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LIMINAR CAUTELAR E LIMINAR POSSESSÓRIA

LIMINAR CAUTELAR E LIMINAR POSSESSÓRIA

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O ARTIGO DISCUTE SOBRE A DICOTOMIA NO PROCESSO CIVIL ENTRE A LIMINAR CAUTELAR E A LIMINAR POSSESSÓRIA, DE ÍNDOLE SATISFATIVA.

LIMINAR CAUTELAR E LIMINAR POSSESSÓRIA

Rogério Tadeu Romano

I – A LIMINAR POSSESSÓRIA E A TUTELA SATISFATIVA

São inconfundíveis as liminares possessórias e as liminares cautelares; aquelas representam a entrega provisória  e antecipada do pedido, estas não realizam tal função.

As liminares possessórias não são cautelares(de urgência cautelar), que são pautadas em juízo de superficialidade.

Deve-se ter mente com relação a concessão das liminares possessórias:

  1. A concessão dessas liminares não exige a existência do que a doutrina considera essencial para chamar dano irreparável;
  2. As liminares possessórias tem caráter antecipatório das respectivas sentenças de procedência, o que, por si só, já seria suficiente para exclui-las da categoria das cautelares, como explicou Ovídio Baptista da Silva(Procedimentos especiais, n. 124, pág .263).

Ensinou Nelson Nery Jr. após lembrar a longa tradição do nosso direito, oriunda dos romanos, no sentido de permitir a antecipação do resultado da providência jurisdicional do mérito nos interditos escreve: “...Na verdade, quando se concede mandado liminar de reintegração da posse está se adiantando a prestação da tutela jurisdicional do mérito, ainda que de caráter provisório. O mesmo ocorre com a maioria dos casos de ação civil pública(artigo 12, LACP) e de mandado de segurança. Nestes casos não há cautelaridade, mas antecipação da tutela definitiva, caracterizando verdadeiras hipóteses de satisfatividade da providência jurisdicional, como se lê em Princípios do processo civil na Constituição Federal, n. 20, pág. 135).

Argumentou Joel Dias Figueira Jr.(Liminares nas ações possessórias, 2ª edição, pág. 191) que a providência judicial(temporânea não instrumental), emitida na primeira fase procedimental  - não qual se localiza a tutela emergencial – tende a assegurar com autonomia e antecipar aquela mesma proteção que será concedida definitivamente. Não se pode falar então, nessas liminares possessórias, em periculum in mora, que é o fundado temor de que ao tempo destinado a fazer valer este direito, este termine insatisfeito. No procedimento possessório, cuja índole é de procedimento abreviado horizontal(não se discute propriedade), especial, não se discute uma eventual providência futura; não se tem a insatisfação de um direito a ser verificado. Deseja-se proteger um estado de fato verificado e não de se verificar como ensinou Ettore Protetti(La azione possessorie, pág. 529).

Há liminares de manutenção de posse e reintegração de posse.

No direito clássico, os interditos tutelavam a posse eram: os interdicta retinendae possessionis causa (recuperação da posse), que não admitiam, como defesa, a alegação de propriedade por parte do réu. Os interditos retinendae possessionis causa eram: o uti possidetis (coisa imóvel) e o utrubi (coisa móvel), sempre tutelando possuidor cuja posse não era injusta. No interdito utrubi, protegia-se apenas o possuidor que, no ano em curso, houvesse estado maior tempo na posse na coisa.

            Já os interditos de recuperação da posse subdividem-se em: interditos unde vi, interdito de precarium e interdito de clandestina possessione. O primeiro se destinava a reintegração daquele que violentamente esbulhado do imóvel, pois para móveis, aplicava-se o utrubi. Os interditos unde vi eram interdictum de vi cottidiana (quando o possuidor do imóvel fosse esbulhado por violência ordinária) e interdictum de vi armata, na proteção por violência a mão armada, amalgados no direito justiniâneo, num interdito unde vi concedido durante o prazo de 1 ano.

