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A teoria do direito penal do inimigo e sua influência na legislação brasileira

A teoria do direito penal do inimigo e sua influência na legislação brasileira

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“Todo direito no mundo foi adquirido pela luta; esses princípios de direito que estão hoje em vigor, foi indispensável impô-los pela luta àqueles que não os aceitavam[...]“

(Rudolf Von Jhering)

RESUMO: Esta monografia tem como objetivo fazer uma análise da Teoria do Direito Penal do Inimigo, idealizada por Günther Jakobs, a qual entendia que, de forma resumida, era possível a supressão de certos direitos e garantias do infrator dependendo das circunstâncias do delito e da personalidade do mesmo, com a finalidade de eliminar riscos futuros. Além disso, também tem como objetivo a análise de suas influências na legislação atual brasileira e, por fim, a possibilidade de aplicação de tal teoria em uma sociedade democrática de direito.

Palavras-chave: Direito Penal do Inimigo, Velocidades do Direito Penal, Teorias das Funções da Pena, Lei dos Crimes Hediondos, Princípio da Individualização da Pena.

ABSTRACT:This monograph have the objective to analyze the theory of the Law of the Enemy, idealized by Gunther Jakobs, which says that, in short, it was possible to supress some rights and guarantees from the criminal, depending on the circunstances of the crime and his personality, in order to prevent future risks. It also have the objective to analyze its influences on the current laws in brazilian society, and, lastly, the possibility to apply this theory in a democratic State governed by the rule of law.

Keywords:  Law of the Enemy, Speeds of the Criminal Law, Theory of Punishment Functions, Law of Heinous Crimes, Individualization of the Punishment.

SUMÁRIO: Introdução..1) Fatores Históricos.1.1) Evolução do Direito Penal.1.1.1) Fases da Vingança Penal .1.1.2) Período Humanitário.1.1.3)Direito Penal no Século XX.1.2) Evolução do Direito Penal Brasileiro.1.3) Evolução do Direito Penal do Inimigo - Primeira versão da Teoria-1985. 1.4) Evolução do Direito Penal do Inimigo - Segunda versão da Teoria-1999. 2) Teorias relacionadas ao Direito Penal do Inimigo e sua importância..2.1) Teorias da Pena.2.2) Teorias do Direito Penal do Fato e Direito Penal do Autor.2.3) Velocidades no Direito Penal.2.4)Teses contratualistas que tem similaridade com o Direito Penal do Inimigo.  3) Direito penal do Inimigo..3.1) Conceito de Direito Penal do Inimigo.3.2)Teorias que embasam a Teoria do Direito Penal do Inimigo.3.3) Repercussão da Teoria do Direito Penal do inimigo.4) Teoria do Direito Penal do Inimigo e Legislação Atual.4.1) Disposições esparsas.4.2) Lei dos crimes Hediondos.5) Discussão sobre a Teoria do Direito Penal do Inimigo e sua importância..5.1) Binômio Cidadão versus Inimigo.5.2)Aplicação da Teoria do Direito Penal do Inimigo: Garantia de um Estado de Direito ou Absolutismo puro?5.3)Garantia dos Interesses Individuais versus Pacificação Social.5.4)Individualização da pena.6)Possibilidade de aplicação do Direito Penal do Inimigo na atualidade.7) Conclusão .Referências Bibliográficas.


INTRODUÇÃO.

Como ensina Cesare Beccaria[1], o surgimento do direito se deu com o sacrifício de parte da liberdade individual para usufruir do restante dela com mais segurança, e, com isso, facilitar a convivência harmônica em sociedade através da criação de leis. Nesse sentido, entende que[2] ninguém deseja estar preso por tais normas e convenções que se aplicam aos outros, mas assim o fazem unicamente para garantir o restante de seus direitos.

Ocorre que, com as mudanças que ocorrem rotineiramente na sociedade, por vezes, o direito passa a perder sua eficácia na repressão de crimes e manutenção da paz social, pois, com o passar do tempo, ocorre também o avanço da criminalidade, que passa a cometer crimes de maior gravidade e complexidade, tornando o direito penal obsoleto em sua função primordial.

Diante de tais informações, fica fácil de compreender que, assim como a sociedade, o direito deve ser modificado, avançar, e se adequar às novas realidades, através da criação de novos meios de contenção da criminalidade e manutenção da paz social.

Também nesse sentido, afirma Kelly Cardoso da Silva[3], que com a transformação da sociedade, deve haver a alteração do direito, que não pode permanecer estagnado diante de tais alterações sociais, sob pena de se tornar ineficiente perante o novo modelo social. Além disso, alega que[4], com a crescente globalização, houve o aumento da macro e microcriminalidade, ao mesmo tempo em que enfraqueceu-se o sistema político e a segurança pública. Por fim, afirma que[5], os novos riscos trazem grande situação de insegurança na sociedade, e, com isso, acaba sendo exigido uma resposta mais dura do direito penal.

Diante dessa perspectiva, inúmeros doutrinadores propuseram teorias alternativas buscando a contenção da criminalidade, prevendo alterações principalmente no âmbito penal e processual penal. Uma dessas teorias, que é exatamente o foco deste trabalho, é a Teoria do Direito Penal do Inimigo, idealizada por Günther Jakobs, uma teoria amplamente criticada por inúmeros doutrinadores, mas de relevância inquestionável.

Tal teoria, embora controversa e amplamente criticada por inúmeros doutrinadores, é de grande importância, tendo seus fundamentos, inclusive, sido utilizados na elaboração de algumas das leis atuais.

A análise de tal teoria e de sua influência na legislação atual é o objetivo deste trabalho.


1)    FATORES HISTÓRICOS.

Primeiramente, antes de se tratar da parte histórica, importante explicar de maneira sucinta sobre o que é a Teoria do Direito Penal do Inimigo. Tal teoria prevê, em breve síntese, um tratamento penal e processual penal mais rigoroso para aqueles indivíduos considerados como “inimigos”, e não como “cidadãos”. De modo bem resumido, JAKOBS entendia como inimigo aquele que não apresentava garantias comportamentais mínimas[6], ou seja, aquele que não poderia ser reabilitado para a vida em sociedade, e que continuaria a delinquir.

Dito isto, para entender a Teoria do Direito Penal do Inimigo, é preciso compreender o contexto histórico na qual se originou.

Primeiramente, como explica Vicente Greco Filho[7], ao citar a teoria do Professor Antonio Cândido de Mello e Souza, os movimentos sociais se dão como movimentos pendulares: de uma ideia, se passa para uma ideia oposta, que ganha intensidade, se esgota, e volta para a ideia inicial, ligeiramente modificada para se adequar à realidade.

Ainda nesse sentido, afirma que[8], com o fim da segunda guerra, superados o nazismo e fascismo, os direitos e garantias individuais e sociais passaram a ser o foco do direito, momento em que surgiram teorias, como, por exemplo, a teoria do garantismo penal.

Porém, conclui que[9], com os atentados de 11 de setembro de 2001, vieram a tona as questões do terrorismo e da criminalidade organizada, o que demonstrou grandemente a ineficácia do Direito Penal na contenção de tais delitos, e, com isso, o pêndulo se volta para um Direito Penal de garantias reduzidas, conhecido pelo nome “Direito Penal do Inimigo”.

1.1)       EVOLUÇÃO DO DIREITO PENAL

Com o passar do tempo e com as mudanças sofridas pela sociedade, se tornou necessário que o Direito também evoluísse, sob pena de se tornar ineficaz. Tais mudanças ocorreram no Direito como um todo, mas tal evolução foi de grande importância na área penal.

Nesse sentido, leciona Miguel Reale:

As regras éticas existem para serem executadas. Se a obediência e o cumprimento são da essência da regra, é natural que todas elas se garantam, de uma forma ou de outra, para que não fiquem no papel, como simples expectativas ou promessas. As formas de garantia no cumprimento das regras denominam-se “sanções”. [10]

Também nesse sentido, preleciona Kelly Cardoso da Silva:

É importante ressaltar que a sociedade, assim como o Direito (inclua-se o Direito Penal), não configura algo certo e determinado –estanque-, mas sim algo dinâmico, alçando novos bens jurídicos e configurações conforme sua evolução histórica.

Os novos tempos e a modificação do Direito Penal direcionam para a proteção das demandas surgidas e para a alteração de sua dogmática, que até o momento era fundamentada em um modelo clássico.[11]

Levando-se em consideração que as sanções são de suma importância para o cumprimento das regras, o Direito Penal deve sempre se adaptar para que tais sanções continuem sendo efetivas, no sentido de garantir o cumprimento das regras impostas pelo Direito.

Ocorre que, de maneira frequente, a efetividade das sanções acaba por necessitar de certas flexibilizações no âmbito penal e processual penal, sob pena de não servir para o fim ao qual se destina, ou seja, a garantia de pacificação social.

Diante de tais fatos, importante estudar a evolução histórica do Direito Penal, demonstrando o contexto histórico que fez com que surgissem inúmeras teorias penais, desde aquelas que buscavam resguardar ao máximo os direitos e garantias do criminoso, quanto àquelas que buscavam limitar seus direitos para garantir a pacificação social, como, por exemplo, a Teoria do Direito Penal do Inimigo.

1.1.1) FASES DA VINGANÇA PENAL

Conforme preleciona Cezar Roberto Bitencourt[12], antes da existência do Direito como conhecemos hoje, o que existia era a “vingança penal”, a qual tinha um viés punitivo, vingativo, que se dividiu, historicamente, em três períodos: Vingança Privada, Vingança Divina e Vingança Pública.

