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Direito ambiental espacial: o diálogo jurídico internacional do século XXI

Direito ambiental espacial: o diálogo jurídico internacional do século XXI

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Investiga-se a natureza transdisciplinar e multilateral do direito internacional no século XXI, em pleno apogeu da era espacial, onde uma parcela fundamental das atividades humanas acarreta o uso constante da tecnologia espacial.

Resumo: O objetivo deste estudo é investigar a natureza transdisciplinar e multilateral do Direito Internacional no Século XXI, em pleno apogeu da era espacial, onde uma parcela fundamental das atividades humanas acarreta o uso constante da tecnologia espacial. De importância central para fins tanto militares quanto civis, a expedição de objetos ao espaço cósmico há muito já se tornou parte do cotidiano civilizacional de todas as nações. Os desafios que surgem a partir deste novo quadro, completamente distinto de qualquer outra realidade tecnológica já desbravada pela humanidade, são visíveis a níveis políticos, econômicos, militares e fundamentalmente jurídicos, culminando no surgimento tardio de um novo ramo do Direito, destinado à regulação das atividades humanas ultraterrestres, o qual  convém denominar Direito Espacial. Dentre todas as atribuições deste novo segmento jurídico, uma em especial é escolhida para análise e desenvolvimento neste artigo, o Direito Espacial Ambiental, ao qual compete a regulação das consequências do ônus ambiental das atividades espaciais. Sendo um dos problemas de maior relevância para o ramo ambiental na atualidade, a questão do lixo espacial não vem recebendo o tratamento que lhe é devido. Interesses econômicos e ignorância científica contribuem para tornar ainda mais grave um quadro crítico quando vem se formando ao redor de nosso planeta uma zona de lixo espacial artificial, onde nuvens de dejetos de satélites circulam de forma a possivelmente impedir, em data futura, o sucesso para a nova emissão de objetos, gerando consequências graves para a vida nas grandes metrópoles dependentes dos recursos espaciais. Percorrer o caminho jurídico sedimentado pelos Tratados Espaciais, pelas Leis Espaciais nacionais e pela Doutrina Internacional e especular alternativas ao cenário vigente, visando à construção de um futuro seguro e sustentável para todos os povos no exercício de seu direito internacionalmente consagrado de exploração pacífica do espaço cósmico, são tópicos centrais da missão à qual se propõe este trabalho..

Palavras-chave: Direito Internacional Público. Direito Espacial. Direito Ambiental.


Introdução

Este artigo se propõe a, em meio a um contexto de cada vez maior preocupação global com o meio-ambiente, estabelecer um diálogo inter-jurídico adequado para a contemporaneidade da questão ambiental.

Com o desenvolvimento a todo vapor da tecnologia espacial e a crescente dependência da mesma para o bem-estar geral da humanidade, uma nova modalidade de preocupações insurge em paralelo aos benefícios visíveis. Se desde o começo da era espacial a possibilidade de utilização militar do espaço cósmico e de tecnologia espacial para fins de guerra são temas correntes no debate internacional, hoje já podemos falar em uma nova problemática, que ainda não recebe o devido tratamento nos círculos competentes. O lixo espacial, resultado do acúmulo de objetos sem função útil e satélites inativos nas órbitas terrestres por certo não era sequer uma especulação longínqua quando dos primeiros debates jurídicos espaciais, porém ocupa hoje papel central dentre os desafios para a astronáutica contemporânea, bem como para aqueles preocupados com os seus mecanismos jurídicos e de regulação.

Através da pesquisa acadêmica interdisciplinar, transitando entre estudos jurídicos, geocientíficos e aeroespaciais, buscar-se-á ao longo de todo o texto desenvolvido a investigação profunda do problema proposto e de suas possíveis soluções, objetivando principalmente o esgotamento da temática apresentada.

Objetivos

  1. Fazer uma breve introdução jurídica e científica ao tema do direito espacial e a suas ramificações;
  2. Apresentar o problema do lixo espacial e justificar a importância de seu debate no mundo contemporâneo;
  3. Concluir quais mecanismos jurídico-políticos se mostram necessários e suficientes para a elaboração de propostas de solução para o tema apresentado.

Metodologia  

  1. Pesquisa bibliográfica de amplo rol de publicações impressas e eletrônicas referentes ao tema;
  2. Leitura e exame de Tratados, documentos e discursos internacionais sobre o direito espacial e o lixo espacial;
  3. Reflexão crítica, tomado em consciência todo o conhecimento adquiro pela leitura de livros, dissertações e documentos referentes ao tema.


I – Breve apresentação do Direito Espacial

No limiar duma nova era, o alvorecer dum novo direito (VALLADÃO, 1957). Assim as palavras do ilustríssimo jurista póstumo Alfredo Valladão prenunciam a chegada de um novo direito para uma nova era na humanidade. Mal sabia o mesmo, porém, quais seriam os contornos assumidos por esta nova era num contexto para ainda além das disputas geopolíticas acirradas e da instabilidade atômica sob as quais se deu o surgimento da era espacial.

