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Comentários à obra “Política”, de Aristóteles

Comentários à obra “Política”, de Aristóteles

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Aristóteles defende que o homem é um "animal político" por natureza, necessitando viver em sociedade para obter felicidade e bem comum. Quem não participa é considerado bruto ou divindade.

1. INTRODUÇÃO

A obra aristotélica Política, é composta pela reunião de oito livros redigidos pelo filósofo nascido em Estagira, em que compilou seus pensamentos acerca de assuntos políticos. Contudo, para que não se incorra aos riscos do anacronismo, interpretando algum aspecto do passado empregando-lhe injustamente significados contemporâneos, cabe-se notar que o cenário no qual Aristóteles e outros autores que abordaram a política da pólis grega vivenciavam, como destaca Fioravanti (2001), o pensamento político da época era proveniente de um período marcado pela profunda crise e decadência da estruturação política, decorrente da mercantilização criou um temor da stásis, situação na qual o conflito entre ricos e pobres chegaria em um ponto em que a solução não estaria presente no que as condições políticas existentes poderiam oferecer. A reflexão se voltava aos elementos essenciais e originários do Estado e somente estes teriam capacidade de oferecer uma resposta ao conflito que poderia salvar a pólis. É imprescindível o reconhecimento de que a noção de constituição é fundamentalmente divergente do que é convencionado pós-positivismo, extremamente formal e complexo; de sorte que, o termo no sentindo clássico é empregado pela busca de um governo que viabilize a unidade e indissolubilidade da sociedade e dos poderes públicos, ou seja, um sistema que permita organizar e controlar os componentes sociais, de forma pacífica e que se finde esgote na sensação de pertencimento a um Estado que é superior à todas as subdivisões de classes e conseguintes conflitos inerentes a ele. (FIORAVANTI, 2001)

Realizadas as devidas considerações, o presente trabalho tem por objetivo, se valendo do aprendizado adquirido na matéria de Ética e Direito em cotejo com a bibliografia de outras disciplinas, realizar uma análise tópicos precisos da obra Política de Aristóteles, tais como a contraposição do conceito de política da teoria aristotélica e as evidentes divergências no caso da modernidade, ou no caso das formas de governo e suas respectivas corrupções e a ponte traçada à luz da teoria kelseniana, além de um estudo das motivações da multiplicidade de formas de governo, e ainda a definição da melhor forma de governo e necessidade de sua aproximação para que haja um equilíbrio para as tensões originadas pelos conflitos entre classes.


2. CONCEITO DE POLÍTICA: ARISTÓTELES X MODERNIDADE

Em seu discurso, Aristóteles enfatiza que toda sociedade é construída em torno de algum bem, onde todos os homens tomam atitudes que condizem com aquilo que lhes parece bom.Assim, todas as comunidades estão vinculadas por algum bem, ou seja, possuem um bem o qual permite que se alcancem um fim (finalidade). Dessa maneira, o autorevidencia a necessidade dos homens de viverem em sociedade para se obter uma melhor qualidade de vida, onde o Estado surge como provedor da ordem e a justiça como base da sociedade.

Para o filósofo, a política é uma das ciências mais importante, senão a principal, pois ela coordena as outras a fim de servirem-se mutuamente na cidade. A função da política se baseia na pesquisa de qual o melhor regime de governo e quais são as associações capazes de assegurarem a felicidade coletiva. Ao contrário de Platão, Aristóteles realizou uma filosofia prática e não ideal, onde o Estado age com a finalidade de constituir a máxima satisfação da comunidade, enfatizando a sua relação com a natureza e tornando impossível a existência do indivíduo sem o Estado. Daí surge a expressão que o homem é um “animal político”:

Fica evidente, portanto, que a cidade participa das coisas da natureza, que o homem é um animal político, por natureza, que deve viver em sociedade, e que aquele que, por instinto e não por inibição de qualquer circunstancia, deixa de participar de uma cidade, é um ser vil ou superior ao homem. Esse indivíduo é merecedor, segundo Homero, da cruel censura de um sem-família, sem leis e sem lar. Pois ele tem sede de combates e como as aves rapinantes, não é capaz de se submeter a nenhuma obediência (ARISTÓTELES, 2003, p. 14).