Cabe ressaltar que, conforme leciona Ana Clélia Couto Horta[13], apesar do fato de que tais divisões se deram em fases, elas não se sucederam de forma linear ou rígida, sendo que, muitas vezes, as características de um dos períodos também se encontrava em outro.

Ainda nesse sentido, Bitencourt ensina que[14] a fase de vingança divina se deu nas sociedades primitivas, sendo que, nesse período, alguns tipos de fenômenos naturais eram tidos como manifestações divinas, ou punições dos deuses, diante do cometimento de atos que exigiriam reparação, e, com isso, o infrator deveria “desagravar a entidade”, o que era feito com o sacrifício da vida do infrator.

Com isso, termina o assunto[15] explicando que, em tal sistema, a pena representava apenas um revide para a agressão sofrida pela coletividade, que se dava de maneira desproporcional, com grande influência religiosa e sem a menor preocupação com a aplicação de justiça.

Porém, com o avanço da sociedade, a fase da vingança divina deu lugar à fase de vingança privada, com menor influência da religião.

Explica Bitencourt que[16], com a evolução social, surgiu a famosa lei do talião, que permitia uma reação mais “proporcional” ao mal praticado, dando origem à famosa expressão “olho por olho, dente por dente”. Ainda nesse sentido, afirma que[17] tal lei promoveu um tratamento “igualitário” entre infrator e vítima, “humanizando” a sanção criminal.

Ainda quanto à tal período e a lei do talião, também ensina Ana Clélia Couto Horta[18], que, diante da enorme quantidade de lutas entre famílias e tribos, surgiram regras para evitar o aniquilamento total, o que se deu com a instituição da Lei do Talião, que buscava delimitar o castigo, tanto em sua forma quanto em sua intensidade. Por fim, leciona que[19] tal lei evoluiu posteriormente, permitindo que o agressor compensasse a vítima mediante uma indenização, o que era chamado de “composição”.

Apesar de tais argumentos, é difícil aceitar que a amputação de membros por cometimento de furtos possa ser considerado uma “humanização” da sanção criminal, muito menos um tratamento “igualitário” entre infrator e vítima. Porém, levando-se em consideração o contexto da época, foi, de fato, uma evolução no Direito Penal que o tornou, ao menos, mais “proporcional” que nos períodos anteriores.

Quanto à evolução para o período de vingança privada, leciona Miguel Reale:

De certa maneira, esta já representa um progresso, porquanto personaliza a responsabilidade. Com o decorrer do tempo, o fenômeno da vingança privada veio sendo submetido à regras, a formas delimitadoras. Há uma passagem lenta do período de vingança privada, como simples força bruta, ao período em que as contendas passam a ser resolvidas obedecendo a certas injunções ainda de força, mas já contida em certos limites.[20]

Por fim, termina Bitencourt[21] explicando que, com o avanço da sociedade, foi afastada a vingança privada, dando lugar à vingança pública, o qual dava ao Estado o poder-dever de manter a ordem e segurança da população. Ainda nesse sentido, afirma que[22], a finalidade da pena, nessa fase, era garantir a segurança do soberano, estando ainda manchada pela crueldade e desumanidade, com fulcro político e religioso.

Quanto à tal período, conclui Ana Clélia Couto Horta[23], que as penas buscavam unicamente proteger o monarca, sendo que, quase sempre, eram cruéis e sem a garantia do direito de defesa dos cidadãos, tudo com a finalidade de intimidação dos mesmos.

1.1.2) PERÍODO HUMANITÁRIO

Leciona Bitencourt[24] que, por volta do século XVIII, também conhecido como século das luzes, os doutrinadores passaram a estudar o direito tendo como fundamento a razão e a humanidade. Afirma que[25], ainda no início do referido século, as leis eram de excessiva crueldade, prevendo castigos corporais e penas capitais. Porém, ensina[26] que, a partir da segunda metade de tal século, filósofos, moralistas e juristas passaram a criticar tal legislação, defendendo, portanto, liberdades individuais e a dignidade humana.

Ainda nesse sentido, preleciona que[27] tal evolução histórica se deu junto do avanço do iluminismo, sendo que, as principais propostas de tal teoria, no âmbito penal, seria de que a pena deveria ser proporcional ao crime, levando-se em consideração as circunstâncias do crime e do criminoso, demonstrando ser eficaz e, ao mesmo tempo, menos cruel.

Nessa época, surgiram inúmeros doutrinadores defendendo a racionalização das penas, tendo como destaque, principalmente, Cesare Beccaria, que, em seu livro “Dos Delitos e Das Penas”, discute sobre a necessidade da pena, sua proporcionalidade e sua finalidade.

1.1.3) DIREITO PENAL NO SÉCULO XX

Porém, após os sucessivos avanços da lei penal buscando, cada vez mais, garantir os direitos daqueles que cometem delitos, conforme explica Kelly Cardoso da Silva[28], surgiu um sentimento na sociedade e, em certo ponto, até mesmo dentre os juristas, de que tal tratamento dado à criminalidade era demasiadamente leve, e, com isso, servia para aumentar a criminalidade, ao invés de contê-la.

Leciona Eugenio Raul Zaffaroni que[29], durante o século XX, surgiu um autoritarismo decorrente da globalização, o qual criou um direito penal de características autoritárias e antiliberais, o qual pregava o exercício do poder punitivo de maneira mais repressiva e discriminatória, que se disseminava em escala mundial, afirmando que tal modelo teve como uma de suas influências mais consideráveis, a mídia e a publicidade.

Já quanto ao que chama de “autoritarismo cool do século XXI”, explica Zaffaroni[30] que o mesmo surgiu após a segunda guerra mundial e a guerra fria, sendo que, neste período, a globalização e influência do capital gerou grande fluxo de imigrantes, e, com eles, o preconceito e o racismo, que influenciaram profundamente a legislação penal e na sua efetiva aplicação.

Já Bitencourt, ao mencionar o Sistema teleológico-fundamental de Roxin, afirma que[31], com tal teoria, surgiu o pós finalismo no Direito Penal, tendo como principal objetivo adequar o direito aos fins político-criminais ao qual se destinava, atendendo sua real finalidade, se afastando, portanto, do Direito Positivo.

Percebe-se que, as alterações no direito penal e processual penal que ocorreram nessa época, embora não sejam pensamentos dominantes, existiram, e seguiram o caminho oposto percorrido durante os períodos anteriores, buscando, ao invés de garantir os direitos e garantias do indivíduo acusado, garantir seu encarceramento e, supostamente, a pacificação social através do mesmo.

Com esse mesmo fundamento, surgia a Teoria do Direito Penal do Inimigo, de Günther Jakobs, em 1985, a qual será explicada posteriormente.

1.2) EVOLUÇÃO DO DIREITO PENAL BRASILEIRO

Levando-se em consideração que este trabalho trata do tema da Teoria do Direito Penal do Inimigo e sua influência na legislação atual, com foco na legislação brasileira, torna-se imperioso contextualizar o tema com um breve resumo da evolução do Direito Penal no Brasil.

Conforme preleciona Bitencourt[32], durante o período colonial do país, vigoravam aqui as normas do Direito Lusitano, sendo que, primeiramente se aplicaram as Ordenações Afonsinas, publicadas em 1446, que foram sucedidas pelas Ordenações Manuelinas, publicadas em 1521.

Ainda nesse sentido, afirma que[33] tais ordenamentos não tiveram a eficácia esperada, levando-se em consideração as peculiaridades da colônia, as quais geraram a criação de inúmeros decretos e leis para solucionar tais problemas, sendo que o direito a ser aplicado era baseado no arbítrio dos donatários, responsável por instalar, posteriormente, um regime feudal despótico.

Além disso, ensina que[34] tais “senhores feudais” eram independentes e possuíam poder ilimitado de julgar e punir, gerando ampla criminalização e punições rigorosíssimas.

Ante a gravíssima situação mencionada, explica Bitencourt[35] que foi necessária a elaboração de um código criminal mais justo e equânime, o qual foi sancionado em 1830, sendo considerado o primeiro código autônomo da América Latina.

Decorridos tais momentos históricos, iniciou-se o período republicano, o qual, conforme leciona Bitencourt[36], teve como seu primeiro projeto de código penal publicado em 1890, porém sendo considerado, de acordo com o mesmo, o pior código penal da história, ignorando o viés positivista dominante em todo mundo, e os avanços decorrentes do mesmo, sendo que, após inúmeras alterações, culminou na promulgação da “Consolidação das Leis Penais” de 1932.

Por fim, diante de toda essa evolução histórica, explica que[37] surgiu, finalmente, o código penal de 1940, o qual, apesar de ter sofrido alterações pontuais por todo este tempo, encontra-se vigente até os dias de hoje.

1.3) EVOLUÇÃO DO DIREITO PENAL DO INIMIGO - PRIMEIRA VERSÃO DA TEORIA - 1985

Conforme preleciona Kelly Cardoso da Silva[38], a primeira versão da Teoria do Direito Penal do Inimigo foi publicada em 1985, em um seminário de direito penal realizado em Frankfurt. Ainda nesse sentido, afirma que[39], nessa primeira exposição, Jakobs adotou uma postura unicamente descritiva sob tal teoria, sendo que, com isso, causou uma impressão majoritariamente positiva na doutrina alemã.

