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Inversão de fases – o princípio da eficiência aplicado às licitações públicas

Inversão de fases – o princípio da eficiência aplicado às licitações públicas

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O novo procedimento licitatório não pode ser tratado como única medida capaz de efetivar a eficiência. Devem ser consolidadas a consciência de todos os agentes públicos, licitantes, e sociedade em geral a respeito da moralização e democratização da gestão pública.

SUMÁRIO:1 INTRODUÇÃO 2 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EFICIÊNCIA 2.1 CONCEITO 2.2 BREVE HISTÓRICO 2.3 CARACTERÍSTICAS DO PRINCÍPIO 2.4 A EFICIÊNCIA APLICADA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 3 A LICITAÇÃO PÚBLICA 3.1 CONCEITO 3.2 BREVE HISTÓRICO DO PROCEDIMENTO 3.3 PRINCÍPIOS DA LICITAÇÃO 3.3.1 PRINCIPIO DA LEGALIDADE 3.3.2. PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE 3.3.3 PRINCÍPIO DA MORALIDADE 3.3.4 PRINCÍPIO DA ISONOMIA 3.3.5 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE 3.3.6 PRINCÍPIO DA PROBIDADE ADMINISTRATIVA 3.3.7 PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO 3.3.8 PRINCÍPIO DO JULGAMENTO OBJETIVO 3.4 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA APLICADO AS LICITAÇÕES PÚBLICAS 4 O PROCEDIMENTO LICITATÓRIO 4.1 O PROCEDIMENTO TRADICIONAL 4.1.1 CONCORRÊNCIA 4.1.2 TOMADA DE PREÇO 4.1.3 CONVITE 4.1.4 CONCURSO 4.1.5 LEILÃO 4.2 MODALIDADE: PREGÃO 4.2.1 PROCEDIMENTO DO PREGÃO 4.3. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCEDIMENTO TRADICIONAL 5 A INVERSÃO DE FASES 5.1 CONSIDERAÇÕES AO NOVO PROCEDIMENTO 5.2. DA RESSALVA AO MÉTODO 5.3 OS NOVOS DIPLOMAS LEGAIS QUE PREVÊM A REGRA 5.2.1 A NOVA LEI BAIANA DE LICITAÇÕES 5.3 O PROJETO DE LEI Nº 7.709/2007 6 CONCLUSÃO REFERÊNCIAS


1 INTRODUÇÃO

A cada dia mais se exige um Estado que, otimizando o seu agir, conduza em, termos adequados, à realização dos fins prezados pela comunidade. O Estado não pode descuidar de agir com eficiência, devendo ainda justificar os recursos que extrai da sociedade com resultados socialmente relevantes. Tal exigência atualmente não é somente realizada na seara política ou econômica, mas já encontra amparo no sistema jurídico, a partir de normas contidas no ordenamento nacional, não havendo mais como se furtar ao seu cumprimento.

Contudo, para o Estado, modificações em sua estrutura não são simples, conforme são para a iniciativa privada. O Estado, em virtude de garantir a sua segurança e a segurança daqueles que o compõe, necessita seguir os seus princípios norteadores, tendo que conjugar a modernidade com tais premissas, o que, muitas vezes, dificulta, na prática, a aplicação imediata da tão almejada eficiência estatal.

Ora, impõe-se que o Estado seja célere, simples e efetivo na obtenção de utilidades para o cidadão. Para alcançar tais objetivos, importa que exista eficiência na regulação da conduta pública e privada, na vigilância ao abuso de mercado, no manejo dos recursos públicos, etc. Hoje, tais temas encontram-se na pauta das discussões sobre o comportamento exigível do Administrador para a validade e legitimidade da ação estatal.

Equivoca-se quem pensa que apenas o direito privado e os entes privados possam assegurar e impor eficiência aos serviços oferecidos. O Estado-Administrador deve também assegurar os resultados pretendidos na realização de suas atividades, sendo a necessidade de otimização ou obtenção da excelência no desempenho de seus deveres um valor fundamental e um requisito essencial à atuação administrativa.

Nesse sentido é que se desenvolve o princípio da eficiência, uma vez que este visa revigorar o movimento de atualização do Estado, exigindo que este cumpra efetivamente a tarefa de oferecer utilidades concretas ao cidadão conjugando equidade e, é lógico, eficiência (MODESTO, 2000).

Tal tarefa carrega em si uma carga de dificuldade significante, entretanto a possibilidade de cumpri-la está ao alcance do Administrador Público moderno. Decerto, a Administração Pública vem traduzindo suas aspirações de melhorias a partir da tentativa de utilização, cada vez mais freqüente, de formas de agir corretas, não autoritárias, fomentadoras, negociadas, distanciando-se assim, na medida do possível, daquela antiga concepção de Estado “Todo-Poderoso”, centrado em limitações e disciplina dos interesses públicos e privados sob formas imperativas, sancionadoras, hierarquizadas e soberanas.

O que se busca agora é encontrar um novo equilíbrio na aplicação de todos os interesses fundamentais estatais no intuito de evitar sua impotência. É o desafio posto ao novo tempo que emerge e que possivelmente estará longe de ter sua conclusão, mas que, pelo visto, passos importantes vêm sendo dados.

Dentre os que traduzem uma modificação no pensamento estatal, surge uma idéia que tem por escopo viabilizar a melhor atividade da Administração, a partir da desburocratização dos procedimentos utilizados para selecionar as suas contratações. Com efeito, o Estado necessita adquirir bens, serviços, alienar, locar, etc., e para isso exige-se que ele se utilize de procedimento próprio, instituído por lei, no qual, em virtude de garantir a segurança das relações, ele se obrigue a cumprir todas estas exigências. Tal procedimento denomina-se Licitação.

A licitação visa a que a Administração Pública empregue moralidade e probidade na sua relação com fornecedores, prestadores, compradores, locatários, parceiros, dentre outros, e também para que seja selecionada a melhor proposta para firmar-se futuro contrato. Ora, se assim não fosse, observar-se-ia um verdadeiro favorecimento de um em detrimento de outros, e também, a possibilidade da Administração contratar com pessoas que possuam comportamento inidôneo, o que estimularia a corrupção no seio da máquina pública. Observar a higidez, a isonomia e a segurança jurídica nas relações travadas entre o Estado e o particular, são critérios indispensáveis no desenvolvimento do procedimento licitatório.

Ocorre que tal procedimento se encontra obsoleto para a nova realidade que permeia as urgentes necessidades estatais, estando sua fórmula tradicional ultrapassada e não mais conseguindo atingir as expectativas da Administração em selecionar a melhor proposta da forma mais eficiente. Ou seja, o modelo tradicional não reflete o rendimento, celeridade e perfeição que atualmente dele se espera e também que dele se necessita.

Com o intuito de implementar a almejada eficiência em seu procedimento licitatório, principalmente naqueles em que se buscam serviços ou bens classificados como simples, o Estado criou uma nova modalidade de licitação denominada pregão.

Nessa nova modalidade algo de interessante e inovador nasce para a Administração Pública que desperta ressalvas por parte de uns e elogios por parte de outros. Ora, o pregão surge invertendo as fases do certame justamente no intuito de empreender uma nova dinâmica que possa superar a velha e tradicional forma de seleção de propostas que reinavam até então na Administração Pública.

No pregão passou-se a observar que, após o licitante ser convocado pelo Administrador, ele irá inicialmente classificar a proposta que traz consigo para somente após essa ordenação habilitar-se juridicamente, demonstrando a sua idoneidade para contratar com a Administração.

O que se pretende é que com a inversão das fases do procedimento se tornem eficientes as licitações públicas, uma vez que infelizmente, estas, no modelo tradicional vigente, já estão assoladas por tramóias e conchavos para burlar o quanto estipulado pela legislação.

O trabalho em tela pretende analisar a inversão de fases do procedimento licitatório sob a luz do princípio constitucional da eficiência, fazendo uma alusão às razões favoráveis e contrárias, baseado na doutrina e na experiência prática dos operadores jurídicos que tanto manuseiam este instituto.

Em primeira análise, caberá estudar o que é esse “novo” princípio que integrou nosso sistema jurídico, questionando-se sua origem, seu aparecimento na doutrina, na jurisprudência e no direito comparado e, como ele interage com a administração pública.

Em seguida, caberá analisar a aplicação do princípio da eficiência nas licitações pública, mas não sem antes, informar o que é licitação, sua posição constitucional e seus principais princípios norteadores.

Após entender do que se trata a multi-mencionada eficiência aplicada à licitação pública, deverá ser analisado o tradicional procedimento licitatório, juntamente com as modalidades de licitação que lhe são inerentes. Depois, será a vez de estudar e o novo procedimento que se instalou, justamente no que diz respeito à inversão de fases, realizando considerações e observando a tendência que a lei do pregão lança em novos diplomas legislativos tais como a nova lei baiana de licitações e contratos administrativos e o Projeto de Lei nº 7.709/2007, que tramita no Congresso Nacional, analisando os dispositivos atinentes a este trabalho que figurarão na alteração legislativa pretendida.


2 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EFICIÊNCIA

Não basta somente entender o princípio da eficiência em sua análise prática, ilustrando com exemplos do cotidiano e determinando que para haver eficiência esse ou aquele pressuposto tem de estar inserido. Sendo um princípio, é necessário observar um conceito formal, para que quando lido, saiba como identificá-lo.

2.1 CONCEITO

A doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2002, p. 83), utilizando-se dos ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, define o princípio da eficiência como:

o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.

[...] esse dever de eficiência bem lembrado por Carvalho Simas, corresponde ao ‘dever de boa administração’ da doutrina italiana, o que já se acha consagrado, entre nós, pela Reforma Administrativa Federal do Dec.-lei 200/67, quando submete toda atividade do Executivo ao controle de resultado (arts. 13 e 25, V) e recomenda a demissão ou dispensa do servidor comprovadamente ineficiente ou desidioso (art. 100).

Mesmo pensamento imprime o baiano Paulo Modesto (2000, p. 8), para quem, pode-se definir o princípio da eficiência como:

a exigência jurídica, imposta à administração pública e àqueles que lhe fazem as vezes ou simplesmente recebem recursos públicos vinculados de subvenção ou fomento, de atuação idônea, econômica e satisfatória na realização das finalidades públicas que lhe forem confiadas por lei ou por ato ou contrato de direito público.

Sendo assim, não possuindo a audácia de produzir um conceito deste princípio, mas tentando extrair um entendimento dos ensinamentos acima descritos, observa-se que estará presente o princípio da eficiência sempre que o Administrador buscar por resultados satisfatórios, utilizando uma forma idônea de agir para a obtenção destes, e garantindo que sejam respeitadas as diretrizes traçadas para Administração, principalmente no que se refere às de moralidade e probidade.

2.2 BREVE HISTÓRICO

O princípio da eficiência foi inserido em nosso ordenamento constitucional por força da Emenda nº 19, de 04 de junho de 1998, que o incorporou ao texto primitivo da Constituição Federal, no caput do seu art. 37. Justamente por esta alteração datar do ano de 1998 é que se colocou, no capítulo da introdução, a palavra novo entre as necessárias aspas, uma vez que tal princípio já constava na legislação infraconstitucional.

Deveras, como se observa no Decreto-Lei nº 200/67 (arts. 13 e 25), na Lei de Concessões e Permissões (Lei nº 8.987/95, arts. 6º e 7º) e do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, arts. 4º, VII, 6º, X, e 22), tal princípio já estava ali previsto. Da mesma forma, ele também já se apresentava nas Constituições Estaduais do Tocantins (art. 9º) e de Rondônia (art. 19).

A doutrina, bem antes da EC nº 19/98, também já fazia referência ao aludido princípio. Hely Lopes Meirelles (2000, pp. 98-99) já apontava entre os poderes e deveres do administrador público o “dever de eficiência”, conforme visto no conceito antes exposto, extraído da obra de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, onde observa-se que ele denominou como o mais moderno princípio da função administrativa, pois esta já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, mas exige resultados positivos e satisfatórios no atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.

A jurisprudência dos tribunais pátrios, mesmo antes da Emenda Constitucional nº 19/98, igualmente prestava homenagem ao princípio da eficiência. Apesar de serem aparições tímidas, são referências que já constavam nas decisões da mais alta Corte do país, o Supremo Tribunal Federal[1], que assim proferiu:

O controle administrativo do ensino publico permite a interferência oficial na direção dos educandários particulares, para afastar os diretores sem eficiência. Não constitui diminuição moral esse afastamento, pois nem todo cidadão ilibado tem competência para dirigir e administrar.

