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Dever de Reparação: Sua Aplicação na Perda de Uma Chance de Cura

Dever de Reparação: Sua Aplicação na Perda de Uma Chance de Cura

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Reflexões sobre a teoria da perda de uma chance de cura, ou sobrevivência, decorrida de erro médico, e o correspondente dever de reparação.

Resumo:O trabalho objetiva apontar sobre a teoria da perda de uma cura, ou sobrevivência, decorrida do erro médico que, ao ser configurado, gera o dever de reparação, baseado no princípio da reparação integral dos danos, que segue uma linha de ponderação para chegar à indenização mais justa possível. Ressalta-se, para tanto, a necessidade de chances reais e sérias.

Palavras chave: Erro Médico, Perda de Uma Chance, Dever de Reparação, Certeza do Dano, Relação Médico-Paciente.

Abstract:The objective of this work is to describe the theory of loss of a cure or survival, resulting from the medical error that, when configured, generates a duty of reparation based on the principle of total reparation of damages, which follows a line of consideration to arrive at the most just compensation possible . Therefore, the need for real and serious.

Keywords: Medical Error, Loss of Chance, Repair Duty, Damage Certainty, Physician-Patient Relationship.


1 Introdução.

O presente trabalho tratará da teoria da perda de uma chance para com a responsabilidade civil, no âmbito, logicamente, do direito civil. Embora seja, de forma geral, conhecida como a perda de uma chance, ao especificar decisões cuja a decorrência esteja embasada em casos médicos, a mesma é nomenclada de teoria da perda de uma chance de cura ou sobrevivência, que será a principal indagação do texto.

Para melhor entender a figura do paciente e médico, bem como, a responsabilidade do profissional quanto ao seu “contratante”, é necessário explanar a relação médico-paciente, que será tópico de estudo no decorrer do artigo.

Para mais, será indagado alguns critérios que se deve levar em consideração para caracterizar o dano real, como a certeza do dano e então uma efetiva reparação dos danos causados à vítima, seja moral, estético e/ou material. Nesse sentido, será exposto o princípio constitucional da reparação integral dos danos.

Consequentemente, demonstrará como ocorre a caracterização da teoria para que então possa ser utilizada como argumento ao erro médico configurado, enriquecendo os parâmetros jurídicos, mesmo que não esteja expressa pelo Código Civil.


2 Histórico.

A teoria da perda de uma chance teve origem na França em 1965 e trata-se de uma teoria pertencente ao ramo do direito conhecido como civil especificamente dentro da matéria de responsabilidade civil. A perda de uma chance se desenvolveu no citado país, ou melhor, Estado unitário desconcentrado, por meio da Corte de Cassação Francesa com suas jurisprudências.

Entretanto, o caso mais antigo em que se demonstra o embrião desta teoria ocorreu no Direito Inglês, em 1911, no caso conhecido como “Chaplin V. Hicks”, onde a autora da ação de indenização participava de um determinado concurso de beleza, dentre as 50 finalistas, porém teve sua chance de vencer perdida, uma vez que o réu não permitiu sua participação na última etapa do concurso.

Seu início foi marcado por decisões da área médica, como, por exemplo, (...) em um recurso acerca da responsabilidade de um médico que diagnosticou erroneamente um paciente, retirando-o suas chances de cura da doença real que lhe acometia. (GONDIM, 2005, p. 21/22).

Diante desse paradigma, surgiram diversas decisões nesse sentido, como a proferida em 1969, onde se analisou o caso de um paciente que veio a ser operado de apendicite e veio a falecer. Restou comprovado, nesse caso, que o médico agendou imediatamente a cirurgia sem qualquer exame pré-operatório, o que por si só, teria constatado a reação do paciente, evitando assim o seu falecimento. (GONDIM, 2005, p. 22).

Assim, fora adotada quando se trata da área médica como a teoria da perda de uma chance de cura ou sobrevivência.

A teoria se estendeu e os italianos avançaram nos estudos a respeito do assunto sendo reconhecida pela doutrina italiana o dever de reparação pela configuração da causa da chance perdida por meio de outrem, nesse caso, o paciente que perde a chance de cura por um erro médico, como a exemplo, um diagnóstico errôneo que prolonga o desenvolvimento de uma doença não constatada pois fora confundida com outra fazendo com que o enfermo perca um tempo valioso de tratamento que poderia trazê-lo ao estado a quo ou ao menos atrasar o desenvolvimento.

Adriano De Cupis, de acordo com Sérgio Savi, foi um dos autores de grande importância para a consolidação da referida teoria no Direito Italiano, pois (...) reconheceu a existência de um dano autônomo consistente na chance perdida, inseriu a perda de uma chance no conceito de dano emergente e limitou a possibilidade de indenização às chances sérias e reais. (SAVI, 2009, p. 12).

