A Revolução Industrial na Grã Bretanha

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CAPÍTULO II - O PROCESSO EFETIVO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

2.1 o Domínio do Capital   Mercantil   sobre   a   Produção, sua Relação com a Manufatura e a Passagem do Sistema Artesanal para o Manufatureiro

Neste   tópico, vai se tratar do domínio do capital mercantil, ou comercial, sobre  o  conjunto do processo produtivo, e de que forma o capital mercantil se relacionava com a manufatura, além da evolução do artesanato para esta última.

Pode-se iniciar citando Jobson:

Fase que medeia entre a crise do sistema feudal e a Revolução Industrial é dominada pelo capital mercantil, pelo processo de acumulação originária de capitais, e a existência simultânea de formas diversas e antagônicas de produção, dentre as quais a forma mais avançada é a manufatura. (Jobson, 1987 [1987], p. 22).

O conjunto desses elementos constitui a transição e a sua superação seria condição indispensável para a passagem do feudalismo para o modo de produção capitalista.

A ação do capital mercantil estimula a produção de mercadorias, acelera o processo de divisão social do trabalho, ampliando a organização do sistema produtivo, sem, contudo, revolucioná-la. Segundo Jobson, "[...] o capital mercantil abrange um amplo front de modos de produção, na maior parte dos   casos antagônicos em sua própria natureza [...]" (1987, p. 23). Assim,       é vendo a coexistência do pequeno produtor  agrícola independente, dos pequenos rendeiros, dos grandes rendeiros capitalistas que arregimentaram o trabalho assalariado, o artesanato, o  mestre  manufatureiro  e  a  indústria doméstica, que temos os exemplos do putting-out system na Inglaterra e do sistema verlag, na Alemanha, que são exemplos de manufábrica ou, propriamente, manufatura,  com seu relacionamento assalariado de produção. A articulação desse conjunto extremamente heterogêneo, que envolve ainda as formas de produção dominantes na periferia do sistema, as colônias, é realizado pelo capital mercantil.

Quando o controle do capital mercantil atingiu certo ponto, sobre a produção, começou a mudar o caráter da própria produção: o fabricante-mercador não mais se beneficiava com o modo de produzir existente e aumentava a pressão econômica sobre os produtores, mas, mudando o modo de produzir, aumentava sua produtividade. É nesse ponto que surge a mudança qualitativa real. Embora o interesse mercantil crescente que certas parcelas demonstravam           em controlar a do capital produção, em desenvolver um sistema de exploração pelo comércio, o desfecho que isto teve foi o surgimento entre as fileiras dos próprios produtores de um elemento capitalista, meio fabricante, meio mercador, que começou a subordinar e organizar aquelas próprias fileiras das quais saíra recentemente.

O comerciante-manufatureiro surge quando comerciantes, detentores  do capital mercantil, investem na   produção, permanecendo o capital essencialmente comercial, não se definindo como empresários produtores. (Jobson, 1987, p. 24).

O comerciante manufatureiro se apodera completamente da produção industrial.  Segundo os termos do próprio Jobson em seu livro Revolução Industrial e Capitalismo,

Esta forma de produção, a manufatura, poderia, estar concentrada, com todos os trabalhadores reunidos sob o mesmo teto, a manufábrica, ou geograficamente dispersa, com o fornecimento de matéria-prima e instrumentos indispensáveis à       produção pelo comerciante-manufatureiro, que previamente fixava o valor a ser pago pelo trabalho. Este era o novo sistema doméstico de produção, diferente do antigo (modo doméstico de produção assentado na forma artesanal de produção ou no trabalho do mestre manufatureiro). Guardamos para o novo sistema doméstico a denominação de PUTTING-OUT, correspondente ao sistema VERLAG, denominação reconhecida na Alemanha. [...] a manufatura é a forma mais evoluída, acabada e dinâmica no   quadro do antigo sistema produtivo, mas não era a forma mais generalizada,          que correspondia à produção artesanal. (Jobson, 1987, p. 24-25).