Talvez os rumos da história espacial tivessem sido outros, caso a primeira atividade humana no espaço cósmico se desse em tempos não tão turbulentos - uma vez que a paz em sua plenitude é um ideal tão distante que não temos qualquer informação de que haja existido algo semelhante em algum lugar do planeta - quanto àqueles de outubro de 1957, quando o sobrevoo transcendental do Sputnik I cobriu a Terra sob um manto de temor e tremor jamais visto outrora, não pelo primitivo satélite em si, mas pelo míssil balístico que o pusera em órbita. O medo que se instalou com o advento da era espacial ecoou por todos os povos, que, outrora pavorosos da iminente hipótese de bombardeios atômicos, agora se davam conta de que estas mesmas armas de destruição em massa poderiam ser expedidas de um ponto tão distante que nenhum esforço pareceria suficiente para impedir a vontade belicosa humana.

Porém, factualmente, se deu o surgimento da era espacial sob um contexto tal em que a humanidade se encontrava polarizada entre dois mundos antagônicos, um sob o liberalismo ocidental americano e outro sob o marxismo soviético. Ambos os polos da humanidade estavam dispostos a, a qualquer sinal de indisposição inimiga ante seus interesses, fazer uso de seu arsenal nuclear e pôr em risco a vida de milhões de seres humanos. O advento da tecnologia espacial não esboçou uma mudança estrutural para este quadro geopolítico senão que um agravo de suas dimensões. O que se seguiu ao imaginário popular em todo o planeta não foram sonhos futuristas com viagens turísticas espaciais ou um reinado perpétuo do progresso infinito da ciência, mas as imagens de um mundo ardendo em chamas pelo fogo atômico vindo de armas alocadas nas estrelas.

Ante o temor mundial, se viu o Direito Internacional com uma obrigação imposta e de solução emergencial, a criação de um regime jurídico para o espaço ultraterrestre e o estabelecimento de mecanismos para a regulação das atividades humanas nele desenvolvidas, uma vez que, até então, tudo o que se conhecia por direito se limitava à atmosfera, estando o espaço exterior à deriva das paixões humanas, ausente de qualquer norma regulatória e aberto à permissividade plena. É neste contexto que surgem, em 1959, o Comitê das Nações Unidas Para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (COPUOS, na sigla em inglês), que foi o primeiro órgão subsidiário das Nações Unidas voltado para a questão espacial, e, posteriormente, o Tratado sobre os Princípios que Regem as Atividades dos Estados na Exploração e Utilização do Espaço Exterior, Incluindo a Lua e Outros Corpos Celestes, o “Tratado do Espaço”, em 1967, que, dentre outras inovações, cria o regimento jurídico do espaço sideral, que passa a ser território internacional e de reivindicação de soberania vetada a todas as nações e proíbe a alocação de armas nucleares e de destruição massa nas órbitas terrestres (vide Artigos 1o a 4o), sem, contudo, esgotar as possibilidades de uso militar do espaço, ainda que, eliminando parcialmente os riscos iminentes de uma guerra espacial.

Desde então, o Direito Espacial tem se desenvolvido enquanto ciência jurídica afiliada ao Direito Internacional Público. Uma série de 5 Tratados Internacionais, somada e atrelada a uma ampla variedade de documentos, pronunciamentos e escritos doutrinários configuram a face contemporânea deste ramo do Direito ainda tão subestimado num mundo onde a tecnologia espacial é peça-chave para a manutenção da normalidade das atividades humanas em setores estratégicos e centrais da civilização, tais como as redes de telecomunicações, de televisão, de internet, de gerenciamento de dados, de monitoramento, sensoriamento remoto, entre outros. A devida atenção a ser dada ao Direito Espacial ainda permanece um ideal distante para os autores do ramo tanto quanto a paz universal para os ativistas humanitários. Contudo, o enfoque das políticas espaciais para a área militar, ainda que não superado, não deve ser posto, no atual contexto internacional isoladamente no centro das preocupações globais.

Talvez o cenário atual não fizesse sequer parte do imaginário longínquo dos mais renomados especialistas quando da celebração do último tratado internacional do espaço cósmico, o fracassado Tratado da Lua, de 1979. Porém, as atividades humanas no espaço ultraterrestre se tornaram de tal modo frequentes e intensas que possibilitaram a formação de uma nuvem de lixo satelital nas órbitas terrestres cujas dimensões fogem cada vez mais ao controle de seus expedidores.


II – Síntese do Direito Ambiental Internacional

O Direito Internacional, em sua forma complexa que hoje conhecemos, tal como o Direito Espacial, ramificação previamente abordada, surge como uma necessidade ante a realidade humana vigente, como uma garantia direcionada principalmente para a guerra e para a elaboração de mecanismos jurídicos com fins de evitá-la ou humanizá-la, uma vez em prática.

A nova dinâmica das relações humanas, consagradas sob a práxis político-econômica de nosso sistema global de produção, produziu, contudo, no decorrer principalmente do último século uma realidade distinta, até então jamais enfrentada em tais proporções pela sociedade internacional, onde o meio-ambiente se tornou a parte mais frágil das interações estabelecidas entre o homem e a natureza, convertendo-se esta na maior vítima daquele.

A emissão constante de gases poluentes, o desmatamento, a poluição dos rios, mares e oceanos, o biocídio decorrente das investidas humanas contra a fauna e a flora e toda sorte de malefícios impostos pelo homem à natureza constituem por fim uma necessidade jurídica no mundo contemporâneo, onde o Direito deve ocupar-se com a regulação das atividades humanas onde o meio-ambiente ocupa o polo passivo da relação. Se antes o Direito Ambiental era uma prática jurídica de foro doméstico, atualmente não se pode pensar em um direito supranacional que ignore a questão ambiental.

