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Medidas provisórias.

Sua edição no âmbito dos Estados-membros e Municípios

Medidas provisórias. Sua edição no âmbito dos Estados-membros e Municípios

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Resumo: Este artigo se insere no âmbito do Direito Constitucional - mais especificamente, sob o tema das "Medidas Provisórias", consubstanciadas no Artigo 62 de nossa Carta Magna. Cuida-se aqui de discutir a hipótese da possibilidade de sua adoção nos estados-membros e municípios, nos termos da Constituição Federal de 1988.

Abstract: This paper inserts itself in the scope of Constitutional Law - more specifically, under the theme of "Provisional Measures", as consubstantiated in Article 62 of our Magna Charta. One aims to discuss the hypothesis of the possibility of their adoption within the member states and municipalities, pursuant the provisions of the Federal Constitution of 1988.


1. Considerações Iniciais – Breves Notas sobre o Federalismo na Constituição de 1988

            O Estado brasileiro é uma república federativa. A Federação se caracteriza pela autonomia dos entes federados. O art. 1º da Constituição enuncia que a Federação é formada pela União indissolúvel dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

            A autonomia dos entes federados pressupõe uma repartição de competências, a qual se consubstancia na capacidade de auto-organização, auto-legislação, auto-administração e auto-governo (1).

            Com relação ao Estado-membro, o art. 25, CF/88, consagra a competência de auto-organização e auto-legislação, enunciando que "os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição." Os arts. 27, 28 e 125 da Carta Magna trazem as disposições de auto-governo, enunciando os princípios que regem a organização dos poderes estaduais. No que se refere à auto-administração, aos estados-membros são reservadas as competências administrativas que não lhes sejam vedadas pela Constituição, ou seja, o que não constar do âmbito de competências da União (art.21), dos Municípios (art.30) e das competências comuns (art.23). É a chamada competência remanescente ou residual.

            Acerca do tema, bem pertinente a lição do emérito Prof. PAULO BONAVIDES, in verbis:

            Na Federação, os Estados federados, dispondo do poder constituinte, decorrente de sua condição mesma de Estado, podem livremente erigir um ordenamento constitucional autônomo e alterá-lo a seu talante, desde que a criação originária da ordem constitucional e sua eventual reforma subseqüente se façam com inteira obediência às disposições da Constituição Federal.

            Essa competência do Estado federado preside à pluralidade e variedade de formas de organização, as quais, porém, ao lado da máxima diversificação possível, ostentam por igual certa constância, visível precisamente na sua adequação às máximas federativas fundamentais, das quais decorre por inteiro a harmonia do sistema. (2)

            O Distrito-federal é um ente federativo previsto no Texto Político, congregando em si, ora competências própria dos estados-membros, ora competências próprias dos municípios. Também conta com a capacidade de auto-administração, auto-governo e auto-legislação (estas capacidades são um tanto mitigadas porque o Poder Judiciário Distrital, o Ministério Público e a Defensoria Pública são organizados e mantidos pela União, mas não são federais, bem como os serviços de polícia civil e militar e corpo de bombeiros dependem de lei federal). O Distrito Federal, contudo, não poderá subdividir-se em municípios (arts. 1º, 18, 32, 34, da CF/88).

            Os Municípios detém sua capacidade de auto-governo, auto-legislação, auto-administração e auto-organização enunciadas nos arts. 18, 29, 30 e no art. 34, VII, "c" da Constituição Federal. Como regra geral, as competências municipais dizem respeito a seus interesses locais.

            A Constituição de 1988 estatui, portanto, um federalismo que superou a simples dualidade constante de nossa tradição constitucional, erigindo o município a um nível de autonomia dantes desconhecido.