Ovídio Baptista da Silva(Ovídio Baptista da Silva,. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2000, v. 13, p.243) faz a distinção entre as ações possessórias de manutenção e reintegração segundo o critério da intensidade da agressão à posse:

“[...] a distinção entre as ações possessórias de manutenção e reintegração faz-se segundo a intensidade da respectiva agressão à posse, visto que a ação de manutenção, como o próprio nome está a indicar, pressupõe que possuidor haja sido vitima de um simples incômodo no exercício da posse, sem todavia dela ser privado pelo ato do agressor. A manutenção terá, então, a função de assegurar o exercício de uma posse existente, apenas turbada pela atividade ilegítima de terceiro.”

Prosseguiu Ovídio Baptista da Silva:

“A ação de reintegração de posse é executiva, como veremos ao examinar o art. 928. Sê-lo-á, todavia, também quanto à ordem (e não simples condenação) nela contida de que a reintegração se faça à custa do esbulhador? Ou seja, haverão de promover-se, na mesma relação do ‘processo de conhecimento’, contra o esbulhador as medidas processuais tendentes à obtenção do numerário capaz de cobrir essas despesas? Não cremos que isso seja possível. Tratando-se de cumprimento de obrigação de prestar quantia em dinheiro, não se poderá prosseguir, na relação processual de natureza interdital, sob a forma de execução por quantia certa, de modo a que o esbulhador seja compelido a pagar as despesas com a reintegração. Ou o autor vitorioso na ação de reintegração antecipa o valor desses encargos processuais, para cobrá-los em processo executório subsequente, ou teríamos de conceber a sentença proferida no interdito de reintegração como tendo, nesse ponto, eficácia mandamental, a permitir que o juiz, ao julgá-lo procedente, ordenasse desde logo ao esbulhador a prestação do valor das despesas. Não nos parece que o direito brasileiro tenha chegado a isto.”

Prottetti(obra citada) ainda apresenta as seguintes considerações:

“A liminar, portanto, é concedida visando manter a situação das partes à coisa objeto da ação. Seu fim precípuo é a garantia da ordem social, funcionando como uma reação imediata a qualquer espécie de atentado contra a posse, que representa, sempre, uma violação ao direito de convivência. Em outras palavras, a providência imediata urgente, temporânea, não se dirige tanto à tutela provisória de fato existente antes da lesão, assim como prima facie aparece ao magistrado, isto é, destina-se a salvaguardar provisoriamente o status quo antes molestado. “

Com isso considerou Joel Dias(obra citada), antes da edição do CPC de 2015: 

“Ressaltamos, também, que a natureza da medida urgente concedida nos feitos interditais não pode ser cautelar porquanto, com relação aos dois pressupostos típicos das ações acautelatórias, o fumus boni iuris e o periculum in mora, este último é considerado in re ipsa, ou seja, sempre presente na exigência de restituir ao possuidor a disponibilidade e o pleno gozo do bem, com a máxima solicitude. Importa dizer que, tal como idealizado dogmaticamente o elemento periculum in mora, para as ações cautelares, seus pressupostos não se enquadram às tutelas antecipatórias satisfativas concedidas nas ações possessórias.”

Permanece atual a lição de Ovídio Baptista(Curso de processo civil, pág. 62 e 63) quando considerou o provimento concessivo de liminar possessória uma “sentença” e não, como se propunha no Código de Processo Civil de 1973 e no atual, de 2015, uma decisão interlocutória. Ovídio Baptista baseava-se na consideração de que “quando o juiz concede liminarmente a reintegração de posse, está provendo sobre o meritum causae, embora o faça sob forma provisória e baseado num juízo de simples verossimilhança a respeito da real existência do direito liminar há de proteger”.