Assim, o homem possui uma necessidade por natureza de conviver em comunidade, para a obtenção da felicidade e do bem comum, sendo até enfatizado por ele que, aquele homem que não precisa viver em sociedade, é considerado um Deus ou uma Besta. “Ora, o que não consegue viver em sociedade, ou que não necessita de nada porque se basta a si mesmo, não participa do estado; é um bruto ou uma divindade. A natureza faz assim com que todos os homens se associem” (ARISTÓTELES, 2003, p. 15).

Em suma, toda comunidade é uma forma de associação e organização que visa como finalidade algum bem. Assim, há uma tendência natural das pessoas se agruparem para a formação da comunidade política, visto que a garantia do próprio bem não advém sem família ou sem governo. Portanto, há um apoio coletivo para a manutenção de uma vida boa e saudável para todos. O autor evidencia também o aspecto da diferença entre escravos e senhores, onde a cidade é dividida entre as classes superiores, que são os homens livres e virtuosos como magistrados e guerreiros, e as classes inferiores, que são escravos os quais são incapazes de governar a si mesmo e, assim, devem ser governados. Dessa maneira, o cidadão é caracterizado como politicamente ativo, que participa das atividades públicas, ao contrário do escravo e artesão, os quais não são livres e não possuem tempo para exercer a cidadania, e que, por consequência, não atingem sua virtude conflitante com a vida mecânica.

Fica demonstrado, de modo evidente, o que o escravo é em si, e o que pode ser. Aquele que a si mesmo não se pertence, porém pertence a outro, e, contudo, é um homem, esse e naturalmente escravo. Ora se um homem é de outro, é algo possuído, ainda que seja homem. E uma coisa possuída é um instrumento de uso, separado do corpo a que pertence (ARISTÓTELES, 2003, p. 17).

A respeito dos governos de alguns estados, o autor pressupõe que um estado bem construído se caracteriza quando possui uma constituição que se vincula com a melhor legislação do sistema e se esse sistema político não seja desviado, suprindo as primeiras necessidades da vida dos cidadãos, um dos aspectos mais árduos de se estabelecer. Examinado o conceito de política segundo Aristóteles, é possível afirmar que se trata de uma dimensão ideal quando comparada a nossa realidade atual, pois a política e os que a governam forneceram um sentido totalmente oposto ao conceito citado. O que podemos visualizar desse panorama é que muitos tratam a política como uma carreira e deixam de lado o verdadeiro compromisso que possuem com a comunidade. Muitas vezes, os políticos aproveitam a oportunidade do poder a eles concedidos para benefício pessoal, por meio da corrupção que gera desordem e atraso social.

Tomemos como exemplo o caso do Brasil, que, no transcorrer da história, tanto no Império, quanto na República é possível e lamentável reconhecer muitas barbaridades e brutalidades políticas que ocorrerem contra a população como enforcamento e esquartejamento, apenas para afirmar o poder e a força que alguns governantes possuíam.Ainda hoje, mesmo após muitos anos, encontramos atrocidades, nem todas de cunho físico, mas de toda ordem. Governantes que dispõem da responsabilidade de assegurar o bem comum, que é justamente o que caracteriza o argumento-base de Aristóteles sobre a política, desfrutando dos impostos da própria população, por meio de desvio de verbas, em favor de benefícios e fins pessoas. Ou seja, políticos que dizem honrar o interesse público acima de tudo, sempre portam consigo segundas intenções para satisfazer as vontades individuais e construir seu próprio patrimônio.

Retornando a perspectiva de Aristóteles, a causa desses homens buscarem o aumento do dinheiro sem fim está baseada na concepção de que os homens se preocupam em viver de qualquer jeito, não se interessam em viver bem, que é justamente o conceito de viver segundo a virtude. De fato, se quiserem viver segundo a virtude, simplesmente se contentariam com aquilo que contribuísse para a manutenção da natureza. Mas infelizmente, rejeitaram essa alternativa e optaram por cada um viver segundo a sua vontade e aspiração. É lamentável ver a ganância dos representantes políticos, no sentido de não importar o que se deve fazer para chegar e alcançar os objetivos que desejam, mesmo que isso custe o senso de ética e a responsabilidade social. Outrossim é a utilização da mídia como forma de direcionar o pensamento e a opinião pública que, em sua maioria, não possuem informação e discernimento, para justificar seus projetos sociais repletos de segundas intenções.