            Novamente, socorremo-nos do magistério de PAULO BONAVIDES, a saber (3):

            Todavia, no Brasil, com a explicitação feita na Carta de 1988, a autonomia municipal alcança uma dignidade federativa jamais lograda no direito positivo das Constituições antecedentes. Traz o art.29, por sua vez, um considerável acréscimo de institucionalização, em apoio à concretude do novo modelo federativo estabelecido pelo art. 18, visto que determina seja o município regido por lei orgânica, votada por quorum qualificado de dois terços dos membros da Câmara Municipal - requisito formal que faz daquele estatuto um diploma dotado de grau de rigidez análogo ao que possuem as cartas constitucionais.

            Enfim, o art.30, discriminando a matéria de competência dos municípios, tem uma latitude de reconhecimento constitucional desconhecida aos textos antecedente de nosso constitucionalismo.

            Reconhece-se que existe uma partilha de competências legislativas dentre os entes federados. Encontra-se um campo privativo da União (art.22, CF/88), com possibilidade de delegação (art. 22, Parágrafo Único, CF/88), ladeado por um campo concorrencial entre a União e os Estados-membros, incluindo-se aqui o Distrito Federal (art.24, CF/88). Observa-se a competência legislativa reservada do Estado-membro e do Distrito Federal (art. 25, §1º e art. 32, §1º, da CF/88 - respectivamente). Presentes ainda na repartição das competências legislativas constitucionais a competência exclusiva e suplementar do Município (art. 30, incisos I e II).

            Caberia indagar, a despeito de não se constituir o cerne principal de nossa temática, se o município pode ser considerado como um ENTE FEDERATIVO. A interrogação é das mais polêmicas, sendo alvo de profícuo debate em sede doutrinária (4).

            JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO enuncia como básicos ao Federalismo os princípios da autonomia das coletividades territoriais distintas do poder central e da participação dessas coletividades na vida dos órgãos centrais (5). No esteio dos ensinamentos do ilustre publicista, apesar de toda a autonomia concedida ao ente municipal, o Município não integra a Federação. Os municípios, portanto, não seriam entes federativos, na acepção estrita do termo. Os entes federativos são o Estado Federal e os Estados-membros (União), ou Estados-federados.


2. Da Possibilidade de os Estados-membros (DF) e Municípios editarem Medidas Provisórias

            Desta feita, os Estados-membros se auto-organizam editando suas Constituições Estaduais e sua legislação própria, desde que respeitados os princípios constitucionais sensíveis, os princípios constitucionais extensíveis e os princípios constitucionais estabelecidos (6).

            A Lei Orgânica regerá o Município, disciplinando sua organização administrativa e sua competência legislativa, segundo as peculiaridades locais, observando-se os regramentos constantes dos arts. 23, 29 e 30 da Constituição Federal de 1988.

            Ora, dentro do quadro das repartições de competência, seria lícito indagar se é permitido aos Estados e Municípios inserirem em suas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas a permissão de edição de medidas provisórias pelo Chefe do Poder Executivo.

            Assevera JOSÉ AFONSO DA SILVA (7), textualmente:

            E medidas provisórias, podem as constituições estaduais instituí-las? Em edições anteriores, respondemos que nada justificava sua existência no âmbito estadual, mas não víamos proibição que o fizessem. Até onde sabemos, os Estados (e também os Municípios) evitaram adotá-las. E hoje, re melius perpensa, achamos ponderável o argumento de que, sendo exceção ao princípio da divisão dos poderes, só vale nos limites estritos em que foram elas previstas na Constituição Federal, ou seja, apenas no âmbito federal, não se legitimando seu acolhimento nem nos Estados nem nos Municípios.

            De efeito, a lição encontra apoio no entendimento divulgado por MICHEL TEMER (8):

            (...) as medidas provisórias só podem ser editadas pelo Presidente da República. Não podem adotá-las os Estados e os Municípios. É que a medida provisória é exceção ao princípio segundo o qual legislar compete ao Poder Legislativo. Sendo exceção, a sua interpretação há de ser restritiva, nunca ampliativa.

            Parece-nos mais que acertado o pudor que cerca a questão. As medidas provisórias, enquanto medidas emergenciais, são indicadas a debelar demandas conjunturais, mais relacionadas com a competência da União. Somado a tal reconhecimento, cabe a constatação de que o Poder Legislativo nos Estados, nos Municípios e no Distrito Federal é unicameral, o que, por si, só já assegura um processo legislativo mais célere e simplificado.

