Verificou-se então, na Inglaterra, uma luta exasperada entre as cidades corporativas e estes centros manufatureiros. (MARX, 1985[1890], p. 868).

As descobertas de ouro e prata na América,  o extermínio e escravização das populações indígenas, o início da conquista e pilhagem das Índias Orientais e a transformação da África num vasto campo de caçada lucrativa são os acontecimentos que marcaram o início da era da produção capitalista. Os diferentes meios propulsores da acumulação primitiva, na Inglaterra, nos fins do século XVII, são coordenados através de alguns sistemas: o colonial, o moderno regime tributário e o protecionismo. Esses métodos se baseiam em parte na violência mais brutal, como é o caso do sistema colonial.

Mas todos eles usavam o poder do Estado, a força concentrada e organizada da sociedade para ativar artificialmente o processo de transformação do modo feudal de produção no modo capitalista, abreviando assim, as etapas de transição. (Marx, 1985[1890], p. 869).

O sistema colonial fez prosperar o comércio e a navegação. As sociedades dotadas de monopólio eram poderosas alavancas de concentração de capital.      As metrópoles asseguravam mercado às colónias em expansão e, graças ao monopólio, uma acumulação acelerada. No período manufatureiro é a supremacia comercial que proporciona     o predomínio  industrial. Então,        o sistema colonial desempenhava o papel preponderante.

O colonialismo, o protecionismo, os impostos pesados, as  guerras comerciais, que são produtos do período manufatureiro,           desenvolveram-se extraordinariamente no período inicial da indústria moderna.

Então, segundo Marx (1985[1890], p.878)   nos dá  conta, dessa forma, podemos concluir, de tudo o que foi escrito, que com    imenso custo completou-se o processo de dissociação entre trabalhadores e suas condições de trabalho. De acordo com as palavras de Marx,

Os meios sociais de produção e subsistência transformaram-se em capital, num pólo, e no pólo oposto a        massa  da população se converteu em assalariados livres, em 'pobres que trabalham', obra­prima da indústria moderna. (Marx, 1985[1890], p. 878).


CAPÍTULO II - O PROCESSO EFETIVO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

2.1 o Domínio do Capital   Mercantil   sobre   a   Produção, sua Relação com a Manufatura e a Passagem do Sistema Artesanal para o Manufatureiro

Neste   tópico, vai se tratar do domínio do capital mercantil, ou comercial, sobre  o  conjunto do processo produtivo, e de que forma o capital mercantil se relacionava com a manufatura, além da evolução do artesanato para esta última.

Pode-se iniciar citando Jobson:

Fase que medeia entre a crise do sistema feudal e a Revolução Industrial é dominada pelo capital mercantil, pelo processo de acumulação originária de capitais, e a existência simultânea de formas diversas e antagônicas de produção, dentre as quais a forma mais avançada é a manufatura. (Jobson, 1987 [1987], p. 22).

O conjunto desses elementos constitui a transição e a sua superação seria condição indispensável para a passagem do feudalismo para o modo de produção capitalista.

A ação do capital mercantil estimula a produção de mercadorias, acelera o processo de divisão social do trabalho, ampliando a organização do sistema produtivo, sem, contudo, revolucioná-la. Segundo Jobson, "[...] o capital mercantil abrange um amplo front de modos de produção, na maior parte dos   casos antagônicos em sua própria natureza [...]" (1987, p. 23). Assim,       é vendo a coexistência do pequeno produtor  agrícola independente, dos pequenos rendeiros, dos grandes rendeiros capitalistas que arregimentaram o trabalho assalariado, o artesanato, o  mestre  manufatureiro  e  a  indústria doméstica, que temos os exemplos do putting-out system na Inglaterra e do sistema verlag, na Alemanha, que são exemplos de manufábrica ou, propriamente, manufatura,  com seu relacionamento assalariado de produção. A articulação desse conjunto extremamente heterogêneo, que envolve ainda as formas de produção dominantes na periferia do sistema, as colônias, é realizado pelo capital mercantil.