No Brasil, a teoria da perda de uma chance não é mencionada pelo Código Civil, porém, há jurisprudências a respeito, assim como, doutrinas, que podem servir de base para demais decisões no direito pátrio. Ainda, embora não haja amparo legal de maneira específica, a norma civilista adotou o sistema de cláusula geral ao deixar a classificação da palavra dano esparsa e propícia à adaptações e interpretações de melhor interesse social.

Segundo o trabalho publicado por Camila Costa Retroz

Em nosso país, a teoria da perda de uma chance teve sua primeira aplicação no início da década de 90, quando o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, analisando o Recurso de Apelação Cível nº. 591064837 - RS, julgado em 29/08/1991, cujo Relator era o Desembargador Ruy Rosado de Aguiar Junior, deu provimento ao recurso para condenar o mandatário que extraviou os autos na teoria em comento. Observe o voto do douto Relator:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PERDA DE UMA CHANCE. Age com negligência o mandatário que sabe do extravio dos autos do processo judicial e não comunica o fato à sua cliente nem trata de restaurá-los, devendo indenizar à mandante pela perda de uma chance. [...].

Não lhe imputo o fato do extravio, nem asseguro que a autora venceria a demanda, mas tenho por irrecusável que a omissão da informação do extravio e a não restauração dos autos causaram à autora a perda de uma chance e nisso reside o seu prejuízo. Como ensinou o Prof. François Chabas: ‘Portanto, o prejuízo não é a perda da aposta (do resultado esperado), mas da chance que teria de alcançá-la’ (‘La Perte d’une chance em Droit Français’, conferência na Faculdade de Direito da UFRGS em 23.5.90) [...]

[...] a álea integra a responsabilidade pela perda de uma chance. Se fosse certo o resultado, não haveria a aposta e não caberia invocar este princípio específico da perda de chance, dentro do instituto da responsabilidade civil. [...].”

Nosso tema passou ter notoriedade nos tribunais brasileiros a partir do Recurso Especial 788.459 – BA, julgado em 08/05/2005[3], famoso caso do Show do Milhão. Fazendo um breve resumo do programa e do julgado, o Show do Milhão era um jogo de perguntas e respostas, onde se premiava os acertos com barras de ouro. A cada acerto, o candidato subia um nível, quando o participante chegava e acertava a pergunta de quinhentos mil reis, ele tinha duas opções: parava e ia embora para casa com os quinhentos mil ou arriscava a responder a última pergunta, se acertasse ganhava um milhão de reais em barras de ouro ou perdia tudo e voltaria para casa sem prêmio algum, tudo isso em questão de segundos. A participante, Ana Lúcia Serbeto de Freitas Matos, para ganhar o prêmio final tinha que responder o seguinte questionamento: “Qual porcentagem de terras que a Constituição Federal reversa aos indígenas?”, para a pergunta, havia quatro alternativas, a jogadora verificando que não sabia a resposta, desistiu da “pergunta do milhão”. Ocorre que após isso, ela buscou a resposta na Constituição Federal e verificou que a Carta Magna não reserva nenhuma porcentagem de terras aos índios. Assim, ajuizou uma ação contra o programa a fim de buscar os outros quinhentos mil. Ganhou na primeira e segunda instância, entretanto, quando a questão chegou ao Superior Tribunal de Justiça os Ministros entenderam a existência de reparação civil pela perda de uma chance, mas não os quinhentos mil e sim 25% (vinte e cinco por cento) desse valor, vez que haviam quatro alternativas, cada uma representando 25% da chance de acerto.

Em relação a área médica, o Superior Tribunal de Justiça admitiu a reparação civil por erro médico pela teoria, principalmente através do Informativo 513, referente ao Recurso Especial nº. 1.254.141 – PR, julgado em 04/12/2012, na hipótese de que este erro cometido pelo médico reduziu a possiblidade concreta e real de cura de uma paciente com câncer. O médico responsável pelo tratamento realizou um procedimento de mastectomia, retirando apenas uma parte do seio doente, entretanto, a doença se agravou causando óbito à paciente. Após, a família da vítima veio até o Judiciário alegando que o tratamento recebido não era o mais adequado, comprovando que se fosse retirado todo o seio, a chance de sobrevivência seria próximo à cura.

Com base no exposto, verifica-se que o caminho desse instituto foi cumprido, hoje, no Brasil, o assunto ainda é palco de controvérsias, bem como ainda não chegou a um consenso ao seu assunto, tanto quanto ao quantumindenizatório, quanto na aplicação em outros ramos dos direitos. (RETROZ, Camila Costa).