Interessante     discorrer sobre a transição do antigo sistema de produção (o artesanato) para a manufatura, o que       ocorreu por dois caminhos essenciais: o produtor torna-se mestre-manufatureiro  e com isto comerciante capitalista, opondo-se ao trabalhador manual organizado pelas antigas corporações, isto é, ao artesanato propriamente         dito; e  em segundo lugar, o comerciante-manufatureiro      apodera-se da            produção, mas preserva o antigo modo de produção artesanal, que se desenvolve em domicílio, e que vem a ser o putting-out system. No caso putting-out, não ocorre a revolução do antigo modo de produzir, apenas no primeiro caso, que segundo a interpretação marxista é a via verdadeiramente revolucionária, segundo Jobson            (1987, p.56).

Para esclarecer melhor essa passagem do artesanato para a manufatura podemos citar um trecho de Jobson:

Na primeira situação, formam-se unidades de produção, nos séculos XVI e XVII, fundadas no trabalho assalariado. Tais empresas são limitadas e surgem dos artesãos diretamente egressos do antigo artesanato: são camponeses isolados e artesãos que constituem a parcela mais avançada da burguesia, os mais diretamente interessados na destruição completa do modo de produção feudal. [...] Na segunda situação, do putting out-system, os mercadores e os     segmentos mercantis controlavam e dirigiam a produção industrial na forma existente. Aqui o produtor não está separado de seus meios de  produção, encontra-se diante do mercador capitalista, o qual produz dentro do universo mercantil, subordinando sua atividade produtora à atividade mercantil, continuando o capital comercial a dominar o capital industrial. (JOBSON, 1987, p. 57).

2.2 A Passagem do Sistema Manufatureiro para o Fabril e a Questão da Subordinação e Subsunção do Trabalho ao Capital

O conflito entre as necessidades de produção criadas pela   manufatura e seu estreito fundamento técnico consiste          no ponto central da questão da passagem do sistema manufatureiro para o fabril. Jobson (l987, p.26) cita Marx,           que afirma que

[...] ao mesmo tempo, a manufatura não podia assenhorear-se da produção social em toda a sua extensão nem revolucioná-la em seu cerne. [...]; mas, em seu estreito fundamento técnico, ao atingir ela certo estágio de desenvolvimento, entra em conflito com as necessidades de produção que ela mesma criou. (Marx, 1985[1890], p.421-422).

Por que a manufatura não podia açambarcar toda produção social  nem revolucioná-la? Por três razões principais que serão enunciadas a seguir. Em primeiro lugar pelo fato de a manufatura funcionar           com a composição orgânica do capital (ou seja, a razão entre o capital   constante, que, no caso da manufatura, são            ferramentas, e o capital variável, que são os salários) constante. Isto porque, como não existe progresso técnico na manufatura, o capital constante e o capital variável        aumentam na mesma proporção, isto é, a composição orgânica do capital fica inalterada. Então, com o aumento da produção, a demanda por mão de obra cresce nas mesmas proporções, até chegar-se ao limite de se ter escassez de mão de obra. Com o   aumento de mão de obra, os gastos com salários tendem a          se tornar gigantescos, comprometendo, inexoravelmente, os lucros e inviabilizando o prosseguimento do investimento         na manufatura.  Conclui-se, portanto, ser a manufatura incapaz de regular salários,        o que é fundamental para a acumulação e     reprodução capitalista, tornando-a, então, um modo de produzir inviável.

Em segundo lugar, a manufatura não expande mercados no que concerne à produção de máquina (no caso manufatureiro,    ferramentas),   posto que cada manufatura produz as suas próprias ferramentas, não havendo intercâmbio comercial entre elas, inviabilizando assim a criação de um departamento produtor de bens de capital (D1).           Como não há evolução tecnológica, as manufaturas não criam máquinas ou ferramentas novas, com isso não há incentivos à concorrência    nem ao comércio entre as firmas. Logo, não ocorre  o surgimento de um setor de produção de máquinas, o que é de fundamental importância para a expansão dos mercados e para a existência do capitalismo.

Por último, temos o fato de que para produzir suas ferramentas, as manufaturas dependem do artesanato, contratam artesãos para fabricar suas ferramentas. Como o artesanato caracteriza-se quase que pela ausência de divisão do trabalho (o artesão produz a ferramenta) e, também, não há progresso técnico, o sistema manufatureiro fica tecnologicamente estagnado. Com isso a manufatura reproduz o artesanato, configurando um círculo vicioso manufatura-artesanato que não vai para frente, não sai do lugar.