Neste ponto, cabe mencionar a ilustre doutrina de Sidney Guerra, que expõe:

Superadas as adversidades do passado e pela premente necessidade de se criar um sistema de proteção internacional do meio ambiente, é que começa expandir uma consciência ambiental e a consequente consolidação de normas e princípios aplicados na ordem jurídica internacional de natureza ambiental.

Hodiernamente, as matérias concebidas pelo Direito Internacional Ambiental ultrapassam limites considerados inesperados e que eram concebidos no domínio exclusivo dos Estados, destacando-se a proteção dos mares, mudanças climáticas, emissão de gases poluentes, proteção da fauna e da flora etc. (GUERRA, 2007).

Ignorando um estudo detalhado a respeito do desenvolvimento do Direito Internacional Ambiental em linha cronológica, cabe destacar que os primeiros estágios do mesmo se deram através do surgimento de tratados bilaterais e multilaterais de ordem principalmente econômica, havendo o mesmo sido elevado a uma categoria jurídica ambiental propriamente dita apenas em 1971, com o advento do Clube de Roma – um grupo de notáveis em congresso para o debate sobre temas relacionados ao meio-ambiente e ao desenvolvimento sustentável, que, reunidos pela primeira vez em Roma, em 1972, apresentaram um relatório de possibilidades catastróficas para o esgotamento de recursos naturais – e da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, que alerta para a necessidade da formulação de um critério e princípios que sejam comuns para a preservação e melhoria do meio ambiente humano (GUERRA, 2007).

Outro evento a que cabe destacar no presente estudo é a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) - Rio 92. Nas palavras de Hidelbrando Accioly:

Tal Conferência reuniu 178 representantes de estados e diversas ONG’s em torno de única causa1: promoção da proteção do meio ambiente e do desenvolvimento. Os documentos extraídos dessa Conferência deram a tônica do direito internacional ambiental a partir de então. (ACCIOLY, 2010).

Dentre os grandes feitos do legado gigantesco da Rio 92 para o Direito Ambiental Internacional, frise-se neste trabalho o papel importantíssimo da Declaração dos Princípios sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que expõe um rol principiológico a ser utilizado como guia das políticas e normas de meio-ambiente e desenvolvimento sustentável. São exemplos destes princípios o Princípio do Direito Humano Fundamental, o Princípio do Desenvolvimento Sustentável e, o que cabe especial destaque, o Princípio do Poluidor-Pagador.

Em linhas gerais, o referido princípio se ocupa do papel de impor ao agente causador de determinado dano ambiental um valor indenizatório a ser quitado em responsabilização pelo ato cometido. Com este princípio, objetiva-se a coibição das agressões ao meio-ambiente mediante o ônus indenizatório, não podendo ser confundido com nenhuma espécie de mercantilização das violações ambientais. Complementando-se, cabe a doutrina de Édis Milaré:

O princípio não objetiva, por certo, tolerar a poluição mediante um preço, nem se limita apenas a compensar os danos causados, mas sim, precisamente, evitar o dano ao ambiente. (MILARÉ, 2007)

Posteriormente, realizar-se-á análise comparativa deste princípio com a responsabilidade internacional do Estado Lançador no Direito Espacial. Por ora, conclua-se a síntese conceitual do Direito Ambiental em âmbito supranacional e dê-se por aberto o espaço para interpretações amplas, dentre as quais a inserção da questão espacial no tema jurídico ambiental, a ser a seguir comentada.              


III – Introdução genérica à questão do lixo espacial

(Detritos espaciais) são objetos criados pelos humanos e que se encontram em órbita ao redor da Terra, mas que não desempenham mais nenhuma função útil, como por exemplo as diversas partes e dejetos de naves espaciais deixados para trás quando do seu lançamento. Tanto podem ser peças pequenas, como ferramentas e luvas — a exemplo de uma perdida por Neil Armstrong na missão Gemini VIII em 1966 — ou estágios de foguetes e satélites desativados que congestionam o espaço em volta da Terra — como exemplo, os antigos satélites soviéticos RORSAT — e que causam risco de acidentes graves, tanto em órbita (pelo risco de possíveis colisões), quanto numa possível reentrada de tais detritos na atmosfera terrestre. Os detritos espaciais tornaram-se uma crescente preocupação nos últimos anos pelo fato de que colisões na velocidade orbital podem ser altamente danosas ao funcionamento de satélites, pondo também em risco astronautas em atividades extraveiculares. (INPE, 2010)

Todo satélite tem um vida útil. Quando extingue suas atividades, o satélite permanece em órbita, inativo e poluindo o espaço exterior. Além disso, durante seu período de vida útil, satélites podem vir a expelir dejetos artificiais que igualmente se acumulam nas órbitas. O resultado disso é a formação de uma nuvem de lixo ao redor do planeta, acumulando objetos inúteis e inativos em órbita, dificultando a atividade de satélites em atividade e, por vezes, adentrando novamente à atmosfera, podendo incorrer também em poluição do ambiente interno, ainda que esta seja a consequência de menor gravidade dos detritos espaciais.

Como se não bastasse o inevitável fim dos satélites após seu tempo de vida útil, há ainda todo um rol amplo e diverso de espécies de detritos que se encontram em órbita. Desde a luva de Ed White (1930-1967), primeiro astronauta americano a andar no espaço, (MONSERRAT FILHO, 2007) até uma simples lasca de tinta da pintura de um satélite, há um espaço de possibilidades de detritos artificiais que excedem ao próprio escopo da imaginação humana.