Quando o controle do capital mercantil atingiu certo ponto, sobre a produção, começou a mudar o caráter da própria produção: o fabricante-mercador não mais se beneficiava com o modo de produzir existente e aumentava a pressão econômica sobre os produtores, mas, mudando o modo de produzir, aumentava sua produtividade. É nesse ponto que surge a mudança qualitativa real. Embora o interesse mercantil crescente que certas parcelas demonstravam           em controlar a do capital produção, em desenvolver um sistema de exploração pelo comércio, o desfecho que isto teve foi o surgimento entre as fileiras dos próprios produtores de um elemento capitalista, meio fabricante, meio mercador, que começou a subordinar e organizar aquelas próprias fileiras das quais saíra recentemente.

O comerciante-manufatureiro surge quando comerciantes, detentores  do capital mercantil, investem na   produção, permanecendo o capital essencialmente comercial, não se definindo como empresários produtores. (Jobson, 1987, p. 24).

O comerciante manufatureiro se apodera completamente da produção industrial.  Segundo os termos do próprio Jobson em seu livro Revolução Industrial e Capitalismo,

Esta forma de produção, a manufatura, poderia, estar concentrada, com todos os trabalhadores reunidos sob o mesmo teto, a manufábrica, ou geograficamente dispersa, com o fornecimento de matéria-prima e instrumentos indispensáveis à       produção pelo comerciante-manufatureiro, que previamente fixava o valor a ser pago pelo trabalho. Este era o novo sistema doméstico de produção, diferente do antigo (modo doméstico de produção assentado na forma artesanal de produção ou no trabalho do mestre manufatureiro). Guardamos para o novo sistema doméstico a denominação de PUTTING-OUT, correspondente ao sistema VERLAG, denominação reconhecida na Alemanha. [...] a manufatura é a forma mais evoluída, acabada e dinâmica no   quadro do antigo sistema produtivo, mas não era a forma mais generalizada,          que correspondia à produção artesanal. (Jobson, 1987, p. 24-25).

Interessante     discorrer sobre a transição do antigo sistema de produção (o artesanato) para a manufatura, o que       ocorreu por dois caminhos essenciais: o produtor torna-se mestre-manufatureiro  e com isto comerciante capitalista, opondo-se ao trabalhador manual organizado pelas antigas corporações, isto é, ao artesanato propriamente         dito; e  em segundo lugar, o comerciante-manufatureiro      apodera-se da            produção, mas preserva o antigo modo de produção artesanal, que se desenvolve em domicílio, e que vem a ser o putting-out system. No caso putting-out, não ocorre a revolução do antigo modo de produzir, apenas no primeiro caso, que segundo a interpretação marxista é a via verdadeiramente revolucionária, segundo Jobson            (1987, p.56).

Para esclarecer melhor essa passagem do artesanato para a manufatura podemos citar um trecho de Jobson:

Na primeira situação, formam-se unidades de produção, nos séculos XVI e XVII, fundadas no trabalho assalariado. Tais empresas são limitadas e surgem dos artesãos diretamente egressos do antigo artesanato: são camponeses isolados e artesãos que constituem a parcela mais avançada da burguesia, os mais diretamente interessados na destruição completa do modo de produção feudal. [...] Na segunda situação, do putting out-system, os mercadores e os     segmentos mercantis controlavam e dirigiam a produção industrial na forma existente. Aqui o produtor não está separado de seus meios de  produção, encontra-se diante do mercador capitalista, o qual produz dentro do universo mercantil, subordinando sua atividade produtora à atividade mercantil, continuando o capital comercial a dominar o capital industrial. (JOBSON, 1987, p. 57).

2.2 A Passagem do Sistema Manufatureiro para o Fabril e a Questão da Subordinação e Subsunção do Trabalho ao Capital

O conflito entre as necessidades de produção criadas pela   manufatura e seu estreito fundamento técnico consiste          no ponto central da questão da passagem do sistema manufatureiro para o fabril. Jobson (l987, p.26) cita Marx,           que afirma que

[...] ao mesmo tempo, a manufatura não podia assenhorear-se da produção social em toda a sua extensão nem revolucioná-la em seu cerne. [...]; mas, em seu estreito fundamento técnico, ao atingir ela certo estágio de desenvolvimento, entra em conflito com as necessidades de produção que ela mesma criou. (Marx, 1985[1890], p.421-422).