3. FORMAS DE GOVERNO: DA PERSPECTIVA ARISTOTÉLICA À VISÃO KELSENIANA

Na obra sobre comento, Política de Aristóteles (384 - 322 a.C.), foi construído um raciocínio a fim de se estabelecer o que vinham a ser as clássicas Formas de Governo existentes na Antiguidade, não passando por processos de variância durante um grande intervalo de tempo. São dedicados dois livros da obra, o terceiro e o quarto, com o intuito de descrever e classificar tais formas. Para se formular essa argumentação o autor descreve outros termos específicos, como por exemplo cidade, cidadão e constituição, com a finalidade de conceituar tais modelos de modo mais fidedigno.

No texto em questão encontrar-se-á uma síntese a respeito das formas clássicas de governo, além de se fazer uma ligação com uma outra matéria cursada ao longo do semestre, Teoria Geral do Estado, com o professor Menelick. Uma espécie de ponte será construída para que se possa fazer uma contraposição entre os ensinamentos expostos nas duas disciplinas. Por um lado, será feito uma exposição das formas de governo clássicas, encontrada em Política de Aristóteles, como dito anteriormente, situada no âmbito da Ética e Direito, já pelo outro será feito uma análise a respeito da mudança ocorrida na classificação das formas de governo proposta por Kelsen na obra Teoria Pura do Direito e do Estado.

Os primeiros capítulos do livro III se iniciam com a elaboração de algumas sentenças fundamentais para o desenrolar da obra, tais palavras passam por uma espécie de evolução conceitual, uma vez que os significados variam ao longo do texto, até se chegar concepção final consensual. A pergunta introdutória consiste em definir o que é uma cidade, posteriormente tem-se outra arguição visando chegar a ideia do que é um cidadão, além de se procurar entender o que podia ser qualificado como constituição. Todos esses termos amalgamados forneceram os fundamentos necessários para a formulação da categorização das formas de governo.

Para se entender o que é cidade é necessário primeiramente definir o cidadão, pois segundo Aristóteles cidade é porção de cidadão. Dessa forma cidadão, em Aristóteles, é definido como aquele que possui “a participação legal na autoridade deliberativa, e na autoridade judiciária” (ARISTÓTELES, 2002, p. 79), em suma, cidadão é aquele indivíduo cujo a característica principal é o fato de apresentar o poder de participar da administração da justiça e de cargo público, todavia ressalvando que tal conceituação só pode ser atribuída à membros da Democracia. Cidadão é definido como “o que desfruta o direito de chegar às magistraturas” (ARISTÓTELES, 2002, p.85). Já a cidadania é delineada como algo proveniente da relação de igualdade entre os homens perante a lei, e não relacionado ao estabelecimento em um território.

Ainda levando em consideração o conceito de cidadania descrito por Aristóteles pode ser feito um paralelo com a teoria do Marcelo Neves, estabelecida na modernidade, uma vez que segundo ele o princípio da igualdade é o núcleo da cidadania, como um aparato mecanicista responsável pela inclusão social no âmbito jurídico político, em síntese é “uma pluralidade de direitos reciprocamente partilhados e exercitáveis contra o Estado” (NEVES, 1994, p.175), sendo uma conceituação um pouco semelhante com o escrito em Política.

A partir da definição de cidadão foi possível determinar o que o termo cidade poderia significar, assim chegou-se a conclusão de que o termo representaria “a multidão de cidadãos capaz de ser suficiente a si próprio, e de conseguir, de modo geral, quanto seja necessário à sua existência” (ARISTÓTELES, 2002, p. 79).

Cabe ainda afirmar em relação ao estabelecido, segundo Aristóteles, que a cidade é sempre a mesma desde que os homens continuem a residir em um mesmo local, juntamente com a estatização da espécie de seus membros, isto é, seus moradores. Ainda conforme esse raciocínio percebe-se que devido ao fato de a cidade consistir em uma espécie de comunidade, uma tipologia de governo entre os cidadãos, a partir do momento em que a forma de governo sofre uma modificação e passa a representar algo diferente do estabelecido anteriormente, torna-se obrigatório que a cidade também se apresente como algo alterado.

Em um outro momento, Aristóteles descreve uma ideia geral de virtude do cidadão. Fazendo uma análise dos fatos verifica-se que a “salvação da comunidade é a ocupação de todos os cidadãos” (ARISTÓTELES, 2002, p.82), independente das disparidades existentes entre os indivíduos. Define-se que a composição da comunidade é forma de governo atribuída, dessa forma “é necessário, portanto que a virtude do cidadão esteja em relação com a forma política” (ARISTÓTELES, 2002, p.82). A virtude perfeita é aquela que caracteriza o homem de bem, que conforme o autor é mandar, já a virtude do cidadão é obedecer e mandar.