3 Relação Médico-Paciente.

Nos tempos remotos, o médico era uma reverência, visto como um ser capaz de curar todas as enfermidades e depositavam nele a confiança da cura absoluta.

No entanto, nota-se, que desde sempre a relação de um médico com um paciente que o escolheu para ser tratado originou-se da confiança em que este depositava naquele e consequentemente da responsabilidade de cuidar de um enfermo devido a sua necessidade humana e por fim, a segurança passada ao paciente.

A boa relação entre os dois atores depende principalmente do profissional que deve estar preparado para lidar com o paciente, mostrando firmeza em seus conhecimentos e qualidade no atendimento, com o fim de passar a referida confiança.

Essa relação médico-paciente é muito importante para o melhor desenvolvimento em um diagnóstico. A tecnologia, embora auxilie muito bem os profissionais da saúde, pode falhar, assim como o médico. Portanto, a boa relação e entendimento entre eles pode ser um passo decisivo para o diagnóstico certo ao se sentirem à vontade em uma conversa produtiva sobre os sintomas, por exemplo.

A boa relação entre ambos, principalmente do médico para com o paciente é tão importante que é previsto em capítulo próprio pelo Código de Ética Médica tratando-se da “Relação com Paciente e Familiares”.

É vedado ao médico:

Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.

Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente.

Art. 33. Deixar de atender paciente que procure seus cuidados profissionais em casos de urgência ou emergência, quando não haja outro médico ou serviço médico em condições de fazê-lo.

Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.

Art. 35. Exagerar a gravidade do diagnóstico ou do prognóstico, complicar a terapêutica ou exceder-se no número de visitas, consultas ou quaisquer outros procedimentos médicos.

Art. 36. Abandonar paciente sob seus cuidados.

§ 1° Ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem o bom relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho profissional, o médico tem o direito de renunciar ao atendimento, desde que comunique previamente ao paciente ou a seu representante legal, assegurando-se da continuidade dos cuidados e fornecendo todas as informações necessárias ao médico que lhe suceder.

§ 2° Salvo por motivo justo, comunicado ao paciente ou aos seus familiares, o médico não abandonará o paciente por ser este portador de moléstia crônica ou incurável e continuará a assisti-lo ainda que para cuidados paliativos.

Art. 37. Prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento.

Parágrafo único. O atendimento médico a distância, nos moldes da telemedicina ou de outro método, dar-se-á sob regulamentação do Conselho Federal de Medicina.

Art. 38. Desrespeitar o pudor de qualquer pessoa sob seus cuidados profissionais.

Art. 39 Opor-se à realização de junta médica ou segunda opinião solicitada pelo paciente ou por seu representante legal.

Art. 40. Aproveitar-se de situações decorrentes da relação médico-paciente para obter vantagem física, emocional, financeira ou de qualquer outra natureza.

Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.

Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.

Art. 42. Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre método contraceptivo, devendo sempre esclarecê-lo sobre indicação, segurança, reversibilidade e risco de cada método. (grifo nosso). (MEDICO, 2018...)


4 Erro Médico.

O erro médico é tido como uma falha durante o exercício do profissional em sua função de ofício e não poderia ficar de fora do referente artigo haja vista a sua essencialidade para melhor desenvolver os estudos e adentrar no quesito principal que é o dever de reparação provocado pelo erro médico caracterizando a possibilidade de aplicação da teoria da perda de uma chance de cura ou sobrevivência.

A falha médica pode se estabelecer por meio de imprudência, imperícia ou negligência, que caracterizam a culpa.  Tendo em vista o que é o erro médico sabe-se que o mesmo pode ocorrer desde uma aplicação de medicamento errado até uma cirurgia desnecessária. O erro médico, ou seja, as falhas médicas são chamadas de eventos adversos e são mais comuns do que se imagina, no entanto, vasta é a jurisprudência.

TJ-BA - Apelação APL 05351296920158050001 (TJ-BA)