Por que a manufatura não podia açambarcar toda produção social  nem revolucioná-la? Por três razões principais que serão enunciadas a seguir. Em primeiro lugar pelo fato de a manufatura funcionar           com a composição orgânica do capital (ou seja, a razão entre o capital   constante, que, no caso da manufatura, são            ferramentas, e o capital variável, que são os salários) constante. Isto porque, como não existe progresso técnico na manufatura, o capital constante e o capital variável        aumentam na mesma proporção, isto é, a composição orgânica do capital fica inalterada. Então, com o aumento da produção, a demanda por mão de obra cresce nas mesmas proporções, até chegar-se ao limite de se ter escassez de mão de obra. Com o   aumento de mão de obra, os gastos com salários tendem a          se tornar gigantescos, comprometendo, inexoravelmente, os lucros e inviabilizando o prosseguimento do investimento         na manufatura.  Conclui-se, portanto, ser a manufatura incapaz de regular salários,        o que é fundamental para a acumulação e     reprodução capitalista, tornando-a, então, um modo de produzir inviável.

Em segundo lugar, a manufatura não expande mercados no que concerne à produção de máquina (no caso manufatureiro,    ferramentas),   posto que cada manufatura produz as suas próprias ferramentas, não havendo intercâmbio comercial entre elas, inviabilizando assim a criação de um departamento produtor de bens de capital (D1).           Como não há evolução tecnológica, as manufaturas não criam máquinas ou ferramentas novas, com isso não há incentivos à concorrência    nem ao comércio entre as firmas. Logo, não ocorre  o surgimento de um setor de produção de máquinas, o que é de fundamental importância para a expansão dos mercados e para a existência do capitalismo.

Por último, temos o fato de que para produzir suas ferramentas, as manufaturas dependem do artesanato, contratam artesãos para fabricar suas ferramentas. Como o artesanato caracteriza-se quase que pela ausência de divisão do trabalho (o artesão produz a ferramenta) e, também, não há progresso técnico, o sistema manufatureiro fica tecnologicamente estagnado. Com isso a manufatura reproduz o artesanato, configurando um círculo vicioso manufatura-artesanato que não vai para frente, não sai do lugar.

A Grande Indústria consegue superar estes três problemas e permite a acumulação e reprodução capitalista em escala cada vez maior. Em relação ao primeiro problema, a indústria não funciona com composição orgânica do capital (c/v) constante. Temos que, na Grande Indústria, há um investimento cada vez maior em máquinas e equipamentos, aumentando o c (capital constante), e um dispêndio cada vez menor com salários (capital variável, v), o           que resulta      em composição orgânica do capital crescente. Como na indústria é possível empregar máquinas e desempregar mão de obra, isto faz com que a mão de obra não aumente indefinidamente. Com isto os gastos com salários não tendem a crescer enormemente, sendo possível regulá-los para baixo. Deste modo os lucros não são colocados em risco, e há o prosseguimento do investimento na indústria, que é estimulado pelos ganhos de produtividade.

Com referência ao segundo ponto, como na indústria existe progresso técnico, também existe o setor produtor de bens de capital (D1); que produz máquinas e equipamentos. Com isso, as firmas compram máquinas das empresas que compõem o setor de bens de capital, havendo um intercâmbio comercial entre as empresas que compram e vendem máquinas, o que é de relevância extrema para a consolidação, expansão e reprodução do capitalismo, além de ser de importância capital para a expansão dos mercados.

No que tange ao terceiro ponto, temos que as empresas da fase da Grande Indústria não adquirem suas máquinas e equipamentos do artesanato, e sim de outras empresas que produzem máquinas e compõem o setor produtor de bens de capital. Através então do comércio intra-firmas, temos a expansão e reprodução do capitalismo, com um progresso técnico cada vez mais intenso, ao contrário da estagnação tecnológica do binômio manufatura-artesanato. Nesse comércio entre as empresas compradoras e vendedoras de máquinas, há o estabelecimento da relação de assalariamento entre capitalista e proletário, típica do regime capitalista.