A partir do capítulo IV do terceiro livro, Aristóteles começa a desenvolver o conceito de constituição de um Estado como sendo a “organização regular de todas as magistraturas, sobretudo da magistratura que é dona e rainha de tudo. Em todo lugar o governo do Estado é soberano. A Constituição mesma é o governo” (ARISTÓTELES, 2002, p.87), conforme Norberto Bobbio, essa classificação de constituição, como uma ordenação de magistraturas, corresponde:

A “grosso modo”, ao que entendemos hoje como constituição Digo “grosso modo”porque hoje incluiríamos algo mais numa constituição: quando nos referimos à constituição italiana, francesa ou chinesa falamos da lei fundamental de um Estado, que estabelece seus órgãos, as respectivas funções, relações reciprocas, ete (BOBBIO, p.55).

Bobbio afirma em sua obra que o termo empregado por Aristóteles como forma de governo é traduzido como constituição. No Livro Política existem diversas definições de constituição, uma delas está presente no livro III e pode ser simplificada em representar uma estrutura que é responsável por dar ordem à cidade, “determinandoo funcionamento de todos os cargos públicos e sobretudo da autoridade soberana ” (BOBBIO, p.55).

Aristóteles considera, após a análise de mais de 150 constituições, pelo método indutivo, percebe que não existe um governo ideal para todo os povos, há, todavia, um governo específico que depende das especificidades dos povos a serem governados, assim ele afirma que as palavras constituição e governo querem dizer a mesma coisa, “considerando-se que o governo é autoridade suprema nos Estados” (ARISTÓTELES, 2002, p. 89), e que certa autoridade suprema deve estar concentrada, necessariamente, nas mãos de uma pessoa apenas, ou em diversas ou em uma multidão, infere-se a possibilidade de que esses se indivíduos que estão no governo utilizarem da autoridade tendo como referência o interesse coletivo, a constituição é “pura e sadia, obrigatoriamente”. Se em vez dessa possibilidade o governo usufrui da autoridade a fim de se realizar algo visando o seu interesse particular, “quer dizer no interesse de um apenas, ou de muitos, ou da multidão, a constituição é viciada, corrompida” (ARISTÓTELES, 2002, p. 89). Em suma, Aristóteles classifica tais formas tendo vista dois critérios, um moral que divide as formas em puras e impuras, conforme a qualidade e a quantidade exercida, e o segundo classifica o governo conforme a concentração do poder exercido, se está nas mãos de um só, de poucos, de muitos ou de todo o povo.

Dessa forma ele diz que os governos que perseguem interesses coletivos, consideradas as formas não corrompidas, isto é, as benéficas são a monarquia – realeza que visa o comum – a aristocracia – um governo de um pequeno grupo de homens – e a república – uma multidão que governa em direção ao comunitário. Pelo outro lado é afirmado que os governos viciados são a tirania para a monarquia, a oligarquia para a aristocracia e a demagogia para a república, todas essas formas são corrompidas pelo mal devido o fato de não perseguirem interesses coletivos, ou seja, são governos que realizam suas funções tendo como guia de suas ações o particularismo de cada governante. Assim dentre as piores formas de governo afirma-se que a Democracia é a melhor, e tendo em vista as formas boas de governo, a Monarquia é considerada a mais eficiente.

BOM

RUIM

UM

MONARQUIA

TIRANIA

POUCOS

ARISTOCRACIA

OLIGARQUIA

VÁRIOS

REPÚBLICA

DEMOCRACIA

A partir do exposto nas aulas de Teoria Geral do Estado é possível fazer um paralelo no qual as formas de governo são vistas no primeiro artigo das constituições, indicando o fundamento de legitimidade do poder, sendo o princípio estruturante e fundamental deste, consistindo no fundamento filosófico do exercício de poder, isto é, como o poder se justifica filosoficamente, organizando e disciplinando as relações entre governantes e governados, a partir do fundamento da soberania. Já os regimes de governo são identificados por representar a organização dos poderes para o exercício de um poder mais técnico, referindo-se a forma como o poder se estrutura para o seu exercício, sendo o primeiro tópico da organização estatal, mais operacional e técnico, que envolve as regras de articulação politica, além de indicar como os órgãos se encadeiam para o exercício de tal.