Por certo, muitos leigos na matéria referida jamais atribuiriam algum tipo de importância à vulnerabilidade de tais detritos, enfaticamente os mencionados no último parágrafo, em meio às órbitas da Terra. A questão é que na distância em que se encontram, mesmo as microscópicas partículas representam risco grave e real à segura navegação dos satélites, uma vez atingindo os 28.000km por hora. Com esta velocidade, partículas de tamanho igual ou similar ao de um grão de areia ou sal, em órbita, podem vir a fazer estragos econômica e cientificamente irrecuperáveis contra objetos espaciais em atividade e vida útil, tais como satélites e bases espaciais, tão essenciais à humanidade.

Há hoje mais de 20 mil detritos espaciais cujo tamanho ultrapassa os 10 centímetros. Há ainda um número incerto que excede os 750 mil detritos menores de 10 centímetros e maiores de um centímetro. Isto se diz sem se levar em consideração detritos microscópicos impassíveis de qualquer controle. Todos orbitando nosso planeta a velocidades altíssimas e sujeitos a novas colisões, incorrendo em sucessivas desintegrações em detritos ainda menores ou aglutinações em nuvens de sujeira.

O risco de reentrada na atmosfera dos objetos que compõe o lixo espacial é real e sua incidência é recorrente. Por ano, segundo dados da Agência Espacial Europeia, cerca de 40 objetos são registrados caindo na Terra. A maior parte dos detritos é incinerada assim que adentra a atmosfera, só restando os mais resistentes ao calor para a chegada ao solo. Nunca houve registro de feridos com estas quedas, dado o baixíssimo risco. Porém, cabe destacar, é possível a liberação de compostos químicos como a hidrazina, largamente utilizada como propelente de satélites e altamente tóxica. Ainda assim, a reentrada é, de modo geral, considerada um evento não especialmente perigoso e de efeitos, de toda forma, brandos, não constituindo em si sequer uma fração da gravidade atribuída aos problemas possíveis decorrentes da acumulação de lixo espacial ainda em órbita, que, como se sabe, dizem respeito principalmente ao risco de colisões com satélites, naves e bases espaciais ativas e ao bloqueio de novas emissões, o que pode vir a gerar uma crise espacial e um consequente blecaute das redes de comunicações em todo o planeta.


IV – Breve estudo da Síndrome de Kessler

Como tratado em tópico anterior, milhares de detritos espaciais de distintos tamanhos, desde peças de ferramentas e vestuários de cosmonautas até estágios de foguetes e satélites inativos, orbitam a Terra a uma velocidade próxima dos 30 mil quilômetros por hora, em constante ameaça de colisão, tanto entre si quanto com objetos espaciais ativos e operadores astronáuticos. Sob este cenário de constante acumulação de lixo artificial na zona orbital, em 1978, o astrofísico Donald J. Kessler, juntamente com Burton Com-Palais, trouxe à luz sua teoria em brilhantíssimo artigo intitulado Collision Frequency of Artificial Satellites: The Creation of a Debris Belt, que pela primeira vez esboça a hipótese de incidência de cadeia de colisões de detritos.

A segment of the Japanese animated TV series Planetes, 2 set in the year 2075, is an example of a popular definition of the Kessler Syndrome that includes both factual and exaggerated components. While an episode appropriately defines the Kessler Syndrome as the cascading of fragments from collisions breaking up other intact objects at an increasing rate, it goes on to say that, once initiated, “…. billions of other pieces [would be generated] in a very short time [and] the Earth would be surrounded by debris …. completely cut off from space.” In general, collisional cascading is a slow process, but very much depends on the population density and size of the objects in orbit. Current population densities would require decades to produce a significant change in the small debris environment, and much longer to approach a condition where the Earth might be “completely cut off from space”. However, it is conceivable that some ill-planned rapid expansion in the use of low Earth orbit could produce a much more rapid increase in small debris as a result of collisional cascading. (KESSLER; JOHNSON; LIOU; MATNEY, 2010)

O conceito técnico das ciências espaciais que atende por collisional cascading é ponto central a ser examinado para a correta compreensão da Síndrome de Kessler, de importância fundamental para o presente estudo. Suas origens, contudo, não dizem respeito ao exame do lixo espacial, mas às origens do próprio sistema solar, havendo um diálogo analítico com a problemática contemporânea. Senão, vejamos:

The concept can be traced to studies of the origin of the solar system, ring formation around planets, and the origin of meteoroids and meteorites from asteroids. Fundamental orbital mechanics predict (with rare exceptions) that any two orbiting objects that pass through the same distance from the objects that they are orbiting about represent an unstable condition. The condition is unstable because the two objects will eventually collide and break up into a number of smaller fragments, creating an even larger number of objects sharing the same distance, and therefore increase the collision rate. The number and size of the smaller fragments depend on the collision velocity, which mostly depends on the orbital inclinations of the objects…a higher inclination will result in a higher collision velocity and consequently the more numerous smaller objects would more frequently break up larger objects. (KESSLER; JOHNSON; LIOU; MATNEY, 2010)

Em linhas gerais, este efeito de cascateamento, dentro do contexto dos detritos artificiais no espaço exterior, se trata do resultado das colisões constantes de objetos, que configura um quadro de cadeia, onde se formam nuvens de lixo a cada colisão, quando detritos provenientes dos choques seguem em órbita, provocando novas colisões, perpetuando o efeito cascata (KESSLER; COUU-PALAIS, 1978). O resultado prático e perceptível deste efeito, academicamente batizado como Síndrome de Kessler, é a formação constante de nuvens de sujeira, algumas das quais unidas, outras desintegradas, porém todas à deriva.