Com referência à questão da subordinação e subsunção, do trabalho ao capital na abordagem de Karl Marx, temos que ele estabelece uma diferenciação entre esses dois conceitos. Marx utiliza o termo SUBORDINAÇÃO para caracterizar um regime de produção em que a parte mais poderosa (senhores feudais ou senhores de escravos) lança mão de mecanismos de coerção extra econômica, tais como a violência, a vassalagem e a escravidão, para fazer com que a parte mais fraca (o vassalo ou escravo) se submeta ao seu comando. Por outro lado, Marx usa o termo SUBSUNÇÃO REAL para   tipificar   a relação   capital-trabalho no capitalismo, na qual o capitalista não utiliza nenhuma forma de violência para obrigar o proletário a trabalhar na fábrica. O sistema capitalista engendra, a partir da sua hegemonia, difusão e generalização, um regime econômico no qual o trabalhador se transforma em prisioneiro do capital, ou seja, o operário não tem outra forma de sobrevivência que não seja a venda de sua força de trabalho no mercado para os detentores dos meios de produção. Isto configura para Marx a SUBSUNÇÃO do trabalho ao capital.

2.3 A Introdução da Máquina-Ferramenta, a Mecanização da Produção e seus Efeitos

Neste item, vai se tentar investigar quais as principais implicações acarretadas pela introdução da máquina ferramenta e da mecanização no processo produtivo, principalmente para os trabalhadores e para o próprio processo de produção.

A modificação realmente fundamental, revolucionária, na mudança do sistema artesanal para o manufatureiro, consiste na passagem dos produtores independentes a condição de capitalistas, transformando em seus assalariados os demais artesãos. Aí se configura uma prévia do que viria a ser, futuramente, a subordinação do trabalho ao capital, representada pelos antigos artesãos produtores independentes que não se transformaram em capitalistas, os que se submeteram ao domínio do capital. Completa-se assim a fase de transição, superando-se o predomínio do capital mercantil sobre o industrial. Para que essa revolução ocorra no processo produtivo, é necessária a introdução          da máquina-ferramenta. São  o surgimento da máquina-ferramenta e a invenção da máquina  a vapor de Watt que propiciam a ocorrência do processo industrial. A introdução da máquina-ferramanta na produção se dá em substituição às ferramentas,     e ela se constitui num            mecanismo que, ao lhe ser transmitido o movimento adequado, realiza com suas próprias ferramentas as         mesmas operações mecânicas que eram, anteriormente, realizadas pelo trabalhador, o artesão, com            ferramentas semelhantes. A quantidade de ferramentas operadas simultaneamente pela máquina-ferramenta ultrapassa bastante o limite humano que a ferramenta manual acionada por um artesão pode alcançar. Com a entrada da máquina-ferramenta na produção, impõe-se a substituição da energia humana pela energia motriz, tornando-se indispensável uma revolução na produção de energia, surgindo assim a máquina a vapor, o que teve como efeito a substituição do trabalhador pela máquina.  Outro desdobramento da introdução da máquina-ferramenta é revolução do processo de produção. O processo produtivo que era dividido e fragmentado na manufatura, passa a ser executado integralmente pela máquina-ferramenta. No sistema manufatureiro, cada operação produtiva tinha que ser efetuada manualmente pelos artesãos, de forma isolada ou em grupo. Na produção mecanizada, o fato de cada trabalhador realizar manualmente uma tarefa,   o que  pode-se chamar de "subjetividade  da  divisão  do  trabalho",  é  extinta e todo o complexo de produção é  abarcado objetivamente cm todas as suas etapas pelo sistema de máquinas. Neste momento, o ritmo de trabalho não é mais ditado pelo trabalhador, e sim pela máquina. Quando o processo de mecanização e difusão do sistema fabril ocorre em um dos ramos da produção, ele se difunde para outros ramos, gerando a generalização da mecanização e o desenvolvimento das forças produtivas.