            Contudo, a despeito de julgarmos não recomendável a adoção de tal expediente, dentro da sistemática constitucional vigente, considerando o grau de autonomia que a Constituição de 1988 consagrou, não podemos argumentar a inaplicabilidade do art.59 aos Estados-membros e Municípios.

            A Constituição tornou explícita a autonomia legislativa dos diversos entes integrantes da federação, em igualdade de condições. De efeito, a Carta Política firma as normas gerais acerca do processo legislativo, as quais devem ser observadas pela União, Estados, Municípios e Distrito Federal (este último dentro de suas peculiaridades). O próprio Texto Fundamental define as espécies normativas existentes no ordenamento jurídico brasileiro em seu art.59, a despeito de qualquer crítica dirigida a esse elenco.

            Em excelente artigo sobre o tema, opina o Promotor de Justiça ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU (9):

            Tem-se, pois, como um dos princípios basilares decorrentes da adoção da Forma Federativa de Estado e de igualdade constitucional dos respectivos entes componentes da Federação, o princípio da simetria constitucional, pelo que, ressalvadas as expressas ou implícitas exceções constitucionais, as mesmas regras e princípios aplicáveis à União, como ente federado, serão de necessária observância pelos demais, a eles tendo total aplicação. Não existindo razão política a discriminar, haverão de ser encarados como iguais os entes federados e assim, serão necessária e automaticamente aplicáveis, aos Estados e Municípios, as disposições atinentes à União Federal. Exemplo clássico da aplicação de tal princípio encontra-se na matéria referente ao processo legislativo, especialmente no que pertine aos quoruns de instalação de sessão, quoruns de aprovação, formalidades essenciais e, finalmente, na matéria referente às espécies normativas.

            O art.50 da Carta Política inclui no processo de elaboração legislativa a figura da medida provisória, da mesma forma que a Constituição passada fazia em relação ao decreto-lei. Contudo, na vetusta Constituição outorgada constava a vedação expressa de edição por parte de Estados e Municípios.

            O grande alcance jurídico da capacidade de auto-legislação que a Constituição de 1988 conferiu aos Estados-membros e Municípios torna difícil afastar o permissivo de conterem as Constituições estaduais e as Leis Orgânicas municipais a figura da medida provisória. Sem dúvida, o constituinte de 1988 alçou o Estado brasileiro a um grande desafio em termos de organização político-democrática. Grandes são as possibilidades e, diretamente proporcionais, as responsabilidades oriundas dessa inovadora forma de federalismo.

            FERNANDA DIAS MENEZES DE ALMEIDA (10) observa que:

            (...) a partilha de competências afigura-se um imperativo do federalismo para a preservação do relacionamento harmônico entre União e Estados-membros. Sim, porque a não delimitação das atribuições do conjunto e das partes, que devem coexistir e atuar simultaneamente, tornaria inevitavelmente conflituosa sua convivência, pondo em risco o equilíbrio mútuo que há de presidir a delicada parceria a que corresponde, em última análise, a Federação.

            Mais que oportuna é a lição de GERALDO ATALIBA (11) que reconhece a existência de lei nacional e lei federal. Nas palavras do mestre:

            "Leis federais são aquelas que podem ser editadas, no campo próprio, pela União. Da mesma forma nos respectivos campos, são leis estaduais e municipais as editadas por Estados e Municípios, cada qual na própria esfera de competência. Quer dizer: abaixo da lei nacional - se figurarmos um quadro de representação espacial do sistema engendrado pela nossa Constituição - estão, no mesmo nível, equiparadas, as leis próprias das diversas pessoas públicas políticas.

            Tal situação lógica, referida com o termo ‘abaixo’, não quer dizer, absolutamente ‘subordinada’ ou vinculada - que nenhuma hierarquia entre elas se estabelece em razão das posições que respectivamente ocupam nesse quadro.

