Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/71311
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Breve histórico dos direitos dos idosos no Brasil e no mundo

Breve histórico dos direitos dos idosos no Brasil e no mundo

Publicado em . Elaborado em .

O presente trabalho busca apresentar de forma sucinta a evolução dos direitos do idoso a nível mundial e dentro do nosso país, compreendendo os principais fatos envolvidos, desde as primeiras civilizações até a instituição do nosso Estatuto do Idoso.

  1. O Conceito de Idoso  

Antes de entrar no assunto abandono afetivo, para uma maior compreensão do tema se torna oportuno iniciarmos como o conceito de idoso. Afinal, quem é considerado idoso? Como o envelhecimento já foi e é visto pelas diversas culturas? Qual lugar o idoso ocupa na nossa sociedade atualmente? Esses serão os esclarecimentos trazidos nesse subtópico.

Dadas as devidas explicações iniciaremos com o conceito de idoso. Temos a seguir:

Quando uma pessoa se tornar velha? Aos 55, 60,70 ou 75 anos? Nada flutua mais do que os limites da velhice em termo de complexidade fisiológica, psicológica e social. Uma pessoa é tão velha quanto as suas artérias, quanto seu cérebro, quanto seu coração, quanto seu moral ou quanto sua situação civil? Ou é a maneira pela qual outras pessoas passam a encarar as características que classificam as pessoas com velhas? (VERAS, 2001, p.10)

Como traz o autor, é difícil estabelecer o início da velhice, pois são múltiplos os fatores que contribuem para o envelhecimento e esses fatores se alteram de acordo com as diferenças sociais e fisiológicas que cada um carrega. Assim, podemos dar um exemplo de uma pessoa que teve um alto padrão de vida ter um atraso das conseqüências trazidas com a idade, e ao revés, outra que envelheceu de forma precoce devido à exposição excessiva ao sol. Logo, esses aspectos devem ser levados em cota, como são trazidos à tona na nossa legislação quando se oferta o direito à aposentadoria.

Em nosso país, artigo 1° da Lei nº 10.741 de outubro de 2003, denominada “Estatuto do Idoso”, traz o conceito de idoso em seu Art. 1º É instituído como sendo idosa a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. Já na França, considerado um país desenvolvido o parâmetro de idade é maior, sendo considerado idoso aquele que atinge os 65 (sessenta e cinco) anos.

1.2 O Idoso e o seu Papel no decorrer da história e nas diferentes Culturas

Após a explanação acerca do envelhecimento e da concepção de idoso, é oportuno trazer uma visão do papel dele dentro do contexto social e cultural anteriores a modernidade. Em um breve histórico podemos dar exemplos de sociedades antigas, onde o idoso era enaltecido.

(...)os textos etnográficos estão recheados de exemplos de sociedades tradicionais nas quais o papel do idoso é extremamente importante: repositório de conhecimento, depositário da tradição, o velho desempenha numerosos papéis sem os quais tais das ociedades pereceria,(CONCONE, 2005: 137-9).

Entre as civilizações que tiveram e ainda tem o idoso como papel importante na sociedade é a civilização oriental, precisamente na China Antiga que segundo Santos 2001, teve como entre as suas bases de influência Confúcio que acreditava ser à base da família o homem mais velho, a qual todos deveriam obedecer. Demonstra em seu pensamento a elevação de valor do idoso até mesmo para a mulher, que à medida que se aumenta a idade, possui papel de relevância e autoridade, interferindo na criação doa netos. Ainda, defendia a idéia de que ao atingir os 60(sessenta anos de idade), o ser humano atinge tal grau de sabedoria sendo capaz uma um alto nível de compreensão, sem jamais necessidade de reflexão de seus atos.

 Ainda de acordo com Santos (2001), além da influência de Confúcio outra relevante influência para se destacar é o filósofo historiador Lao Tsé que em sua obra demonstrou perceber a velhice como um momento supremo, de alcance espiritual máximo. Para ele, uma pessoa ao atingir os 60 anos de idade ela chega ao  ápice de glória na vida do homem.

 Os exemplos acima demonstram uma realidade bem diferente da atual, mostrando que anteriormente o envelhecimento era ligado à experiência e sabedoria, ao contrário do que vemos hoje. Importante falar que essa mudança de visão em torno da figura do idoso se concretiza principalmente com as mudanças trazidas a partir da Revolução Industrial.  Assim, a prioridade na produção criou uma cultura onde a agilidade e rapidez são exaltadas em detrimento à experiência adquirida ao longo da vida. A partir daí cada vez mais vemos um estereótipo criado em torno de um idoso pouco ativo e participante na sociedade, aquele aposentado que fica a maior parte do tempo em casa. Esse novo olhar é refletido no desrespeito, na violência e abandono com que a terceira idade é tratada no atualmente.