Outro sodalício que também já reconhecia princípio em comento, ao lado dos demais ditames regentes da Administração Pública, era o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que em acórdão fez a seguinte menção:

a Administração Pública é regida por vários princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade (Const. Art. 37). Outros também evidenciam-se na Carta Política. Dentre eles, o princípio da eficiência. A atividade administrativa deve orientar-se para alcançar resultado de interesse público[2].

Na esfera das Cortes Estaduais, outro que se posicionou nesse mesmo sentido foi Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, que assim afirmou:

Atenta-se, ainda, para a circunstância de que habilitado ao concurso público, o impetrante aceitou as condições impostas no edital. Desse modo, fica autorizada a Administração a prescrever requisitos, exigências e pontuação que entender conveniente, como condições de eficiência, moralidade e aperfeiçoamento do serviço público, ou seja, a bem do interesse público[3].

2.3 O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO DIREITO COMPARADO

Necessário se faz, também, analisar o princípio da eficiência no plano do Direito Comparado, que, como se observa, utiliza termos como exigência de boa administração (ou bom andamento da administração), do próprio termo princípio da eficácia, de princípio da racionalização administrativa, de princípio da não burocratização e de princípio da economicidade.

Com efeito, tal princípio se encontra consagrado pela Constituição da Espanha de 1978 (art. 103) que reza (MORAES, 2006, p. 88): “A administração pública serve com objetividade aos interesses gerais e atua de acordo com os princípios da eficácia, hierarquia, descentralização, desconcentração e coordenação, com obediência plena à lei e ao Direito”.

Outro exemplo também é a Constituição da República das Filipinas de 1986, que em seu art. IX, b, seção 3, prevê:

a Comissão do Serviço Público, na qualidade de órgão central do Governo encarregado do funcionalismo público, estabelecerá um plano de carreira e adotará medidas destinadas a promover a disposição de ânimo, a eficiência, a integridade, a pronta colaboração, o dinamismo e a cortesia no serviço público.

Indicando ainda no seu art. XI, seção 1, que:

o serviço público é um compromisso com a causa pública.

Os servidores públicos deverão estar sempre prontos a prestar constas ao povo e servi-lo da forma mais responsável, integra, leal e eficiente possível.

Merece ser lembrada a Constituição da República do Suriname de 1987 que, em seu art. 122, informa competir ao Conselho de Ministros “preparar e executar uma política eficiente”.

Dentre aquelas que não fazem menção direta à palavra eficiência em seu texto, mas ainda assim consagram tal princípio utilizando-se de outro vernáculo, pode-se citar a Constituição portuguesa que, em seu artigo 267 estabelece (MORAES, 2006, p. 89):

A administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática.

Ao fazer menção à estruturação da Administração nestes moldes, deixando claros seus objetivos, a Constituição da República Portuguesa deixa exposta sua busca pela eficiência.

Carta Constitucional que também explicita a idéia do princípio da eficiência sem ao menos mencioná-lo, é da República de Cuba, de 24 de fevereiro de 1976 que, ao relatar os princípios de organização e funcionamento dos órgãos estatais, determina em seu art. 66, c, que (MORAES, 2006, p. 89):

Cada órgão estatal desenvolve amplamente, dentro dos limites de sua competência, a iniciativa dirigida ao aproveitamento dos recursos e possibilidades locais à incorporação das organizações sociais e de massa a sua atividade.

Sendo assim, demonstra-se que, mesmo tendo sido positivado recentemente na nossa Carta Magna, a busca pela eficiência sempre foi um dos objetivos da Administração Pública, seja nacional, seja estrangeira.

2.4 CARACTERÍSTICAS DO PRINCÍPIO.

O princípio da eficiência possui como características básicas a rapidez, perfeição e o rendimento. Entendendo-se por rapidez o dever da atividade administrativa atingir seus propósitos com celeridade e dinâmica, de modo a afastar as questões burocráticas; por perfeição, aquela atividade satisfatória e completa sem as deficiências que comprometem a prestação perante o administrado; e por rendimento, a atividade administrativa menos onerosa possível, mas que alcance ótimos resultados (CUNHA JR., 2006).

Contudo, o doutrinador Alexandre de Moraes (2006, p. 91-94), em classificação diferenciada, aponta oito características do princípio da eficiência, sendo elas: direcionamento da atividade e dos serviços públicos à efetividade do bem comum, imparcialidade, neutralidade, transparência, participação e aproximação dos serviços públicos da população, eficácia, desburocratização e busca da qualidade.

Por direcionamento da atividade e dos serviços públicos à efetividade do bem comum, o autor entende como sendo a função de promover o bem comum pelo Estado, devendo este ultimo pautar seus atos observando esta aplicação.

Sobre a imparcialidade, Alexandre de Moraes explica que a atuação da Administração, para qualificar-se como eficiente, exige uma atuação imparcial e independente, sem benefício de um em detrimento do outro. Observar-se-á, mais adiante, que a isonomia é erigida a condição de princípio pelo art. 4º da Lei nº 8.666/1993.

No que se refere à neutralidade, o doutrinador transcreve o pensamento de João Baptista Machado, para quem um Estado neutro é aquele justo, pois sendo justo alcançará sua eficiência.

Quanto à característica da transparência, o Autor informa sua necessidade nas atividades dos órgãos e agentes públicos, afirmando que “o princípio da eficiência da Administração Pública pretende o combate à ineficiência formal, inclusive com condutas positivas contra a prática de subornos, corrupção e tráfico de influência”.

A participação e aproximação dos serviços públicos da população, o Autor nos esclarece que se trata de uma gestão participativa, com a aproximação dos serviços públicos da população interessada na gestão efetiva dos serviços administrativos.

Quanto à característica da eficácia, o Autor subdividiu-a em eficácia material da Administração, que “traduz-se no adimplemento de suas competências ordinárias e na execução e cumprimento dos entes administrativos dos objetivos que lhes são próprios” e eficácia formal, conceituada como sendo aquela que “se verifica no curso de um procedimento administrativo, ante a obrigatoriedade do impulso ou resposta do ente administrativo a uma petição formulada por um dos administrados”.

Ainda, a característica da desburocratização (uma das quais guarda maior pertinência com o este trabalho), Alexandre de Moraes (2006, p. 93) afirma que é dever do princípio da eficiência evitar a burocratização da Administração Pública, e, para explicitar o seu pensamento, ele se vale dos ensinamentos de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, informando que:

burocracia administrativa, considerada como entidade substancial, impessoal e hierarquizada, com interesse próprios, alheios à legitimação democrática, divorciados dos interesses da população geradora dos vícios imanentes às estruturas burocráticas, como mentalidade de especialistas, rotina e demora na resolução dos assuntos dos cidadãos, compadrio na seleção pessoal.

Por fim, sobre a característica da busca da qualidade, o Autor (2006; p. 94) vale-se da definição dada pela Secretaria Geral da Presidência[4], que aqui cabe transcrever:

qualidade de serviço público é, antes de tudo, qualidade de um serviço, sem distinção se prestado por instituição de caráter público ou privado; busca-se a otimização dos resultados pela aplicação de certa quantidade de recursos e esforços, incluída, no resultado a ser otimizado, primordialmente, a satisfação proporcionada ai consumidor, cliente ou usuários. [...] Outra característica básica da qualidade total é a melhoria permanente, ou seja, no dia seguinte, a qualidade será ainda melhor.

2.5 A EFICIÊNCIA APLICADA À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA                       

Observa-se que alguns métodos de gestão utilizados pela Administração Pública acarretam morosidade, desperdícios, baixa produtividade; enfim, ineficiência quando em comparação com a administração de empreendimentos privados. Propõe-se que a Administração Pública se aproxime o máximo possível da administração das empresas do setor privado. Esse modelo de Administração Pública, em que se privilegia a aferição de resultados com ampliação de autonomia dos entes administrativos e redução dos controles de atividades-meio, identifica-se com a noção de administração gerencial e tem como postulado central o princípio da eficiência.

A professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2002, p. 83) aponta em suas colocações que o princípio da eficiência se apresenta em dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.

Para explicitar tal busca por resultados, Uadi Lamêgo Bullos (2000; p. 565), traz as características nucleares do princípio da eficiência aplicado à Administração Pública, apresentadas em maio de 1995 pelo Primeiro-Ministro Britânico no Relatório Nolam, denominado de “Sete Princípios da Vida Pública”, que em interpretação própria os elenca:

1º) interesse público – finalidade básica da Administração, mas que também dá espaço ao setor público não estatal, abrindo oportunidade à proliferação de entes intermédios (agências executivas, agências reguladoras e organizações sociais de colaboração);

2º) integridade – retrata a independência funcional dos titulares dos cargos públicos, de não cederem a pressões que possam comprometer a execução de seus deveres;

3º) objetividade – traduz a busca de resultados positivos para o administrado, perseguindo o alto padrão de qualidade dos serviços públicos;

4º) responsabilidade (accontability) – envolve a submissão de entidades sociais, órgãos e agentes públicos na fiscalização da moralidade administrativa;

5º) transparência – é a lisura e neutralidade na tomada de decisões, no acesso às informações, na motivação dos atos administrativos, na política de gerenciamento do Estado, na desburocratização da ‘res publica’;

6º) honestidade – diz respeito à conduta proba e imparcial dos agentes públicos, isenta de vícios legais e imorais;

7º) liderança – importa no exemplo daqueles que se destacam pela seriedade, competência e rendimento funcional.

Sendo assim, percebe-se que o princípio da eficiência é uma exigência inerente à atividade pública. A atividade de gestão pública como atividade necessariamente racional e instrumental, deve ser voltada a servir ao público, na justa proporção das necessidades coletivas, e por isso, não se pode admitir comportamento administrativo negligente e contra-produtivo que acarrete, assim, numa possível ineficiência.

O princípio da eficiência tem como corolário a boa qualidade. A partir da positivação deste princípio como norte da atividade administrativa, a sociedade passa a dispor de base jurídica expressa para cobrar a efetividade do exercício de direitos sociais como a educação, a saúde, segurança, e outros, os quais têm que ser garantidos pelo Estado com qualidade ao menos satisfatória.

Pelo mesmo motivo, o cidadão passa a ter o direito de questionar a qualidade das obras e atividade públicas, exercidas diretamente pelo Estado ou por seus delegatários, nas quais não se observa o atendimento a este interesse, ou seja, na quais não se observe que sejam eficientes.

Contudo, em virtude da discussão proposta aqui neste trabalho, faz-se necessária a análise do princípio da eficiência no seio das licitações públicas, exaltando medidas que transmitam a sua efetividade, uma vez que positivada na Carta Magna a eficiência já está.

Traduzindo a efetividade então, cabe o estudo da possibilidade de inversão de fases do procedimento. Contudo, antes precisa ser compreendido o que é a licitação pública e seus princípios norteadores e, mais minudentemente, o princípio da eficiência a ela aplicado.


3 A LICITAÇÃO PÚBLICA

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, XXI, instituiu a obrigatoriedade de a Administração instalar procedimento licitatório prévio para a seleção de melhor proposta visando à celebração de negócios jurídicos, tais como a realização de obras, serviços, compras e alienações. Obriga-se a seguir tal regra tanto os órgãos, quantos a entidades da Administração Pública, é dizer as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as fundações, as autarquias (inclusive as ditas “especiais”, denominadas de agências reguladoras e executivas), bem como toda e qualquer entidade de direito privado gestora de recursos públicos.

Contudo, para vislumbrar a análise que é feita nesse trabalho, se faz necessário entender o que é licitação pública e como ocorre o seu procedimento tradicional. Outrossim, cabe pontuar quais seus princípios específicos para somente após enfrentar a aplicação do princípio da eficiência e suas conseqüências para este instituto.

3.1 CONCEITO

Ventilou-se quando se torna obrigatória a utilização da licitação pública, escrevendo, em linhas gerais, que é o procedimento para a administração adquirir, alienar, locar, construir, etc. Contudo, o tema merece um conceito específico que vá além do que se encontra estabelecido em lei, porquanto a mesma não foi feita para conceituar institutos jurídicos.

Sendo assim, cabe então se valer de conceitos já estabelecidos por juristas renomados da doutrina pátria, que podem melhor explicitar em poucas palavras o que é a tal afamada licitação pública.