            A diversidade de objetos ou de formas de expressão dos órgãos legislativos respectivos não autoriza supor qualquer hierarquia, mas sim organização que lhes atribui e reconhece, como privativos, campos diversos." (Itálicos do original)

            A lição remonta aos célebres escritos de HANS KELSEN (12), ao discutir sua concepção de Estado Federal. Eis o clássico ensinamento, in verbis:

            A ordem jurídica de um Estado federal compõe-se de normas centrais válidas para o seu território inteiro e de normas locais válidas apenas para porções desse território, para os territórios dos ‘Estados componentes (ou membros)’. As normas gerais centrais, as ‘leis federais’, são criadas por um órgão legislativo central, a legislatura da ‘federação’, enquanto as normas gerais locais são criadas por órgãos legislativos locais, as legislaturas dos Estados componentes. Isso pressupõe que, no Estado federal, a esfera material de validade da ordem jurídica, ou, em outras palavras, a competência legislativa do Estado, está dividida entre uma autoridade central e várias autoridades locais.

            As leis nacionais são aplicáveis indistintamente a todas as esferas estatais, referindo-se à ordem jurídica nacional como um todo, transcendendo às circunscrições políticas e administrativas. A lei federal vincula o aparelho administrativo da União, enquanto ente federado, pessoa jurídica de direito público interno, bem como as pessoas a ela subordinadas, na condição de administrados ou jurisdicionados.

            Em termos práticos, a lei federal se ladeia às lei estadual e municipal, inexistindo hierarquia, mas tão somente âmbito de competência constitucionalmente gizado.

            Inafastável a realidade de que a norma constante do art. 59 da Constituição Federal de 1988 se trata de norma nacional, aplicando-se à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, por força dos princípios informadores do federalismo (simetria, igualdade e autonomia), não existindo vedação para que a medida provisória surja como espécie normativa prevista nas constituições estaduais e leis orgânicas municipais.

            O Supremo Tribunal Federal já emitiu pronunciamentos acerca da cabal obrigatoriedade de observância do processo legislativo federal, por parte dos Estados-membros e municípios. Citemos alguns exemplos:

            Processo legislativo: emenda de origem parlamentar, da qual decorreu aumento da despesa prevista, a projeto do Governador do Estado, em matéria reservada a iniciativa do Poder Executivo: inconstitucionalidade, visto serem de observância compulsória pelos Estados as regras básicas do processo legislativo da Constituição Federal - entre as quais as atinentes à reserva de iniciativa - dada a sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes." (ADI-805/RS Ação Direta de Inconstitucionalidade Relator Min. Sepúlveda Pertence Publicação DJ DATA-12-03-99 PP-00002 EMENT VOL-01942-01 PP-00047 Julgamento 17/12/1998 - Tribunal Pleno) (Grifos nossos)

            I. Processo legislativo da União: observância compulsória pelos Estados de seus princípios básicos, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes: jurisprudência do Supremo Tribunal.

            II. Processo legislativo: emenda de origem parlamentar a projeto de iniciativa reservada a outro Poder: inconstitucionalidade, quando da alteração resulte aumento da despesa conseqüente ao projeto inicial: precedentes.

            III. Vinculação de vencimentos: inconstitucionalidade (CF, art. 37, XIII): descabimento da ressalva, em ação direta, da validade da equiparação entre Delegados de Polícia e Procuradores do Estado, se revogado pela EC 19/98 o primitivo art. 241 CF, que a legitimava, devendo eventuais efeitos concretos da norma de paridade questionada, no período em que validamente vigorou serem demandados em concreto pelos interessados." (ADI-774/RS Ação Direta de Inconstitucionalidade Relator Min. Sepúlveda Pertence - DJ DATA-26-02-99 PP-00001 EMENT VOL-01940-01 PP-00033 Julgamento 10/12/1998 - Tribunal Pleno) (Grifos nossos)