Logo após a Segunda Guerra Mundial, Kelsen propõe autocracia e democracia no lugar de monarquia – relacionado com o que ocorreu com as monarquias constitucionais (na qual o rei governa, ele é chefe do Estado e do Governo) ao final da primeira guerra mundial, que desaparecem devido graves problemas (como a própria Alemanha). A monarquia então deixa de ser forma de governo pois deixa de afetar a titularidade do poder, devido a uma profunda alteração nos sistemas jurídicos – o sufrágio universal, movimentos sociais e sociedades de massas – Kelsen propões um novo binômio a fim de classificar as formas de governo, passando a considerar a Monarquia e a República como formas históricas e adotando a Democracia e a Autocracia como especificações mais atuais.

A teoria política da Antiguidade distinguia três formas de Estado: monarquia, aristocracia e democracia, onde a organização do poder soberano era apresentada como critério de dessa classificação.

O principal critério utilizado era embasado no poder soberano e na quantidade numérica dos detentores desse poder, assim quando o poder soberano pertencia a apenas um indivíduo, dizia-se que o governo, ou a constituição, era monárquica, por outro lado, quando o poder pertencia a vários indivíduos, a constituição era chamada de republicana. Contudo, para Kelsen, o número de pessoas em cujas mãos se encontram o poder soberano é, porém, um critério bastante superficial de classificação, logo insuficientes, uma vez que o poder do Estado é a validade, a eficácia da ordem jurídica. As novas formas propostas (Democracia e Autocracia) são estabelecidas fundamentadas na ideia de liberdade política.

A modificação na classificação foi feita tendo vista a função da defesa da Democracia, do compromisso filosófico, sendo que para ter igualdade é necessário o aspecto formal. A Teoria Pura do Direito foi formulada com o intuito de coibir abusos das autoridades.

Assim a Democracia significa que a vontade representada na ordem jurídica do Estado é idêntica as vontades dos sujeitos. O ideal de autodeterminação exige que a ordem social seja criada pela decisão unânime de todos os seus sujeitos e que permaneça em vigor apenas enquanto goza da aprovação de todos. A ordem social pode ser modificada apenas com a aprovação de todos os sujeitos; e cada sujeito é obrigado pela ordem social na medida em que o consinta.

A Autocracia é o oposto da Democracia, é a escravidão da Autocracia. Os sujeitos são excluídos da criação da ordem jurídica, não existindo harmonia entre a ordem jurídica e as vontades pessoais, não havendo garantia. A forma mais pronunciada da Autocracia é a Monarquia Absoluta, também conhecida como despotismo, a ordem jurídica, em todos os seus estágios, é criada e aplicada diretamente pelo monarca ou por órgãos que ele nomeou. O monarca não pode ser responsabilizado pessoalmente; não está sob a lei, já que não está sujeito a quaisquer sanções jurídicas(KELSEN, 1998, pp. 405-406).

No real cenário político, não existe nenhum Estado que se enquadre completamente a uma ou outra tipologia classificada como ideal. Cada Estado representa uma compilação de ambos os elementos presente na democracia e autocracia. Entre os dois extremos existe uma imensidão de estágios intermediários, nos quais os Estados formulam os melhores formatos de governo a fim de atender à todas as necessidades. Segundo Kelsen e conforme a terminologia usual, um Estado é chamado democracia se o princípio democrático prevalece na sua organização, e um Estado é chamado de autocracia se o princípio autocrático se sobrepõe(1998, p. 407).

Hodiernamente fala-se em regime ou sistema de governo, e não formas. A forma de todas monarquias, a título de citação, seria atualmente a democracia. A coroa ocupa um dos lugares mais poderosos que há, pois envolve a totalidade (representação), tendo função simbólica – sendo que para Carl Schimitt essa característica é ainda mais relevante que a aplicação da razão. Na sociedade de massas nascentes no século XX, esse aspecto passa a ser extremamente importante, tendo como exemplo os regimes nazistas e fascistas presentes na Europa, nos quais se têm a junção da posição de presidente e de chefe de Estado. Assim a função da coroa deveria ser garantir que o poder de mando no Estado fosse de responsabilidade do parlamento, isto é, a grande maioria.