No mesmo sentido, segundo Luis Gracia Martín[40], conforme citado por Kelly Cardoso da Silva[41], o próprio JAKOBS entendia que sua teoria seria uma “luta”, uma “guerra”, e não um “direito” per se, deixando claro, também, que sua aplicação era incompatível com um Estado de Direito.

Assim também leciona Natália Berti[42], afirmando que, de início, Günther Jakobs criou uma concepção do Direito Penal do Inimigo, estabelecendo diferenças entre o Direito Penal do Cidadão e o Direito Penal do Inimigo. Porém, apesar da criação de tal teoria, afirma que[43] Jakobs entendia que o comportamento de um indivíduo somente tem relevância ao Direito Penal quando o mesmo for objetivado e exteriorizado, evitando que hajam punições por simples pensamentos. Por fim, deixa claro[44] que tal concepção de Direito Penal somente seria aplicável de maneira excepcional, como um “Direito Penal de Emergência”.

Portanto, conforme foi explicitado, nessa primeira versão da Teoria do Direito Penal do Inimigo, Jakobs criou o conceito de Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo, também mencionando as diferenças entre as garantias de ambos, porém, ele não defendia a aplicação de sua teoria como regra, mas sim como exceção. 

1.4)       EVOLUÇÃO DO DIREITO PENAL DO INIMIGO - SEGUNDA VERSÃO DA TEORIA - 1999

Por outro lado, após a primeira apresentação da Teoria do Direito Penal do Inimigo por Jakobs, que causou uma impressão majoritariamente positiva, Kelly Cardoso da Silva[45] explica que, em 1999, Jakobs apresentou uma teoria definitiva do Direito penal do Inimigo, a qual, diferentemente da primeira versão, possuía um teor mais contundente, afirmativo, legitimador e justificador da aplicação de sua teoria.

Além disso, explicam Ulfried Newmann[46] e Manuel Cancio Meliá[47], conforme citados por Natália Berti[48], que essa modificação da Teoria do Direito Penal do inimigo teve início em 1999, mas se deu principalmente em 2003, com o lançamento da obra “Derecho penal de enemigo”. Afirma, também[49], que o Direito Penal do Inimigo assumiu contornos mais concretos, perdendo seu valor pejorativo, afirmando Jakobs que seria um erro demonizá-lo.

Portanto, da análise de tais fatos fica evidente o grande contraste que surgiu entre as duas versões da mesma teoria criada por Günther Jakobs. Primeiramente, ele criou a base da referida teoria, porém, não defendia sua aplicação como regra geral. Essa teoria, conforme já explicado, causou impressões positivas na doutrina alemã.                                          

Porém, posteriormente, ele passou a defender a aplicação de tal teoria, justificando sua aplicação pela necessidade de conter aqueles que não oferecem garantias de comportamento pessoal mínimas[50], como uma contenção de um risco para a sociedade. Cabe ressaltar que, em face do caráter mais incisivo que foi utilizado na segunda versão da referida teoria, a qual não mais expunha, mas sim defendia tal supressão de direitos e garantias dos indivíduos que cometessem algum delito, quase sempre que se ouve falar da Teoria do Direito Penal do Inimigo, de Günther Jakobs, é em relação à segunda versão, a qual é considerada sua versão definitiva.


2)TEORIAS RELACIONADAS AO DIREITO PENAL DO INIMIGO E SUA IMPORTÂNCIA

Para se ter uma discussão mais aprofundada sobre a Teoria do Direito Penal do Inimigo, faz-se necessário a compreensão de outras teorias que possibilitam uma melhor contextualização do tema.

2.1) TEORIA DA PENA

Primeiramente, deve se perceber que o Direito não deve se ater somente à teorias, mas também sobre a aplicação das mesmas. Existem muitos estudos e questionamentos quanto a assuntos nessa área, estudando as normas, mas ignorando suas consequências. Ao se estudar algo na área jurídica, sempre se deve lembrar que o direito existe, principalmente, para buscar a pacificação social e o controle de interesses contrapostos. Afinal, como ensina Paolo Grossi:

Se pudéssemos imaginar um astronauta que desembarca sozinho num planeta remoto e deserto e sozinho vive, esse personagem solitário, até o ponto em que permanece assim, não precisa do direito, nem qualquer de suas ações poderia se qualificada como jurídica.[51]

Portanto, no estudo do Direito, se deve sempre levar em conta sua função de pacificação social. Nesse sentido, é interessante o estudo das Teorias da Pena, que se divide em: Teoria Absoluta (ou retributiva), Teoria Relativa (ou preventiva) e Teoria Mista (ou Unificadora), que serão explicadas mais detalhadamente em seguida.

Conforme explica Gabriel Bulhões Nóbrega Dias[52], a função retributiva da pena, também conhecida como teoria absoluta, em suma, previa que a pena nada mais era que uma reação estatal em relação a algum delito cometido, retribuindo, em teoria, o mal causado pelo criminoso. Ainda nesse sentido, afirma que[53] a retribuição já se baseava na ideia de proporcionalidade entre o delito cometido e a retribuição merecida.

Ensina Bitencourt que[54], os principais defensores de tal teoria eram Kant e Hegel, cujas teorias eram similares, mas que tinham como diferença o fato de que, para o primeiro, a pena teria um fulcro ético e moral, enquanto para o segundo, a pena nada mais era que a reparação do direito, gerando uma pena que fosse capaz de restabelecer a norma violada.

Porém, ao se analisar tal teoria, verifica-se que a mesma não buscava prevenir os delitos, mas apenas punir os infratores, e, portanto, possuía eficácia limitada na contenção da criminalidade e pacificação social, o que deveria, ao menos em teoria, ser a função primordial do Direito Penal.

Em seguida, Gabriel Bulhões Nobrega Dias[55] explica a teoria preventiva, também conhecida como teoria relativa, sendo que, em resumo, tal teoria buscava prevenir a criminalidade, tanto buscando evitar que pessoas cometam crimes, quanto evitar que aqueles que cometeram se tornem reincidentes. Nesse sentido, afirma Danilo da Rocha Costa:

Ao contrário das teorias absolutas, as teorias relativas não possuem uma finalidade em si mesma. Estas teorias dão uma finalidade a pena – prevenção e ressocialização. Esta teoria possui uma pretensão diversa da anterior, e têm por objetivo a prevenção de novos delitos, ou seja, busca obstruir a realização de novas condutas criminosas e impedir que os condenados voltem a delinquir.[56]

Ainda referente ao estudo da teoria preventiva da pena, relevante os ensinamentos de Cesare Beccaria, que afirma:

É preferível prevenir os delitos a ter de puni-los; e todo legislador sábio deve antes procurar impedir o mal que repará-lo, pois uma boa legislação não é mais do que a arte de proporcionar aos homens a maior soma de bem-estar possível e livrá-los de todos os pesares que se lhes possam causar, conforme o cálculo dos bens e dos males desta existência. [57]

Ou seja, em uma situação hipotética em que a própria perspectiva de pena fosse o suficiente para evitar o cometimento de delitos, a própria aplicação das penas tornar-se-ia desnecessária, alcançando-se uma sociedade ideal, sem crime e sem punição. Porém, mesmo que, exposto desta maneira, seja um ideal inalcançável, não significa que a teoria preventiva não tenha eficácia para evitar o cometimento de delitos, pois, até certo ponto, a perspectiva de aplicação da pena ainda é uma ferramenta eficaz na contenção da criminalidade, evitando que delitos sejam cometidos com uma frequência ainda maior.

Ainda quanto à teoria preventiva, NÓBREGA DIAS ensina que[58] tal teoria possui subdivisões: Prevenção Geral Negativa, Prevenção Geral Positiva, Prevenção Especial Negativa e Prevenção Especial Positiva.

De forma resumida, preleciona que[59], a Prevenção Geral Negativa se dá pela intimidação do possível delinquente pela perspectiva de aplicação da pena, sendo que a Prevenção Geral Positiva se dá pela efetiva aplicação da pena ao infrator, e pela sua execução, de um modo que, o restante da sociedade, testemunhando a aplicação da pena, deixará de cometer futuros delitos, por ter confiança no sistema jurídico-penal.

Quanto à teoria da Prevenção Geral Negativa, é importante deixar claro que, para que haja a intimidação do possível infrator, é necessário que haja previsão de uma pena rigorosa, caso contrário, a perspectiva de sua aplicação não amedrontará possíveis delinquentes. Nesse sentido, leciona Cesare Beccaria, quanto à aplicação da pena: “A fim de que o castigo surta o efeito que se deve esperar dele, basta que o mal causado vá além do bem que o culpado retirou do crime.”[60]

Por outro lado, explica que[61] a teoria da Prevenção Especial busca atuar no próprio delinquente, e não na sociedade, evitando que o mesmo volte a delinquir. Ensina, também[62], que tal teoria se divide em Prevenção Especial Negativa, que nada mais é que o impedir o cometimento de novos delitos pelo infrator pelo fato do mesmo encontrar-se encarcerado, neutralizando a “ameaça” que é o delinquente, e Prevenção Especial Positiva, que busca que o delinquente deixe de cometer novos crimes, mas pela sua ressocialização, e não pela sua contenção.

Nesse sentido, percebe-se que a teoria da Prevenção Especial Negativa tem grandes semelhanças com a Teoria do Direito Penal do Inimigo, tanto que afirma Günther Jakobs:

Entretanto, a pena não só significa algo, mas também produz fisicamente algo. Assim, por exemplo, o preso não pode cometer delitos fora da penitenciária: uma prevenção especial segura durante o lapso efetivo da pena privativa de liberdade.[63]

Porém, as semelhanças entre ambas teorias serão abordadas em momento oportuno.