De acordo com Marçal Justen Filho (1999, p. 40):

‘Licitação’ significa um procedimento administrativo formal, realizado sob o regime de direito público, prévio a uma contratação, pelo qual a Administração seleciona com quem contrata e define as condições de direito e de fato que regularão essa relação jurídica futura.

Outro conceito que merece especial atenção é o formulado por Celso Antônio Bandeira de Mello (2005, p. 493), que diz:

Licitação – em suma síntese – é um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na idéia de competição, a ser travada isonomicamente entre os que preencham os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir.

Após o conceito, onde se observa que a licitação é um procedimento que visa selecionar a melhor proposta para a Administração, e antes de adentrar ao estudo dos princípios, cabe observar o desenvolvimento deste instituto no Brasil.

3.2 BREVE HISTÓRICO

A licitação surgiu no Direito Público brasileiro há cerca de cento e quarenta e cinco anos, introduzida no positivismo normativo da Administração Central pelo Decreto nº 2.926, de 14.05.1862, que regulamentava as arrematações dos serviços a cargo do então Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Mais tarde, a Lei Orçamentária nº 2.221, de 30.12.1909, em seu art. 54, fixou as regras a serem observadas no processo de concorrências, e as Leis nº 3.232, de 5.01.1917, em seu art. 94; 3.454, de 06.01.1918, em seu art. 170, e 3.991, de 05.01.1920, em seu art. 73 e no decreto nº 4.555, de 10.08.1922, também se ocuparam deste assunto (PEREIRA JÚNIOR, 2003).

Após isso, o procedimento concorrencial foi regido pelo Código da Contabilidade Pública da União (Decreto Federal nº 4.536, de 28 de janeiro de 1922), que explicitou em seu minucioso Regulamento-Geral, Decreto Federal nº 15.783, de 08 de dezembro de 1922, diploma que teve vigência por cerca de meio século até ser substituído pelo Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, que implantou, no Brasil, pela primeira vez, a Reforma Administrativa Federal, mais tarde adotada pelos Estados e Municípios em razão da extensão que lhe deu o Ato Institucional nº 8/69.

Embora sendo estabelecida para o plano federal, o Decreto-lei nº 200 equiparou-se a verdadeiro Código ou, nas palavras de Cretella Jr. (1993, p. 01), a uma “Constituição, em matéria administrativa”, estabelecendo parâmetros ou normas gerais que os governos locais deveriam seguir. Observou-se que, no Brasil, a União nunca havia legislado privativamente sobre matéria Administrativa, limitando-se sua competência à matéria de Direito Civil, processo civil, penal, processo penal e trabalhista.

No capítulo das licitações, nome que substituiu a expressão anterior concorrência pública, o Decreto-lei nº 200, em seus vinte dispositivos, do art. 125 ao 144, apresentou relevantes inovações, aludindo à compra, venda e a serviços na Administração direta e autárquica, que somente poderia ser objeto de contratação após prévio certame ou procedimento licitatório. Definiu ainda expressões Administração Direta e Administração Indireta, conceituou e deu natureza jurídica à empresa pública e à sociedade de economia mista.

De acordo com J. Cretella Jr. (1993), as normas dos arts. 125 a 144 foram adotadas no Estado de São Paulo (Lei nº 89/72), com fundamento no Ato Institucional nº 8/69, que atribuiu competência para a realização de reformas administrativas no âmbito dos Estados, Municípios e Distrito Federal.

Em 20 de junho de 1969, passou a vigorar a Lei Federal nº 5.456, que dispunha sobre a aplicação aos Estados e Municípios das normas referentes às licitações, constantes dos arts. 125 a 144, do Decreto-lei nº 200/67, a pretexto de que tais normas seriam pertinentes ao Direito Financeiro, valendo como normas gerais, de competência da União, mas devendo ser observadas pelos Estados e Municípios.

Com o advento da EC nº 1/69, legitimou-se tal orientação ao outorgar competência à União para legislar sobre licitação, já que se tratava de questão patrimonial.

O Decreto-lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1986, alterado pelos Decretos-leis nºs 2.348, de 24 de julho de 1987, e 2.360, de 16 de setembro de 1987, completou o diploma básico. Passou-se então a falar em obras, serviços, compras, alienações, locações e fornecimentos.

Assim, historicamente, observa-se a seguinte seqüência no Direito brasileiro: a) o Código de Contabilidade Pública da União e seu Regulamento, de 1922; b) O Decreto-lei nº 200/67, alterado pelo Decreto-lei nº 900/69; c) o Decreto-lei nº 2.300/86, alterado pelo Decreto-lei nº 2.348/87 e pelo Decreto-lei nº 2.360/87, todos referentes ao procedimento concorrencial ou procedimento licitatório.

Em maio de 1993, o Projeto de Lei nº 59, transformou-se na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, aprovada pela Câmara Federal e enviada ao Presidente da República para sanção (e eventuais vetos), sendo atualmente a norma nacional de licitações pública e contratos administrativos, complementada pela Lei nº 10.520/2002, que dispõe sobre o pregão.

3.3 PRINCÍPIOS DA LICITAÇÃO

Os princípios específicos que regem o procedimento licitatório encontram-se estabelecidos no art. 3º da Lei nº 8.666/1993.

Esses princípios devem conduzir a atuação dos administradores durante todo o curso do certame, sob pena de tornar-se nulo o ato praticado sem a sua observância. Contudo, não há falar-se que somente os princípios ali estabelecidos serão observados pelo Administrador. Ora, ao realizar um certame, o Administrador necessita observar toda a conjuntura que cerca a Administração Pública.

Cabe aqui analisar cada um dos princípios contidos na lei geral de licitações para, após isso, analisar detidamente o princípio da eficiência aplicado às licitações públicas.

3.3.1 Princípio da legalidade

O princípio da legalidade tem aplicação distinta para o particular e para a Administração Pública. Para aquele, implica: o que não é legalmente proibido é legalmente permitido. Por sua vez, para a Administração, inverte-se a assertiva: o que não é legalmente permitido é legalmente proibido.

É sob este último enfoque que deve se dar aplicação ao princípio da legalidade no âmbito das licitações públicas. Se não há previsão para a prática de um determinado ato, em dada circunstância, esse não poderá ser praticado.

Assim, como o procedimento licitatório é atividade administrativa formal e vinculada (que tem seu procedimento integralmente previsto em lei), toda e qualquer ação do administrador deverá ater-se aos estritos limites prescritos na norma, não havendo espaço para quaisquer inovações.

3.3.2 Princípio da impessoalidade

Princípio da impessoalidade reza que o administrador deve sempre tratar indistintamente a todos os licitantes, independentemente de características pessoais legalmente irrelevantes, não se deixando levar por considerações subjetivas de predileção ou repúdio.

Esse princípio impede que favoritismos beneficiem determinados licitantes ou afastem outros injustificadamente, em função da vontade pessoal e subjetiva do julgador.

Por isso, a impessoalidade deve conduzir a elaboração do ato convocatório, o qual não poderá ser dirigido a determinado licitante predestinado a ser o vencedor da disputa. Deve, também, embasar todos os julgamentos proferidos, para que não sejam rigorosos demais com alguns licitantes e flexíveis para com outros.

3.3.3 Princípio da moralidade

A conduta do administrador, ainda quando não esteja integralmente delineada na lei, deve sempre se pautar na observância dos valores jurídicos básicos, bem como na ética e na moral arraigadas na sociedade. Por isso, mesmo que aparentemente seja legal uma determinada conduta, ou seja, mesmo que se observe formalmente o preceito da lei, se for contrária à moral, será passível de anulação.

3.3.4 Isonomia

Comentado como uma das características do princípio da eficiência, o princípio da Isonomia é um dos basilares do Estado Democrático de Direito, e indispensável no desenvolvimento das licitações públicas.

Com efeito, a igualdade goza de status constitucional no ordenamento jurídico pátrio (art. 5º, da CF/88).

Segundo esse princípio, devem ser tratados de maneira uniforme todos os que se encontram em situação semelhante, podendo haver tratamento distinto quando houver diferença juridicamente justificável para tal.

Assim, para que a Administração imponha um critério de discriminação, deverá observar a relevância e pertinência deste critério, em face do objetivo direto que a norma visa alcançar.

3.3.5 Princípio da publicidade

O princípio da publicidade visa garantir a todos os interessados a possibilidade de conhecerem, participarem e acompanharem o desenvolvimento da licitação, bem como permitir a toda a sociedade fiscalizar os atos praticados no processamento dos certames.

Nos termos do art. 3º, § 3º, da Lei nº 8.666/1993, “a licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura”. Assim, qualquer interessado, e não só os licitantes, tem direito de conhecer o conteúdo do processo licitatório, bem como obter cópias autenticadas do mesmo, mediante pagamento do valor despendido com a sua reprodução.

3.3.6 Princípio da probidade administrativa

Tal princípio é intimamente ligado aos da legalidade e moralidade e assevera que, no trato da coisa pública, o administrador deve portar-se de forma íntegra, visando sempre ao atendimento do interesse público. A probidade administrativa impõe que na gestão dos interesses da Administração, além de observar a adequação do ato a ser praticado aos comandos da lei, e a sua consonância com a moralidade, deverá o agente público atuar com honestidade, objetivando o melhor desempenho da atividade administrativa em detrimento do seu eventual interesse pessoal.

3.3.7 Princípio da vinculação ao instrumento convocatório

O princípio da vinculação ao instrumento convocatório impõe que o administrador, na condução do procedimento licitatório, observe as regras estatuídas no respectivo edital, ou convite. Ou seja, uma vez estabelecidas as regras do jogo, todo o processo a elas restará vinculado.

Ora, é fundamental que as autoridades administrativas respeitem as regras por eles mesmos fixadas no instrumento convocatório, não podendo estabelecer, no curso de uma licitação, novas normas e critérios não previstos inicialmente que possam desestabilizar a segurança jurídica dada aos licitantes com a publicação do ato convocatório.

3.3.8 Princípio do julgamento objetivo

Esse princípio estabelece que no julgamento da habilitação e das propostas devem ser considerados somente os parâmetros objetivamente indicados no edital, não se admitindo a adoção de critérios subjetivos que possam dar margem à escolha arbitrária de proposta vencedora. Assim, o administrador não pode afastar-se das regras estabelecidas no ato convocatório e realizar julgamento baseado no seu entendimento pessoal, sob pena de nulidade da decisão proferida.

Dessa forma, nas deliberações da comissão de licitação não podem ser utilizados elementos, critérios ou fatores sigilosos, secretos, subjetivos ou reservados, capazes de surpreender o licitante. Afinal, conforme o entendimento da mais autorizada doutrina, a única surpresa que o licitante deve ter no processamento da licitação é o preço das propostas dos seus concorrentes.

3.4 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NAS LICITAÇÕES PÚBLICAS

Após estudo sobre os princípios previstos expressamente na Lei nº 8.666/1993, cabe então observar o princípio da eficiência e a sua aplicação direta nas licitações públicas – objeto deste estudo.

A eficiência é uma idéia implícita à própria licitação, uma vez que cabe à Administração Pública realizar não uma contratação boa, mas a melhor contratação possível. Ora, isso não seria outra coisa que não o princípio da eficiência aplicado às licitações públicas.

Marçal Justem Filho (2004, p. 48-49) é claro ao expor a finalidade da licitação pública:

A licitação destina-se a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública (com observância do princípio da isonomia) A vantagem se caracteriza em face da adequação e satisfação ao interesse público por via da execução do contrato. A maior vantagem possível configura-se  pela conjugação de dois aspectos complementares. Um dos ângulos relaciona-se com a prestação a ser executada por parte da Administração; o outro se vincula à prestação a cargo do particular. A maior vantagem apresenta-se quando a Administração assumi o dever de realizar a prestação menos onerosa e o particular se obrigar a realizar a melhor e mais completa prestação. Configura-se, portanto, uma relação custo-benefício. A maior vantagem corresponde à situação de menor custo e maior benefício para a Administração.

Sendo o administrador um gestor de recursos públicos, ele não pode realizar experiências com estas verbas, aventurando-se em contratos que, ou possam trazer benefícios, ou possam trazer prejuízos ao erário. Ele deve optar sempre pela melhor proposta para a consecução do interesse público.