Desta forma, resta-se concluso que, pela teoria kessleriana, amplamente aceita na Academia, o lixo espacial, tal qual se encontra, ainda que sem acréscimos artificiais a partir de novas expedições, só tende a se multiplicar, em uma caminhada em direção ao infinito catastrófico da obstrução completa das atividades espaciais. O movimento e a velocidade em órbita provocam choques, que multiplicam os fragmentos dos objetos inúteis e inativos, criando nuvens de lixo que novamente se colidem e desintegram, constituindo uma verdadeira montanha de sujeira orbital.


V – Das consequências do lixo espacial na Terra

Se a reentrada de objetos na atmosfera constitui um fenômeno de pouca ameaça, onde os já minoritários detritos invasores são incinerados em sua maioria, sem atingir o solo, a presença de tais objetos nas órbitas é um perigo de dimensões muito maiores para a humanidade.

A princípio, a maior preocupação é direcionada ao risco altíssimo de colisões entre detritos e objetos ativos e seres humanos em operações cosmonáuticas. Mas se há também de questionar a possibilidade de uma obstrução total da passagem de novos objetos expedidos a partir da Terra, constituindo grave ameaça à hoje tão vital exploração humana do espaço cósmico.

Os riscos de um blecaute mundial, com cessão temporária ou definitiva das redes de telecomunicações, internet, monitoramento, sensoriamento, meteorologia e todos os demais benefícios dependentes do espaço são gradativamente mais materiais. As possibilidades de controle desta ameaça crescente não vêm recebendo a devida investigação e ações enérgicas no sentido de se controlar ou remover os detritos artificiais no espaço são adiadas a um futuro indeterminado, quando, dadas as circunstâncias, sequer se pode prever a continuidade das atividades espaciais.

Não obstante, o resultado final do próprio efeito cascata previsto por Donald J Kessler é a completa inutilização do espaço cósmico para a humanidade, que, sem disposições imediatas em sentido contrário a este futuro catastrófico, poderá adentrar a um medievo redivivo em questão de tecnologia de comunicação.

Cabe frisar ainda que os impactos da acumulação lixo orbital não se restringem à poluição e à contaminação do espaço exterior ou ao comprometimento dos serviços dependentes da exploração do ambiente exterior, mas se dilatam também para o campo da ciência observacional da astronomia. Em The effect of spacecraft and space debries on astronomical observation (D. MacNally; R.H Rast, 1999), publicação constante do volume Advances in Space Research (1999), dois pesquisadores da Universidade do Observatório de Londres fazem importantes e inovadoras anotações no que se refere aos impactos dos detritos espaciais na prática astronômica observacional. Segundo o conteúdo científico do trabalho desenvolvido, há um reflexo da luz solar provocado pelos detritos e registrado nos detectores astronômicos, comprometendo, degradando ou por vezes impedindo a observação em sua plenitude.

Não restam dúvidas, portanto, quanto ao débito completo deixado pelo lixo espacial, seja para a preservação do espaço exterior e dos serviços técnicos dele dependentes, seja para o nosso próprio planeta e para todo o conhecimento científico construído pela Academia internacional em séculos de observação.


VI – Dos mecanismos jurídicos e técnico-científicos para uma limpeza do Espaço

Em 1993, sob um temor mundial quanto ao lixo espacial similar àquele deixado pelo sobrevoo do Sputnik em 1957, surgiu o Comitê Interagência de Coordenação dos Dejetos Espaciais (Inter-Agency Space Debris Coordination Committee – IADC). Tendo como membros as principais agências espaciais do planeta, nas palavras de José Mosnerrat Filho:

(...) os objetivos imediatos do IADC eram e continuam sendo: fomentar entre seus membros o intercâmbio de informações sobre dejetos espaciais, examinar projetos de ação cooperativa, abrir caminho a novas oportunidades de pesquisa e identificar alternativas para minorar o problema (MONSERRAT FILHO, 2007).

Pode-se considerar este o primeiro grande esforço da sociedade internacional e dos organismos competentes no sentido de se buscar uma solução para o problema do lixo acumulado em órbita. No ano seguinte, o assunto chegou à discussão do Subcomitê Técnico-Científico do COPUOS, sendo mais bem esmiuçado ainda no mesmo ano, em ocasião da 66a Conferência da Associação de Direito Internacional (ILA, na sigla em inglês), em Buenos Aires, que instituiu o Instrumento Internacional sobre a Proteção do meio Ambiente dos Danos Causados por Dejetos Espaciais, que, sob a presidência de Karl-Heinz Böckstiegel, abordou a questão de forma consideravelmente detalhada, com contribuições inestimáveis principalmente em termos de linguagem, com a definição de vocábulos como “contaminação” e “poluição” (sinônimos), encerrando um acirrado debate marcado por confusões interpretativas (MONSERRAT FILHO, 2007). 