Por fim, ensina Danilo da Rocha Costa[64], que existe ainda uma última teoria, chamada de Teoria Mista, Unificadora ou Eclética. Explica que[65] tal teoria consiste, de maneira resumida, e, como o próprio nome diz, em uma mistura das duas teorias anteriores, buscando punir o condenado pelo mal causado, mas também buscando a prevenção de realização de novos crimes, sendo que possibilita a aplicação da pena, mas sempre respeitando a dignidade do apenado e atendendo aos anseios da sociedade.

Tal teoria, inclusive, é aquela adotada pelo Direito Penal brasileiro. Neste sentido, entende o Supremo Tribunal Federal:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. PENA SUPERIOR AO MÍNIMO. POSSIBILIDADE. ARTIGO 59 DO CÓDIGO PENAL. TEORIA UNIFICADORA. REVOLVIMENTO DE PROVAS. ORDEM DENEGADA.

1. A fixação da pena-base superior ao mínimo legal é juridicamente viável, especialmente quando a Impetrante não demonstra, documentalmente, a impropriedade das conclusões alcançadas pelas instâncias de mérito. Precedentes.

2. O habeas corpus não é o meio processual adequado para a reapreciação de matéria de fato demarcada nas instâncias originárias nem tampouco para ponderar, em concreto, a suficiência das circunstâncias judiciais invocadas pelas instâncias de mérito para a majoração da pena. Precedentes.

3. O legislador infraconstitucional não quantificou as circunstâncias judiciais, deixando a critério do julgador a tarefa de encontrar números suficientes a desestimular o agente e a própria sociedade a patrocinarem condutas análogas e, simultaneamente, a garantir a proporcionalidade entre o fato praticado e a pena, pelo que adotou, no art. 59 do Código Penal, a Teoria Mista, Eclética ou Unificadora.

4. A jurisprudência deste Supremo Tribunal é firme no sentido de que, havendo mais de uma qualificadora, é legal a consideração de uma delas como circunstância judicial e a consequente fixação da pena-base em patamar superior ao mínimo legal do crime de homicídio qualificado.

5. Ordem denegada.[66] (Grifo nosso)

2.2) TEORIA DO DIREITO PENAL DO FATO E DIREITO PENAL DO AUTOR

Outras teorias de grande relevância para o estudo da Teoria do Direito Penal do Inimigo são as Teorias do Direito Penal do Fato e Direito Penal do Autor.

Conforme ensina Kelly Cardoso da Silva[67], o Direito Penal do Autor tem seu foco no agente que pode cometer o delito, ao invés de se preocupar com a exteriorização da conduta em si, de maneira oposta ao Direito Penal do Fato, que acaba por penalizar somente aqueles que de fato praticarem o delito previsto em lei.

Nesse sentido, ensinam Eugênio Raul Zaffaroni, Nilo Batista, Alejandro Alagia e Alejandro Skoja[68], conforme citados por Kelly Cardoso da Silva:

Além dessas formas tradicionais e puras, porém integrando-as e complementando-as com um conjunto de presunções, encontra-se o novo direito penal do autor que, sob a forma de direito penal do risco, antecipa a tipicidade na direção de atos de tentativa e mesmo preparatórios, o que aumenta a relevância dos elementos subjetivos e normativos dos tipos penais, pretendendo assim controlar não apenas a conduta, mas também a lealdade do sujeito ao ordenamento. [69]

Conforme se depreende das explicações acima, o Direito Penal do Fato apenas punirá o indivíduo que cometer o delito e cometer um fato típico, causando um resultado real na sociedade. O Direito Penal do Autor, por outro lado, ao invés de punir aquele que comete delitos, antecipa a punição com fulcro na periculosidade do agente, punindo até mesmo atos preparatórios, independente do real cometimento do delito.

Importante notar que, dentre tais teorias, é adotada no Brasil a Teoria do Direito Penal do Fato. Nesse sentido:

PENAL. PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. ARTIGO 334, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. REITERAÇÃO. VALOR DOS TRIBUTOS. INCIDÊNCIA DA PORTARIA Nº 75/2012. DENÚNCIA REJEITADA. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

1. Embora se esteja diante de contrabando de cigarros que, ordinariamente, não possibilita a aplicação do princípio da insignificância, o caso dos autos traz a hipótese de ínfima quantidade contrabandeada, revelando-se mínima a lesão à arrecadação fiscal, à saúde pública e à atividade industrial brasileiras, eis porque, em caráter excepcional, deve ser mantida a sentença que absolveu o réu ante a incidência do princípio bagatelar.

2. Nos crimes de descaminho deve ser aplicado o princípio da insignificância quando o valor sonegado for inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), quantum estabelecido no art. 20 da Lei nº 10.522/2002, atualizado pelas Portarias nº 75 e 130 do Ministério da Fazenda. Importa ressaltar que o referido montante alcança, inclusive, fatos ocorridos anteriormente à vigência da referida Portaria, nos termos do julgado da Primeira Turma (HC 120617/PR, Relatora Ministra Rosa Weber) e da Segunda Turma (HC nº 118.000/PR, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, DJE de 16-09-2013), do Supremo Tribunal Federal.

3. A 4ª Seção desta Corte firmou entendimento no sentido de que as reiteradas autuações em processos administrativos fiscais não constituem óbice ao reconhecimento da insignificância penal, assim como processos criminais não transitados em julgado.

4. Com efeito, uma vez que o sistema penal brasileiro, para caracterizar o crime, adotou o Direito Penal do fato (ou da culpa), em detrimento do Direito Penal do autor, tem-se que a suposta reiteração da conduta é indiferente para o reconhecimento do fato como atípico, quando estiver-se diante de sucessivos processos administrativos fiscais em desfavor do acusado.[70] (Grifo nosso)

Cabe ressaltar que, o mencionado adiantamento da pena para atos preparatórios, com fulcro na periculosidade do indivíduo, conforme previsto no Direito Penal do Autor, também é uma das principais características do Direito Penal do Inimigo, conforme será abordado posteriormente.

2.3) VELOCIDADES NO DIREITO PENAL

Além das teorias já mencionadas, relevante o estudo da teoria das Velocidades no Direito Penal, de autoria de Jesus Maria Silva Sánchez.

Conforme ensina Alexandre Rocha Almeida de Moraes[71], citado por Kelly Cardoso da Silva[72], tal teoria divide o direito penal e processual penal em três “velocidades”. Primeiramente, afirma que[73] a primeira velocidade seria aquela em que são cominadas penas de prisão, nas quais é essencial a manutenção dos princípios político-criminais iluministas, conservando todas as garantias penais e processuais penais.

Ante a gravidade das penas contempladas por essa teoria, justifica-se a manutenção de todas as garantias inerentes ao processo penal, pois a não aplicação de tais garantias poderia levar ao cumprimento de tal pena rigorosa por alguém que, ao fim do regular trâmite processual, verifique ser inocente.

Também ensina que[74], o que define a segunda velocidade do direito penal, é a aplicação de penas não privativas de liberdade, sendo que contempla a flexibilização de certas garantias penais e processuais penais.

Tal flexibilização se justificaria diante da menor gravidade das sanções impostas, sendo que a flexibilização de tais garantias não traria consequências tão gravosas ao indivíduo julgado.

Leciona[75], por fim, que a terceira velocidade do direito penal, seria aquela em que estaria prevista pena de reclusão, mas, ao mesmo tempo, haveria ampla relativização das garantias penais e processuais penais, constituindo algo similar ao Direito Penal do Inimigo, caracterizando um direito penal de exceção.

Verifica-se, da análise de tal velocidade, que ela se trata de uma junção das duas velocidades anteriores. Ao mesmo tempo em que deve ser aplicada para crimes que prevejam penas privativas de liberdade, conforme a primeira velocidade, prevê a flexibilização de garantias penais e processuais penas, inerentes à segunda velocidade.

De modo mais resumido, tal teoria pode ser explicada pelas seguintes ideias:

Na primeira velocidade, se mantêm todas as garantias penais e processuais penais, devendo ser aplicada nos casos de crimes mais graves que prevejam pena de reclusão, afinal, ante a gravidade da pena aplicada, não podem ser suprimidas tais garantias.

Na segunda velocidade, diante da aplicação de penas mais brandas, não privativas de liberdade, é aceitável a supressão de certas garantias processuais com o intuito de simplificar o processo.

Na terceira velocidade, apesar de previstas penas privativas de liberdade, como na primeira velocidade, ainda assim é prevista a flexibilização das garantias do réu, possibilitando, com isso, a contenção de um risco.

Ou seja, em suma, tal teoria prevê que, dependendo da gravidade da infração cometida e das penas a ela cominadas, certos direitos e garantias penais e processuais penais devem ser suprimidos.

Como grande exemplo dessa diferença processual na legislação brasileira, entre crimes de diferentes gravidades, tem se os Juizados Especiais Criminais, nos quais são julgados crimes considerados de menor potencial ofensivo (contravenções penais e crimes com pena máxima não superior a 2 anos). No Juizado Especial Criminal, conforme previsão expressa do artigo 62 da lei 9.099/95, os processos se orientam sempre pelos critérios de oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, visando a reparação de danos sofridos pela vítima e aplicação de pena não privativa de liberdade, com grandes similaridades ao conceito de Direito Penal de segunda velocidade.