Para Edith Mesquita Hupsel e Leyla Bianca Correia Lima da Costa (2006, p. 42) o princípio da eficiência aplicado às licitações públicas é visto como:

O princípio da eficiência, também norteador das atividades da Administração Pública, e inserido pela EC nº 19/1998, dentre os princípios elencados no caput do art. 37 da CF/88, vem trazer maior reforço à tendência atual do formalismo moderado, hoje bastante defendido como suporte para a convalidação de atos administrativos e para o aproveitamento de propostas com irregularidades irrelevantes.

Considera-se a necessidade de eficiência nos processos licitatórios, não se justifica a repetição de atos que possam ser sanados ou o afastamento de proponentes, em razão de pequenos equívocos formais nas propostas, que não cheguem a macular o seu conteúdo, como, por exemplo, a mera falta de rubrica em página da proposta. Assim, em situações nas quais não se venha a afrontar o princípio da legalidade, o aproveitamento de atos já praticados ou de propostas, se impõe.

É importante registrar que o princípio da eficiência não foi elencado no art. 3º da Lei Federal nº 8.666/1993, porque somente foi introduzido como princípio constitucional explicito, no caput do art.; 37 da Lei Maior a partir de 4 de junho de 1998, pela EC nº 19.

Decerto, observa-se que as autoras encaram a aplicação do princípio em comento ao instituto das licitações como uma maneira de sobrepor os interesses finais da Administração pública ao excesso de formalismo que foi implementado e cultivado durante anos nos certames. Como exemplo pode-se citar que, em licitações ocorridas no procedimento tradicional desenvolvido no Brasil, é comum observar o licitante com a proposta de preço mais vantajoso ser desclassificado por trocar um item, contudo a correção do mesmo na mesa onde se realiza o certame ou, dando-se prazo mínimo para que o licitante retifique o equívoco, uma vez que não caberia aí qualquer dilação, possibilitaria ao concorrente ajustar sua proposta e apresentá-la de forma satisfatória. Nesse particular, cabe conferir a benesse trazida pelo § 5º do art. 78 da Lei baiana de licitações (Lei Estadual nº 9.433/2005) que faculta à comissão ou autoridade superior, em qualquer das fases da licitação, promover diligência a esclarecer ou completar a instrução do processo.

Merecem destaque as lições de Carlos Pinto Coelho Mota, citado por Uadi Lammêgo Bullos (2000, p. 566), para quem:

um equívoco comportamento punitivo, por parte de dirigentes públicos e membros de Comissão de Licitação, que destaca miúdos erros na formulação de propostas ou na tramitação processual. Nessa perspectiva meramente formalista, a habitual saraivada de reclamações, impugnações e recursos protelatórios – promovida por licitantes avessos à competição legítima, ou insatisfeitos com resultados – logra, freqüentemente, pleno êxito em seus desígnios de atrasar ou anular os procedimentos que lhe tenham sido adversos. Acredito que a concepção da eficiência administrativa se situe em campo mais objetivo, não comportando atos ou decisões que privilegiem a mera correção dos procedimentos, em detrimento de resultados. Não raro, deparar-se o jurista com o ato administrativo que anula sumariamente certame longo, oneroso, respaldado em lei. Dentro de certa mentalidade corrente em nossas Administração, tal ato é reputado legítimo desde que se tenha registrado, nos meandros do processo, qualquer ínfima discrepância relativa à interpretação mais literal da norma. È usual sobrepor-se o inessêncial e o contingente, com prejuízo da economicidade e da eficácia na contratação.

Outro importante aspecto da presença do princípio da eficiência nas licitações é também a economia que sua aplicação poderá trazer a Administração. Ao comentar a economicidade o professor Marçal Justen Filho (2004, p. 60) esclarece que não bastam honestidade e boas intenções para validação de atos administrativos. A economicidade impõe a adoção de solução mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestão dos recursos públicos. Toda atividade administrativa envolve uma relação sujeitável a enfoque de custo-benefício. O desenvolvimento da atividade implica produção de custo em diversos níveis. Assim, há custos relacionados ao tempo, à mão-de-obra, etc.

Após conceituar o instituto da licitação, determinar o seu perfil constitucional e analisar seus princípios e, principalmente, analisar o dever de eficiência nas licitações públicas, cabe agora o estudo do procedimento para entender, na prática, a sua aplicação e como ocorre a aplicação da inversão de fases.                       


4 ESTRUTURA DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO

O procedimento da licitação inicia-se com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo o despacho da autoridade competente que autoriza a sua realização, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, bem como a designação da comissão de licitação, leiloeiro administrativo ou oficial, pregoeiro, ou responsável pelo convite.

Em seguida, a Administração elabora o instrumento convocatório e seus anexos, aos quais será dado publicidade, observando-se os requisitos legais pertinentes. Uma vez divulgado o instrumento convocatório, inicia-se a fase externa da licitação, na qual a Administração interage diretamente com os licitantes e a sociedade, os quais poderão impugnar o edital.

Analisadas as impugnações e efetuadas as correções eventualmente necessárias, procede-se, na data designada ao do recebimento dois envelopes contendo as propostas dos licitantes e sua documentação, quando for o caso. A partir daí, o procedimento irá variar, podendo ocorrer pelo procedimento tradicional ou pela inovação trazida pelo pregão.

4.1 O PROCEDIMENTO TRADICIONAL

O procedimento tradicional é marcado pela ocorrência de fase de habilitação seguida de fase de classificação de proposta.

Com efeito, após a publicação do edital da licitação e, decorrido o prazo legal, realizar-se-á, na data estabelecida, no instrumento convocatório, o recebimento dos envelopes de documentação e proposta dos licitantes, passando-se em seguida à fase da habilitação por meio da realização de audiência de abertura dos envelopes contendo a documentação de habilitação jurídica dos participantes.

Os documentos apresentados serão rubricados e analisados pelos presentes, os quais poderão requerer que a comissão de licitação faça constar em ata as considerações que julguem pertinentes. Nessa mesma sessão, a comissão poderá divulgar o resultado da fase de habilitação ou, se achar conveniente, fazê-lo posteriormente por meio de publicidade no órgão de imprensa oficial.

Divulgado o resultado da habilitação, será aberto prazo para interposição e processamento dos recursos eventualmente interpostos. Em seguida, serão devolvidos os envelopes fechados contendo as propostas dos licitantes inabilitados, encerrando-se então a fase de habilitação. A partir desse ponto, os licitantes não podem desistir da proposta, a não ser por motivo justo decorrente de fato superveniente e aceito pela comissão, a qual, por sua vez, não poderá desclassificá-lo por motivo relacionado à habilitação, salvo em razão de fatos supervenientes ou somente conhecidos após o julgamento.

Com o inicio da fase de classificação, serão abertos os envelopes contendo as propostas dos concorrentes habilitados, as quais também serão rubricadas pelos participantes presentes que terão nova oportunidade de fazer consignar na respectiva ata as observações que entendam pertinentes. Verifica-se então a conformidade das propostas apresentadas com os requisitos do edital e, conforme o caso, com os preços de registros de preço, promovendo-se o julgamento das propostas de acordo com o tipo de licitação e a sua classificação ou desclassificação conforme estabelecem os critérios de avaliação vinculados no instrumento convocatório.

Após, abre-se novo prazo para que os licitantes interessados interponham recurso administrativo. Decididos os recursos eventualmente interpostos, encerra-se a fase classificatória, devendo a comissão enviar o processo à autoridade superior para homologação, ou seja, para que verifique a conformidade dos atos do procedimento com as disposições da legislação aplicável. Homologado o processo licitatório, a autoridade superior adjudicará o seu objeto ao licitante vencedor.

Analisando de forma genérica o procedimento previsto no art. 43 da Lei nº 8.666/1993, convém aqui tratar sucintamente cada uma das modalidades que se desenvolvem conforme o procedimento tradicional. Decerto, a Lei nº 8.666/93 prescreve em seu art. 22 cinco modalidades de licitação, que são a concorrência, a tomada de preços, o convite, o concurso e o leilão, e a modalidade pregão é prevista pela Lei nº 10.520/2002. Contudo, em razão da natureza do trabalho, o pregão deverá ser analisado em apartado.           

4.1.1 Concorrência

A concorrência é a modalidade de licitação que se realiza, com ampla publicidade, para assegurar a participação de qualquer interessado que preencha os requisitos previstos no edital convocatório. Tal modalidade apresenta-se como a espécie apropriada para os contratos de grande vulto, não se exigindo registro prévio ou cadastro dos interessados, contanto que satisfaçam as condições prescritas no edital publicado com, no mínimo, trinta dias de intervalo entre a veiculação na imprensa oficial e o recebimento das propostas.

Estimando-se o valor do contrato posterior, a concorrência é a modalidade obrigatória em razão de determinados limites. Contudo, independentemente do valor, a lei prevê que a modalidade concorrência deve ser adotada nos seguintes casos: a) compra de bens imóveis; b) alienações de bens imóveis para as quais não tenha sido adotada a modalidade leilão; c) concessões de direito real de uso, serviço ou obra pública; d) licitações internacionais.

Além desses casos específicos, a Lei nº 8.666/1993 prevê que a concorrência é obrigatória quando, em havendo parcelamento, o valor das licitações das parcelas, em conjunto, correspondam a montante igual ou superior ao previsto para a modalidade concorrência. Outrossim, há algumas ressalvas que devem ser feitas em relação aos ditames da lei. Com efeito, admite-se a tomada de preços nas licitações internacionais, quando o órgão ou entidade licitante possuir cadastro internacional de fornecedores, ou até convite caso inexista fornecedor no país. Além disso, permite-se que seja realizado o leilão para a alienação de bens imóveis, quando tenha sido adquirido por dação em pagamento ou procedimentos judiciais.           

4.1.2 Tomada de preços

No que se refere a tomada de preços, essa é a modalidade realizada entre interessados previamente cadastrados ou que preencham os requisitos para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação. É a licitação para contratos de valor estimado imediatamente inferior ao estabelecido para a concorrência.

A tomada de preços é admissível nas contratações de obras, serviços e compras dentro dos limites de valor estabelecidos em lei. A característica dessa modalidade que a distingue da concorrência é a existência de habilitação prévia dos licitantes por meio dos registros cadastrais. Esses cadastros são registros dos fornecedores de bens ou executores de obras e serviços que ali se inscreveram, mantidos por órgãos e entidades administrativas que freqüentemente realizam licitações.

Na tomada de preços o prazo entre a publicação e a data fixada para o recebimento das propostas é de no mínimo quinze dias. Entretanto, caso o certame seja julgado na conformidade dos tipos ou critérios de "melhor técnica" ou de "técnica e preço", o interstício será de trinta dias, sendo a contagem feita da mesma forma que na concorrência.

4.2.3 Convite

O convite é a modalidade de licitação entre, no mínimo, três interessados do ramo pertinente a seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados pela Administração, todavia aberta à participação daqueles que, mesmo não tendo sido convidados, forem cadastrados na correspondente especialidade e manifestarem seu interesse com antecedência de 24 horas da apresentação das propostas.

O convite é a mais simples modalidade de licitação, sendo adequado a pequenas contratações em que o objeto não contenha complexidades, ou seja, que possuam pequeno valor. É a única modalidade de licitação que não se exige a elaboração de um edital, já que a convocação é feita por meio da carta-convite, obedecendo a uma antecedência legal de cinco dias úteis.

A Lei nº 8.666/93 ainda garante a participação de outros interessados, desde que cadastrados e que se manifestem nesse sentido em até 24 horas antes da apresentação das propostas. Tal medida visou aumentar o número de licitantes, contudo tornou mais complexo o procedimento. Permitindo, assim, a participação dos "não-convidados", deve a Administração afixar cópia da convocação em local apropriado.

Inicialmente, a modalidade convite deverá contar com o mínimo de três participantes qualificados, isto é, em condições de contratar. A abertura de envelopes será feita em ato público, no dia, hora e local determinado na carta-convite e o julgamento será realizado por uma comissão ou então por servidor designado pela autoridade administrativa.

Ressalta-se que a lei veda que se utilize o convite ou a tomada de preços para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local, que possam ser realizados conjunta e concomitantemente, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de modalidade tomada de preços ou concorrência, respectivamente.

4.2.4 Concurso

O concurso é a modalidade utilizada para a escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmio ou remuneração aos vencedores, de acordo com critérios constantes em edital publicado na imprensa oficial. É comum a sua utilização na seleção de projetos em que se busca a melhor técnica e não o menor preço.