Data de publicação: 19/09/2017

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – CERCEAMENTO DE DEFESA QUE SE AFASTA – INTIMADA DA INTENÇÃO DE JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE QUEDOU-SE INERTE A PARTE APELANTE - ERRO MÉDICO CONFIGURADO – MORTE DE FETO – LONGO TEMPO DE INTERNAÇÃO E TRABALHO DE PARTO – SINDICÂNCIA DO CREMEB ESCLARECEDORA E CONCLUSIVA DA REALIDADE DOS AUTOS – RESPONSABILIDADE CIVIL - ERRO MÉDICO CONFIGURADO – DANO MORAL EVIDENCIADO E FIXADO COM RAZOABILIDADE – APELO IMPROVIDO. 1. Não há cerceamento de defesa por não realização de prova pericial visto que, havendo na inicial pedido genérico, a parte apelante foi intimada quanto ao interesse do Magistrado Primevo em julgar antecipadamente a lide e quedou-se inerte gerando preclusão quanto á referida prova. 2. Não obstante a obrigação assumida pelo médico ser de meio, devendo estese utilizar de toda a técnica disponível para o tratamento do paciente, não podendo se garantir a cura do enfermo ou o sucesso do procedimento médico, que depende de diversos fatores, a hipótese evidenciada dos autos, e o conjunto probatório máxime as conclusões do CREMEB quanto ao episódio, demonstrou que o atendimento prestado pelo apelante, através do primeiro profissional que atendeu à parturiente, parte de sua equipe médica, réus foi inadequado gerando o óbito do feto, existindo nexo de causalidade entre a conduta dos apelantes e o dano causado à parte apelada, razão pela qual a responsabilização por falha na prestação do serviço é medida que se impõe. 3. Indenização fixada pelo Juízo Primevo em R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), sendo R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para a mãe e R$ 30.000,00 (trinta mil reais) para o varão que se mostra razoável diante do flagrante, grave e duradouro dano à moral dos pais da criança. 4. Apelo improvido. (Classe: Apelação,Número do Processo: 0535129-69.2015.8.05.0001, Relator (a): Maurício Kertzman Szporer, Segunda Câmara Cível, Publicado em: 19/09/2017 )...

TJ-RS - Apelação Cível AC 70075608190 RS (TJ-RS)

Data de publicação: 15/12/2017

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA E RECONVENÇÃO. CIRURGIA ESTÉTICA. MAMOPLASTIA. ERRO MÉDICO CONFIGURADO. REPARAÇÃO DOS DANOS, MATERIAIS E MORAIS, QUE SE IMPÕE. RECURSO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO. PRELIMINAR. Revogação da AJG. Não demonstrado nos autos a alegada hipossuficiência financeira da autora, aliado ao fato de ter realizado dois procedimentos estéticos particulares para colocação de prótese de silicone mamária, é de ser mantida a revogação da gratuidade judiciária. INDENIZATÓRIA. Ainda que a responsabilidade do médico que atua como profissional liberal seja subjetiva, ex vi do art. 14 , § 4º , do CDC , bem como do art. 951 do Código Civil , o entendimento amplamente dominante no direito brasileiro é no sentido de que a obrigação do cirurgião plástico é de resultado. Ainda que isso não transforme sua responsabilidade em objetiva, tal enquadramento tem por efeito a presunção da responsabilidade, em caso de insucesso do procedimento, invertendo-se o ônus da prova. Nesse caso, caberia ao médico o ônus de demonstrar que o insucesso não decorreu de qualquer falha sua, cabendo a ele indicar qual seria o fator alheio ao qual se imputaria o indesejado resultado. No caso em tela, apesar da perícia técnica ter indicado que o réu teria se utilizado da... técnica adequada para o caso, não sendo identificada qualquer falha técnica, fato é que as fotos demonstram, à saciedade, que os seios da autora, após a intervenção, ficaram nitidamente assimétricos. Por mais que se saiba que muitas vezes, em casos de cirurgias estéticas, o que ocorre é simplesmente uma frustração de expectativa subjetiva da paciente, que imaginava um resultado melhor do que aquele possível, no caso em julgamento a decepção da autora tem base objetiva, pois um dos seios nitidamente ficou maior do que o outro. A tese defensiva no sentido de que o resultado final só não foi melhor por problemas congênitos da autora (assimetria toráxica do externo) não é convincente...

TJ-ES - Apelação APL 00004947420118080002 (TJ-ES)

