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Entendimento do STJ sobre a exclusão do imposto sobre serviços da base de cálculo do PIS e da COFINS: inconsistência jurídica

Entendimento do STJ sobre a exclusão do imposto sobre serviços da base de cálculo do PIS e da COFINS: inconsistência jurídica

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Análise da decisão no recurso especial n. 1144469 /2016, prolatada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Ao contrário do que o Superior Tribunal de Justiça - STJ declara em suas decisões, o ordenamento jurídico constitucional brasileiro veda a incidência de tributo sobre tributo. O STJ tem decidido pela legalidade da inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da COFINS, sustentando um entendimento que foge às regras de hermenêutica jurídica e das regras constitucionais e infraconstitucionais sobre o princípio da legalidade.

A impossibilidade da inclusão de tributos na base de cálculo de outros tributos implica na indispensável previsão em lei complementar conforme determina a constituição federal para os casos de tributos estaduais e municipais.

Análise das Decisões do Superior Tribunal de Justiça (como no REsp 1144469 /2009 PR)

Apesar do principal argumento reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal referente à inadmissibilidade da inclusão dos impostos na base de cálculo do PIS e da COFINS, ser o fato de que os valores dos impostos não são receitas dos contribuintes, a defesa da exclusão do ISS tem outras características por ter estrutura distinta do ICMS.

Mas se o ICMS que é um imposto plurifásico e foi julgado pela sua exclusão da base de cálculo das mencionadas contribuições sociais, quanto mais terá razão a defesa da exclusão do ISS que é um imposto monofásico. Além deste argumento, a Fazenda contesta a exclusão alegando que a Constituição Federal apensa prevê a exclusão em uma hipótese no art. 15, II e § 2º, XI e que, portanto, por exclusão, nas demais operações a incidência de tributo sobre tributo seria autorizada.

Da análise das decisões do STJ, depreende-se que a sua postura, a favor da inclusão do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS, na base de cálculo do PIS e da COFINS, baseia-se em interpretação que despreza o princípio da estrita legalidade da administração pública, princípio este que também deve ser observado em matéria tributária por ser ramo de direito público e do próprio direito administrativo.

Mas, ao contrário do que consta nas decisões do STJ, sobre a inclusão do IS na base de cálculo das contribuições PIS e COFINS, o sistema jurídico brasileiro proíbe a incidência de tributo sobre tributo tendo como única exceção,  o ICMS.

O ICMS integra a sua própria base de cálculo

No Decreto-Lei 406/1968, está expressa a incidência do imposto sobre o próprio montante. Isto porque o ICMS é imposto plurifásico, pois incide desde a fase da entrada dos insumos, ou seja, na produção, até o produto final.

 O ICMS não se iguala a nenhum outro tributo, sendo esta a razão da inclusão do seu montante da própria base de cálculo.

A estrutura das contribuições PIS / COFINS não dão motivação alguma à sobreposição de incidências como ocorre com o ICMS. Por este motivo a Constituição Federal aderiu ao conceito de receita bruta correspondente ao faturamento da empresa.

Art 2º A base de cálculo do imposto é:

………………………………………………………………………..

§ 7º O montante do imposto de circulação de mercadorias integra a base de cálculo a que se refere este artigo, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle.

E isto ocorre porque o ICMS é um tributo atípico, pois incide desde a fase da entrada dos insumos, ou seja, na produção, até o produto final.

Não se iguala a nenhum outro tributo, sendo esta a razão da inclusão do seu montante da própria base de cálculo.

Mas o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o art. 155, II e § 2º, XI, da Constituição Federal, autoriza a incidência de tributo sobre tributo, porque fala da impossibilidade do IPI ser incluso na base de cálculo do ICMS em determinada circunstância e entendeu que nos demais casos a incidência de tributo sobre tributo estaria autorizado. Este tipo de interpretação da norma tributária é inadmissível tendo em vista a necessidade de existir previsão legal para que tributos possam fazer parte da base de cálculo de outros tributos.

A interpretação correta do art. art. 155, II e § 2º, XI da Constituição Federal é que se trata de norma específica aplicável apenas ao ICMS que possui estrutura e dinâmica totalmente diferente de outros impostos, por ser um imposto plurifásico. Sendo assim, passa-se à análise e interpretação correta desse dispositivo constitucional.

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

.....................................................................................

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

.......................................................................................

XI - não compreenderá, em sua base de cálculo, o montante do imposto sobre produtos industrializados, quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos dois impostos;

Vale dizer, que quando o produto X, for destinado à industrialização para integrar produto final  Y, ou,  quando o produto X for destinado  à sua comercialização e, estas operações específicas forem fato gerador do IPI e do ICMS, este não poderá ter em sua base de cálculo o IPI, permanecerá apenas o ICMS.