4. SOBRE A MELHOR FORMA DE GOVERNO

Para que se possa delimitar qualquer forma de governo, desde as consideradas mais inconsistentes às mais perfeitas, deve-se reconhecer as múltiplas partes da Constituição e a relevância imputada a cada uma destas no que concerne à estruturação política clássica. Aristóteles então distingue as atividades humanas em duas naturezas, que compoem, também a vita activa de Hannah Arendt (2014), de modo a se destacar entre os quais dois gêneros de vida que os homens podem adotar: a vida voltada para as atividades liberais, no qual a liberdade era caracterizada por não conter nenhum laço com as necessidades ligadas à sobrevivência e de qualquer meio que a garanta, esses indivíduos designavam suas vidas para o belo, que não era necessário à vida e nem efetivamente útil, tomando o homem como bios politikossomente aqui se fazia possível a ação e a plena participação políticas; há, de forma diametralmente oposta, a vida voltadas às atividades mecânicas, sem as quais o primeiro modo de vida citado se faz inviável, e que convém propriamente aos homens que não usufruíam de liberdade, justamente pela produção de coisas úteis e destinadas, de forma incontestável às necessidades, acarretando na impossibilidade do exercício das virtudes necessárias à prática política, e que chegam a afetar as faculdades da consciência:

Ora, deve-se considerar como mecânica toda a arte, toda a ciência que impossibilita para os exercícios e para a prática da virtude o corpo dos homens livres, ou sua alma ou sua inteligência. Eis por que nós chamamos mecânicas todas as artes que alteram as inclinações naturais do corpo, e todos os trabalhos que são mercenários; por que não deixam ao pensamento nem liberdade nem dignidade (ARISTÓTELES, 2009, p.268)

A pluralidade de formas de governo tem sua gênese no reconhecimento da variedade de partes constitutivas da cidade, se originando principalmente da consideração de diversas famílias, entre estas peculiaridades são notáveis, acarretando na distinção entre duas classes antagônicas: a classe dos ricos e a classe dos pobres; e ainda uma terceira classe: a mediana. As classificações dos governos decorrem da maneira pela qual a tensão entre a classe de ricos e de pobres resulta, sendo que o predomínio dos primeiros comumente uma minoria caracteriza uma oligarquia, e já a democracia é corolário do domínio político da maioria, tendencialmente composto pela classe dos segundos.

Partindo-se da premissa de que a república e a aristocracia são tipos ideais, portanto de difícil aplicabilidade e concreção geral, acabam por se corromperem em oligarquia em que uma minoria muito rica acaba por se tornar indisciplinada e passa a não reconhecer limites para seus excessos em nenhuma das esferas da ordem política estabelecida oferecendo assim assim risco à mesma, ou em democracia que uma maioria muito pobre e acostumada com omissões e submissões além das necessidades nas quais sempre viveram os incapacita na tomada de decisões conscientes. A solução encontrada entre as formas aplicáveis puras e suas corrupções é encontrada somente no meio termo entre os extremos, daí que se verifica a imprescindibilidade da ascensão da classe intermediária, se considerando que as demais se comportam:

Uns cheios de desprezo pelos seus concidadãos, os outros cheios de inveja: sentimentos estes que estão bem longe da benevolência e do caráter de sociedade que fazem o verdadeiro cidadão. [...]. A cidade deve ser formada tanto quanto for possível de cidadãos iguais e semelhantes; é o que se encontra nas situações médias. É preciso, pois, que o Estado mais feliz seja o Estado composto desses elementos que dele formam, repito, a base natural (ARISTÓTELES, 2009, p.141).

A proeminência da classe média em Aristóteles se deve ao fato desta ocupar uma posição na qual ninguém à quer prejudicar, e ela mesma não deseja nem reclama provocar danos à outrem “porque, sempre que uns tenham imensas riquezas e outros nada possuam, resulta disso a pior das democracias, ou uma oligarquia desenfreada, ou ainda uma tirania insuportável, produto dos excessos opostos” (ARISTÓTELES, 2009, p. 142), representando assim, um fim para tensão entre as classes antagônicas que sempre se finda por dominação por cada qual visar apenas seus interesses próprios; a classe intermediária mas numerosa e forte por não possuir necessidades gritantes, e nem ainda o orgulho que provoca o cometimento de excessos, por fim concede estabilidade e durabilidade aos estados que nenhuma outra classe pode gerar. Sendo que na impossibilidade de tal aplicação, pela aversão intrínseca ao homem à igualdade, as formas de governo se aproximam da perfectibilidade quando sob as condições e circunstâncias dadas, se adequam e buscam esse tipo de organização da vida política.