2.4)TESES CONTRATUALISTAS QUE TEM SIMILARIDADE COM O DIREITO PENAL DO INIMIGO

 Para o estudo da Teoria do Direito Penal do Inimigo, é de suma importância o estudo de teorias contratualistas diversas.

Primeiramente, para o estudo de diferentes pensadores contratualistas, é imprescindível entender sobre o que trata, propriamente, uma teoria contratualista.

Conforme ensina Sara Barbosa[76], com o avanço da complexidade das relações sociais, se tornou necessário a regulamentação da vida em sociedade, fazendo surgirem deveres, normas e regras, impostas por lei, originando, então, o Estado.

Portanto, ao citar Hobbes, afirma que[77], para dar fim à condição da guerra de todos contra todos, os homens abriram mão de parte de seus direitos para preservarem-se, passando, portanto, à viver em uma sociedade.

Feita tal explicação resumida, passamos ao estudo de teorias contratualistas específicas.

Conforme ensina Kelly Cardoso da Silva[78], Rousseau, em sua teoria contratualista, defendia que o Estado deveria possuir direito de vida ou morte sobre os indivíduos que dele fazem parte, mas isso se daria com o próprio motivo de protegê-los de indivíduos que coloquem os demais em risco. Afirma[79], ainda, que aquele que comete delitos entra em guerra com o Estado, sendo, portanto, um inimigo do mesmo e perdendo os direitos garantidos pelo contrato social. Nesse sentido, explica Rousseau sobre o contrato social e sobre sua violação:

As cláusulas deste contrato são de tal forma determinadas pela natureza do ato, que a menor modificação as tornaria vãs e sem nenhum efeito; de sorte que, embora não tenham jamais sido formalmente enunciadas, são em toda parte as mesmas, em toda parte tacitamente admitidas e reconhecidas, até que, violando-se o pacto social, cada um volta a seus primeiros direitos e retoma sua liberdade natural, perdendo a liberdade convencional pelo qual renunciara àquela. [80]

Ensina Kelly Cardoso da Silva[81], ainda, que para Fichte, o indivíduo que abandonasse o contrato cidadão perderia todos seus direitos como cidadão e ser humano, estando, portanto, totalmente despido dos direitos garantidos pelo contrato social.

Ainda nesse sentido, explica que[82], para Hobbes, o pacto social era fonte de poder para o monarca, sendo essencial, portanto, que impedisse a rebelião dos cidadãos, e, para atingir tal finalidade, aqueles que não se submetessem às regras impostas pelo soberano retornariam ao estado de natureza, perdendo os direitos garantidos pelo contrato social. Além disso, menciona que[83], diferente de outros contratualistas, Hobbes somente considerava como inimigo aquele que participasse de rebelião ou alta traição, conservando os direitos dos outros tipos de criminosos.

Por fim, leciona que[84] Kant também entendia que, aquele indivíduo que não seguisse as regras da sociedade, não deveria ser tratado como pessoa, pois seria considerado uma ameaça constante à paz social. Afirma, por fim, que[85], na mesma linha de raciocínio de Hobbes, Kant também restringia o conceito de inimigo, sendo considerado como tal, unicamente, aquele que ameaça a ordem social, não bastando, para isso, o simples cometimento de algum delito.

Diante de tais fatos, evidente que os pensadores supramencionados consideram o delinquente um inimigo da sociedade, alguém que viola o contrato social, que merece ser punido com rigor, tendo grandes semelhanças ao Direito Penal do inimigo.


3) DIREITO PENAL DO INIMIGO

Superadas tais questões preliminares, torna-se possível a explicação sobre o conceito da Teoria do Direito Penal do Inimigo, as teorias que lhe dão suporte, além de breves comentários sobre a repercussão da mesma entre outros doutrinadores, mencionando tanto aqueles que criticam, quanto àqueles que defendem, tanto a referida teoria quanto os fundamentos por detrás dela.

3.1) CONCEITO DE DIREITO PENAL DO INIMIGO

Primeiramente, antes de discutir a repercussão em torno da Teoria do Direito Penal do inimigo, torna-se imprescindível explicar a mesma.

A Teoria do Direito Penal do Inimigo foi criada por Günther Jakobs, tendo sua primeira versão sido apresentada em 1985, sendo posteriormente alterada e reapresentada de maneira diversa em 1999. Novamente, conforme já foi explicado, a grande diferença entre ambas versões da referida teoria, de modo bem resumido, era o fato de que, em primeiro momento, Jakobs simplesmente descreveu o que seria a Teoria do Direito Penal do Inimigo, diferenciando-a do Direito Penal comum e não defendendo sua aplicação, o que foi alterado na segunda versão, em que ele, de fato, defendia a aplicação da mesma.

Dito isto, para explicar a Teoria do Direito Penal do Inimigo de Günther Jakobs, é importante mencionar que ele dividia a aplicação do direito penal em dois tipos: O Direito Penal do Cidadão e o Direito Penal do Inimigo, sendo que ambos possuíam diferentes normas penais e processuais penais, e deveriam ser aplicados para o cidadão, e para o inimigo, respectivamente. Nesse sentido, leciona Günther Jakobs:

Portanto, o Estado pode proceder de dois modos com os delinquentes: pode vê-los como pessoas que delinquem, pessoas que tenham cometido um erro, ou indivíduos que devem ser impedidos de destruir o ordenamento jurídico, mediante coação.[86]

Nesse sentido, JAKOBS mostra qual seu objetivo com a diferença entre tratamentos diante daquele considerado cidadão e daquele considerado inimigo: Ao primeiro, uma punição por ter cometido um erro, ao segundo, sua contenção para a preservação do bem-estar social.

Porém, diante deste conceito, é necessário fazer o diferenciação sobre o que é considerado cidadão e o que é considerado inimigo para JAKOBS. Nesse sentido, leciona quanto ao conceito de inimigo:

Quem não presta uma segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal não só não pode esperar ser tratado ainda como pessoa, mas o Estado não deve tratá-lo, como pessoa, já que do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas.[87]

Já quanto ao conceito de “cidadão”, preleciona:

A exposição não seria completa se não se agregasse à seguinte reflexão: como se tem mostrado, só é pessoa quem oferece uma garantia cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, e isso como consequência da ideia de que toda normatividade necessita de uma cimentação cognitiva para poder ser real.[88]

Ou seja, de maneira resumida, entende JAKOBS que o conceito de cidadão seria aplicado àquele indivíduo que possui uma “garantia cognitiva de comportamento pessoal”, ou seja, seria aquele individuo que se importa com a ilicitude do ato que cometeu, o qual é passível de reabilitação para a convivência em sociedade, sendo, portanto, um indivíduo que simplesmente cometeu um erro, algum desvio.

O conceito de inimigo, por outro lado, é aquele indivíduo que não apresentaria a referida “garantia cognitiva de comportamento pessoal”, ou seja, seria aquele indivíduo que ele considera não reabilitável, sendo alguém que, caso não esteja recluso, voltará a delinquir, pelo simples fato de que, apesar de ter ciência da ilicitude de seus atos, não se importa com isso, sendo considerado, portanto, um risco a ser contido.

Obviamente, a contenção do indivíduo de tal maneira, certamente traria certas violações de direitos humanos, tanto que Jakobs explica que[89], na atualidade, o entendimento majoritário seria de que, em todos indivíduos, existiria uma ordem mínima juridicamente vinculante, não podendo, portanto, haver tal tipo de violação dos direitos humanos fundamentais. Porém, tenta rebater tais argumentos quando afirma que[90] o Direito Penal do Inimigo não é aplicado contra “pessoas culpáveis”, somente contra “inimigos perigosos”.

De modo mais detalhado, leciona Kelly Cardoso da Silva sobre o conceito de inimigo:

A característica do inimigo é o abandono duradouro do Direito e a ausência da mínima segurança cognitiva em sua conduta, sendo plausível que o modo de afrontá-lo fosse com o emprego de meios de asseguramento cognitivo desprovidos da natureza de penas[...][91].

Ainda quanto ao binômio pessoa x inimigo, ensina Kelly Cardoso da Silva[92] que o estado pode tratar os delinquentes de duas formas distintas: como indivíduos que infringiram a lei, não se afastando de modo duradouro ou permanente das mesmas, ou como indivíduos de alta periculosidade, que devem ser impedidos de acabar com o ordenamento jurídico pela coação.

Quanto ao conceito de “garantia cognitiva”, ensina Günther Jakobs, citado por Kelly Cardoso da Silva:

Além da certeza de que ninguém tem direito a matar, deve existir também a de que com um alto grau de probabilidade ninguém vá matar. Agora, não somente a norma precisa de um fundamento cognitivo, mas também a pessoa. Aquele que pretende ser tratado como pessoa deve oferecer em troca uma certa garantia cognitiva de que vai se comportar como pessoa. Sem essa garantia, ou quando ela for negada expressamente, o Direito Penal deixa de ser uma reação da sociedade diante da conduta de um dos seus membros e passa a ser uma reação contra um adversário. [93]

Porém, feito tal conceituação de “cidadão” e “inimigo”, é possível entender para quais indivíduos seria aplicável o Direito Penal do Inimigo, mas não suas consequências.

            Quanto a isto, ensina Manuel Cancio Meliá[94] que o Direito Penal do Inimigo se caracterizava por três elementos principais: Adiantamento da punibilidade, penas desproporcionalmente altas e, por fim, relativização ou supressão de garantias processuais.