Cabe destacar a definição de dano estabelecida pelo Instrumento. Leia-se:

(Dano é) a perda de vidas humanas, as lesões corporais e outros prejuízos à saúde, assim como a perda de bens ou os prejuízos causados a bens do Estado ou de pessoas físicas ou jurídicas, ou a bens de organizações internacionais intergovernamentais, ou a qualquer modificação desfavorável do meio ambiente em áreas situadas dentro ou fora da jurisdição ou controle nacional.

 Neste sentido, como destaca José Monserrat Filho, há o acréscimo do meio ambiente ao rol contido na definição de dano, incorrendo em uma ampliação daquela constante na Convenção sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais, Artigo 1o, 1972, onde não há inclusão do mesmo.

A responsabilidade internacional pelos danos causados pelos objetos lançados ao espaço ultraterrestre por parte do Estado Lançador é, frise-se, ponto chave para se compreender os mecanismos jurídicos dispostos para qualquer problemática jurídica ou política no âmbito espacial, não sendo diferente no que concerne ao lixo orbital. É também neste ponto que cabe análise comparativa com o Princípio do Poluidor-Pagador, anteriormente citado e internacionalmente consagrado no âmbito do direito ambiental. Em teoria, o Estado Lançador segue a possuir responsabilidade sobre os objetos lançados ao espaço quando estes se encontram desativados em órbita e propensos a causar danos aos demais Estados. A questão fundamental a ser debatida é a inviabilidade prática para a responsabilização do Estado-Lançador decorrente da acumulação constante de detritos e do efeito cascata, onde as contínuas colisões e a multiplicação de dejetos tornam ainda mais complexa a tarefa dos agentes internacionais competentes.

É neste ponto que se cabe falar em cooperação internacional, outra grande conquista para a criação de um direito espacial ambiental advinda do Instrumento, Artigo 3o, onde é estabelecida a “obrigação geral de cooperar”. Sem dúvidas, é um marco importantíssimo no que se refere ao reconhecimento da cooperação internacional como único meio para se investigar e praticar ações no sentido de solucionar a problemática do lixo espacial. Quando mais tarde, em 2007, o COPUOS aprova as “Diretrizes para a Redução dos Dejetos Espaciais”, talvez o mais promissor e vital documento – ainda que incompleto – sobre a matéria já lançado, esta necessidade de cooperação internacional, anteriormente prevista pelo pioneiríssimo Instrumento, se mostra ainda mais claramente necessária, conforme lê-se:

  • Limitar os dejetos espaciais liberados durante o funcionamento normal dos sistemas espaciais.
  • Minimizar os riscos de desintegração durante as fases operacionais.
  • Limitar os riscos de colisão acidental em órbita.
  • Evitar a destruição intencional e outras atividades danosas.
  • Minimizar os riscos de desintegrações provocadas ao final das missões pela energia armazenada.
  • Limitar a presença prolongada de naves espaciais e fases orbitais de veículos de lançamento na região da órbita terrestre baixa (Low Earth Orbit – LEO), no final da missão.
  • Limitar a interferência prolongada de naves espaciais e estágios orbitais dos veículos de lançamento na região da órbita terrestre geosincrônica (GEO), no final da missão.

Com a simples leitura das Diretrizes estabelecidas, percebe-se a necessidade de cooperação internacional rígida e voluntária para a minoração do problema dos dejetos espaciais inativos e inutilizáveis constantes em órbita. Isto se resta ainda mais evidente com o bloqueio do prosseguimento da discussão do tema dos detritos no COPUOS em 2012, que se subseguiu ao advento das Diretrizes.

As razões pelas quais algumas nações permanecem irredutíveis na inércia quanto ao problema crescente do acúmulo de lixo nas órbitas da Terra são diversas. E algumas delas requerem espacial atenção. A Índia, por exemplo, se mantém fechada ao diálogo. E isto se deve principalmente a não planejar qualquer tipo de ação que possa vir a reduzir, frear ou retardar seus ambiciosos planos de concorrência na corrida espacial do Século XXI. Em geral, países em desenvolvimento com projetos de recuperação em tempo reduzido de um débito tecnológico de muitos anos tendem a suprimir determinadas pautas cuja urgência lhes parece secundária. Por outro lado, esta crítica quando direcionada aos países desenvolvidos se mostra pertinente, uma vez que os mesmos não poupam esforços no sentido de militarizar o espaço exterior e lançar projetos ambiciosos de extração de recursos, principalmente sob a frente de empresas privadas, de todo olvidadas do interesse público global.

Se de um lado países em desenvolvimento enxergam as pautas ambientais sobre o espaço exterior como uma tática internacional proposta por países desenvolvidos para obstaculizar e impor represálias internacionais para seus planos de desenvolvimento nacional com recursos provenientes do espaço cósmico, por outro, países desenvolvidos investem em programas de militarização e desenvolvimento de armas espaciais, ademais de uma série de projetos de mineração de asteroides e corpos celestes de responsabilidade ambiental duvidosa.

Recentemente, o Presidente estadunidense Donald Trump anunciou a criação da Força Espacial, o mais novo braço das Forças Armadas dos Estados Unidos da América. Os investimentos americanos em Guerra Espacial são os maiores do mundo, e, pode-se dizer, enfaticamente ofensivos, ao passo que China e Rússia, países subsequentes nesta corrida, possuem programas voltados principalmente para a defesa.