Data de publicação: 10/08/2017

Ementa: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEITADA. MÉRITO. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. ERRO MÉDICOCONFIGURADO. CESARIANA PARA RETIRADA DE NATIMORTO. LAQUEADURA DE TROMPAS. ESTERILIZAÇÃO. SEM AUTORIZAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS IMPROVIDOS. 1) P reliminarmente, não houve cerceamento de defesa pelo indeferimento da inversão do ônus da prova em sede de sentença, seja porque determinar a inversão do ônus da prova em sede de julgamento seria surpresar a parte contrária, prejudicando o contraditório e a ampla defesa; seja porque o indeferimento da inversão do ônus da prova não influenciou na decisão do juiz, inexistindo prejuízos concretos aos apelantes. 2) A responsabilidade civil do profissional liberal, como o médico, é subjetiva, devendo, portanto, ser demonstrado o elemento subjetivo correspondente a conduta (dolo ou culpa). 3) De acordo com a legislação em vigor, somente é permitida a esterilização voluntária mediante manifestação expressa do casal por escrito e, ainda que seja caso de risco de morte, deve ser elaborado um relatório por escrito e assinado por dois médicos. Porém, nenhum desses requisitos foi observado. 4) O médico baseou-se em um risco futuro e inexistente no momento da cirurgia, procedendo, assim, em uma conduta culposa, possuindo responsabilidade sobre o ocorrido. 5) O hospital, prestador de serviços essencialmente públicos, possui responsabilidade objetiva prevista expressamente no texto constitucional pela disposição do artigo 37 , § 6º. 6) A natureza da responsabilidade das instituições hospitalares por erros médicos deve ser examinada à luz da natureza do vínculo existente entre as referidas instituições e os profissionais a que se imputa o ato danoso. Precedentes STJ. 7) In casu, o médico foi contratado, sem qualquer intervenção da casa de saúde, como profissional liberal⁄particular. O nosocômio apenas forneceu a estrutura para a realização do procedimento. É notório que o dano decorreu de conduta exclusivamente...

Ademais, ainda assim existe muitos pacientes que não recorrem ao poder judiciário para amenizar um pouco do transtorno causado, como, dano moral, material e estético (podendo ser cumulativos), o que não torna a demanda judicial insignificante.

Segundo Genival Veloso França:

“(...) o erro médico, no âmbito da responsabilidade civil, pode ser de ordem pessoal ou estrutural. Será pessoal quando o ato lesivo se der na ação ou na omissão, por despreparo técnico e intelectual, por grosseiro descaso ou por motivos ocasionais que se referem às condições físicas ou emocionais do profissional. Já as falhas estruturais, se referem quando os meios e as condições de trabalho foram insuficientes ou ineficazes para a obtenção de uma resposta satisfatória.” (FRANÇA, 1994, p. 242).

Para mais, havendo a identificação do erro cometido, o cidadão deve realizar um B.O em uma delegacia responsável, bem como, prestar denúncia frente ao CRM (Conselho Regional de Medicina) e mesmo havendo uma decisão negativa proferida pela mesma, é importante saber que o paciente tem o direito de reparação caso seja configurado o dano, o qual será visto em outro momento, podendo ajuizar uma ação direcionada a vara cível.

4.1 A Teoria da Perda de uma Chance de Cura.

A teoria da perda de uma chance, de maneira geral, segundo Sérgio Cavalieri Filho

[...] se utiliza nos casos e que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor. Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma chance. (CAVALIERI FILHO, 2014, p. 14).

Conforme Antônio Jeová Santos a perda de uma chance “é a não ocorrência de uma oportunidade em que seria obtido um benefício, caso não houvesse a interrupção abrupta em decorrência de um ato ilícito.” (SANTOS, 1999, p. 108).

Neste mesmo caminho, Flávio Tartuce diz que “A perda de uma chance está caracterizada quando a pessoa vê frustrada uma expectativa, uma oportunidade futura, que, dentro da lógica do razoável, ocorreria se as coisas seguissem o seu curso normal.” (TARTUCE, 2016, p. 552).

No que se refere a teoria da perda de uma chance, em específico, de cura ou sobrevivência, o conceito segue a mesma senda, porém, será aplicada quando da ocorrência de algum erro médico, denominada falha, por imperícia, imprudência e/ou negligência.

Desta forma, é sabido que o ato praticado pelo profissional causa um dano ao paciente que o procura por algum motivo, seja em busca de um diagnóstico ou mera consulta periódica.

Os danos causados podem atingir uma modalidade ou a união de duas ou mais, como danos materiais, morais e estéticos. O dano material corresponde aos gastos efetuados pelo paciente em um tratamento indicado por um médico sem que o mesmo tenha efetivamente a doença constatada. O dano moral diz respeito ao interior moral do paciente, um dano bastante subjetivo que não pode ser medido mas merece ao menos uma reparação. O dano estético se relaciona ao físico do paciente que fora modificado por um erro, uma cicatriz irregular após uma cirurgia que não deveria ter sido realizada, por exemplo.

Quanto ao dano moral, devido à dificuldade em constatá-lo, deve-se levar em consideração alguns pontos específicos. Nas palavras de Antônio Jeová Santos, considera-se:

i) a situação da vítima; ii) a chance em si, a ser valorada em função do interesse prejudicado, do grau de probabilidade de sua produção e do caráter reversível ou irreversível do prejuízo que provoque sua frustração; iii) o montante indenizatório que adviria da realização da chance. (SANTOS, 1999, p. 115).