Demonstra ser uma modalidade de natureza especial, porque, apesar de se reger pelos princípios norteadores da licitação e objetivar a escolha do melhor trabalho, dispensa formalidades específicas da modalidade concorrência.

Esta modalidade deverá ser anunciada com ampla divulgação pela imprensa oficial e particular, através de edital, publicado com uma antecedência mínima legal de 45 dias para a realização do evento. A qualificação exigida aos participantes será estabelecida por um regulamento próprio do concurso, que conterá também as diretrizes e a forma de apresentação do trabalho, bem como as condições de realização e os prêmios a serem concedidos.

O julgamento é realizado por uma comissão especial, que será composta por pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhecimento sobre a matéria, sejam ou não servidores públicos. Esse julgamento será realizado com base nos critérios fixados pelo regulamento do concurso.

A contemplação do prêmio ou o pagamento da remuneração é condicionado à cessão, por parte do autor do projeto, dos direitos a ele relativos, a fim de que a Administração possa utilizá-lo de acordo com o estabelecido no regulamento ou no ajuste para sua elaboração.

A classificação dos trabalhos e o pagamento do prêmio ou da remuneração finalizam a modalidade concurso, contudo não é conferido qualquer direito a contrato com a Administração. No que se refere à execução do projeto escolhido, este será objeto de outra licitação, revestida de outra modalidade, vedada a participação do autor como licitante, entretanto, podendo participar da execução do contrato administrativo na qualidade de consultor ou técnico, fiscalização, supervisão ou gerenciamento, exclusivamente a serviço da Administração interessada, conforme prescreve o § 1º do art. 9º da Lei federal nº 8.666/1993.

4.2.5 Leilão

A modalidade leilão é a que ocorre entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis para a Administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados ou, ainda, para a alienação de bens imóveis cuja aquisição haja derivado de procedimento judicial ou de dação em pagamento.

Antes do se iniciar o leilão os bens devem ser previamente avaliados, constando, no edital, o preço mínimo a ser ofertado por aquele que possui interesse em adquiri-lo.

Necessário se faz que o instrumento convocatório descreva detalhadamente os bens que se levam ao leilão, possibilitando sua perfeita identificação. Além disso, o caderno de encargos deve indicar o local onde os bens se encontram na época da realização do certame, possibilitando o exame por parte dos interessados em sua aquisição. O dia, horário e local da realização são ainda especificados no edital.

Vale ressaltar que para a modalidade leilão não se exige habilitação prévia dos licitantes, tendo em vista que a venda é realizada à vista ou em curto prazo. Todavia, admite-se a exigência de um depósito percentual do preço a título de garantia quando o pagamento não for todo à vista.

A oferta de lances nesta modalidade deverá ser verbal, o que se configura como uma disputa pública entre os licitantes enquanto durar o pregão. Aquele licitante que, ao final, oferecer maior lance, de valor igual ou superior ao avaliado previamente, arrematará o objeto da licitado.

4.3 MODALIDADE: PREGÃO

O pregão é a modalidade mais recente de licitação, introduzida no ordenamento jurídico por meio da Medida Provisória nº 2.026, de 4 de maio de 2000, mas hodiernamente regida pela Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, que a estendeu a sua aplicação a todos os entes políticos. Salienta-se que o pregão surgiu no Brasil no ano de 1997, inserido na chamada Lei Geral de Telecomunicações, a Lei nº 9.472/1997.

No pregão, a disputa é feita por meio de propostas e lances em sessão pública, ou, se for o caso, por meio da utilização de recursos de tecnologia da informação. Decerto, essa modalidade pode ser adotada para aquisição de bens e serviços comuns; é dizer, aqueles cujo padrão de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos no edital, independentemente do valor da contratação. Observa-se que a relação de bens e serviços enquadrados no conceito de comum é objeto do Anexo II do Decreto Federal nº 3.555, de 8 de agosto de 2000, com redação alterada pelo Decreto nº 3.784, de 6 de abril de 2001, sendo patente que a referida lista é taxativa, não se admitindo o pregão para bens e serviços que ali não estejam.

Outrossim, estão também excluídos do pregão as contratações de obras e serviços de engenharia, bem como locações imobiliárias e alienações em geral.

Como característica intrínseca e peculiar a essa nova modalidade, observa-se a possibilidade dos licitantes disputarem o objeto do certame por meio de lances verbais ou eletrônicos, reduzindo o preço ofertado nas propostas escritas, assim tornando mais competitivas as compras governamentais.

Outra característica inovadora do pregão é a inversão das fases do procedimento tradicional adotado no art. 43 da Lei nº 8.666/1993 para a modalidade concorrência, visando empreender eficiência no procedimento.

4.3.1 Procedimento do pregão

Como dito acima, a mais peculiar característica do pregão é a inversão da ordem das fases de habilitação e classificação, conforme será abordada a seguir. Entretanto, desde já, cabe ressaltar em linhas gerais o desenrolar desta modalidade.

Em data e local designados no instrumento convocatório, realiza-se a sessão pública do pregão, iniciado com a identificação do licitante ou do seu representante e a verificação de que o mesmo tem poderes para formular proposta e praticar os atos inerentes ao pregão. Em seguida, os licitantes presentes entregam ao pregoeiro, em envelopes separados, a proposta de preços e os documentos de habilitação.

Procede-se então, ao contrário do que ocorre no procedimento tradicional, a abertura dos envelopes contendo as propostas de preços dos licitantes, as quais serão rubricadas pelos presentes. O pregoeiro verifica a conformidade das propostas com requisitos objetivos estabelecidos no edital, classificando-as pela ordem crescente dos preços propostos, ou desclassificando as que se encontrem desconformes.

Os autores das propostas de menor preço e daquelas que não excedam a 10% do valor da menor proposta, poderão participar dos lances verbais do pregão, que visam a ofertar redução dos preços propostos. Caso não haja o mínimo de três propostas nas condições acima expostas, o pregoeiro convocará os autores das menores propostas, até o máximo de três, para participarem dos lances verbais.

O autor da proposta de maior preço, dentre as selecionadas, será o primeiro a ser convidado a apresentar lance verbal, sendo seguido pelo autor do segundo maior preço, e assim sucessivamente, até se atingir a proposta de menor valor, quando se reinicia o ciclo de lances até que estes se esgotem.

Não havendo interesse na formulação de lances verbais por qualquer dos licitantes, será este excluído desta etapa do certame, permanecendo, para fins de classificação das propostas, o último preço por ele ofertado. Por outro lado, não havendo lances verbais, considera-se vencedora a proposta escrita classificada em primeiro lugar.

O pregoeiro deverá, em seguida, decidir motivadamente acerca da exeqüibilidade da proposta classificada em primeiro lugar, rechaçando-a caso seja inexeqüível. Por isso, a proposta deve estar em conformidade com o valor estimado da contratação, com base nas planilhas, orçamentos e todos os dados levantados pela Administração na fase interna do certame.

Verificada a conformidade e exeqüibilidade da proposta classificada em primeiro lugar, proceder-se-á ao exame da documentação de habilitação do licitante que a ofertou. Constatando o atendimento das condições de habilitação fixadas no edital, o licitante será então declarado vencedor, sendo-lhe adjudicado o objeto da licitação.

Entrementes, se esse licitante não atender às condições de habilitação previstas no edital, será inabilitado, passando-se então à análise da documentação de habilitação do licitante cuja proposta tenha sido classificada em segundo lugar e assim sucessivamente, até que se adjudique o objeto a um concorrente que tenha, cumulativamente, apresentado a menor oferta de preço e os documentos de habilitação em conformidade com o edital. Este será proclamado o vencedor do pregão.

Mesmo após o resultado do pregão, é facultado ao pregoeiro negociar diretamente com o licitante vencedor visando à redução do preço ofertado. Entretanto, o licitante não está obrigado a aceitar a proposta de negociação que lhe seja sugerida pelo pregoeiro, uma vez que sua proposta só poderá ser desclassificada se estiver em manifesta desconformidade com os requisitos estabelecidos no edital ou com os orçamentos estimados da contratação, conforme abordado anteriormente.

Não havendo recursos, o pregoeiro adjudicará o objeto do certame ao licitante vencedor, fazendo subir os autos do processo para homologação da autoridade competente, convocando-se em seguida o adjudicatário para assinar o contrato no prazo determinado no edital.

4.4 CONSIDERAÇÕES AO PROCEDIMENTO TRADICIONAL

Observou-se que o procedimento tradicional é composto de duas fases fundamentais: a primeira destinada ao exame dos sujeitos que participam do processo, denominada de habilitação; a segunda concernente ao exame das propostas financeiras, ou seja, a fase do julgamento de ofertas.

Na primeira fase, a Administração verifica se os participantes da licitação preenchem ou não os requisitos necessários previstos em edital e considerados indispensáveis para a futura contratação e execução do contrato. Trata-se de análise das capacitações jurídica, técnica e econômica, bem como regularidade fiscal dos proponentes.

Apenas quando resolvidas definitivamente todas as questões relacionadas à habilitação dos licitantes é que a Administração poderá proceder a abertura dos envelopes que contêm as propostas de preços para o fim de examiná-las e classificá-las.

Isto significa dizer que, somente quando resolvidos todos os recursos administrativos interpostos contra a decisão de habilitação é que pode a Administração dar início à fase seguinte, porquanto os recursos contra a decisão proferida nesta fase têm, por determinação legal, o efeito de sobrestar a marcha do procedimento até que sejam decididos em definitivo pela própria Administração.

Este procedimento, muitas vezes agravado pelo desconhecimento da lei por parte dos licitantes e da Administração Pública, é causa de demora nas aquisições governamentais e enorme litigiosidade entre os proponentes, o que tem acarretado perdas significativas ao Poder Público, derivadas do elevado tempo na conclusão dos processos.

Em razão de tais fatores, o procedimento tradicional passou a ser visto como um dos pontos de inoperância na Administração Pública. Licitar passou a ser considerado pelos gestores da coisa pública como sinônimo de administração ineficiente, na medida em que os processos tendem a se estender no tempo e, muitas vezes, culminam na celebração de contratos com valores acima daqueles praticados no mercado.

Visando melhorar essa realidade, uma vez que ela não poderia se perpetuar, o legislador foi alterando a Lei nº 8.666/1993 para que se ampliassem os casos de contratação direta, ou seja, sem licitação, acrescendo ao rol taxativo do art. 24 do diploma legal sobredito as hipóteses de dispensa.

Aliás, a própria Constituição Cidadã de 1988 foi emendada para permitir às empresas estatais exploradoras de atividade econômica a adoção de estatuto jurídico próprio que disponha sobre licitações e contratações, no intuito de esquivar-se do moroso procedimento geral.

Também não se pode esquecer o aumento significativo de contratações emergenciais ante a premência na satisfação das necessidades coletivas ou da própria Administração e a dificuldade de se concluir os respectivos processos licitatórios em tempo razoável, erigido a princípio no texto constitucional. Curiosamente, cursos a mancheias pretendem ensinar como contratar sem licitação.

Todos esses fatores indicam que o procedimento tradicional merece uma urgente reformulação, atendendo os novos anseios da eficiência, celeridade, economicidade que a Administração pública deve curar.

Nesse contexto que surge o novo procedimento instituído pela modalidade pregão, que tem, na inversão de fases, uma das soluções para combater as deficiências observadas no procedimento tradicional, sendo, esse novo componente, o objeto de exame no próximo capítulo.


5 A INVERSÃO DE FASES

Visto o procedimento tradicional e suas modalidades correlatas, com suas fases de habilitação e julgamento, o pregão e seu novo procedimento, bem como realizadas as pertinentes considerações ao primeiro procedimento, cabe então observar a inversão de fases do procedimento trazida pela modalidade pregão de forma isolada, realizando também considerações a este novo procedimento.

5.1 CONSIDERAÇÕES AO NOVO PROCEDIMENTO

Conforme observado acima, na ordem tradicional estabelecida na Lei nº 8.666/1993, a fase de habilitação precede a de julgamento das propostas financeiras, é isso se torna um verdadeiro gargalo na licitação, pois os diversos proponentes aproveitam o momento para tumultuar o processo, interpondo recursos protelatórios cujo efeito, é meramente de suspender o andamento do procedimento.

Observa-se que, somente após a decisão a respeito de todos os documentos de habilitação dos proponentes (e também de todos os recursos interpostos, o que não se pode olvidar), é que o procedimento desemboca na fase de apreciação das ofertas dos licitantes habilitados.