Já Gabriel Habib leciona sobre a divergência entre direito penal do cidadão e direito penal do inimigo da seguinte maneira:

O Direito Penal do cidadão é dirigido ao delinquente que desviou a sua conduta e praticou um crime, mas, por mais grave que o delito seja, ao praticá-lo, não colocou em perigo o próprio Estado ou suas instituições. Trata-se de um crime normal, praticado por uma pessoa que negou a vigência da norma ao delinquir e que pode não mais voltar a delinquir no futuro. Não se vê nessa pessoa um inimigo do Estado que deve ser neutralizado, mas sim um cidadão que oferece garantias cognitivas de que se ajustará ao direito e que será punido com uma pena criminal como forma de restabelecer a vigência da norma, mantendo-se a expectativa normativa, fazendo com que os demais participantes do contrato social possam seguir as suas vidas na certeza de que as normas proibitivas de crimes continuam em vigor.

O Direito Penal do inimigo dirige-se àquelas pessoas que defraudam as expectativas normativas e, além disso, não oferecem garantias cognitivas suficientes de um comportamento pessoal adequado ao Direito e que, não só não podem ser tratados como pessoas, como também o Estado não deve trata-los como tal, já que do contrário, vulneraria o direito de segurança das demais pessoas.[95]

Em resumo, Günther Jakobs ensina que[96], diante da falta de comportamento pessoal de um indivíduo o mesmo não deve ser tratado como um cidadão, mas sim combatido como um inimigo, e que um Direito Penal do Inimigo claramente delimitado é menos perigoso que sua aplicação em todo Direito penal.

Já Kelly Cardoso da Silva resume[97] as principais características da Teoria do Direito Penal do Inimigo em: Antecipação da punibilidade com tipificação de atos preparatórios, desproporcionalidade das penas, legislações de luta e restrição de garantias penais e processuais penais. Explica tais pontos afirmando que[98] o inimigo seria punido de acordo com sua periculosidade, não culpabilidade, além do fato de que tais medidas independem da exteriorização dos delitos, se baseando no risco futuro inerente ao indivíduo.

Gabriel Habib[99], por outro lado, divide tais medidas em penais e processuais penais. As primeiras são: criação de crimes de risco independente de sua ofensividade, tipos penais que preveem antecipação da punibilidade, agravação das penas de maneira desproporcional, aplicação de pena como medida de segurança e a criação de “leis de luta”. Já quanto às medidas processuais penais, menciona[100]: restrição de direitos e garantias processuais, alargamentos do prazo de prisão preventiva, ampliação dos prazos de detenção policial como medida investigatória, inversão do ônus da prova, permissão no uso de provas excepcionais e limitação de benefícios penitenciários.

Diante de tais características, importante compará-las ao Direito Penal comum, para explicitar suas diferenças.

Na Teoria do Direito Penal do Inimigo, existiria uma antecipação da punibilidade dos atos preparatórios do delito, coisa que, em regra, não é punível na nossa legislação. Tal fato é de grande importância pois, uma punição pode ser imposta à um ato preparatório de algum crime que o próprio indivíduo pode acabar desistindo antes de cometer, sendo, portanto, injusto ser punido mesmo antes de cometer (ou não) o crime.

Outra característica de tal teoria, conforme já foi explicado, seria a desproporção entre os crimes cometidos e as penas aplicáveis, com fulcro unicamente na periculosidade do indivíduo. Tais penas se justificariam, dentro de tal teoria, em razão da periculosidade do indivíduo e sua tendência de cometimento de delitos, que faz necessário que o mesmo continue preso para não cometer mais crimes. Novamente, isso seria incompatível com o Direito Penal vigente, pois as reprimendas devem ser, necessariamente, proporcionais ao dano causado.

Por fim, como última característica dominante, tem se a flexibilização das garantias penais e processuais penais para o indivíduo que é considerado um “inimigo”. Porém, diferente das outras características mencionadas, tal característica encontra-se presente, mesmo que de forma bem mitigada, no nosso ordenamento jurídico. Tem se como exemplo, o fato de que a Lei dos Crimes Hediondos possui certas diferenças quanto às garantias processuais em relação aos crimes não hediondos, tais como vedação de fiança, graça, anistia e indulto, porém, tais disposições serão abordadas de maneira mais aprofundada em momento oportuno.

3.2) TEORIAS QUE EMBASAM A TEORIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO

Importante notar que, apesar do fato de que a Teoria do Direito Penal do Inimigo tem características únicas, ela compartilha diversos fundamentos com muitas teorias anteriores à mesma.

Tem, como exemplo, fundamentação na Teoria da Pena. Dentre as vertentes sobre a função da pena, tal teoria se relaciona intimamente com a Teoria da Prevenção Especial Negativa, mas também tendo uma certa relação quanto às teorias de Prevenção Geral Negativa e Prevenção Geral Positiva.

Primeiramente, ao se analisar a Teoria da Prevenção Especial Negativa, percebe-se que a mesma entende que a pena tem como função prevenir que o delinquente cometa novos delitos mediante seu encarceramento, pelo simples fato de que o delinquente, enquanto encarcerado, não teria como cometer novos delitos. A teoria do Direito Penal do Inimigo, ao defender a prisão de indivíduos pela sua periculosidade, também busca evitar com que os mesmos cometam crimes ou reincidam, do mesmo modo que consta na Teoria da Prevenção Especial Negativa.

Além disso, a Teoria da Prevenção Geral Negativa prevê que a pena tem como função intimidar o possível delinquente pela perspectiva de aplicação da pena. A Teoria do Direito Penal do Inimigo, por sua vez, prevê penas altas e desproporcionais para os crimes cometidos, sendo que, com isso, além de atuar na Prevenção Especial Negativa, serve como intimidação para que o possível criminoso se contenha para não cometer nenhum delito. As mesmas semelhanças são encontradas ao comparar a Teoria do Direito Penal do Inimigo com a Teoria da Prevenção Geral Positiva, com a diferença de que, na mesma, tal intimidação se dá com a efetiva aplicação da pena, deixando evidente para a sociedade que, ao se cometer um delito, o indivíduo será punido com rigor.

É possível, também, fazer um paralelo entre a Teoria do Direito Penal do Inimigo e a Teoria de Direito Penal do Autor.

É oportuno lembrar que as Teorias do Direito Penal do Fato e a Teoria do Direito Penal do autor versam sobre o mesmo assunto, mas possuem grandes diferenças. Conforme já foi explicado anteriormente, em suma, a Teoria do Direito Penal do Fato entende que o Direito Penal, a aplicação das penas, deve se dar baseada nos fatos que ocorreram e nas circunstâncias do delito. Já a Teoria do Direito Penal do Autor tem outro foco, entende que, mais importante para o Direito Penal e Processual Penal que o fato, é a análise do autor e sua periculosidade.

Quanto à segunda teoria, evidente sua similaridade com o Direito Penal do Inimigo. A teoria idealizada por Günther Jakobs, assim como a Teoria do Direito Penal do Autor, prevê que, as penas, o Direito Penal e Processual Penal, devem se focar nas características do indivíduo e de sua periculosidade, mencionando, por inúmeras vezes que o Direito Penal do Inimigo deve ser aplicado quando o indivíduo não possuir “segurança cognitiva”[101].

Nesse sentido, ensina Eugenio Raúl Zaffaroni:

Assinalou-se que as características deste avanço contra o tradicional direito penal liberal ou de garantias consistiriam na antecipação das barreiras de punição (até os atos preparatórios), na desproporção das consequências jurídicas (penas como medidas de contenção sem proporção com a lesão realmente inferida), na marcada debilitação das garantias processuais e na identificação dos destinatários mediante um forte movimento para o direito penal de autor. [102]

Diante do exposto, resta comprovado as semelhanças de tal teoria com a Teoria do Direito Penal do Inimigo.

É possível, também, fazer um paralelo entre a Teoria do Direito Penal do Inimigo e o Direito Penal de 3ª Velocidade de autoria de Jesus Maria Silva Sánchez.

Cabe relembrar que, em tal teoria, o Direito Penal é divido em 3 velocidades, sendo que, em cada uma delas existem diferenças quanto à gravidade do delito cometido e quanto às garantias processuais mantidas ao indivíduo que comete o delito.

Em tal teoria, a 3ª velocidade, mais específicamente, deveria ser aplicada em crimes mais graves, nos quais estariam previstas penas de reclusão, mas, ao mesmo tempo, existiria a possibilidade de flexibilização de certas garantias processuais penais, caracterizando um Direito Penal de Exceção. Evidente que tal teoria possui grandes semelhanças com a Teoria do Direito Penal do Inimigo, pois ele também prevê que, diante da periculosidade do agente, além da sua possibilidade de reincidência, suas garantias penais e processuais penais podem ser relativizadas, pois trata esse tipo de delinquente não como um indivíduo, mas como um risco que deve ser contido mediante encarceramento.