Nisto, o antigo fantasma da guerra espacial, que tanto assombrou os povos de todo o globo ao longo do período da Guerra Fria, volta a ser tema de debates e preocupações no âmbito jurídico-político. Ao passo em que faltam mecanismos jurídicos humanitários para se regular, fiscalizar e praticar normativas internacionais num cenário de guerra com larga utilização de armas espaciais, são ainda mais escassos os recursos necessários para calcular, prevenir e eventualmente reverter o quadro ambiental catastrófico decorrente do uso destas mesmas armas, seja na Terra ou no espaço exterior.

O conhecido teste de míssil antissatélite chinês de 2007, quando fora abatido o satélite meteorológico FY-1C, já desativado, a uma altura de aproximadamente 850 km de altura, possui um legado destrutivo para o ambiente espacial perceptível até os dias de hoje, quando seus incontáveis detritos seguem em órbita – e permanecerão por muito tempo vindouro -, ademais da péssima escolha de se realizar tal teste num zona orbital relativamente baixa e de intensa circulação de satélites ativos, que ficarão por tempo indeterminado à deriva para eventuais coalisões com os detritos gerados (MONSERRAT FILHO, 2007).

Se tomarmos em conta esta realidade e a elevarmos a uma esfera macrocósmica, onde a guerra na Terra requererá a ampliação máxima da utilização de mísseis antissatélites com fins estratégicos – e simultaneamente irresponsáveis -, concluímos o esboço de um cenário apocalíptico, onde as atividades espaciais se intensificarão e extinguirão perpetuamente em um curtíssimo espaço de tempo em decorrência da acumulação de detritos.

É concluso, portanto, que o antigo debate da guerra espacial não pode ser ignorado no presente momento, onde a questão de maior preocupação referente ao espaço cósmico adquire teor ambiental, senão que deve haver um diálogo interdisciplinar em direção à apresentação de uma solução conjunta para um problema igualmente interdisciplinar. Deve haver uma sinergia de esforços entre todos os ramos das ciências, sob pena de extinção das atividades espaciais.

É neste sentido que, por outro lado, não faltam propostas por parte de cientistas renomados em todo o mundo empenhados em projetos complexos de pesquisas acadêmicas para a minoração da questão ambiental espacial. Há um projeto da Agência Espacial Europeia para a utilização de uma espécie de braço robótico ou rede para o recolhimento de detritos em circulação. Há ainda estudos sendo desenvolvidos para atrair detritos para dentro da atmosfera, com objetivo de fazê-los incinerar e extinguir. Outro recurso a ser estudado e desenvolvido é o afastamento de detritos para órbitas mais altas – as chamadas “órbitas-cemitério” -, fora da zona de ocupação e circulação da constelação de satélites, onde os mesmos não causariam danos aos objetos ativos ou cosmonautas em operação. 

Todas estas atividades dependem de um grande esforço multilateral e interdisciplinar. Não é possível a uma nação isoladamente diminuir a produção de lixo espacial, bem como não é possível que um único país ou agência espacial desenvolva com seus próprios recursos toda a logística necessária para o êxito de qualquer dos projetos acima elencados. Neste sentido, retornamos à conclusão anteriormente apontada acerca da necessidade de cooperação internacional, que deve ser desenvolvida, sobretudo, dentro do escopo das Nações Unidas, uma vez sendo esta a única organização hoje competente para lidar com uma problemática de tais dimensões, utilizando, inclusive, se necessário, de seus recursos coercitivos, expandindo os limites do direito espacial para além do horizonte da soft law.

Aprofundando este tema, podemos citar as seguintes anotações conclusivas da pesquisadora Tatiana Ribeiro Viana, em artigo intitulado Transição do Direito Espacial da Rules of Law à Soft Law, publicado pela Revista Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial:

Podemos considerar, em princípio, que a utilização dos mecanismos de Soft Law se constitui em instrumento útil, em alguns casos, necessário, a fim de regulamentar setores das atividades espaciais, mas ao mesmo tempo insuficientes. Os instrumentos de Soft Law podem ser úteis, em efeito, devido à sua elasticidade com que consentem de criar um nível de consenso aceitável entre os operadores do direito e os operadores tecnológicos, ao enfrentarem os constantes desafios que se apresentam no campo espacial.

(...)Ao mesmo tempo, considere-se porem, que os mecanismos de Soft Law não possam ser o único método utilizado para resolver problemas jurídicos e tecnológicos na condução das atividades espaciais, sobretudo questões altamente estratégicas como as da militarização e da corrida armamentista do espaço, do Space Traffic Management-STM, da exploração comercial dos recursos da lua, dos asteroides e de outros corpos celeste, que deverão ser regulamentados através de tratados internacionais e com a participação de toda a comunidade. Mecanismos tradicionais e novos deverão conviver de forma racional a fim de garantir o bem comum e o uso pacífico das atividades espaciais. (VIANA, 2016)

Ainda é possível, neste campo, recorrer ao maior nome brasileiro em matéria de direito espacial, Professor José Monserrat Filho, que, juntamente com Álvaro Fabrício dos Santos, em artigo intitulado Is there a future for space law beyond “soft law”? trata também do tema da soft law no âmbito jurídico espacial internacional, assinalando acerca do tema central do presente estudo:

The phenomena we are trying to examine here is the current prevalence of “soft law” in international space law and the possibility of changing this situation, in view of the necessity to face decisive issues for the future of space activities. Actually, we have, today and tomorrow, some challenging legal issues to face in the space activities scenario:

(…)

2) The safety of space activities, which includes the rapid growth of space debris numbers. This also is a big question of long-term sustainability of space activities. To Gérard Brachet, it “needs to be addressed by all nations interested in the future utilization of outer space”. Space Debris Mitigation Guidelines of UN Committee on the Peaceful Uses of Outer Space (COPUOS) as stated in United Nations General Assembly Resolution 62/217 is a positive initiative and must be discussed and developed by the Legal Subcommittee of COPUOS. It must be enhanced and strengthened at the inter-national level in order to expressly include a clear obligation to remove defunct satellites and a right to salvage.