Como dito alhures, quando da análise da aplicação da eficiência nas licitações públicas, tornou-se praxe as Comissões de Licitação destacarem pequenos equívocos na formulação de propostas ou na tramitação processual, desembocando em uma perspectiva meramente formalista, implicando numa saraivada de reclamações, impugnações e recursos protelatórios, que são manejados por licitantes avessos à competição legítima ou, ainda, insatisfeitos com os seus resultados.

De corolário, tenta-se freqüentemente obter pleno êxito no objetivo de atravancar ou desfazer pela anulação os procedimentos que tenham sido contrários aos seus interesses, muitas vezes de tímidos escrúpulos.

Nessa concepção de eficiência buscam-se medidas que efetivem tornar o procedimento licitatório mais objetivo para não mais comportar atos ou decisões que privilegiem ou que enalteçam a mera forma em detrimento de resultados.

Com efeito, não raro deparar-se o operador do Direito com o ato administrativo que anula sumariamente certame longo e oneroso, respaldado por óbvio na legalidade, contudo, infringindo o conjunto da obra, qual seja, moralidade, probidade, economicidade, seleção da proposta mais vantajosa e, por fim, eficiência. Claro que dentro da mentalidade administrativa tradicional, tal ato é considerado legítimo desde que se tenha registrado nos meandros do processo qualquer ínfima discrepância relativa à interpretação mais literal da norma.

Como disse Mota, citado por Bullos (2000, p. 566): “é usual sobrepor-se o inessencial e o contingente, com prejuízo da economicidade e da eficácia na contratação”.

Decerto, a inversão de fases do procedimento licitatório representa ganho de agilidade e rapidez no certame, pois o número de documentos a serem analisados pelo condutor da licitação é significativamente menor, dês que se analisarão tão-somente os requisitos habilitatórios do proponente classificado em primeiro lugar. Essa medida traz economia de tempo e também processual, o que, logicamente, resultará em ganho da eficiência. Tal pensamento encontra respaldo nas atualizações promovidas na obra de Hely Lopes Meirelles (2002, p. 99):

Inverte-se a ordem procedimental: procura-se verificar primeiro quem venceu a etapa comercial, para depois conferir os documentos de habilitação do vencedor. Suprime-se, assim, tempo precioso despendido no exame da documentação de concorrentes que foram eliminados no julgamento das propostas.

A professora baiana Alice Gonzáles Borges, citada por Vera Scarpinella (2003, p. 120), relata que a sugestão de inversão de fases do procedimento licitatório foi aquela que mais causou aceitação da comunidade jurídica em seminário para debater a reforma na Lei Geral de Licitações, e ao final, foi acolhida na nova modalidade de pregão.

De acordo com Borges, a proposta ventilada por Jessé Torres Pereira Jr. e Marçal Justen Filho teve inspiração no exemplo das licitações promovidas por agentes financiadores internacionais. Decerto, as “Guidelines” adotam a inversão de fases em seu procedimento, demonstrando ser uma solução simples e racional.

Sobre as Guidelines dos agentes financiadores internacionais e a inversão das fases lá determinadas, esclarecedores são os comentários de Rosoléa Miranda Folgosi em lição trazida a lume por Vera Scarpinella (2003, p. 121), no sentido de que nas licitações financiadas pelo Banco Mundial

As Guidelines estabelecem a inversão das fases de habilitação e julgamento quando não tiver havido pré-qualificação. Deve-se primeiro analisar as propostas comercial (preço) e técnica dos licitantes e selecionar a mais vantajosa, sendo que só depois é que se fará a análise dos documentos de habilitação da licitante vencedora. Caso seja ela inabilitada, proceder-se-á à análise da habilitação da segunda colocada. Esse procedimento é diferente do previsto na Lei nº 8.666/1993, o que não significa dizer que afronte seus princípios ou princípios constitucionais respeitantes à licitação. Trata-se de um procedimento interessante, que poderia ser adotado em eventual modificação da Lei n 8.666/1993, visto que (a) agiliza o procedimento licitatório. A comissão de licitação só irá analisar os documentos dos licitantes que tenham ofertado o menor preço; (b) não haverá recursos administrativos, liminares em processos judiciais etc. a respeito da habilitação de licitantes cujas propostas comerciais não os coloquem em boa classificação; (c) dificulta conchavos entre os licitantes, tais como aqueles em que os licitantes vão à sessão de abertura com vários envelopes de preços, optando por um ou outro em face da presença de tais ou quais concorrente.

Pelo visto, a inversão de fases, além de um ganho em celeridade, gera um ganho em probidade ao dificultar os conchavos entre licitantes, o que se constitui num verdadeiro câncer nos procedimentos licitatórios.

Para Ivan Barbosa Rigolin e Marco Tullio Botinno (2002, p.448-449), a inversão de fases é a mais inteligente idéia que há décadas não ocorria em matéria de licitação, porque coíbe o que eles consideram principal drama nos procedimentos seletivos: a violação ao princípio da competitividade. De forma espirituosa, asseveram que “as sete pragas do Egito acontecem todas ao mesmo tempo, seguidas ainda de mazelas outras de todo gênero e matiz, e virulência”.

Salutar também é transcrever a comparação realizada pelos autores citados entre a inversão de fases e as regra de seleção nos concursos públicos:

Recorde-se aqui o exemplo dos concursos públicos modernamente realizados, para os quais as inscrições dos interessados são aprioristicamente aceitas sem muita delonga ou condição, para apenas a documentação dos aprovados e classificados, quando convocados, ser apreciada a fundo como condição para o empossamento. Imagine-se, como ocorria até o passado recente, apreciar-se logo de início toda a documentação de todos os por vezes milhares de candidatos, com ainda possibilidade de esses apresentarem recursos do indeferimento das inscrições, para apenas após isso realizar-se o concurso! Aquilo, que daquele modo ocorria no passado, diante do que se faz hoje, lembra a evolução da roda quadrada para a roda redonda, e exatamente ilustra a inversão das fases da licitação que o pregão proporciona.

Observa-se que a inovação discutida possibilita um estimulo à competitividade, melhorando a apreciação da melhor proposta e realização do interesse público. Invertendo-se as fases, há uma possibilidade real de redução do preço das propostas iniciais por meio de lances verbais dos participantes e, a não exigência prévia de habilitação e garantias aumenta o número de concorrentes e estimula a competitividade.

O legislador abriu mão de exigências de habilitações prévias e garantias, e passou a optar por selecionar aquele que melhor poderá suprir a sua necessidade.

5.2 DA RESSALVA AO NOVO PROCEDIMENTO

Contudo, nem todos vêem com otimismo a nova regra de inversão de fases do procedimento licitatório. De fato, parcela significativa da doutrina aponta ressalvas e objeções à novidade.

Dentre as principais críticas encontram-se aquelas que a adoção de inversão de fases acarretaria perda na transparência do procedimento, uma vez que, aquele que conduz o certame, tenderia a ser flexível na análise dos documentos habilitatórios do proponente que sabidamente apresentasse oferta favorável à Administração Pública, ou de outra banda, mais rígido no caso da proposta classificada em primeiro lugar consignar preço consideravelmente reduzido, tornando-a inviável. Observa-se então, a preocupação com a insegurança que o excesso de eficiência pode trazer às licitações públicas.

Compondo a bancada daqueles que possuem posicionamento contrário à aplicação da norma, encontra-se Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem razões de ordem lógica e princípios fundamentais da licitação impediriam o julgamento das propostas antes da sua habilitação.

De acordo com Vera Scarpinella (2003, p. 122-123), o raciocínio do ilustre doutrinador se apóia no fato de a decisão quanto à habilitação dos proponentes antes da fase de julgamento, evita que a classificação das propostas influa na apreciação dos documentos relativos à habilitação, o que comprometeria a objetividade e a isonomia do certame. Desta forma, é que a autora cita Celso Antônio Bandeira de Mello, determinado suas razões de ordem lógicas e de princípios, que diz:

a) Razões de ordem lógica

118. Desde logo, não seria racional nem conseqüente estabelecer-se uma fase prévia à fase de exame das propostas e ao depois integrá-las em uma única, até porque tal proceder poderia levar à inversão da seqüência fixada, isto é, redundar em qualificação ou desqualificação de proponente em função da proposta, resultado rigorosamente oposto à razão de ser do itinerário seqüencial. Outrossim, a própria classificação das propostas acabaria por influir nos critérios para admissibilidade ou rejeição dos proponentes frustrando o objeto essencial, nuclear, da seqüência estatuída.

Deveras, se a precisa finalidade da sucessividade das fases consiste em evitar que os critérios norteadores das decisões tomadas em uma fase se confundam ou se deixem influenciar pelos critérios que devem presidir os objetivos da outra, a confusão entre ambas põe por terra a razão lógica que estrutura o procedimento licitatório.

Demais disso, é fácil compreender que inexistiria válvula maior para comprometimento da isenção nos julgamentos e da ‘probidade administrativa’ – valor consagrado constitucionalmente, como retro-observado – do que se admitir o tumulto nas diversas fases, pela concomitância e eventual inversão de sua cronologia.

Desdenhar a sucessão ordenada das fases do procedimento licitatório equivaleria a torná-lo o mais rúptil e quebradiço dos meios de tutela de bens jurídicos.

É meridiano, é solar, que a habilitação compreende unicamente o exame das condições subjetivas com o propósito de determinar quem pode ser considerado em condições de ofertar, em hipótese alguma caberá conhecer das ofertas, isto é, das propostas enquanto não resolvida preliminarmente a questão antecedente, pena de ilogismo, de irracionalidade do próprio procedimento, tal como foi concebido.

Além desses óbices lógicos cujo desconhecimento, sobre enfermar-lhe a coerência, propiciaria resultados injurídicos, outros obstáculos se antepõem ao desrespeito da ordem sucessiva constitutiva das fases da licitação.”

Já no que se refere às suas razões contrárias a aplicação da inversão de fases em virtude de ferir os princípios da licitação, segue o Autor:

c) Razões de princípio

120. A licitação visa resguardar, como já foi anotado, quer interesses relativos ao melhor negócio para o Poder Público, quer interesses concernentes à igualdade de participantes do certame. O atendimento deles resulta na garantia da probidade administrativa em última instância protege o próprio interesse público, bem supremo que fundamenta toda a ordem do Estado de Direito – qual seja, a obediência ao sistema normativo.

Ora, se a sucessão legal das fases fosse inobservada, resultariam facilidades para tratamento desigual entre participantes do certame. O prévio conhecimento do teor das propostas põe em risco o pressuposto de isonomia na fase de habilitação, permitindo que o juízo sobre o teor das propostas refluísse sobre o juízo concernente à idoneidade dos participantes da licitação. Se a qualificação puder sofrer influência ditada pelo conhecimento das propostas, obviamente o exame da habilitação não poderá se beneficiar das condições de isenção necessárias à garantia de um tratamento isonômico, violando-se nisto o fundamental princípio da igualdade entre os participantes.

E mais: se faltar (em momento anterior à abertura dos envelopes-propostas) a expressa declaração administrativa de quais licitantes habilitados, ato que abre ensanchas à via recursal, obstrui-se o caminho revisional a que fazem jus os concorrentes inconformados, no que, igualmente, ficam desigualados em relação aos participantes concordes com a decisão.

Ora, como uns e outros têm igualmente direito a um reexame da decisão por instância superior, aqueles a quem interessa a medida recursal (seja quando, por inabilitados, postulam a habilitação, sejam quando, habilitados, pleiteiam inabilitação do concorrente) vêm sonegadas suas pretensões a reexame tempestivo, efetuado na ocasião em que podem obter uma análise isenta e por isso mesmo isonômica.

Como se observa das lições, o medo que se instala é de justamente uma inovação desse porte vir a prejudicar o procedimento licitatório no que se refere a não observar os demais princípios que o norteiam. Contudo, a introdução de uma medida que visa trazer eficiência às licitações não pode ser imposta isoladamente, sob pena de não atender ao quanto prega integralmente o princípio da eficiência, uma vez que não basta acelerar o procedimento para logo celebrar um contrato, mas deve-se ter um procedimento célere sem descuidar-se da segurança que se espera dele.