Vale ressaltar, que para caracterizar o dano para a devida aplicação da teoria (seja pela cumulação dos danos em material, moral e estético ou tais separadamente), é necessário observar alguns requisitos, como o dano real, ou seja, deve ser o erro médico devidamente constatado/configurado, o que será explanado logo mais.


5 Princípio da Reparação Integral dos Danos.

O princípio da reparação integral dos danos teve sua origem do Direito Francês e possui duas funções que devem ser levadas em consideração, que é a “reparação de todo o dano causado” e “não mais que o dano”. Embora pareça a mesma coisa, não são, porém, se complementam.

A função de reparar todo o dano, como pode-se notar do próprio nome, está em indenizar a integralidade dos prejuízos causados por um terceiro. Nos ensinamentos de Sérgio Cavalieri “Limitar a reparação é impor à vítima que suporte o resto dos prejuízos não indenizados”. (CAVALIERI FILHO, 2005, p. 195).

Não mais que o dano, está em evitar-se o enriquecimento ilícito, ou seja, o enriquecimento sem causa.

Destaca-se, que tal princípio foi positivado pela norma civilista, em seu artigo 944, onde diz que “A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.” (BRASIL, 2002). Ou seja, a indenização deve ser medida pela extensão do prejuízo causado e não mais que isso, obtendo as duas importantes funções acimas.

O princípio da reparação integral dos danos é inclusive previsto pelo Código de Defesa do Consumidor, o famoso CDC, fazendo os consumidores jus aos lucros cessantes que consiste nos danos materiais efetivos sofridos por alguém. E que também é possível a aplicação da perda de uma chance.

Neste ínterim, observa-se que a teoria da perda de uma chance como uma forma de reparação com fundamento no princípio da reparação integral dos danos não se limita a apenas uma área.

O princípio em questão é um dos principais, senão o principal, meio de buscar-se a mais completa reparação dos prejuízos causados ao lesado, claro, observando a extensão dos mesmos, independentemente do âmbito jurídico, contudo, mais precisamente no que concerne a responsabilidade civil.

5.1 A Certeza do Dano.

Mediante o estudo discorrido até aqui, conclui-se, que todo o dano sofrido ao lesado, por outrem, gera uma responsabilidade ao agente causador dos prejuízos acarretados.

Um ótimo exemplo dessa responsabilidade e como a mesma deve ser auferida está em um acontecimento relacionado a emissora de televisão Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), com o denominado Show do Milhão, em que nada tem a ver com a área médica (perda de uma chance de cura ou sobrevivência), porém, remete um ótimo entendimento para servir como um comparativo, já que seguem a mesma base conceitual ao se tratar da perde de uma chance.

Para isso, imperioso é transcrever os ensinamentos de Henrique Avelino Lana que muito bem discorre sobre o assunto de forma simples e clara.

Primeiramente, explica-se que o chamado Show do Milhão foi um jogo televisionado pela emissora SBT – Sistema Brasileiro de Televisão – uma das empresas do grupo Silvio Santos. Consistia em ser um game de perguntas e respostas cuja última pergunta, caso respondida corretamente, daria o prêmio de R$1.000.000,00 (hum milhão de reais) ao jogador.

Verifica-se que, na data de 15 de junho de 2.000, a jogadora Ana Lúcia Serbeto de Freitas Matos optou por não responder a última questão por medo de errar e perder o prémio já acumulado de quinhentos mil reais. Ademais, a jogadora teve a oportunidade de visualizar a pergunta para, só depois, decidir se queria ou não a responder.

Vide a referia pergunta: “A Constituição reconhece direitos aos índios de quanto do território brasileiro?” Alternativas: 1) 22%; 2) 02%; 3) 04%; 4) 10%. Percebe-se que a questão faz menção ao artigo 231 da Constituição da República de 1988, assim, o referido dispositivo dispõe:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

 § 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficandolhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.

§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º. (BRASIL, Constituição, 1988).

Percebe-se através dessa norma uma privação de competência à União, para que ela, por meio de seus órgãos oficiais, realize o delineamento das terras indígenas. Contudo, na norma constitucional, não é expresso nenhum percentual exato, apenas determina-se, de maneira genérica, que todas as terras tradicionalmente ocupadas devam ser reservadas e preservadas para os silvícolas.

A resposta esperada para a questão era a alternativa número 4, isto é, aquela que afirmava que 10% do território brasileiro é aos nativos destinada. Essa premissa foi formulada a partir de um dado disponibilizado pela enciclopédia Barsa Planeta.