Em verdade, na liminar possessória verifica-se a execução antecipada da pretensão de direito material, como ensinou Edson Ribas Malachini(A eficácia preponderante das ações possessórias, RePro 71/18-19), não obstante seu conteúdo interinal satisfativo. Trata-se de uma decisão de mérito, porquanto a sua natureza é juris-satisfativa, tendo em vista que o que o juiz concede, satisfaz de início, aquilo que o autor almeja receber definitivamente ao final. Veja-se a esse respeito decisão do STF, em 7 de maio de 1919, em aresto da lavra do ministro Pedro Lessa(RF  XXXVIII/68).

Essa providência, em termos de posse, é providência antecipatória, satisfativa, não cautelar.

Na ação reintegratória de posse, a eficácia preponderante da liminar, como como da sentença, é execucional, em sentido amplo, à exata medida em que é antecipatória do mérito.

Na ação de manutenção de posse há uma liminar de cunho mandamental.

Na lição de Marinoni(Efetividade do processo e tutela de urgência, n. 2.3.1, pág. 15):

“o legislador através da técnica de cognição parcial, pode desenhar procedimentos reservando determinadas exceções, que pertencem à situação litigiosa, para outros procedimentos; nos procedimentos de cognição parcial, o juiz fica impedido de conhecer as questões reservadas, ou seja, as questões excluídas pelo legislador para dar conteúdo a oura demanda. É o caso das ações possessórias e das ações cambiárias”.

II – AÇÕES POSSESSÓRIAS E RITO

As ações possessórias estão reguladas nos arts. 554 a 568 do Código de Processo Civil de 2015 (Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015), especificamente no Capítulo III do Título III (“Dos procedimentos especiais”) do Livro I da Parte Especial da novel legislação, em três seções.

De fato, denota-se que o diploma processual civil a viger a partir de 2016 manteve a divisão constante no CPC/1973 dos procedimentos especiais, entre os de jurisdição contenciosa (os quatorze capítulos do Título III do Livro I da Parte Especial) e os de jurisdição voluntária (cap. XV, com 12 seções).

As possessórias configuram um exemplo típico de demandas cujo conteúdo objetivo sobre limitações ex lege. A cognição sumária, que caracteriza tais ações, obsta a que o autor deduza causa petendi fundada em domínio da propriedade.

Aliás, o próprio Código Civil, ao estabelecer os contornos da posse como exteriorização fática de “... alguns dos poderes inerentes ao domínio ou propriedade, não empregou de forma sinônima esses dois institutos jurídicos. A Lei civil adotou para o sistema possessória a admissibilidade de ingerência do poder de fato sobre um bem desmembrado não só das relações dominiais assim como das relações de propriedade, sendo que estas últimas, dentro de sua perfeita concepção dogmática, ultrapassam os limites os limites dos direitos reais sobre coisas corpóreas, atingindo, portanto, aquelas relações que têm por objeto “bens imateriais e semi-imateriais, como revelou Joel Filgueira Jr.(Posse e ações possessórias, volume I, n. 3.5.2.3, pág. 150).

Nos casos de ações possessórias a lei delimitou o campo material da controvérsia em torno do ius possessionis, admitindo somente em caráter excepcional a discussão do conflito com ase no petitório, razão pela qual a amplitude do conhecimento da questão é reduzida como decorrência da limitação imposta ao autor a respeito da causa de pedir.

III – TUTELA DE EVIDÊNCIA

Mas ouso dizer, que no atual diploma processual essa liminar possessória é própria de uma tutela de evidência.

Há ainda uma tutela de evidência, onde se vê atividade abusiva da parte, dispensando-se a comprovação do perigo de demora. 

Com a decisão, em sede de tutela  de evidência, poder-se-á pensar em execução que será provisória, sujeita à caução e a responsabilidade civil objetiva da parte que promove tal forma de execução

Há atribuição  de definitividade à decisão de tutela da evidência. De fato, trata-se de sentença (ainda que parcial) de mérito decorrente de cognição exauriente, portanto apta a se estabilizar e propiciar atividades executivas.

Na tutela de aparência, ao contrário,  busca-se o provável não a certeza.


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