A INTERPRETAÇÃO DO STJ É CONTRÁRIA ÀS REGRAS DE HERMENEUTICA

Portanto, é sem inconsistente, a interpretação do Superior Tribunal de Justiça que entendeu ser a única hipótese de não incidência de tributo sobre tributo, prevista na Constituição Federal, seria a do inciso XI, do § 2º, do art. 155, um dos argumentos para julgar constitucional a inclusão dos impostos na base de Cálculo do PIS e da COFINS, no REsp 1144469 /2009 PR.

Essa interpretação do STJ é totalmente contrária ao princípio geral do direito administrativo e do direito tributário referente à legalidade, em que o administrador público está subordinado à previsão legal para agir e que a tributação só pode ser realizada por lei sendo, que a base de cálculo, a alíquota e o fato gerador são previstos por Lei Complementar, especialmente no caso dos tributos estaduais e municipais para evitar a adoção de critérios diversos entre os entes tributantes sobre um mesmo tributo.

A incidência de tributo sobre tributo só está prevista para o caso do ICMS e em lei complementar. O Decreto 406/1968, com força de lei complementar, recepcionado pela Constituição Federal de 1968, determinou que a base de cálculo integraria o próprio imposto. A Lei Kandir que dispõe sobre normas do ICMS com alcance nacional, apenas seguiu a determinação há existente desde 1968.

O direito tributário é ramo do direito administrativo e o agente fiscal , a Fazenda Pública deve sujeitar-se aos seus princípios e regras. O art. 37 caput da Constituição Federal consagra dentre outros princípios o da legalidade.

O doutrinador Diogenes Gasparini define:

O princípio da legalidade significa estar a Administração Pública, em toda a sua atividade, presa aos mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe-se a anulação. Seu campo de ação, como se vê, é bem menor que o do particular.

A tributação, na legislação brasileira, possui limitação legal para evitar a arrecadação excessiva pelo Estado. Não há como o poder executivo instituir tributos sem previsão legal, assim como a majoração do tributo é vedada, sem determinação legal anterior salvo nos casos dos impostos extrafiscais para que o executivo possa promover ajustes quando há desequilíbrio econômico.

O princípio da legalidade tributária está disposto no art. 97 do Código Tributário Nacional : 

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

        I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;

        II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

        III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

        IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

        V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

        VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

O princípio da legalidade tributária também está consagrado na Constituição Federal.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

.....................................................................................

 IV - utilizar tributo com efeito de confisco;

NÃO HÁ NA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA QUALQUER DISPOSITIVO LEGAL SOBRE A INCIDÊNCIA DE TRIBUTO SOBRE TRIBUTO SALVO O CÁLCULO POR DENTRO DO ICMS PREVISTO NO DECRETO 406/1968 RECEPCIONADO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

A esse passo, a interpretação do STJ sobre o art. 155, II, § 2º, XI é inconsistente porque o art. 155 trata apenas do ICMS, e da não incidência do ICMS sobre IPI em caso específico, quando a operação com um produto destinado à industrialização e à comercialização for fato gerador dos dois impostos.

Este dispositivo não provém de norma geral e sim de norma específica sobre ICMS e em determinada operação e circunstância.

Ademais a incidência de tributo sobre tributo representa a majoração de tributo que só poderia ser aplicada se prevista expressamente por lei, assim como o cálculo por dentro do ICMS.

Logo, conclui-se que a incidência de tributo sobre tributo não pode prevalecer quando decorrente de uma interpretação implícita como a que originou o entendimento do STJ, o que é vedado em razão do princípio da legalidade.

Não há previsão legal sobre a inclusão de tributos na base de cálculos de outros tributos ou do próprio tributo, salvo no caso do ICMS, o que só poderia prevalecer se previsto por lei complementar.

Ademais a incidência de tributo sobre tributo põe por terra a própria natureza jurídica do tributo que só pode incidir sobre entradas, acréscimos e preço das operações com serviços e mercadorias.

De fato,  a decisão final sobre a exclusão do Imposto sobre Serviços das bases de cálculo das contribuições PIS e COFINS ficará para o Supremo Tribunal Federal que  já consagrou em decisão com repercussão geral que o imposto não é receita do contribuinte e sim do Estado. Por este motivo, tanto o ICMS como o ISS não integram o conceito de receita bruta.

A receita subentende a incorporação do valor ao patrimônio do contribuinte, o que não ocorre nos caso dos tributos, que apenas circulam temporariamente no fluxo de caixa. Isto ocorre, em especial com o ICMS que possui registro em razonete específico da contabilidade das empresas, tendo em vista o regime de compensação das entradas e saídas de bens, em razão do princípio da não – cumulatividade.

Assim, se esta circulação do valor do ICMS foi identificada como não incorporação ao patrimônio do contribuinte, muito menos seria receita, o ISS, que não apresenta um sistema de compensação em contra gráfica na contabilidade da empresa.

Pela coerência, legalidade e segurança jurídica esperadas dos julgamentos o Supremo Tribunal Federal deverá manter a sua posição quanto ao conceito de receita ou faturamento, também para o caso do Imposto sobre Serviços.



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