Uma medida para ser eficiente deve somar-se aos demais princípios norteadores da Administração Pública, e por conseqüência, os demais princípios das Licitações Públicas, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito. É neste sentido que Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2002, p. 84) se posiciona, quando leciona que:

No livro Parcerias na administração pública (1997:162), já tivemos a oportunidade de realçar a acentuada oposição entre o princípio da eficiência pregado pela ciência da Administração, e o princípio da legalidade, imposto pela Constituição como inerente ao Estado de Direito. Lembramos, então, o ensinamento de Jesus Leguina Villa (1995:637) a respeito dessa oposição entre os dois princípios quando o autor afirma: ‘Não há dúvida de que a eficiência é um princípio que não se deve subestimar na Administração de um Estado de Direito, pois o que importa aos cidadãos é que os serviços públicos sejam prestados adequadamente. Daí o fato de a Constituição o situar no topo dos princípios que devem conduzir a função administrativa dos interesses gerais. Entretanto, a eficiência que a Constituição exige da Administração não deve se confundir com a eficiência das organizações privadas nem é, tampouco, um valor absoluto diante dos demais. Agora, o princípio da legalidade deve ficar resguardado por que a eficácia que a Constituição propõe é sempre suscetível de ser alcançada conforme o ordenamento jurídico, e em nenhum caso ludibriando este ultimo, que haverá se ser modificado quando sua inadequação às necessidades presentes constitua um obstáculo para a gestão eficaz dos interesses gerais, porém nunca poderá se justificar a atuação administrativa contrária ao direito, por mais que possa ser elogiado em termos de pura eficácia.

Tal preocupação com a insegurança também foi analisada por Edith Mesquita Hupsel e Leyla Bianca Correia Lima da Costa (2006, p. 220), autoras do anteprojeto da lei baiana de licitações e contratos, expondo em seus comentários que:

A questão, entretanto, parece que já se encontra pacificada. Desde que a alteração do procedimento não venha a pôr em risco a observância dos princípios gerais da Administração Pública – legalidade, publicidade, moralidade, isonomia e eficiência - e os princípios específicos da licitação – generalidade da licitação, ampliação de universo de licitantes, julgamento objetivo, sigilo das propostas, vinculação ao instrumento convocatório, formalismo – a alteração do procedimento licitatório, quanto às suas fases, não afronta às normas gerais instituídas pela União.

5.3 NOVOS DIPLOMAS QUE ESTABELECEM A REGRA

Observa-se que a idéia de inversão das fases do certame propaga-se e ganha força a cada dia, tanto que dois importantes diplomas normativos introduziram a inversão de fases no intuito de tornar mais eficiente o desenvolvimento das licitações públicas.

Dentre essas lei, deve-se comentar em primeiro lugar a Lei nº 11.079/2004, que trata das Parcerias Público-Privadas, quando no seu art.13 indica que o edital poderá prever a inversão de fases do procedimento.

Em segundo lugar, vale destacar a lei de licitações do município de São Paulo, Lei Municipal nº 14.145/2006, que estabeleceu a inversão de fases, onde couber, nas licitações realizadas pelas modalidades concorrência pública, tomada de preços, carta convite, leilão e concurso, certamente inspirada na inovadora lei baiana de licitações.

A propósito, e direcionando-se para uma realidade local, necessário se faz abrir um tópico para tecer comentários à lei baiana de licitações e contratos administrativos, promulgada a 01 de março de 2005.

5.2.1 A lei baiana – lei estadual nº 9.433/2005

A nova lei baiana de licitações e contratos administrativos, Lei Estadual 9.433, de 01 de março de 2005, traz também a inversão de fases visando operacionalizar a eficiência nos procedimentos ocorridos no âmbito do Poder Executivo Estadual, em consonância com as normas gerais estabelecidas pelo estatuto federal.

O diploma legal enfocado não vem somente revogar diploma legal datado de 08 e abril de 1986, por isso sem consonância com a Constituição Federal de 1988 e a Constituição Estadual de 1989, além do diploma federal de licitações e contratos administrativos de 1993. Em verdade, ela traz também inúmeras inovações no tocante ao procedimento, frutos da observação das dificuldades da Lei nº 8.666/93 e das vantagens vivenciadas pela Lei do Pregão.

Conforme dito acima, sua principal inovação foi a inversão de fases do certame em todas as modalidades de licitação, determinando tal conduta no seu art. 78, que informa ser primeiramente realizada a abertura dos envelopes contendo as propostas de preço, para somente após julgamento e classificação destas propostas, proceder à abertura do envelope de habilitação dos classificados nos três primeiros lugares.

Ressalta-se mais uma vez que a inversão de fases não se restringe somente ao pregão, mas estende-se a todas as modalidades das licitações instauradas pelo Estado da Bahia, seja concorrência, tomada de preço ou concurso.

Em recente livro, Edith Mesquita Hupsel e Leyla Bianca Correia Lima da Costa (2006, p. 219), assim comentam acerca da inversão de fases no estatuto baiano:

De plano, o inc. I traz a inversão das fases da licitação com relação ao procedimento instituído pela Lei Federal de Licitações, em vigor. Primeiro, a abertura dos envelopes contendo as propostas de preço. Em seguida é que são abertos os envelopes coma documentação relativa á habilitação dos concorrentes classificados nos três primeiros lugares.

Essa inversão já é utilizada nas licitações decorrentes de recursos provenientes de financiamentos ou doações, oriundos de agência oficial de cooperação estrangeira ou organismo financeiro multilateral de que o Brasil seja parte. As normas e procedimentos daquelas entidades já prevêem a inversão de fases.

Também a Lei Federal nº 11.079/204, que institui normas gerais para licitação e contratação de PPP, no âmbito da Administração Pública, no seu art. 13 dispõe que, para tais contratações, o edital de licitação poderá prever a inversão de fases de habilitação e julgamento.

Discutem alguns doutrinadores sobre a possibilidade das diversas entidades federais disciplinarem o procedimento licitatório, de forma diversas da disciplinada na Lei Federal que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, regulamentando o art. 37, inc. XXI, da CF/88.

Partidário da inversão de fase em todas as modalidades, Dirley da Cunha Jr. (2006, p. 422) fez expressa referência em seu manual no sentido de que a utilização prestigia o princípio da eficiência, assim arrematando:

Questiona-se muito a respeito da ordem ou seqüência das fases ou etapas do procedimento da concorrência e, de resto, das demais modalidades de licitação (com exceção do pregão, que teve invertida as fases de habilitação e classificação). Colhe o entendimento generalizado de que o procedimento licitatório seria mais consentâneo com o princípio da eficiência se a fase de classificação precedesse a fase de habilitação.

E continuou o Autor (2006, p. 423), agora com esteio em artigo de Edith Mesquita Hupsel:

Inverteu a Lei nº 9.433/05 as fases do procedimento licitatório, disciplinando que a classificação das propostas dar-se-á em momento anterior ao da habilitação dos licitantes, não aplicando o iter previsto no art. 43 da lei federal.

Uma simples inversão de fases, uma modificação no procedimento fixado pela Lei federal nº 8.666/93. Não traduz essa inversão em desrespeito ao comando da Lei Maior Federal.

Primeiramente, porque regras de procedimento administrativo são próprias e privativas da competência das entidades federadas, desde que não importem, nem gerem, desrespeito a princípios constitucionais regedores do processo/procedimento. [...]

Observados os princípios da legalidade, moralidade, igualdade, publicidade, motivação, contraditório, ampla defesa e segurança jurídica, que constituem a pauta principiológica básica, consagrada na Constituição Federal, podem as entidades federadas legislar em processo e procedimento administrativo.

Indubitavelmente, a inversão de fases da licitação, trazida pela lei baiana, abraça amorosamente o princípio da eficiência. Se assim não fora, a inversão não estaria positivada nas normas licitatórias de organismos financeiros multilaterais internacionais.

Também a Lei Federal nº 10.520/02 traz a inversão de fases na licitação realizada sob a modalidade pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, para a Administração Pública como um todo.

O diploma legal federal que regulamenta as parcerias público-privadas – Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004 – prevê a possibilidade de inversão de fases na licitação, com vistas à celeridade e à eficácia dos procedimentos licitatórios realizados para tais contratações.

5.4 O PROJETO DE LEI Nº 7.709/2007.

Encontra-se tramitando no Congresso Nacional um projeto de lei que vai trazer algumas inovações à Lei nº 8.666, de 1993. Dentre estas, o texto inclui a inversão de fases do procedimento, estendendo-o agora esta norma a todas as modalidade licitatórias no âmbito federal, a exemplo do que já acontece nas licitações do Estado da Bahia, conforme visto acima.

Acredita-se que com a instituição de inversão de fases do procedimento haja redução dos custos da administração. Com efeito, o objetivo é agilizar os procedimentos, a eficiência das contratações governamentais, uma vez que o Pregão, que já utiliza a inversão das fases, tornou-se a modalidade mais ágil da administração pública.

Ora, observa-se que se uma licitação receber 20 propostas e tiver três fases distintas, significa que há 60 possibilidades distintas de recursos (obvio que não se faz alusão a desrespeito ao exercício do contraditório). O que se pretende é dar objetividade ao certame, trazendo assim a eficiência necessária.

Outrossim, pertinente é a análise na integra da exposição de motivos do Projeto de Lei nº 7.709/2007:

EM nº 00272/2006/MP

Brasília, 21 de novembro de 2006.

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

1. Submeto à superior deliberação de Vossa Excelência a anexa proposta de alteração da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, e dá outras providências.

2. A Administração Pública tem concentrado esforços e investimentos na busca de contemporizar o emprego de procedimentos compatíveis com a evolução em todos os níveis, de forma que os atos traduzam resultados que preservem os princípios da Administração Pública e sejam eficientes e transparentes.

3. Em face da competência constitucional para editar normas gerais sobre licitações e contratos, a União deve adotar políticas e diretrizes governamentais que proporcionem aprimoramentos e o aproveitamento racional da tecnologia disponível nos diversos níveis de Governo.

4. As alterações propostas visam adequar as licitações e contratações governamentais às novas tecnologias de informações presentes no cenário brasileiro atual, bem como atender aos princípios de transparência, economicidade, competitividade e celeridade das contratações governamentais com vistas a tornar o processo licitatório concomitante com as melhores práticas mundiais.

5. A utilização dos recursos tecnológicos adotados nos procedimentos licitatórios na modalidade de Pregão, instituída pela Lei Federal nº 10.520, de 17 de julho de 2002, resultou em significativa redução do custo operacional e financeiro.

6. As alterações sugeridas estão em consonância com a jurisprudência consolidada, bem como incorporam experiências acumuladas no período de vigência da lei de licitações e contratos.

7. Um dos mecanismos de redução nos custos propostos no projeto consiste na previsão de substituição da publicação na imprensa oficial pela publicação em sítios eletrônicos oficiais da administração, desde que certificados digitalmente por autoridade certificadora credenciada no âmbito da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.

8. O sistema de compartilhamento e a centralização de informações e dados relacionados às contratações governamentais trazem um benefício direto à administração, haja vista a maior facilidade de verificação dos dados e uniformização dos procedimentos. Nesta esteira fica instituído, neste projeto, o Cadastro Nacional de Registros de Preços e o acesso compartilhado ao Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores - SICAF.

9. Com base nessas justificativas constam da proposta as seguintes alterações substanciais:

a) estabelecimento da obrigatoriedade da utilização da modalidade licitatória de pregão para aquisição de bens e serviços considerados comuns;

b) introdução dos  conceitos de bens e serviços comuns e sítio eletrônico oficial da administração pública;

c) instituição do Cadastro Nacional de Registros de Preços a ser disponibilizado às unidades administrativas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

d) atribuição de eficácia às publicações nos sítios eletrônicos oficiais certificados por autoridade certificadora credenciada no âmbito da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira, ICP-Brasil;

e) estabelecimento da possibilidade de uso de sistemas eletrônicos em todas as modalidades de licitação;

f) adequação do número mínimo de propostas válidas na modalidade convite ao entendimento consolidado do Tribunal de Contas da União e à doutrina dominante;

g) inclusão da modalidade de pregão nas hipóteses de licitações internacionais visando à contratação de bens e serviços comuns;

h) inclusão de dispositivo que impossibilite de participar em licitações públicas pessoas físicas e/ou jurídicas que tenham praticado atos contrários à ordem pública e sejam declaradas suspensas de licitar e contratar, ainda que participantes de outra pessoa jurídica;

i) assegura às unidades administrativas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a possibilidade de acesso ao Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores - SICAF, administrado pela União;

j) estabelecimento da possibilidade de inversão das fases em todas as modalidades de licitação;

l) diminuição dos prazos recursais e inclusão da fase saneadora no processo recursal de modo a aperfeiçoar e dar celeridade à sistemática licitatória.