Em nosso país, segundo Santos (2007), o abandono aos idosos e o aparecimento do primeiro asilo data do 1890, no então Distrito Federal. O autor traz que a partir de alterações da família e da sociedade trazidas nos primeiros anos do século XIX, houve uma modificação da percepção da velhice. Desta forma, a figura do patriarca idoso, anteriormente era centro da família colonial, perderia seu poder, ocupando lugar de esquecimento e desvalorização social se mantendo até hoje.        

  Atualmente, de acordo com Feijó Medeiros (2011), os idosos são vítimas dos mais diversos tipos de violências abrangendo as físicas e psicológicas, praticadas tanto pela sociedade como pelos próprios familiares. Além da violência sofrida pelo idoso outro ato não menos gravoso e bastante recorrente é o abandono. É muito comum que as famílias deixem os pertencentes a essa faixa etária em asilos e estes são fadados ao isolamento e afastamento do convívio com aqueles pelos quais mantinham uma relação de afeto no decorrer da vida.

A atitude de abandono é fundamentada pelos familiares que cometem esse ato por vários motivos, tais como: pouco tempo disponível para cuidado dos idosos, falta de condições financeiras, falta de estrutura física no lar que se adéqüe às necessidades especiais destes, entre outras. O fato é que atitudes como essa são reflexo da forma como esses idosos são vistos em nossa sociedade e que deverá ser modificada com o aumento significativo de expectativa de vida no mundo e em nosso país, sendo necessário repensar e preparar a nossa população para outra realidade.

  1. Histórico Dos Direitos Dos Idosos.

Após uma breve explanação acerca da concepção de idoso e sua percepção na história e diferentes culturas veremos a evolução dos direitos dos idosos no Brasil e no mundo com o objetivo de uma maior compreensão a respeito do tema. Com relação ao surgimento do Direitos dos Idosos, temos:

O Direito dos Idosos surge como uma alternativa para compensar ou, pelo menos, minimizar os danos causados por uma organização sócio-econômica que não valoriza o que nós somos, mas aquilo que nós produzimos. E se não produzimos não somos nada, praticamente não participamos da vida social (ALONSO, 2005, p.33)

Ainda segundo o autor O Direito dos Idosos passa a ter cumprir um papel de se opor à desvalorização do idoso, conseqüência do capitalismo. Desta forma, é instrumente para garantir proteção, resgatando a cidadania e dignidade dos que se encontram na “melhor idade”. O ponto chave é o da efetivação das normas já impostas, trazendo uma real melhora na qualidade de vida destes.

Após a apresentação da definição dos Direitos dos Idosos, seguimos para a evolução dos Direitos dos idosos a nível mundial. Uma dos acontecimentos históricos que podemos destacar foi uma Assembléia Geral, convocada pela ONU, na década de 70, onde se discutiu questões relativas às políticas públicas e programas sócias em torno da população idosa, significando um grande avanço acerca da conscientização da sociedade mundial sobre a relevância do tema, visto que anteriormente nunca havia sido discutido de forma isolada.

Em 1999, outro importante acontecimento foi o Ano Internacional do Idoso e acabou por instituir mundialmente o dia 1º de outubro como o Dia do Idoso. Essa foi uma ação promovida para uma conscientização em relação ao tema, envolvendo atividades e debates que teve como título “Uma sociedade para todas as idades”.

De acordo com Alonso (2005) nos últimos anos foram sendo desenvolvidas gradualmente legislações decretos e documentos que mostram a evolução acerca do assunto. Entre esses documentos desenvolvidos é válido destacar o Plano de Ação Internacional elaborado em 1982 e incrementado em 2002, os Princípios das Nações Unidas para o Idoso, formulado em 1991, e a Declaração de Toronto, elaborada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2002. Com relação ao último documento citado, que traz em destaque orientações que perseguem a manutenção de qualidade de vida do idoso, englobando as necessidades físicas e emocionais, tendo como intuito a preservação de sua autonomia.

É possível observar a seguir a riqueza e o aprofundamento dessas questões tomando espaço em nossa sociedade. Com certeza, a cada documento tratando o assunto é uma passo a mais na preparação de uma sociedade mais justa, preparada para encarar o idoso e o humano com mais empatia e dignidade, apesar das dificuldades de efetivação desses dos direitos, a discussão e o desenvolvimento de legislações específicas são o ponto de início para o estabelecimento dessas mudanças.

Além desses acontecimentos, entraremos agora na evolução histórica dos Direitos dos Idosos explorando os pontos mais importantes. Assim, de forma sintética apontaremos as principais mudanças na nossa legislação acerca da matéria. Iniciaremos como a demonstração da evolução nas Constituições como aborda o subtópico a seguir.

No Brasil, a introdução de mudanças foi feito gradativamente, as Constituições anteriores a de 1988, como as de 1937, 1947 3 1969 apenas mencionaram o termo idoso e a previsão de a aposentadoria assegurada com o avanço da idade. Assim, a Carta Magna de 1988 foi importante marco, pois ao trazer princípios norteadores como o da dignidade humana, trouxe embutida a idéia de respeito a todos, sem distinção, acarretando um grande avanço em relação às Constituições anteriores.