Is "soft law" the suitable legal way to fasten the required commitment to give a real solution for such complex cases? One of the strongest arguments to face these questions is, in the wise words of Manfred Lachs, that “in today's world, the preventive function of the law is more vital than ever before”. (MONSERRAT FILHO; SANTOS, 2010)

Assim, dá-se por consolidada a defesa da tese de mecanismos jurídicos internacionais mais rígidos e efetivos no que concerne à eficácia da tomada de medidas em cooperação internacional para a melhoria das condições ambientais do espaço exterior, uma vez que tal questão assume natureza estratégica universal, servindo aos interesses comuns de todos os povos em perpetuar a exploração humana das zonas extra-atmosféricas e garantir o gozo dos benefícios dela decorrentes.


Considerações finais

Dado todo o exposto, resta concluir que o lixo espacial constitui hoje tema de importância central nos debates acerca da exploração humana do espaço cósmico e de seus respectivos desafios jurídicos e políticos.

Conclui-se que as órbitas da Terra, que hoje se encontram sob um cenário de colisões de detritos e acúmulo gradativo e constante de lixo pelo efeito cascata da Síndrome de Kessler, vêm se tornando um ambiente cada vez mais instável e até mesmo hostil para satélites ativos, cosmonautas em operação e para a Estação Espacial Internacional, a habitação humana universal do espaço sideral.

Tem-se por conta, igualmente, que o Direito Espacial e o Direito Ambiental são hoje ramos que requerem entre si um diálogo cada vez maior no sentido de constituir uma nova ciência jurídica internacional pública, adaptada para lidar com as demandas de uma nova era, onde a atmosfera da Terra não é mais o limite para as ambições benignas e malignas da humanidade.

Foi possível verificar que os Tratados Espaciais e todos os documentos normativos sobre a matéria espacial já existentes são hoje simultânea e contraditoriamente insuficientes e lançadores das bases necessárias para uma elevação de seus limites para além daqueles pré-existentes. Tome-se por conta, primeiramente, a importância máxima do pioneiro, e até hoje inalcançável em quesito de importância, Tratado do Espaço, que fornece em seus princípios implícitos totalidade ou grande parcela dos materiais requeridos para a regulação de todas as atividades humanas no espaço cósmico, inclusive aquelas de teor ambiental.

É também conclusão deste estudo que o conceito de Estado-Lançador, peça fundamental e central no Direito Espacial, encontra um equivalente ambiental no Princípio do Lançador-Pagador, havendo, portanto, a necessidade de um maior desenvolvimento jurídico de ambos os conceitos, que os torne capazes de lidar com a nova realidade ambiental e espacial, que em muito difere daquela dos tempos da Convenção sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais, de 1972.

Conclui-se, por fim, que os esforços jurídicos e políticos para uma melhoria do estado crítico e semi-catastrófico das atividades espaciais, constantemente ameaçadas pelos restos deixados pelo próprio homem em seu exercício irresponsável, são as vias mais completas e eficazes para se viabilizar a implementação de mecanismos técnico-científicos para uma solução prática desta questão.

Neste esforço, somente a Organização das Nações Unidas possui força suficiente para viabilizar medidas jurídicas, políticas e científicas que tornem possível a limpeza do espaço cósmico e a desobstrução da zona de circulação da constelação artificial em plena atividade. Somente a ONU pode, no presente momento crítico, elaborar um novo Tratado Internacional ou diploma análogo voltado em particularidade para a questão do lixo espacial e da preservação do meio ambiente sideral.

É necessário ainda destacar que as antigas preocupações dos juristas para com a utilização indevida da tecnologia espacial, desviada para fins bélicos, ainda é questão central para o Direito Espacial, não sendo em nenhuma hipótese diminuída em razão das recentes e crescentes preocupações com a preservação do meio ambiente sideral, senão que verdadeiramente aumentada, uma vez que um cenário de guerra seria fatal para o espaço exterior e toda a constelação de satélites erguida pela humanidade.

Nestes termos, dá-se por concluso este artigo, que visa, acima de tudo, ser um primeiro passo rumo à construção de um estudo multidisciplinar com vistas à solução ou minoração da problemática do lixo espacial, tema tão subestimado nos dias de hoje e que diz respeito ao futuro de uma considerável parcela dos maiores progressos já alcançados pela humanidade.


Referências

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VALLADÃO, Haroldo. Direito Interplanetário e Direito Inter Gentes Planetárias Termo in: Paz, Direito, Técnica.  RT. São Paulo, RT, V.274,1958.

VIANA, T.R. Transição do Direito Espacial da Rules of Law à Soft Law. Revista Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial. Rio de Janeiro. N. 97. *, pags. 1-5. Setembro de 2016.   



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Lucas Leiroz de. Direito ambiental espacial: o diálogo jurídico internacional do século XXI. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5601, 1 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69444. Acesso em: 24 abr. 2024.