A produção mecanizada, porém, depois de ter atingido um certo nível de desenvolvimento teria que remover e substituir a base inadequada sobre a qual se assentava. Essa base inadequada era a base técnica sobre a qual se assentava o sistema manufatureiro, incompatível com a produção mecanizada e com o avanço técnico, conforme já foi explicado anteriormente. O passo seguinte foi a indústria moderna se apossar do seu instrumento característico de produção, isto é, a própria máquina, e passar a produzir máquinas com máquinas. A produção de máquinas a partir de outras máquinas teve efeito na ampliação dos mercados, o que se resultou principalmente na diversificação da produção devido ao progresso tecnológico. Somente assim se superou o descompasso em relação a sua própria base técnica (da indústria), ou seja, o fato de erigir-se sobre a manufatura. Tem-se então que ocorre a transformação no processo de trabalho. Agora, com o fim da “subjetividade do trabalho” devido à superação da manufatura pela Grande Indústria, o trabalhador se encontra, tecnicamente, subordinado ao processo de produção e ao capital, tornando-se um simples apêndice da máquina.  O seu ritmo de trabalho não é mais controlado por ele próprio e sim pela máquina. Esta situação é brilhantemente retratada pelo filme “Modern Times” (Tempos Modernos), realizado por Charles Chaplin em 1936.

Concluímos, então, que os entraves manufatureiros foram superados quando a pressão do mercado determinou o processo de transformação das relações de produção, fazendo com que a manufatura fosse superada pelo sistema fabril, consolidando este último e, por decorrência, o sistema capitalista. Dessa forma, a introdução da Grande Indústria polarizou a sociedade em burguesia e proletariado, eliminando a massa camponesa e artesãos, que havia composto uma importante classe social intermediária, a Yeomanry (classe média rural inglesa). Este processo que se inicia com os cercamentos do século XVII completa-se com a Revolução Industrial do século XVIII.


CAPÍTULO Iii – Efeitos Sociais da Revolução Industrial

O que vai ser analisado nesta última parte do trabalho são as modificações e desdobramentos que o surgimento, difusão e hegemonia do sistema fabril trouxeram para organização social, principalmente, e de um modo especial, para a classe operária capitalista. De acordo com Jobson,

A concentração urbana e fabril foi um dos primeiros efeitos sociais da Revolução Industrial. Não somente o ritmo do crescimento demográfico foi alterado. Transforma-se totalmente a densidade demográfica, alterando-se a paisagem urbana, com fortes deslocamentos populacionais. (Jobson, 1987, p. 73).

Surgem as grandes cidades como Manchester, cuja população elevou-se de 30.000 habitantes em 1760 para 73.000 em 1800. O ritmo inesperado e impetuoso da expansão urbana não fora acompanhado por adequado desenvolvimento nos serviços urbanos. Como nos informa Jobson,

A emergência do sistema fabril revoluciona completamente as estruturas de produção que permaneciam na sua retaguarda: a manufatura se transforma constantemente em fábrica, o artesanato em manufatura e, finalmente, os resquícios de artesanato e do trabalho doméstico transformaram-se, rapidamente, em centros de miséria, onde campeia livremente a exploração capitalista. (JOBSON, 1987, p. 74-75).

Jobson (1987, p. 75) cita Marx, dizendo que este, referindo-se à exploração capitalista, e à miséria supramencionadas, as designou por generalização da lei fabril por toda a população social. Por “[...] generalização da lei fabril por toda a população social [...]” Marx quis dizer que o surgimento e posterior preponderância do sistema fabril, ao superar a manufatura e tornar obsoletas as demais formas de produzir, fez com que o contingente da população mundial que conseguiu se integrar    à fábrica passasse a ser vítima da exploração capitalista, e aquela parte da população que não logrou êxito em se inserir no sistema, passasse a ser vítima da miséria. O fenômeno dominante foi a concentração fabril.

