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A ilegalidade da incidência do IPI sobre o valor do serviço de frete prestado por empresa coligada

A ilegalidade da incidência do IPI sobre o valor do serviço de frete prestado por empresa coligada

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            A legislação relativa ao IPI determina que, no caso de venda do tributo com a cláusula CIF ou FOB, quando o transporte for efetivado por pessoa jurídica coligada, o preço do frete será incluído na base de cálculo do imposto, a qual será o valor total da operação.

            Contudo, o valor relativo ao frete não pode ser tributado pelo IPI, visto que não representa operação de industrialização passível de incidência do IPI.

            A Lei 4.502/64, com a redação determinada pela Lei 7.798/89 estabelece a base de cálculo do IPI:

            "Art. 14. Salvo disposição em contrário, constitui valor tributável:

            (...)

            II - quanto aos produtos nacionais, o valor total da operação de que decorrer a saída do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial.

            (...)

            § 1º. O valor da operação compreende o preço do produto, acrescido do valor do frete e das demais despesas acessórias, cobradas ou debitadas pelo contribuinte ao comprador ou destinatário.

            (...)

            § 3º. Será também considerado como cobrado ou debitado pelo contribuinte, ao comprador ou destinatário, para efeitos do disposto no § 1º, o valor do frete, quando o transporte for realizado ou cobrado por firma coligada, controlada ou controladora (Lei nº. 6.404) ou interligada (Decreto-Lei nº. 1.950) do estabelecimento contribuinte ou por firma com a qual este tenha relação de interdependência, mesmo quando o frete seja subcontratado."

            Da leitura do dispositivo acima, conclui-se que a legislação impõe a inclusão do valor relativo às despesas com frete nos casos em que o serviço de transporte for prestado por empresa coligada, controlada, controladora ou interligada ao estabelecimento industrial.

            O Código Tributário Nacional, por sua vez, estabelece em seus artigos 46 e 47 que a base de cálculo do Imposto Sobre Produtos Industrializados é o preço normal de venda dos produtos industrializados:

            "Artigo 46 – O Imposto de Competência da União Federal sobre produtos industrializados tem como fato gerador:

            (...)

            II – a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51;"

            "Artigo 47 – A base de cálculo do imposto é:

            II – No caso do inciso II do artigo anterior:

            a) o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria;"

            Ao contrário do quanto disposto na Lei 4.502/64, o Código Tributário Nacional determina que a base de cálculo do imposto seria apenas o valor de venda da mercadoria, não autorizando a inclusão de nenhuma despesa assumida pelo industrial por ocasião da celebração do acordo de venda.

            Agora, cabe-nos fazer uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico vigente para que não restem dúvidas que a lei ordinária, como é a Lei nº 4.502/64, não tem competência para alterar a base de cálculo do IPI estabelecida no Código Tributário Nacional.

            Isto porque, o artigo 146, inciso III, alínea "b", da Constituição Federal de 1988 é claro ao dispor que:

            "Art. 146. Cabe à Lei Complementar:

            (...)

            III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

            a) definição de tributos e suas espécies, bem com, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;" (grifo nosso)

            Assim, a Magna Carta dispõe que é de competência exclusiva da lei complementar veicular normas gerais pertinentes a todos os aspectos da obrigação tributária, incluindo os aspectos referentes à determinação da base de cálculo do tributo, no caso de descumprimento de uma obrigação fiscal.

            Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Código Tributário Nacional foi recepcionado como lei complementar, tornando-se o único instrumento hábil para a veiculação de normas gerais em matéria tributária, consoante o art. 146 da Constituição Federal de 1988.

            Assim, o artigo 47 do Código Tributário Nacional veiculando normas gerais de direito tributário, dispondo a respeito da definição da base de cálculo do IPI, não deixa dúvidas que no que tange à impossibilidade de inclusão na base de cálculo do IPI de encargos assumidos pelo industrial por ocasião da venda da mercadoria.

            A referida norma não deixou espaço para que o legislador ordinário editasse norma para alargar a previsão ali determinada.

            Essa matéria já foi objeto de diversos processos judiciais, sendo certo que a jurisprudência consolidou-se no sentido de afastar a incidência do IPI sobre o frete neste tipo de caso. Veja-se:

            TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. INCLUSÃO DO VALOR DO FRETE REALIZADO POR EMPRESA COLIGADA NA BASE DE CÁLCULO.

            VALOR REAL DA OPERAÇÃO. DESCONTOS INCONDICIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO ART. 47 DO CTN. PRECEDENTES.

            1. A alteração do art. 14 da Lei nº 4.502/64 pelo art. 15 da Lei nº 7.798/89 para fazer incluir, na base de cálculo do IPI, o valor do frete realizado por empresa coligada, não pode subsistir, tendo em vista os ditames do art. 47 do CTN, o qual define como base de cálculo o valor da operação de que decorre a saída da mercadoria, devendo-se entender como "valor da operação" o contrato de compra e venda, no qual se estabelece o preço fixado pelas partes.

            2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça envereda no sentido de que:- "Consoante explicita o art. 47 do CTN, a base de cálculo do IPI é o valor da operação consubstanciado no preço final da operação de saída da mercadoria do estabelecimento. O Direito Tributário vale-se dos conceitos privatísticos sem contudo afastá-los, por isso que o valor da operação é o preço e, este, é o quantum final ajustado consensualmente entre comprador e vendedor, que pode ser o resultado da tabela com seus descontos incondicionais. Revela contraditio in terminis ostentar a Lei Complementar que a base de cálculo do imposto é o valor da operação da qual decorre a saída da mercadoria e a um só tempo fazer integrar ao preço os descontos incondicionais. Ratio essendi dos precedentes quer quanto ao IPI, quer quanto ao ICMS." (REsp nº 477525/GO, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 23/06/2003)

            Diante disso, resta cabalmente comprovado que o artigo 14 da Lei nº 4.502/64 com a redação alterada pela Lei nº 7.798/89 é amplamente ilegal, não podendo subsistir a inclusão dos valores relativos ao frete realizado por empresa coligada na base de cálculo do IPI.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Paulo Rogério Ferreira. A ilegalidade da incidência do IPI sobre o valor do serviço de frete prestado por empresa coligada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 695, 31 maio 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6789. Acesso em: 18 abr. 2024.