Quanto à tais semelhanças, ensina Manuel Cancio Meliá:

De modo materialmente equivalente, na Espanha, Silva Sánchez tem incorporado o fenômeno do Direito Penal do inimigo a sua própria concepção politico-criminal. De acordo com sua posição, no momento atual, estão se diferenciando duas <<velocidades>> no marco do ordenamento jurídico-penal: a primeira velocidade seria aquele setor do ordenamento em que se impõe penas privativas de liberdade, e no qual, segundo Silva Sánchez, devem manter-se de modo estrito os princípios político-criminais, as regras de imputação e os princípios processuais clássicos. A segunda velocidade seria constituída por aquelas infrações em que, ao impor-se só penas pecuniárias ou restritivas de direito – tratando-se de figuras delitivas de cunho novo -, caberia flexibilizar de modo proporcional esses princípios e regras <<clássicos>> a menor gravidade das sanções. Independentemente de que tal proposta possa parecer acertada ou não – uma questão que excede destas breves considerações -, a imagem de <<duas velocidades>> induz imediatamente a pensar – como fez o próprio Silva Sánchez – no Direito Penal do Inimigo como <<terceira velocidade>>, no qual coexistiriam a imposição de penas privativas de liberdade e, apesar de sua presença, a <<flexibilização>> dos princípios político-criminais e as regras de imputação.[103]

Por fim, percebe-se que a Teoria do Direito Penal do Inimigo tem grandes semelhanças com inúmeras teorias contratualistas, como de Rousseau, Fichte, Hobbes e Kant.

Em sua teoria contratualista, Rousseau entendia que[104] o Estado tinha o direito até mesmo sobre a vida dos seus cidadãos, e que tal fato era essencial para proteger a coletividade. Além disso, havia o entendimento de que[105] o indivíduo que cometesse algum delito passava a entrar em guerra com o Estado, sendo, portanto, seu inimigo, e, com isto, perdia todos os direitos garantidos pelo contrato social.

A teoria de Fichte possui grande semelhança com a de Rousseau, sendo que a mesma previa que[106] aquele indivíduo que abandonasse o contrato cidadão perderia todos os direitos como cidadão e como ser humano.

No mesmo sentido entendia Hobbes, afirmando que[107] o pacto social tinha como principal fundamento a proteção do monarca, sendo que aquele que cometesse os crimes de rebelião ou alta traição também seria despido de seus direitos e considerado um Inimigo. Importante ressaltar que, diferente das teorias anteriores, Hobbes somente considerava como inimigo o indivíduo que cometesse os crimes de rebelião ou alta traição, considerados por ele mais graves, não se aplicando para outros tipos de crimes.

Por fim, na teoria contratualista de Kant, existia a previsão de que[108] aquele indivíduo que não seguisse as regras da sociedade e ameaçasse a ordem social não deveria ser tratado como pessoa. Novamente, também é interessante ressaltar que tal teoria prevê que somente deixaria de ter os direitos como pessoa àquele indivíduo que ameaçasse a ordem social mediante o cometimento de delitos, não bastando, para tal classificação, o mero cometimento de um delito.

Da análise de tais teorias, evidente suas semelhanças com o Direito Penal do Inimigo. Percebe-se que as mesmas estabelecem que os indivíduos que cometerem crimes, ou que cometerem crimes específicos considerados mais graves, em algumas dessas teorias, deixaria de ser tratado como um cidadão e passaria a ser tratado como um inimigo, como um risco que deveria ser contido para que se mantenha a continuidade do Contrato Social. A teoria do Direito Penal do Inimigo, por outro lado, defende que aquele indivíduo que comete delitos e não possui segurança cognitiva de que irá se reabilitar, deixar de cometer crimes[109], deve ser tratado como um Inimigo do Estado, alguém que deve ser considerado um risco, e que deve ser contido para que não mais cometa crimes.

Tanto evidente as influências de tais teorias contratualistas na Teoria do Direito Penal do Inimigo que o próprio Gunther Jakobs as cita em sua teoria, quando explica sobre a defesa do Estado contra o “inimigo”. Nesse sentido:

 São especialmente aqueles autores que fundamentam o Estado de modo estrito, mediante um contrato, entendem o delito no sentido de que o delinquente infringe o contrato, de maneira que já não participa dos benefícios deste: a partir desse momento, já não vive com os demais dentro de uma relação jurídica. Em correspondência com isso, afirma Rousseau que qualquer <<malfeitor>> que ataque o <<direito social>> deixa de ser <<membro>> do Estado, posto que se encontra em guerra com este, como demonstra a pena pronunciada contra o malfeitor. A consequência diz assim: <<ao culpado se lhe faz morrer mais como inimigo que como cidadão>>. De modo similar, argumenta Fichte: <<quem abandona o contrato cidadão em um ponto em que no contrato se contava com sua prudência, seja de modo voluntário ou por imprevisão, em sentido estrito perde todos os seus direitos como cidadão e como ser humano, e passa a um estado de ausência completa de direitos>>.[110]

Porém, apesar de evidentes tais semelhanças, Günther Jakobs busca se distanciar das teorias supramencionadas, afirmando que:

Não quero seguir a concepção de Rousseau e de Fichte, pois na separação radical entre o cidadão e seu Direito, por um lado, e o injusto do inimigo, por outro, é demasiadamente abstrata. Em princípio, um ordenamento jurídico deve manter dentro do Direito também o criminoso, e isso por uma dupla razão: por um lado, o delinquente tem direito a voltar e ajustar-se com a sociedade, e para isso deve manter seu status de pessoa, de cidadão, em todo caso: sua situação dentro do Direito. Por outro, o delinquente tem o dever de proceder à reparação e também os deveres têm como pressuposto a existência de personalidade, dito de outro modo, o delinquente não pode despir-se arbitrariamente da sociedade através de seu ato.[111]

Diante de tudo que foi exposto neste capítulo, é evidente que, apesar de Günther Jakobs ter inovado com sua Teoria do Direito Penal do Inimigo, existiram inúmeras teorias com fundamentos similares à sua, demonstrando, claramente, que se baseou nelas para desenvolver sua própria teoria.

3.3) REPERCUSSÃO DA TEORIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO

Como já foi previamente mencionado, a Teoria do Direito Penal do Inimigo é altamente polêmica, devido à severidade com que trata àqueles considerados “irrecuperáveis”. Com isso, desde seu desenvolvimento, até os dias de hoje, tal teoria é discutida por inúmeros outros doutrinadores, sejam aqueles que discordam totalmente da referida teoria, ou aqueles que concordam, ao menos parcialmente, com a mesma.

Diante disso, interessante explicitar quais são os comentários feitos tanto à favor quanto contra a referida teoria.

Antes de mencionar quais foram os pontos considerados positivos na Teoria do Direito Penal do Inimigo por certos doutrinadores, é necessário ressaltar que tais comentários são minoria, sendo que a maior parte dos doutrinadores critica a mesma.

Primeiramente, ensina Kelly Cardoso da Silva[112] que a diferenciação de tratamento entre um cidadão e um inimigo, conforme prevista na teoria de Günther Jakobs, somente seria possível em uma sociedade democrática em que fossem reconhecidos os direitos e garantias individuais, pois, em um Estado totalitário, todos os indivíduos seriam considerados e tratados como inimigos.

Por mais que tais comentários não possam configurar exatamente um apoio à Teoria do Direito Penal do Inimigo, evidente que, na opinião da autora, a aplicação de tal teoria realmente só seria possível em um Estado em que fossem garantidos os direitos básicos dos cidadãos, evidenciando que não seria possível a aplicação da mesma em um Estado totalitário, o qual não garantisse direitos à nenhum dos cidadãos.

Além disso, também afirma que[113], apesar das incontáveis críticas direcionadas à teoria de Jakobs, não é possível ignorar que os inimigos de fato existem na concepção da sociedade, com conceitos e tratamentos diferenciados. Ensina[114], também, que, por mais que um Estado que pune com rigor os delinquentes possa ser considerado um “Estado Autoritário”, aquele que não consegue combater com eficiência a criminalidade nada mais é que um “Estado Falido”.

Ainda nesse sentido, conclui que[115] é necessário a diferenciação no tratamento daqueles que se afastam do contrato social de forma mais intensa, sendo isto consequência da aplicação do princípio da igualdade, prevendo, portanto, tratamento diverso aos desiguais.

Diante de tais argumentos, percebe-se que, ao mesmo tempo que um Estado não pode violar de maneira arbitrária os direitos de seus cidadãos, ele deve manter a vigência do ordenamento jurídico, sob pena de criar um “direito” deficiente, incapaz de manter a pacificação social.

Evidente que tais argumentos, por sí só, não são o suficiente para justificar uma aplicação prática da Teoria do Direito Penal do Inimigo, ainda mais da maneira rígida como esta foi criada, porém, não deixa de ser algo de relevância para esse estudo.

Porém, dito isto, é importante listar também as críticas realizadas por inúmeros doutrinadores quanto à Teoria do Direito Penal do Inimigo.

De maneira completamente oposta aos argumentos de Kelly Cardoso da Silva, Eugenio Raúl Zaffaroni entende que[116] a existência de um tratamento diferenciado previsto para indivíduos privados do caráter de pessoa, ou seja, àqueles considerados como “inimigos”, é uma característica marcante de um Estado absoluto, totalitário, sendo, portanto, incompatível com um Estado de direito, democrático.

Zaffaroni prossegue neste sentido, afirmando, ainda, que[117] quase todo direito penal do século XX admite tratamento diferenciado quando se tratam de indivíduos perigosos, prevendo a segregação ou eliminação de tais indivíduos, o que é feito mediante a aplicação de medidas de segurança.

Porém, alerta[118] que, a presença de tais disposições que priorizam a segurança em face da possibilidade de conduta futura dos indivíduos, poderia acabar com o que ele afirma ser uma “despersonalização de toda sociedade”.

Já quanto à questão da definição de “grau de periculosidade de um indivíduo”, leciona que[119] tal definição é altamente subjetiva, sendo que quem definiria quem seriam os “inimigos” são aqueles que estão no poder.