            Na ADI 425-TO (vide Informativo-STF nº 280), o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento acerca da possibilidade de edição das medidas provisórias pelos Estados-membros e Municípios, desde haja previsão na constituição estadual e lei orgânica municipal. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 812-9 - TO), encontramos o seguinte pronunciamento, acerca do tema, por parte do Relator, Ministro MOREIRA ALVES, do qual extraímos excerto de nosso interesse:

            "1.Não havendo, na atual Constituição, a proibição de os Estados-membros adotarem a figura da medida provisória, ao contrário do que sucedia com a do Decreto-lei em face da Emenda Constitucional n. 1/69 (art.200, parágrafo único), e pelo menos num exame superficial como é o requerido quando do julgamento de pedido de liminar, não ocorrendo fortes indícios de que este instituto atende a peculiaridades excepcionais do plano federal que impeçam seja ele tido do modelo susceptível de inclusão no processo legislativo estadual, não se caracteriza, no caso, a relevância jurídica necessária à concessão da medida excepcional que é a suspensão provisória da eficácia da norma jurídica.

            Por outro lado, decorridos mais de três anos da edição da Constituição estadual em causa, não há que se pretender ocorra, no caso, periculum in mora ou até conveniência capazes de justificar essa concessão, sob a alegação apenas de que estaria havendo, em caso concreto, tentativa - repelida pela Assembléia Estadual - de utilização inconstitucional de medida provisória no âmbito do Estado" (Negritos nossos; grifos do original)

            Mutatis mutandis, as mesmas conclusões se aplicam ao Município. Assim, os demais entes políticos estariam autorizados a se utilizar desse instrumento legislativo, in casu, a medida provisória, desde que observados os critérios e limitações do processo legislativo estatuído em âmbito federal.

            Podemos apontar a conclusão de BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS (13), a qual bem se aplica:

            Cumpre finalmente assinalar que as objeções que se põem à edição de medidas provisórias ou de decretos-leis, tanto no Brasil, como na Itália, por suas regiões e províncias, dizem mais respeito à delimitação quanto à matéria do que quanto à própria capacidade da pessoa jurídica de direito público.

            Mas, quanto às limitações materiais, qualquer pessoa de direito público está a elas sujeitas, havendo apenas que se distinguir quais são as matérias disciplináveis por meio de medida provisória e quais as que não são disciplináveis por meio deste instrumento jurídico.

            Constata-se, outrossim, que a maioria das constituições estaduais e leis orgânicas municipais não lançou mão de tal alternativa. Ressalte-se, por oportuno, a inexistência de previsão de edição de medidas provisórias na Constituição do Estado do Ceará. De igual modo, a Lei Orgânica do Município de Fortaleza também não autoriza o Chefe do Poder Executivo a emitir tais normativos excepcionais de urgência. Ponto positivo, visto que tanto o federalismo brasileiro ainda não se firmou empiricamente em suas bases constitucionalmente teorizadas, bem como as casas legislativas estaduais e municipais ainda não representam o necessário contraponto à tradicional reinante hipertrofia dos poderes executivos locais.


3. Conclusão

            A complexidade das relações sociais ocasiona uma necessidade de maior intervenção do poder público no domínio econômico e social, com uma conseqüente mudança no exercício das tradicionais funções estatais. O processo legislativo clássico não se demonstra apto a fornecer os instrumentos necessários para solucionar, de forma célere e eficiente, as questões emergentes em um mundo marcado pelo dinamismo da ordem econômica e financeira. Tal fato levou à adoção de medidas provisórias, de utilização pelo Chefe do Poder Executivo, concebidas a serem empregadas em circunstâncias excepcionais.

            Não obstante, o Poder Executivo (federal) vem exorbitando, editando considerável quantidade de medidas provisórias, desconsiderando os limites constitucionalmente postos.

            O Estado brasileiro é uma república federativa. Dentro de tal contexto, surgiu a indagação acerca da possibilidade de edição de medidas provisórias por parte dos Estados-membros e Municípios.