A Grande Indústria consegue superar estes três problemas e permite a acumulação e reprodução capitalista em escala cada vez maior. Em relação ao primeiro problema, a indústria não funciona com composição orgânica do capital (c/v) constante. Temos que, na Grande Indústria, há um investimento cada vez maior em máquinas e equipamentos, aumentando o c (capital constante), e um dispêndio cada vez menor com salários (capital variável, v), o           que resulta      em composição orgânica do capital crescente. Como na indústria é possível empregar máquinas e desempregar mão de obra, isto faz com que a mão de obra não aumente indefinidamente. Com isto os gastos com salários não tendem a crescer enormemente, sendo possível regulá-los para baixo. Deste modo os lucros não são colocados em risco, e há o prosseguimento do investimento na indústria, que é estimulado pelos ganhos de produtividade.

Com referência ao segundo ponto, como na indústria existe progresso técnico, também existe o setor produtor de bens de capital (D1); que produz máquinas e equipamentos. Com isso, as firmas compram máquinas das empresas que compõem o setor de bens de capital, havendo um intercâmbio comercial entre as empresas que compram e vendem máquinas, o que é de relevância extrema para a consolidação, expansão e reprodução do capitalismo, além de ser de importância capital para a expansão dos mercados.

No que tange ao terceiro ponto, temos que as empresas da fase da Grande Indústria não adquirem suas máquinas e equipamentos do artesanato, e sim de outras empresas que produzem máquinas e compõem o setor produtor de bens de capital. Através então do comércio intra-firmas, temos a expansão e reprodução do capitalismo, com um progresso técnico cada vez mais intenso, ao contrário da estagnação tecnológica do binômio manufatura-artesanato. Nesse comércio entre as empresas compradoras e vendedoras de máquinas, há o estabelecimento da relação de assalariamento entre capitalista e proletário, típica do regime capitalista.

Com referência à questão da subordinação e subsunção, do trabalho ao capital na abordagem de Karl Marx, temos que ele estabelece uma diferenciação entre esses dois conceitos. Marx utiliza o termo SUBORDINAÇÃO para caracterizar um regime de produção em que a parte mais poderosa (senhores feudais ou senhores de escravos) lança mão de mecanismos de coerção extra econômica, tais como a violência, a vassalagem e a escravidão, para fazer com que a parte mais fraca (o vassalo ou escravo) se submeta ao seu comando. Por outro lado, Marx usa o termo SUBSUNÇÃO REAL para   tipificar   a relação   capital-trabalho no capitalismo, na qual o capitalista não utiliza nenhuma forma de violência para obrigar o proletário a trabalhar na fábrica. O sistema capitalista engendra, a partir da sua hegemonia, difusão e generalização, um regime econômico no qual o trabalhador se transforma em prisioneiro do capital, ou seja, o operário não tem outra forma de sobrevivência que não seja a venda de sua força de trabalho no mercado para os detentores dos meios de produção. Isto configura para Marx a SUBSUNÇÃO do trabalho ao capital.

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2.3 A Introdução da Máquina-Ferramenta, a Mecanização da Produção e seus Efeitos

Neste item, vai se tentar investigar quais as principais implicações acarretadas pela introdução da máquina ferramenta e da mecanização no processo produtivo, principalmente para os trabalhadores e para o próprio processo de produção.