5. DEMOCRACIA E SUA ORGANIZAÇÃO, AFIRMAÇÃO DA OLIGARQUIA E MAGISTRATURAS

O livro sétimo discorre sobre a organização da democracia, a sua melhor forma, a precaução que o legislador dever ter na sua organização, o que deve ser feito para a afirmação da oligarquia – julgam justo o que esta de acordo com a opinião dos mais abastados, pois querem que o grau de riqueza é que deve conferir o direito de tomar resolução final sobre os negócios públicos (ARISTÓTELES,2003,pág.214) – e as diferentes magistraturas eletivas por todos e entre todos os cidadãos.

A organização da democracia vai levar em conta o fato de que a composição do povo é diversificada e há diferentes classes, dando origem a uma variedade de democracias, e também as consequências advindas da democracia determinam a combinação desses diferentes tipos de democracia.

Tendo como princípio fundamental do governo democrático a liberdade, tem-se que o cidadão deve obedecer e mandar, e que os pobres –por estarem em maior número –devem possuir mais autoridade. Um outro princípio fundamental é o de viver como se quer, utilizando-se desse princípio, pode-se traçar um paralelo com a ideia de igualdade de acordo com o primeiro paradigma da Teoria Geral do Estado, haja vista que ela é definida a partir de fazer o que quiser na hora que quiser, quanto menor a lei que habita maior é a liberdade.

A melhor democracia de todas seria a mais antiga –a primeira das quatro formas – e a melhor classe seria a dos agricultores, pela possibilidade de formar facilmente a democracia tendo em vista que muitos povos e em todos os lugares sobreviviam dessa cultura. A segunda classe, digna de destaque, é a dos pastores pelo fato de que eles têm a necessidade de se agruparem para irem ate os grandes centros de comércios, diferentemente dos agricultores que não sentem essa necessidade de se agruparem.

A organização da democracia se dá de duas formas: a primeira seria o sorteio da magistratura, e a outra forma seria por eleição. Há a possibilidade de se chegar a esse resultado repartindo a magistratura em duas, uma por eleição e a outra por sorteio. Ao longo do livro sétimo, o autor afirma que, enquanto que na democracia a salvação é a abundância da população, na oligarquia a afirmação deve-se pelo “efeito de uma ordem constante e regular” (ARISTÓTELES, 2003, pág.222).

Por fim, no capítulo V do livro sétimo, Aristóteles o inicia discorrendo sobre as magistraturas, como sendo aquelas indispensáveis para o funcionamento e existência de um Estado e as outras que funcionam como reguladoras da “boa ordem” sem as quais o Estado poderia não ser regido da maneira correta. Os cuidados que as magistraturas devem ter vão desde a fiscalização dos mercados, propriedades públicas e particulares até a execução de julgamentos, já outras possuem o controle dos dinheiros públicos.

É importante pontuar que nesse capítulo, Aristóteles chama atenção aquilo que até hoje perdura, ao afirmar que “os homens de condição baixa desejam sem cessar a igualdade e a justiça, enquanto os mais fortes em tal coisa não pensam de maneira alguma” ( ARISTÓTELES, 2003, pág.215) percebe-se que mesmo com todas as mudanças e revoluções mundiais, até mesmo com a globalização, o pensamento dos mais ricos e mais influentes ainda não é baseado na igualdade, muito menos na justiça, a democracia é um falso governo da igualdade.


6. REVOLUÇÕES NOS SISTEMAS DE GOVERNO E O SISTEMA DE PLATÃO

O livro oitavo trata das revoluções – nas democracias, oligarquias, aristocracias e monarquias – e o sistema de Platão sobre as revoluções.

A proporção desejada de direitos políticos por diferentes grupos acaba provocando desavenças, sendo esse o motivo geral das revoluções. O fato de que a virtude e a nobreza são características consideradas de uma minoria, reforçam o fato de que as pessoas (pobres) desprovidas dessas características estão em maioria e não possuem destaque algum. Em um governo em que essa afirmativa é valida, há maiores chances de revoluções, apesar de que na democracia há uma maior estabilidade e ela é menos exposta às revoltas e o povo nunca se rebela contra si próprio, diferentemente da oligarquia que as brigas resultam em desavenças entre as oligarquias, e vez ou outra entre as oligarquias e o próprio povo.