Com referência às condições de vida nas fábricas, pode-se afirmar que eram odiosas, enquanto a disciplina, intolerável. Em contraste com isso, o trabalhador no sistema artesanal ou doméstico era dono do seu tempo, não apenas dos meios de produção. Trabalhava apenas para garantir a sua sobrevivência, o restante do tempo despendia em lazer.

Segundo as palavras de Jobson,

Na medida em que a mecanização nivela por baixo a habilidade necessária dos trabalhadores, tornava-se possível incorporar, com facilidade, trabalho feminino e infantil. Isto significa também baixar o custo de remuneração do trabalho. A tecelagem exigia pouca força muscular e os dedos finos das crianças adaptavam-se perfeitamente à tarefa de atar os fios que se quebravam em meio à trama. (JOBSON, 1987, p. 76).

O trabalho feminino era igualmente muito importante. Em 1835, mais de 50% da mão de obra empregada na indústria têxtil do algodão era constituída por mulheres, segundo nos relata Jobson. (1987, p. 77).

Em relação aos problemas da classe trabalhadora, os acidentes de trabalho estavam entre os mais importantes. Estes eram mais comuns com os menores que, durante as horas intermináveis que ficavam sobre as máquinas, adormeciam e sofriam terríveis mutilações. De acordo com as palavras de Jobson,

Outro problema era relativo ao antigo artesão que combinava a atividade artesanal com a agricultura e produzia o sustento indispensável à sobrevivência. Ao ser deslocado para o sistema fabril perde essa garantia básica fundamental, e tem que trabalhar para atingir o mesmo limite mínimo fundamental de subsistência. A mecanização desqualificou o trabalho, tornando-o mais uniforme, ao mesmo tempo em que a aceleração do ritmo da produção com a máquina tendia a dispensar mão-de-obra em termos qualitativos e quantitativos. (JOBSON, 1987, p. 79).

A classe trabalhadora, naturalmente, reagiu  a essa situação. Excluídas as hipóteses de ascensão, alienação e fuga, restava, ao proletariado industrial, a revolta. Uma das formas de expressão dessa revolta foi a luta contra as máquinas, invenções e inovações durante as primeiras décadas do século XIX. Numerosos atentados foram praticados contra as mercadorias, inventos e inventores. Com a introdução da máquina, os trabalhadores passam a destruir os instrumentos, que configuram o próprio capital. Uma expressão importante dessa questão foram os movimentos ludistas. Em 1811, houve uma explosão violenta do movimento ludista, assim denominado por causa do seu líder Ned Ludlam, e que levou o terror aos centros industriais     do    centro    da     Inglaterra.     Jobson (1987, p. 85) cita Hobsbawm, que aponta dois tipos de movimentos de quebra de máquinas. O primeiro não contém hostilidade direta contra as máquinas, trata-se de um subterfúgio para  fazer pressão   contra os empregadores ou trabalhadores extras. Tinha origem nas primeiras manifestações contra as máquinas, e não se dirigia  apenas contra elas, atentava   contra a propriedade privada dos empregadores como forma de pressão. O segundo tipo era uma manifestação direta contra as máquinas, especialmente contra as máquinas que economizavam mão-de-obra.

            Na linha do século XVIII e início do século XIX, a miséria e a penúria se abatiam sobre a classe operária inglesa. Isso obriga o Governo britânico, principalmente o parlamento a se posicionar institucionalmente em relação isso. A crise de extrema miserabilidade que atingia    as camadas populares eliminava as distâncias entre a pobreza e a indigência.  Eram afetados   os camponeses atingidos pelos cercamentos, os artesãos da pequena indústria rural os   trabalhadores das oficinas ou das fábricas. Tudo isso associado ao medo de um motim popular, o que era temido pela gentry, a pequena nobreza proprietária. O resultado  da ação parlamentar-institucional para minimizar a miséria foi a lei Speenhamland, de   1797, que transforma o sistema assistencial com base nas casas paroquiais e na Lei dos Pobres.

Estas leis, contudo, eram um mero paliativo, no sentido da criação de um mercado de trabalho completamente livre, pois representava a tentativa de manter a mão-de-obra no campo e impedir o seu fluxo para os centros urbanos. (JOBSON, 1987, p. 84).