            Mediante a interpretação sistemática do Texto Constitucional, à luz da distribuição das competências normativas, podemos enunciar:

            a)a Federação se caracteriza pela autonomia dos entes federados;

            b)a autonomia dos entes federados pressupõe uma repartição de competências, a qual se consubstancia na capacidade de auto-organização, auto-legislação, auto-administração e auto-governo;

            c)a Constituição Federal de 1988 firma norma gerais do processo legislativo, observáveis obrigatoriamente pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios;

            d)a Constituição Federal de 1988 adotou o sistema da tipificação das espécies normativas, ao enumerá-las em seu art. 59;

            e)o largo alcance da capacidade de auto-legislação conferida aos Estados-membros (e DF) e Municípios não permite afastar o permissivo de conterem as constituições estaduais e as leis orgânicas municipais a figura da medida provisória, enquanto espécie normativa;

            f) a norma do art.59 da Carta Política configura-se como uma norma nacional, aplicando-se à União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, por força dos princípios informadores do federalismo (simetria, igualdade e autonomia), não existindo vedação para que a medida provisória surja como espécie normativa prevista nas constituições estaduais e leis orgânicas municipais – apesar de reconhecer-se a desnecessidade de tais providências de urgência fora do contexto conjuntural da gestão política e econômica afeita à União.


4. Referências Bibliográficas

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            BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo, Rio de Janeiro: Forense, 1986.

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            HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional, Belo Horizonte: Del Rey, 1995.

            KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

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            SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 10ª ed., revista, São Paulo: Malheiros, 1994.

            TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 1991.


Notas:

            01.A denominação é colhida das lições de José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 561.

            02.Paulo Bonavides, Ciência Política, p. 185.

            03.Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 312.

            04.A questão foi debatida por José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo; por José Nilo de Castro, Direito Municipal Positivo. Merece destacada menção a obra de José Alfredo de Oliveira Baracho, Teoria Geral do Federalismo, a qual trata do Federalismo com grande maestria e de maneira elogiosa.

            05.José Alfredo de Oliveira Baracho, Teoria Geral do Federalismo, p. 35 e ss.

            06.Os princípios constitucionais sensíveis encontram-se previstos no art. 34, VII da Carta Magna. Sua desobediência pode acarretar a supressão momentânea da autonomia do ente federado, mediante o processo de intervenção federal. Os princípios federais extensíveis são aqueles que constituem normas comuns a serem observadas pela União, Estados e Municípios em sua organização político-administrativa. Os princípios constitucionais estabelecidos são todos aqueles disseminados no Texto Fundamental que balizam a autonomia dos entes federados e impõem respeito aos limites e prerrogativas recíprocos. A terminologia foi cunhada por Pontes de Miranda em seu Comentários à Constituição de 1946, sendo empregada na doutrina constitucional pátria, consoante podemos verificar nos trabalhos de José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, Alexandre de Morais, Direito Constitucional, Raul Machado Horta Elementos de Direito Constitucional, bem como na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (cf. STF - Pleno - Adin nº 216/PB - Rel. Min. Celso de Mello; RTJ 146/388).

            07.José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 579

            08.Michel Temer, Elementos de Direito Constitucional, p. 142.

            09.Rogério Roberto Gonçalves de Abreu in BDM - Boletim de Direito Municipal - Fevereiro de 2001, p. 114.

            10.Fernanda Dias Menezes de Almeida, Competências na Constituição de 1988, p.33.

            11.Geraldo Ataliba, "Normas Gerais de Direito Financeiro e Tributário e Autonomia dos Estados e Municípios", Revista de Direito Público nº 10, p.49.

            12. Hans Kelsen, Teoria Geral do Direito e do Estado, p.451.

            13.Brasilino Pereira dos Santos, As Medidas Provisórias no Direito Comparado e no Brasil, p.344.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Luziânia Carla Pinheiro. Medidas provisórias. Sua edição no âmbito dos Estados-membros e Municípios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 810, 21 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7317. Acesso em: 18 abr. 2024.