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Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

Análise do Decreto nº 3.106/94

Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Análise do Decreto nº 3.106/94

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O Decreto nº 1.306, de 9 de novembro de 1994, regulamenta o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, criado pelo artigo 13 da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347 de 24 de julho de 1985).

A Lei da Ação Civil Pública trata das ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados a interesses difusos e coletivos, tendo, a referida ação, por objeto, a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Reza o art. 13 da mesma lei que, "havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados."

Tal fundo é o denominado Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), regulado pelo Decreto ora analisado e dotado de abrangência federal. Os Conselhos Estaduais mencionados no artigo 13 da Lei de Ação Civil Pública são competentes para a gestão de fundos locais de proteção ao consumidor. O FDD tem natureza contábil e é vinculado ao Ministério da Justiça. A indenização proveniente da condenação é depositada no Fundo e, posteriormente, repassada ao órgão responsável para a reconstituição dos bens lesados, como exposto no artigo 1º do Decreto: "

Art. 1º O Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), criado pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos".

A finalidade do FDD tem o mesmo conteúdo do artigo 1º da Lei de Ação Civil Pública, que trata do objeto da ação, a saber: "Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, por infração da ordem econômica e à ordem urbanística." Como o inciso VI do referido artigo foi incluído apenas em 2001 pela Lei nº 10.257, não consta este da redação do artigo 1º do Decreto 1.306. Entretanto, este último deve ser interpretado por analogia, resultando que os danos à ordem urbanística também constituem uma das finalidades do FDD.

Os recursos que compõem o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos são oriundos das diversas ações de defesa de direitos difusos e coletivos, bem como de outras fontes extrajudiciais. O artigo 2º do Decreto 1.306 cita primeiramente os recursos advindos das condenações judiciais previstas na Lei de Ação Civil Pública (artigos 11 e 13). Estes são a cominação de multa diária quando não foi seguida a determinação do juiz para o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer e a direta condenação em dinheiro por indenização. Também compõe os recursos do FDD o produto das multas e indenizações provenientes da tutela jurisdicional de interesses dos portadores de deficiência, desde que não destinadas à reparação de danos a interesses individuais, nos moldes da Lei nº 7.853 de 1989. Também são fontes de recursos as condenações pecuniárias decorrentes de ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários, quando os investidores lesados não exercerem seu direito à habilitação no prazo de 2 anos. Neste caso, a quantia correspondente é recolhida como receita da União. As multas previstas na Lei nº 8.884 de 1994, referente ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), são também destinadas ao FDD por tratar tal lei dos interesses coletivos relacionados com a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica. Os recursos também podem proceder de fontes diversas da judicial, como dos rendimentos auferidos com a aplicação dos próprios recursos do Fundo, de outras receitas especificadamente a ele destinadas, bem como de doações de pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras.

Integrando ainda o rol de fontes de recursos do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos temos os valores destinados à União, assim dispostos no Código de Defesa do Consumidor (CDC). A primeira dessas receitas é a pena de multa apurada em procedimento administrativo contra o fornecedor infrator. Importante ressaltar que apenas reverterá ao Fundo aqui analisado as multas cabíveis à União, pois, nos demais casos, as mesmas caberão aos Fundos estaduais e municipais de proteção ao consumidor. Outro dispositivo consumeirista no qual se aplica a reversão ao FDD é o parágrafo único do artigo 100 do CDC. O produto da indenização determinada por sentença em ação coletiva para a defesa de interesses individuais homogêneos, quando não houver habilitação dos interessados em número compatível com a gravidade do dano em um ano, é revertido para o FDD. Tal destinação é, portanto, residual, sendo a indenização "utilizada para fins diversos do reparatório – que não puderam ser atingidos no caso -, mas com eles conexos, por intermédio da proteção aos bens e valores da coletividade lesada" (Grinover, 2004). Entretanto, quando a indenização for devida por lesões em interesses estaduais ou municipais, a mesma se destinará aos Fundos respectivos de proteção ao consumidor e não ao FDD.

Todas as receitas destinadas a este Fundo são depositadas em conta especial mantida no Banco do Brasil S.A., em Brasília, DF, denominada "Ministério da Justiça - CFDD – Fundo", devendo as receitas provenientes de condenações judiciais de multas administrativas ser identificadas segundo a natureza da infração ou do dano causado.