As revoluções no governo monárquico estariam muito ligadas ao fato de que aqueles que não se reconhecem como iguais tendem a buscar por essa igualdade, enquanto aqueles que já se reconhecem como iguais buscam pela superioridade promovendo um empasse e, a busca pela honra e pelo dinheiro também poderiam ser entendidas como causadoras de desavenças. Sendo assim as revoluções possuem causas relativamente pequenas, mas sempre tem importância e essa importância ganha corpo com o desenrolar dessas pequenas causas.

Com uma configuração diferente, as revoluções nos governos oligárquicos têm uma de suas origens quando os chefes exercem pressão sobre povo, e dessa forma o povo aceita o primeiro defensor que é apresentado –algo entendido como perigoso –, e também quando as oligarquias promovem elas próprias a revolução. É importante pontuar que quando o poder da oligarquia é colocado nas mãos de poucos, o Estado sofre com tal ação, podendo ocorrer revoluções. Um outro motivo seria oligarcas que se encontram “afundados” e roubam dinheiro público, colocando o povo contra eles. Nessa forma de governo, a classe pobre deve ser zelada de forma a garantir que ela desfrute dos empregos lucrativos.

Nos governos aristocráticos, “ o motivo das revoluções age por vezes sem o sentir, porque uma vez desprezada qualquer das coisas que têm influência sobre o governo, mais tarde novas transformações importantes irão sendo realizadas até que todo o edifício seja abalado” (ARISTÓTELES, 2003, pág.246).

Um ponto importante apresentado na obra é em relação a Educação Nacional, que para Aristóteles vai muito do que fazer o que deve ser feito tanto na democracia quando na oligarquia, mas tem relação a duração desses sistemas.

Na monarquia, a realeza se baseia no merecimento, na virtude e na força, o rei deseja e deve ser o defensor de seu súdito, de forma que “o rei deixará de reinar assim que se deseje” (ARISTÓTELES, 2003, pág.261).

Por fim, haja vista que toda a obra gira em torno nas formas de governos, revoluções e afins, a ideia de Sócrates na República de Platão, de que nada pode durar eternamente, mas que tudo deve ser transformado em um certo período. Além disso, Clóvis de Barros Filho ao discorrer sobre Aristóteles, cita a questão da finalidade: cada um descobre sua finalidade a partir da sua singularidade, dessa forma todos são diferentes por terem diferentes finalidade, e em toda sociedade as pessoas são classificadas pelo que fazem, umas são mais reconhecidas outras não, uns nascem para governar outros para obedecer, mas isso nada tem a ver com a sua finalidade no mundo, para ele há uma comunhão entre corpo e finalidade – a natureza do corpo – e não há glamour , pois ao viver em busca desse glamour passará a viver uma vida que não lhe pertence. O que nos mantém unidos é a vida eudaimonica, uma vida que vale por ela mesma, não precisa de justificativa, ela é por si mesma.


7. CONCLUSÃO

Diante dos aspectos supracitados em sua obra Política, Aristóteles estabelece uma crítica em relação à teoria política de Platão. Na obra A República, Platão afirma que para que se tenha um governo efetivo, é necessário que tal governo seja formado por uma comunidade real na qual os reis, sábios e filósofos governariam, onde todos os indivíduos se comportariam de forma correta. Todavia, segundo Aristóteles, a comunidade política deveria ser formada por homens comuns, sendo que esses seriam qualificados diante das posses e propriedades que forneceriam ócio para o proprietário, pois somente o cidadão que estuda e que tenha a compreensão da realidade, é que pode participar do debate na atividade política. O homem bem instruído só pode desenvolver todo o seu potencial quando internalizado na pólis, onde o bem comum da cidade-estado é o mesmo almejado pelo homem. É então necessário viver em coletividade.

Seguindo o raciocínio do pensamento aristotélico os anthropossão zoôn, e consequentemente somente por ser um zoôn politiconé que o anthroposé racional. Em suma, somente o animal que vive em uma pólis, formada por uma comunidade bem estruturada, justa e que visa fins comunitários é que esse homem pode se tornar um ser dotado de racionalidade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado – terceira edição – São Paulo. Martins Fontes, 1998.

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