A Constituição brasileira reconhece aos índios direitos originários e usufruto exclusivo (exceto subsolo) sobre cerca de 98 milhões de hectares (11,58% do território nacional). As terras são bens da União e se encontram em diversos estágios do processo de reconhecimento oficial, que passa pelas etapas de identificação, demarcação, homologação e regularização. (IBSEN; LEÓN, v. 8, p. 81, 2005).

Após essa análise, concluiu-se que o programa estaria agindo de má-fé. Por isso, a jogadora propôs uma ação judicial contra a BF Utilidades Domésticas LTDA empresa do grupo econômico Sílvio Santos. A autora pleiteou indenização por danos materiais e morais, tendo como causa de pedir a perda da oportunidade de ganhar o jogo, posto que a pergunta do milhão estava mal elaborada, não possuindo reposta correta de acordo com a Magna Carta.

Consoante o acórdão do Recurso Especial nº. 788.459 – BA (2005/0172410-9), o dano moral se ocasionou pela “frustração de sonho acalentado por longo tempo”. Já o dano material fez referência a perda do prêmio, assumindo, por isso, seu integral valor no montante de R$500.000,00 (quinhentos mil reais). Eis, contudo, um erro nessa última afirmação. Isso, pois, ao avaliar a chance pedida no valor total da vantagem esperada não se considerou o risco de a jogadora errar o questionamento mesmo que esse fosse realizado de maneira correta.

Sob o argumento de que a causa de pedir era o impedimento da possibilidade de obtenção de lucro e não a vantagem em si mesma considerada, a parte promovida recorreu à segunda instância, mas não obteve êxito. Ao recorrer ao STJ, a quarta turma de ministros deu provimento parcial ao recurso reduzindo a indenização, posto que fora pedido o julgamento de improcedência ou, alternativamente, redução da quantia indenizatória para R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais).

O valor aferido à chance de R$ 125.000,00 está em plena consonância com o princípio da probabilidade defendido por Maurizio Bocchiola, explicado anteriormente. Afinal, atingiuse o raciocínio de que cada alternativa possuía 25% de chances de ser escolhida e que, como só haveria uma alternativa correta, a autora tinha a mesma probabilidade de acerto.

Assim, a indenização também deveria possuir o valor de um quarto do prêmio da questão. Além do mais, reafirma-se no acórdão que a ausência de certeza com relação ao acerto impossibilita a classificação como lucro cessante.

Finalmente, devido à tamanha proporção e divulgação, a lide em estudo tornou-se um verdadeiro leading case acerca da responsabilidade civil pela perda de uma chance no Direito Brasileiro.

Observa-se, ainda, que até a ação ser transitada em julgado foram abordados importantes critérios para esse tema que emerge no cenário jurídico, a saber: o quantum debeature e a classificação como dano emergente. Em vista disso, o Sr. Ministro Barros Monteiro explica:

A indenização não pode ser tal como pretende a autora, ou seja, o prêmio total de 1 milhão de reais, porque isso somente ocorreria se ela tivesse acertado a pergunta formulada no programa. A lei estabelece claramente que os lucros cessantes abrangem o que razoavelmente o interessado deixou de lucrar. É a regra do art. 1.059 do Código Civil de 1916. Então, a meu ver, está bem claro que os 500 mil restantes são indevidos. (STJ. Recurso Especial nº. 788.459. Min. Rel. Fernando Gonçalves). (LANA, H. A.) (grifo nosso).

Nesse viés, para caracterizar a perda de uma chance ou a perda de uma chance de cura ou sobrevivência, como já fora citado, é necessário que ocorra uma chance real, ou seja, deve ser o erro médico devidamente constatado/configurado. Além da necessidade de chances reais, as mesmas devem ser sérias. No que tange a essa seriedade Sérgio Cavalieri Filho leciona que “A perda de uma chance [...] só será indenizável se houver a probabilidade de sucesso superior a cinquenta por cento, de onde se conclui que nem todos os casos de perda de uma chance serão indenizáveis”. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 75).

Entretanto, tem-se a ideia de que deve ser seguido uma proporção entre o dano e o nexo de causalidade e por fim uma ponderação do que se julga justo para uma devida indenização ao lesado, mediante a chance perdida de um benefício futuro certo e real, porém, não alcançado devido o erro médico.

Tudo isso deve ser argumentando por meio da defesa do paciente quando instituído um procedimento judicial, cabendo ao julgador observar o caso concreto e ponderar de maneira mais justa e eficaz possível, para concretizar o princípio da reparação integral do dano sofrido e não mais que isso. Não é uma tarefa fácil e é de suma importância a colaboração do autor, quando a ele for incumbido o dever do ônus da prova.

Isto posto, para que haja o direito de indenização, deve haver muito mais que uma mera esperança de que o benefício ocorreria. Deve ser evidenciado por vias concretas, reais, sérias e possíveis. Para isso, é necessária uma análise minuciosa dos fatos.