Os recursos financeiros arrecadados pelo FDD são distribuídos para a efetivação das medidas atinentes à atuação de seu Conselho Gestor, a seguir expostas, e aplicados na recuperação dos bens lesados. Devem ainda manter relação com a natureza da infração ou do dano causado. Sempre que não for possível a reparação específica do dano, os recursos devem ser destinados à promoção de eventos educativos ou científicos ou à edição de material informativo. Não sendo viáveis nenhuma das alternativas anteriores, devem as receitas ser aplicadas na modernização administrativa dos órgãos públicos vinculados às áreas abrangidas pelo Decreto.

De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, quando há condenação decorrente de ação civil pública e indenização pelos prejuízos individuais advindos do mesmo evento danoso, o crédito individual tem preferência sobre o crédito coletivo em seu pagamento. Caso o montante referente à condenação em ação civil pública já tenha sido depositado no FDD, tal importância deverá ter sustada a sua destinação enquanto existirem os recursos das ações individuais, salvo na hipótese de o patrimônio do devedor ser manifestamente suficiente para responder pela integralidade das dívidas.

Poderão receber recursos do Fundo de Defesa de Direitos Difusos as instituições governamentais da administração direta ou indireta, nas diferentes esferas de governo, federal, estadual e municipal, bem como as organizações não-governamentais, brasileiras, sem fins lucrativos, que tenham nos seus estatutos, objetivos relacionados à atuação no campo do meio ambiente, do consumidor, de bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico e por infração à ordem econômica.

Para que os órgãos legitimados possam receber verbas oriundas do Fundo, devem apresentar propostas, de julho a setembro do ano previsto para o início da execução, buscando, necessariamente, a recuperação de bens, a promoção de eventos educativos, científicos e a edição de material informativo. Tais projetos serão avaliados pelo Conselho Gestor do FDD e, se estiverem de acordo com os objetivos do mesmo, serão apoiados por meio da celebração de convênios com as instituições proponentes, na forma da legislação vigente.

O Decreto 1.306 cria também o Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (CFDD), responsável pela administração do mesmo. Trata-se de órgão colegiado integrante da estrutura organizacional do Ministério da Justiça, com sede em Brasília, regulamentado pela Lei nº 9.008, de 21 de março de 1995. É composto por um representante da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, que o preside, um representante do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, um representante do Ministério da Cultura, um representante do Ministério da Saúde vinculado à área de vigilância sanitária, um representante do Ministério da Fazenda, um representante do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, um representante do Ministério Público Federal e três representantes de entidades civis que estejam constituídas há pelo menos um ano, nos termos da lei civil e que incluam entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Assim, pode-se concluir que o referido Conselho deve ter membros de todas as áreas que envolvam interesses difusos ou coletivos para um melhor cumprimento de sua finalidade. Esta coincide com a finalidade do próprio Fundo. Por ser sua atividade considerada serviço público relevante, os integrantes do CFDD não recebem remuneração. Devem ser escolhidos pelo Ministro da Justiça, sendo os dos incisos I a V do artigo 3º do Decreto dentre os servidores dos respectivos Ministérios, indicados pelo seu titular; o do inciso VI dentre os servidores ou conselheiros, indicado pelo presidente da autarquia; o do inciso VII indicado pelo Procurador-Geral da República, dente os integrantes da carreira, e os do inciso VIII indicados pelas respectivas entidades devidamente inscritas perante o CFDD. Outrossim, os representantes serão designados pelo prazo de dois anos, admitida uma recondução, exceto quanto ao representante da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, que poderá ser reconduzido por mais de uma vez. A regulamentação do funcionamento do CFDD cabe ao Poder Executivo, de acordo com o artigo 4º da Lei 9.008. A Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça funciona como Secretaria-Executiva do Conselho.