Com relação ao princípio da dignidade humana Berenice (2016) afirma ser princípio nuclear do Estado Democrático de Direito, essa consagração é conseqüência de uma preocupação do legislador de levar a promoção dos direitos humanos e da Justiça Social. Ainda, segundo a autora, esse princípio representa a primeira manifestação de valores carregados de sentimentos e afeto, significando uma despatrimonialização e uma personalização dos institutos jurídicos. Assim, é possível perceber a valoração trazida pó algo além do material.

Além de respeito a todos, outro ponto importante trazido com a Constituição de 1988, foi o princípio da isonomia, aonde todos devem ser tratados com igualdade. Assim, essas novas concepções que foram trazidas com a Carta Magna foram estendidas no que diz respeito aos idosos especificamente. Desta forma, é assegurado com o texto Constitucional o direito a serem tratados com respeito e igualdade. Além dos princípios, bases dos direitos dos idosos, a nossa Constituição trouxe pontos importantes, nos quais Berenice (2016) comenta:

A Constituição veda discriminação em razão da idade, bem como assegura especial proteção ao idoso. Atribui à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar, bem como lhe garantindo o direito à vida (CF 230). É determinada a adoção de políticas de amparo aos idosos, por meio de programas a serem executados, preferentemente, em seus lares (CF 230 § 1.º). (BERENICE, 2016, p.83)

É possível observar com o exposto que a Carta Maior trouxe de maneira explícita o dever da Família às necessidades que assegurem a sua vida e em seguida, a introdução da política de amparo aos idosos, se tornando pioneira no trato desses temas.

 Após menção acerca do tema, é válido ressaltar a obrigação de prestação de alimentos trazida no art. 1696 do Código Civil de 2002, onde se encontra a reciprocidade do direito da prestação de alimentos entre pais e filhos, razão importante da legislação quanto à preocupação com a proteção do Idoso.

O mais recente avanço de legislação criada com o fim de proteção e manutenção de qualidade de vida aos idosos, o Estatuto do Idoso, Lei n.º 10.741, em 2003, para inaugurar um novo posicionamento com relação ao idoso que deve ser reinserido na nossa sociedade, se não for o resgate de seu valor, como observado nas primeiras civilizações, mas pelo menos uma conscientização do respeito aos que ocupam essa faixa etária, sem esquecer-se de levar em conta as transformações trazidas pela vida mais ativa de maior parte deste.

No referido Estatuto encontramos conquistas como entre as normas gerais a busca da proteção do idoso e a sua inclusão social, tal como valor menor em passagens. Ademais representa um incentivo ao desenvolvimento de políticas públicas para os ocupantes dessa faixa etária.

Por fim, é possível observar com o exposto a inversão de valores trazida com relação ao idoso dentro da sociedade, marcado principalmente com as mudanças ocorridas com a Revolução Industrial.A desvalorização ocorrida com a sociedade da produção e do consumo, trouxe como conseqüência a negligência no tratamento dos que obtêm maior idade.

Observou-se que a desvalorização veio paulatinamente junto ao despertar e debate das questões que envolvem o novo lugar do idoso no mundo atual, ao passo que vagarosamente é possível notar a conquista de novos direitos e a conscientização de um maior respeito no trato dos que ocupam essa parcela. Apesar dos passos dados, é imprescindível ter o desenvolvimento de políticas públicas que efetivem uma maior dignidade à terceira idade, além da previsão de sanções, uma educação para que a sociedade esteja preparada para um convívio com uma população de idade cada vez mais avançada.

SANTOS, Claudia Rodrigues dos. O Idoso no Brasil: da Velhice  Desamparada a Velhice dos Direitos? UCAM, 2007

LAO-TZY. Tao-te King. O livro do sentido da vida. Tradução de Margit Marticia. São Paulo: Pensamento, 1999.

SANTOS, Silvana Sidney Costa. Envelhecimento: visão de filósofos da antiguidade oriental e ocidental. Rev. RENE. Fortaleza, /2001.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11 ed. rev., atual. ampl. , São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016

Alonso, Fábio Roberto Bárboli. Envelhecendo com Dignidade: O Direito dos Idosos como o Caminho para a Construção de uma Sociedade para Todas as Idades. UFF/ Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito. Niterói, 2005.

Brasil, República Federativa do.  Constituição da República Federativa do Brasil de  05 de outubro de 1988.

Veras, R.(Org.). Velhice numa perspectiva de futuro saudável. Rio de Janeiro, UERJ/UNATI, 2001

FEIJÓ, Maria das Candeias Carvalho; MEDEIROS, Suzana da A. Rocha. A Sociedade Histórica dos Velhos e a Conquista de Direitos. Revista Kairós Gerontologia, 14(1), ISSN 2176-901X, São Paulo, Educ/NEPE.

Concone, M.H.V.B., (2005). O corpo: cultura e natureza pensando a velhice.

Revista Kairós Gerontologia, 8 (2). São Paulo, Educ/NEPE.

Estatuto Do Idoso. Lei n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003. Publicada no DOU em 03/10/2003.



Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pela autora. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.