            As leis eram um paliativo na medida que não resolviam definitiva e estruturalmente o problema do desemprego e da miséria do operariado britânico, isso relativamente à incipiente formação, na época, de um mercado de trabalho completamente livre, ou seja, caracterizado pela inexistência de mecanismos institucionais efetivos de combate à miséria e ao desemprego.

            De acordo com o que diz Jobson,

O impacto das transformações econômicas no campo destruía o campesinato rural, transformando-o em proletariado agrícola. Esse proletariado, sujeito aos fluxos e refluxos do mercado de trabalho sobrevivia graças ao auxílio assistencial das paróquias. O objetivo fundamental de sua ação não era revolucionário e sim econômico. Lutavam por salários mais altos, melhores empregos e assistência social. Seus objetivos mais amplos eram a defesa dos direitos costumeiros dos pobres rurais e a restauração de uma ordem social estável. (JOBSON, 1987, p. 86).

Em 1824, foi derrogada a Lei das Associações, e o movimento trabalhista em prol dos salários e da limitação da jornada de trabalho a 10 horas diárias crescia de intensidade.

Finalmente temos o Movimento Cartista da década de 1830, que visava às reformas parlamentares, e terminou por arregimentar a classe operária, em termos de reivindicações nacionais. Foi uma frente comum a todos os setores sociais que representavam o trabalhador pobre e, especialmente, o urbano. Não era um movimento universalmente operário. A meta principal do Cartismo era o estabelecimento de um novo tipo de Parlamento a ser eleito   pelos trabalhadores e composto por seus representantes, que fossem capazes de conquistar, para o operariado, benefícios sociais.

Por último, há um item relevante, que é o da consciência de classe. No conjunto da classe operária coexistem e se interrelacionam a antiga indústria, a maquinofatura e mesmo alguns setores mais avançados da indústria de ponta, como a indústria pesada, que estava começando ocorrendo a emergência e formação de um proletariado de massas com a sua específica consciência de classe.

Segundo as palavras de Jobson,

A revolução Industrial é uma síntese histórica que encerra a transição do feudalismo para o capitalismo, completa a fase acumulação primitiva do capital, termina a fase de supremacia do capital mercantil sobre a produção e abre espaço para o futuro, no qual a indústria será determinante. (JOBSON, 1987, p. 92)

O capital financeiro, fusão do capital bancário com o industrial, será preponderante posteriormente; com os bancos financiando a industrialização, mormente nos E.U.A. e na Alemanha, no final do século XIX, e o capitalismo, por fim, passará da sua forma concorrencial, característica da 1ª Revolução Industrial na Grã Bretanha, marcada pela indústria têxtil, pelo carvão,  pelo vapor, pelo ferro e pelas empresas de pequeno porte, para a forma monopolista, da 2ª Revolução Industria1 que se desenvolveu principalmente nos Estados Unidos e na Alemanha, no final do século XIX e início do XX, caracterizada pelas indústrias química e siderúrgica, pela energia elétrica, pelo aço e pelas grandes empresas, os trusts.


BIBLIOGRAFIA

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ARRUDA, Jobson José. A Revolução Inglesa. São Paulo: Brasiliense, 1985.

DECCA, Edgard de. O Nascimento das Fábricas. São Paulo: Brasiliense, 1987.

DOBB, Maurice. A Evolução do Capitalismo. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.

HOBSBAWM, E. J. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1968.

MARX, Karl. O Capital – Crítica da Economia Política. São Paulo: Difel, 1985.

SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia. Dicionário de Economia. São Paulo: Best-Saller, 1994.


Autor

  • Carlos Frederico Rubino Polari de Alverga

    Economista graduado na UFRJ. Especialista em "Direito do Trabalho e Crise Econômica" pela Universidade Castilla La Mancha, Toledo, Espanha. Especialista em Administração Pública (CIPAD) pela FGV. Mestre em Ciência Política pela UnB. Analista de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda. Atua na área de empresas estatais.

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