As funções do Conselho Gestor vêm previstas no artigo 6º do Decreto analisado, bem como no artigo 3º da Lei 9.008. A função primordial do Conselho é zelar pela aplicação dos recursos em observância aos objetivos das leis que dizem respeito à ação civil pública, às pessoas portadoras de deficiência, à ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários, ao Código de Defesa do Consumidor e ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). As funções administrativas do Conselho dizem respeito à aprovação de convênios e contratos, firmados pela Secretaria-Executiva do Conselho; ao exame e aprovação de projetos de reconstituição de bens lesados, inclusive os de caráter científico e de pesquisa; à promoção, por meio de órgãos da administração pública e de entidades civis interessadas, de eventos educativos ou científicos; à edição, inclusive em colaboração com órgãos oficiais, de material informativo sobre as matérias de que trata o Decreto; à promoção de atividades e eventos que contribuam para a difusão da cultura, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à livre concorrência, ao patrimônio histórico, artístico, estético, turístico, paisagístico e a outros interesses difusos e coletivos; ao exame e aprovação dos projetos de modernização administrativa dos órgãos públicos responsáveis pela execução das políticas relativas às áreas abrangidas e à elaboração de seu regimento interno. Como exemplo do papel administrador do CFDD, podemos citar algumas resoluções do mesmo, como a que estabelece instruções para o recolhimento de recursos à conta do Fundo (Resolução nº 6 de 1999), a que indica os critérios para aplicação de seus recursos (Resolução nº 7 de 1999), ou a que aprova o Manual de Procedimentos e Diretrizes Técnicas para Apresentação e Análise de Projetos (Resolução nº 8 de 1999). Cabe mencionar ainda que a resolução nº 9 do CFDD de 2001 fixa percentuais mínimos de contrapartida da União e das entidades civis sem fins lucrativos, para projetos a serem apoiados com recursos do Fundo. Deste modo pode-se concluir que o Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos é órgão essencial à correta utilização de tal Fundo, devendo, por isso, ser informado sobre a propositura de toda ação civil pública, sobre a existência de depósito judicial, sua natureza, e sobre o trânsito em julgado da decisão.

Para finalizar a análise do Decreto nº 1.306 de 1994, mister se faz algumas considerações finais a respeito do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Ao disciplinarem as formas de defesa de tais direitos, as leis citadas ao longo deste trabalho tornam concretizáveis alguns dos princípios contidos no artigo 5º da Constituição Federal Brasileira de 1988, como por exemplo, o disposto no inciso V do referido artigo que assegura o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; bem como o disposto no inciso XXXII, a saber, "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor". No dizer do Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos (2005), "a criação do Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos [e, portanto, do próprio Fundo de Defesa dos Direitos Difusos,] garantiu a eficácia da ação civil pública, permitindo a efetiva recuperação de bens difusos e coletivos lesados, além de estabelecer poderoso mecanismo de indução e coordenação de uma política nacional de proteção dos direitos difusos e coletivos". Deste modo assegura o FDD a efetiva proteção ao consumidor, destinando o produto da arrecadação de multas administrativas contra o fornecedor que infringe normas consumeiristas ao Fundo aqui tratado. Portanto, estas verbas são revertidas justamente para a reconstituição de bens lesados, a constituição de eventos educativos ou científicos e a difusão da proteção ao consumidor.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Ministério da Justiça. Portaria nº 390, de 23 de março de 2005. Institui o selo comemorativo do vigésimo, décimo quinto e décimo aniversários de promulgação das Leis 7.347 de 24 de julho de 1985, 8.078 de 11 de setembro de 1990 e 9.008 de 21 de março de1995, respectivamente e constitui a Comissão Executiva encarregada de organizar o calendário de eventos comemorativos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 58, 28 de mar. de 2005. Secção 1, p. 20.

BENJAMIN, Antonio H. V.; DENARI, Zelmo; FILOMENO, José G. B.; FINK, Daniel Roberto; GRINOVER, Ada Pellegrini; JÚNIOR, Nelson Nery; WATANABE, Kazuo.Código Brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

BRASIL. Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

CONSELHO FEDEREAL GESTOR DO FUNDO DE DEFESA DE DIREITOS DIFUSOS. Brasília – DF, 2005. Disponível em: . Acesso em: 10 jun. 2005.

INSTITUTO BRASILEIRO DE POLÍTICA E DIREITO DO CONSUMIDOR. São Paulo - SP, 2005. Disponível em: <http://www.brasilcon.org.br>. Acesso em: 10 jun. 2005.

ABONG - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS. São Paulo – SP, 2005. Disponível em: http://www.abong.org.br/novosite/publicacoes/. Acesso em: 10 jun. 2005.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACIEL, Julia Mattei de Oliveira. Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Análise do Decreto nº 3.106/94. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 773, 13 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7041. Acesso em: 24 abr. 2024.