A modificação realmente fundamental, revolucionária, na mudança do sistema artesanal para o manufatureiro, consiste na passagem dos produtores independentes a condição de capitalistas, transformando em seus assalariados os demais artesãos. Aí se configura uma prévia do que viria a ser, futuramente, a subordinação do trabalho ao capital, representada pelos antigos artesãos produtores independentes que não se transformaram em capitalistas, os que se submeteram ao domínio do capital. Completa-se assim a fase de transição, superando-se o predomínio do capital mercantil sobre o industrial. Para que essa revolução ocorra no processo produtivo, é necessária a introdução          da máquina-ferramenta. São  o surgimento da máquina-ferramenta e a invenção da máquina  a vapor de Watt que propiciam a ocorrência do processo industrial. A introdução da máquina-ferramanta na produção se dá em substituição às ferramentas,     e ela se constitui num            mecanismo que, ao lhe ser transmitido o movimento adequado, realiza com suas próprias ferramentas as         mesmas operações mecânicas que eram, anteriormente, realizadas pelo trabalhador, o artesão, com            ferramentas semelhantes. A quantidade de ferramentas operadas simultaneamente pela máquina-ferramenta ultrapassa bastante o limite humano que a ferramenta manual acionada por um artesão pode alcançar. Com a entrada da máquina-ferramenta na produção, impõe-se a substituição da energia humana pela energia motriz, tornando-se indispensável uma revolução na produção de energia, surgindo assim a máquina a vapor, o que teve como efeito a substituição do trabalhador pela máquina.  Outro desdobramento da introdução da máquina-ferramenta é revolução do processo de produção. O processo produtivo que era dividido e fragmentado na manufatura, passa a ser executado integralmente pela máquina-ferramenta. No sistema manufatureiro, cada operação produtiva tinha que ser efetuada manualmente pelos artesãos, de forma isolada ou em grupo. Na produção mecanizada, o fato de cada trabalhador realizar manualmente uma tarefa,   o que  pode-se chamar de "subjetividade  da  divisão  do  trabalho",  é  extinta e todo o complexo de produção é  abarcado objetivamente cm todas as suas etapas pelo sistema de máquinas. Neste momento, o ritmo de trabalho não é mais ditado pelo trabalhador, e sim pela máquina. Quando o processo de mecanização e difusão do sistema fabril ocorre em um dos ramos da produção, ele se difunde para outros ramos, gerando a generalização da mecanização e o desenvolvimento das forças produtivas.

A produção mecanizada, porém, depois de ter atingido um certo nível de desenvolvimento teria que remover e substituir a base inadequada sobre a qual se assentava. Essa base inadequada era a base técnica sobre a qual se assentava o sistema manufatureiro, incompatível com a produção mecanizada e com o avanço técnico, conforme já foi explicado anteriormente. O passo seguinte foi a indústria moderna se apossar do seu instrumento característico de produção, isto é, a própria máquina, e passar a produzir máquinas com máquinas. A produção de máquinas a partir de outras máquinas teve efeito na ampliação dos mercados, o que se resultou principalmente na diversificação da produção devido ao progresso tecnológico. Somente assim se superou o descompasso em relação a sua própria base técnica (da indústria), ou seja, o fato de erigir-se sobre a manufatura. Tem-se então que ocorre a transformação no processo de trabalho. Agora, com o fim da “subjetividade do trabalho” devido à superação da manufatura pela Grande Indústria, o trabalhador se encontra, tecnicamente, subordinado ao processo de produção e ao capital, tornando-se um simples apêndice da máquina.  O seu ritmo de trabalho não é mais controlado por ele próprio e sim pela máquina. Esta situação é brilhantemente retratada pelo filme “Modern Times” (Tempos Modernos), realizado por Charles Chaplin em 1936.

Concluímos, então, que os entraves manufatureiros foram superados quando a pressão do mercado determinou o processo de transformação das relações de produção, fazendo com que a manufatura fosse superada pelo sistema fabril, consolidando este último e, por decorrência, o sistema capitalista. Dessa forma, a introdução da Grande Indústria polarizou a sociedade em burguesia e proletariado, eliminando a massa camponesa e artesãos, que havia composto uma importante classe social intermediária, a Yeomanry (classe média rural inglesa). Este processo que se inicia com os cercamentos do século XVII completa-se com a Revolução Industrial do século XVIII.

Sobre o autor
Carlos Frederico Rubino Polari de Alverga

Economista graduado na UFRJ. Especialista em "Direito do Trabalho e Crise Econômica" pela Universidade Castilla La Mancha, Toledo, Espanha. Especialista em Administração Pública (CIPAD) pela FGV. Mestre em Ciência Política pela UnB. Analista de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda. Atua na área de empresas estatais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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