10. São essas, Senhor Presidente, as razões que me levam a propor a Vossa Excelência o encaminhamento do Projeto de Lei em questão.

Respeitosamente,

Paulo Bernardo Silva

Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Observados os motivos, cabe então trazer os dispositivos do novo Projeto de Lei nº 7.709/2007, que diretamente convalidam as informações contidas neste trabalho, no que se refere à inversão de fases do procedimento licitatório e a eficiência que ela trará às na sua relação com fornecedores, prestadores, compradores, locatários, parceiros, dentre outros, e também para que se selecione a melhor proposta para firmar-se futuro contrato:

§ 10.  Pregão é a modalidade de licitação para aquisição de bens e serviços comuns, independentemente do valor estimado da contratação, em que a disputa pelo fornecimento ou prestação de serviço é feita por meio de proposta e lances em sessão pública presencial ou à distância, na forma eletrônica, mediante sistema que promova a comunicação pela internet, nos termos da Lei no 10.520, de 2002.” (NR)

“Art. 23.

[...]

§ 3o  A concorrência é a modalidade de licitação cabível, qualquer que seja o valor de seu objeto, tanto na compra, alienação ou permissão de uso de bens imóveis, ressalvado o disposto no art. 19, na contratação de parceria público-privada, nos termos da Lei no 11.079, de 30 de dezembro de 2004, como nas concessões de direito real de uso e nas licitações internacionais, admitindo-se neste último caso, observados os limites deste artigo, a tomada de preços, quando o órgão ou entidade dispuser de cadastro internacional de fornecedores ou o convite, quando não houver fornecedor do bem ou serviço no País, ou ainda o Pregão nos casos de bens e serviços comuns.

 “Art. 43

[...]

§ 1o  A Administração poderá inverter as fases de habilitação e propostas, observando os seguintes procedimentos:

I - abertura dos envelopes contendo as propostas de todos os participantes, verificando sua conformidade na forma do inciso IV do caput, desclassificando as propostas desconformes ou incompatíveis;

II - julgamento e classificação das propostas de acordo com critérios de avaliação constantes do edital;

III - abertura do envelope e verificação da documentação relativa à habilitação exclusivamente do primeiro classificado;

IV - inabilitado o primeiro classificado, a Administração analisará a documentação relativa à habilitação do segundo classificado, e assim sucessivamente, na ordem da classificação, até que um licitante classificado atenda às condições fixadas no edital;

V - deliberação da autoridade competente quanto aos recursos interpostos;

VI - devolução dos envelopes aos licitantes inabilitados que não interpuseram recurso; e

VII - deliberação da autoridade competente quanto à homologação e adjudicação do objeto da licitação.

Assim, ainda que a modificação faculte ao Administrador, uma vez que usa o termo “poderá”, a lei lhe oferece a possibilidade de inverter as fases do procedimento em todas as modalidades licitatórias, justamente no intuito de aplicar as benesses observadas no pregão a todas as modalidades.

Contudo, essa faculdade não pode ser vista isolada, ferindo os demais princípios que norteiam a administração pública e suas relações. Não há como negar que, se a lei institui um “poder” para o Administrador nas atribuições de sua função, é para que ele solucione, frente aos casos concretos, os diversos problemas que possam surgir em meio aos certames licitatório. Então, frente ao caso concreto, deverá o Administrador aplicar a inversão de fases, trazendo a eficiência que se espera do certame.

Decerto, este “poder” não pode em hipótese alguma ser encarado como escolha, faculdade, excesso de discricionariedade dado ao Administrador ou algo que fuja da segurança jurídica que deve imperar, mas como um “dever” que possui este de agir quando estiver diante de uma situação típica que o exija. Sendo assim, a norma está falando de um “dever-poder”, que objetiva exclusivamente atingir o interesse público. Sobre o tema há que observar as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (2001, p. 81), que diz:

Tem-se função apenas quando alguém está assujeitado ao dever de buscar, no interesse de outrem, o atendimento de certa finalidade. Para desincumbir-se de tal dever, o sujeito de função necessita manejar poderes, sem os quais não teria como atender à finalidade que deve perseguir para satisfação do interesse alheio. Assim, ditos poderes são irrogados, única e exclusivamente, para propiciar o cumprimento do dever a que estão jungidos; ou seja: são conferidos como meios impostergáveis ao preenchimento da finalidade que o exercente de função deverá suprir.

Segue-se que tais poderes são instrumentais: servientes do dever de bem cumprir a finalidade a que estão indissoluvelmente atrelados. Logo, aquele que desempenha função tem, na realidade, deveres-poderes. Não ‘poderes’ simplesmente. Nem mesmo satisfaz configurá-los como ‘poderes-deveres’, nomenclatura divulgada por Santi Romano.

[...] Ora, a Administração pública está, por lei, adstrita ao cumprimento de certas formalidades, sendo-lhe obrigatório objetivá-las para colimar interesse de outrem: o da coletividade. É em nome do interesse público – o do corpo social – que tem de agir, fazendo-o na conformidade da ‘intetion legis’.

Inconteste então que o interesse público é indisponível, havendo o Administrador que concorrer de todas as formas que a lei lhe oferece para atingi-lo. Sobre a indisponibilidade do interesse público nas licitações bem discorre Marçal Justen Filho (1999, p. 62) em seus ensinamentos:

A licitação envolve práticas de uma série ordenada de atos jurídicos (procedimento) que permita aos particulares interessados apresentarem-se perante a Administração, competindo entre si, em condições de igualdade. O ideal vislumbrado pelo legislador é, por via da licitação, conduzir a Administração a realizar o melhor contrato possível: obter a maior qualidade, pagando o menor preço. Rigorosamente, trata-se de desdobramento do princípio mais básico e fundamental que orienta a atividade administrativa do Estado. Toda atuação administrativa se orienta à consecução do interesse público. O administrador não possui disponibilidade do interesse que persegue. Em alguns casos, a Lei faculta ao administrador liberdade para escolher o modo de realizar esse interesse. Surgirá a discricionariedade, que significa, contudo, liberação do administrador quanto ao fim perseguido. Mesmo quando a administração recorrer à colaboração de um particular, não estará dispensada do dever de busca do interesse público. Alias, supõe-se que a convocação à participação do particular retrata a busca do interesse público. Essas considerações teóricas seriam insuficientes, porém, para assegurar sua concretização. Evita-se que a escolha do caminho para obter o interesse público fique na simples cogitação pessoal e particular do administrador.

Desta forma, a nova norma que entrará em vigor poderá trazer à licitação pública e, conseqüentemente à Administração Pública, a modernização esperada, incluído-a na nova realidade que reportada à introdução, para selecionar a melhor proposta de forma mais eficiente possível, e, assim, observar o rendimento, celeridade e perfeição que dele se espera.


6 CONCLUSÃO

O princípio da eficiência não pode simplesmente constar de um postulado constitucional, nem mesmo está expresso de forma solta em texto de lei. Ele tem que ser efetivo, pois está impregnado na lei com o objetivo de trazer celeridade, rendimento e perfeição ao ato que irá ser praticado pela Administração, reduzindo seus custos e ampliando seus ganhos.

Que as modificações na estrutura Estatais não são simples, isso é notório. Contudo é dever do Estado encontrar caminhos que possam assegurar e impor a eficiência nos serviços por ele oferecidos.

É uma necessidade urgente encontrar um procedimento novo para aposentar o obsoleto modelo tradicional a fim de selecionar a melhor proposta. Neste aspecto, o Estado vem demonstrando sua capacidade de dar as respostas que dele se espera, ousando estender à todas as modalidades uma simples mudança que vem tendo efeito satisfatório.

Ora, a inversão de fases no procedimento é um mero fio no tecido que mostra ser a Administração Pública. Entretanto, a idéia modifica todo o caminho da atuação estatal para a sua subsistência como consumidor, parceiro e fornecedor. Trata-se de um instrumento inovador, configurando-se em uma verdadeira quebra de paradigmas no contexto histórico de seleção para contratações governamentais de nosso ordenamento jurídico.

A instituição da inversão de fases de licitação a pela Administração Pública Federal aponta para uma modernização do sistema de licitação, objetivando conferir à Administração um meio mais econômico, célere e eficaz para as contratações, otimizando o rito procedimental e aumentando a competitividade entre os licitantes, sem embargo de reduzir os custos e os valores das propostas.

A nova regra representa uma desejável aplicação do princípio constitucional da eficiência, com a agilização e simplificação do procedimento licitatório, propiciando maior efetividade funcional. Isto, na medida em que propicia, a todos os participantes do certame, a oportunidade de verem examinadas e discutidas a sua proposta, sem as prévias barreiras e delongas da habilitação.

Observou-se ainda que a inversão de fases prepondera para o perfeito atendimento do princípio da eficiência, uma vez que viabiliza resultados satisfatórios com uma redução significativa dos valores das ofertas, além de propiciar maior agilidade às contratações que, em regra, ocorrem com maior celeridade por meio da utilização de seu rito procedimental menos burocratizado.

Esse novo rito administrativo coaduna-se com uma mentalidade de probidade e responsabilidade que vem sendo impregnada na mentalidade do Administrador, pugnando cada vez mais pela transparência na gestão e viabilização de instrumentos preservadores do interesse público.

Dessa forma, resta evidente a importância desse novo modelo de procedimento licitatório para a Administração Pública, como uma forma de melhorar as atividades do Administrador na sua gestão, sempre tendo em mente os seus princípios norteadores na atividade administrativa, quais sejam: o da legalidade, moralidade, publicidade, dentre outros.

O atual cenário brasileiro apresenta-se envolto em investigações acerca de fraudes e corrupções no âmbito das licitações públicas, com o desvendamento de favorecimentos e da prevalência de interesses particulares camuflados no suposto interesse público, levantando novas discussões sobre a defasagem do procedimento tradicional das licitações e a progressiva utilização de mecanismos asseguradores de transparência e maior fiscalização dos gastos de recursos públicos.

O procedimento para contratações públicas não pode oferecer espaço para a corrupção. O modelo tradicional perpetuou na administração pública as negociatas e conchavos para o superfaturamento de preços e direcionamento de contratações. Isso ocorre por problemas inerentes a este sistema tradicional, que necessita de reavaliação, criando-se mecanismos que retirem tais práticas corruptas do cotidiano da máquina pública.

Apesar da inquestionável melhora em relação ao sistema antigo, o novo procedimento não pode ser tratado como única medida capaz de efetivar a eficiência. Devem ser consolidadas a mentalidade e consciência de todos os agentes públicos, licitantes, e sociedade em geral a respeito da moralização e democratização da gestão pública, com a otimização das formas de contratação pública, a fim de efetivamente serem consagrados na prática os valores insculpidos nos princípios norteadores da Administração.


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Notas

[1] STF, RMS-2201 / DF, Relator Ministro ABNER DE VASCONCELOS - convocado, publicado no DJ DATA-22-07-54, p.*****. Julgamento 07/01/1954 - Tribunal Pleno.

[2] STJ, RMS 5.590/95/DF, Rel. Min. Vicente Cernicchiaro, 6ª Turma, DJ 1, de 10-06-1996, p. 20395

[3] MS nº 950001014 – Rel. Des. Maurílio Almeida de Abreu, decisão: 10out. 1996.

[4] Definição constante na Portaria nº 5, de 14-11-1991, do presidente do Comitê Nacional da Qualidade e Produtividade, secretário geral da Presidência da República.


Autor

  • Ricardo Simões Xavier dos Santos

    Advogado. Fundador do escritório Ricardo Xavier Advogados Associados. Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSal; Mestre e Doutorando em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador - UCSal; Especialista em Direito do Estado pelo Jus Podivm/Unnyahna e em Direito Tributário pelo IBET. Professor da Universidade do Estado da Bahia - UNEB , da Universidade Católica do Salvador - UCSal e da Escola Superior da Advocacia - ESA - Seccional da OAB/BA; Coordenador Curso de Pós-graduação em Direito Empresarial da Universidade Católica do Salvador - UCSal. Pesquisador do Núcleo de Estudos em Tributação e Finanças Públicas - NEF da Universidade Católica do Salvador - UCSal

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