6 O Dever de Reparação.

Perante os apontamentos no decorrer do texto, não restam dúvidas sobre o dever de reparação daquele que causa prejuízo a alguém, primordialmente, em relação ao erro médico.

Destarte, compreende-se que o dever de reparação é gerado devido uma responsabilidade, nesse caso, civil. A palavra responsabilidade advém do latim que significa obrigar-se a responder por algo ocasionado por intermédio de ações próprias ou de terceiros.

No direito civil a responsabilidade dar-se-á por dependência, quer seja, depende da modalidade da mesma, se objetiva ou subjetiva, obrigação de meio ou de resultado.

Em regra, a responsabilidade médica sendo subjetiva, caberá à vítima provar a culpa do profissional, respaldado no erro médico, pois, do erro médico não nasce diretamente o dever de reparar. O próprio Código de Defesa do Consumidor, prevê, em seu artigo 14, parágrafo 4°, que “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.” (BRASIL, 1990).

Contudo, o dever de provar o dano depende se se trata de uma obrigação de meio ou de resultado. Tratando-se de uma obrigação de meio a vítima deverá comprovar a culpa, por ser uma obrigação típica para o exercício das atividades médicas. No que refere-se a obrigação de resultado, basta que o paciente demonstre de forma concreta a ocorrência do dano efetivo, havendo assim, uma inversão do ônus da prova, cabendo, agora, ao médico provar que não teve culpa, uma vez que está passasse a ser presumida.

Conquanto, o dever de reparação deve estar de mãos dadas com tudo aquilo que compõe a responsabilidade civil. Outrossim, para a utilização da teoria da perda de uma chance de cura ou sobrevivência deve se ater as chances delimitadas no caso concreto, devendo as mesmas serem reais e sérias, para então, visualizar-se a possibilidade de ganho futuro.

Por conseguinte, a justa ponderação do ganho presumido é indispensável para atingir mais um princípio constitucional (além da perda de uma chance), que é a justiça, bem como, o devido processo legal.

Ante o exposto, salienta-se que:

[...] ao se deparar com uma ação de responsabilidade civil, o julgador deverá procurar sempre atender ao princípio da reparação integral dos danos. Contudo, se em determinado caso concreto “houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano”, poderá reduzir equitativamente indenização, pois, neste caso, estará privilegiando outro princípio constitucional, que é o da justiça. (SAVI, 2009, p. 99)

No mais, embora a teoria fomentada não acha-se expressa pelo Código Civil

[...] a aceitação da perda de uma chance como uma espécie de dano certo aparece como o caminho que o direito nacional segue e continuará a seguir, eis que, no ordenamento brasileiro não se encontra qualquer dispositivo que possa tornar-se um óbice para a aplicação da teoria da perda de uma chance. Também se acredita que as propostas sobre a quantificação do dano, bem como as diferenciações em relação a modalidade de responsabilidade pela criação de riscos, estão em total conformidade com o nosso direito positivo e poderão enriquecer o modelo jurídico nacional da teoria da perda de uma chance.

[...] mesmo com os muitos perigos que podem advir da aceitação da teoria da perda de uma chance para os casos em que o processo aleatório chegou ao ponto derradeiro, normalmente verificado nas espécies referentes à área médico-hospitalar, existem hipóteses em que a negação absoluta da teoria geraria graves injustiças. (SILVA, 2007, p. 215/216).


7 Conclusão.

O presente artigo enfatizou uma modalidade específica da teoria da perda de uma chance, a denominada perda de uma chance de cura ou sobrevivência. Dito o nome, compreende-se tratar da área da medicina.

Foi demonstrado que essa modalidade especial da teoria é de suma importância para atender aos anseios de um paciente lesionado por intermédio de um erro do profissional.

Para isso, abarcou-se a respeito do erro médico, bem como, os prejuízos causados ao paciente por meio desse erro. Este pode acarretar em responsabilidade civil, caracterizando o dever de reparação.

Uma vez configurado o erro médico, seja pela junção do dano moral, material e estético, ou os mesmos individualmente, fica ao profissional o dever da indenização justa e eficaz. Para isso, é importante levar em consideração o critério do ponderamento, para obedecer as funções da extensão do dano descrito pelo Código Civil, quer seja, a integralidade do dano e não mais que o dano.

Ao fim, a essencial codificação da teoria pelo Código Civil, uma vez que não se encontra qualquer dispositivo que gere obstáculo à aplicação da mesma, que inclusive, já é usada em várias jurisprudências e citada em doutrinas como um evento positivo ao sistema.


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