Diante de tais argumentos, é possível perceber que existe o seguinte problema: Tanto quem legisla, quanto quem julga, está no poder. Com a aplicação de tratamento diferenciado para o “Inimigo” e a definição, em lei, de quem seria tal inimigo, isso implicaria na possibilidade dos governantes se utilizarem de tais institutos para violar os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos através da lei.

Ainda nesse sentido, afirma Zaffaroni:

Aquele que pretende saber quem é o inimigo com um simples olhar para o mundo minimiza ou nem sequer apercebe-se do risco da arbitrariedade política: o inimigo é quem é o inimigo. Dessa perspectiva, pode-se afirmar que qualquer pretensão do poder político de impor a etiqueta a quem não é inimigo seria imediatamente desqualificada ao verificar-se empiricamente que o rótulo é falso.[120]

Percebe-se que o maior temor de Zaffaroni quanto à criação de uma figura de “Inimigo” se dá, principalmente, quanto ao perigo de radicalização de tal conceito, mencionando claramente que tal poder estaria nas mãos de forças políticas, o que poderia gerar arbitrariedades que garantiriam que a classe política se mantenha no poder, e possa, sem nenhuma ilegalidade, limitar direitos inerentes aos cidadãos.

Kelly Cardoso da Silva também tece críticas quanto a teoria do Direito Penal do Inimigo. Primeiramente, afirma que[121] a mídia causa grande influência na criação de leis, gerando a criminalização de condutas sem o estudo prévio necessário, punindo duramente àquilo que chama de fatos “em moda”, ou seja, de grande cobertura e repercussão midiática. Para comprovar a real presença de tal influência, cita[122] inúmeros exemplos de leis que foram criadas pela ampla divulgação midiática de certos fatos, tendo como exemplo mais recente a lei 12.737/12, conhecida como “Lei Carolina Dieckmann”, que surgiu imediatamente após um fato de grande repercussão amplamente divulgado pela mídia. Por fim, explica que[123], tais influências realizadas pela mídia e pela pressão popular sobre o Direito não são algo incomum, e que a maior consequência disso é a inconsistência no direito.

Além de tais críticas, Kelly Cardoso da Silva afirma o seguinte:

Com essa classificação dicotômica dos delinquentes em cidadãos e inimigos, o teórico alemão atribui meramente natureza descritiva ao conceito de inimigo, designando uma realidade ontológica do ser social, identificável por análise de personalidade e objeto de “profecias” de futura criminalidade. [124]

Este é, de maneira inquestionável, o maior problema da Teoria do Direito Penal do Inimigo. Em sua teoria, Günther Jakobs não dá um conceito concreto de inimigo, sendo que o conceito que utiliza para definir os mesmos é amplamente subjetivo, afirmando, unicamente, que inimigo é aquele que “não possui segurança cognitiva”[125], ou seja, é incapaz de viver em sociedade, e, caso não seja contido, continuará a delinquir. Tal definição é ampla e imprecisa, podendo ser manipulada de acordo com o arbítrio do julgador, gerando uma grande insegurança jurídica na sociedade.

Quanto à isso, ensina Kelly Cardoso da Silva:

Ocorre, na realidade, tanto uma banalização da violência na mídia como do próprio Direito Penal. Esquece-se por vezes que o Estado pode considerar inimigo não somente o “outro” (aquele que se encontra distante), mas aquele que defere esse poder quase absoluto ao poder público.[126]


4) TEORIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO E LEGISLAÇÃO ATUAL

Conforme foi mencionado, a Teoria do Direito Penal do Inimigo gerou grande repercussão em âmbito jurídico, repercussão essa que foi, predominantemente, negativa. Dito isto, evidente que, nos dias de hoje, onde cada vez mais se é buscado garantir os direitos dos cidadãos, não se admite a aplicação de tal teoria do modo que foi prevista, para embasar a criação de leis em âmbito penal ou o julgamento de crimes cometidos, pelo judiciário.

Porém, apesar de tais fatos, existem sim disposições na legislação brasileira que possuem fundamentos similares aos da teoria do Direito Penal do Inimigo, que, embora não completamente fundamentada na mesma, e, muitas vezes, não sendo influenciadas diretamente por ela, possuem semelhanças com a mesma. Tem-se como maior exemplo disto a Lei dos Crimes Hediondos, Lei 8.072/90, que entrou em vigor no ano de 1990, permanecendo vigente, com certas alterações, até os dias atuais.

Afirma Kelly Cardoso da Silva que[127] a sociedade, ao se transformar, também modifica o direito, que não pode permanecer estagnado, sob pena de perda de sua eficiência. Quanto à influência do direito penal do inimigo na legislação mais atual, afirma Alexandre Rocha de Moraes[128], citado por Kelly Cardoso da Silva:

A complexidade e contingência da atualidade e a forma inadequada com que se vem legislando, máxime diante das novas demandas da sociedade pós-industrial (interesses difusos, criminalidade organizada lavagem de dinheiro etc.), têm permitido que uma legislação com sinais de “Direito Penal do Inimigo” se infiltre, de forma contumaz, no direito pátrio e estrangeiro, sem clara delimitação com o Direito Penal clássico, pautado por garantias e prerrogativas típicas de um “Direito Penal do Cidadão”. [129]

Interessante ressaltar que a Teoria do Direito Penal do Inimigo está presente na legislação atual, tanto nacional quanto internacional, embora a segunda não seja o foco deste trabalho. Neste sentido, ensina Vicente Greco Filho:

A realidade mundial, porém, registra o seguinte: no plano legislativo já existem manifestações do direito penal do inimigo, como o patriotic act norte-americano, a legislação inglesa contra o terrorismo e, entre nós, a “Lei do Abate”.[130]

4.1) DISPOSIÇÕES ESPARSAS

Conforme previamente mencionado, a Lei dos Crimes Hediondos é o maior exemplo de lei com aplicação de fundamentos similares aos presentes na Teoria do Direito Penal do Inimigo, de Günther Jakobs. Porém, apesar de ser o exemplo mais marcante, não é a única lei que tem similaridades com a referida teoria.

Para entrar neste tópico, importante relembrar que a principal característica da Teoria do Direito Penal do Inimigo, de Günther Jakobs, é a supressão de garantias penais e processuais penais em face da periculosidade do agente, aquele que é considerado como “inimigo”.

Primeiramente, da simples leitura do Código Penal, mais especificamente do aritgo 63, depreende-se que a reincidência do indivíduo é considerada uma circunstância agravante do crime, gerando, portanto, o aumento da pena a ele imputada. Verifica-se que tal dispositivo tem como consequência o aumento de pena aplicada ao indivíduo que reincidiu, que, mesmo após cometer um delito e ser condenado, não se reabilitou e continua sendo um perigo para a sociedade, e, portanto, merecedor de um aumento de pena.

Diferentemente da teoria de Jakobs, nesse caso, a reincidência, e, consequentemente, a periculosidade presumida do indivíduo, não implica na sua contenção sem limites. Porém, implica sim em um aumento de pena, ou seja, na sua manutenção encarcerado por um período mais prolongado. Porém, a jurisprudência não entende o tratamento diferenciado pela reincidência como uma aplicação da Teoria do Direito Penal do Inimigo, per se. Nesse sentido:

HABEAS CORPUS. PORTE E DISPARO DE ARMA DE FOGO (RESPECTIVAMENTE, ARTS. 14 E 15, LEI Nº 10.826/2003). PEDIDO DE REVOGAÇÃO DA CONVERSÃO DO FLAGRANTE EM PRISÃO PREVENTIVA INDEFERIDO COM FUNDAMENTO NA REINCIDÊNCIA E NO RISCO À ORDEM PÙBLICA. ALEGAÇÃO DE QUE A DECISÃO ESTARIA AMPARADA EM ELEMENTOS ESTRANHOS AO PROCESSO E PRESUMIRIA UM DIREITO PENAL DO INIMIGO. IMPROCEDÊNCIA. FUNDAMENTOS CONCRETOS E APTOS À MANUTENÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR. INCONSTITUCIONALIDADE DA DECISÃO FUNDADA NO ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SEGREGAÇÃO PROVISÓRIA COM ESTEIO CONSTITUCIONAL (ART. 5º, LXI, CF). PROVAS PRODUZIDAS UNILATERALMENTE. CONTRADITÓRIO CUJA OBSERVÂNCIA NÃO SE FAZ NECESSÁRIA NA FASE ADMINISTRATIVA. CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. ARGUMENTO CONTRÁRIO AO TEXTO LEGAL. LIBERAÇÃO MEDIANTE ARBITRAMENTO DE FIANÇA SUGERIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. MANIFESTAÇÃO SEM CUNHO VINCULANTE. CONDIÇÕES FAVORÁVEIS DO PACIENTE QUE, NO ENTANTO, NÃO SE MOSTRAM SUFICIENTES A SUSTAR A SEGREGAÇÃO. DENEGAÇÃO DA ORDEM .

1. Descabe falar-se em decisão fundada na gravidade abstrata do delito ou, ainda, que a Juíza pressupõe um Direito Penal do inimigo se, ao expor suas razões de decidir, esta se remete a outros pronunciamentos por ela exarados, nos quais afirma estarem previstos os requisitos dos arts. 312 e 313, em especial, a reincidência e o risco que essa reiteração representa à ordem pública.

2. Não obstante a Constituição Federal estabeleça o princípio da não- culpabilidade, segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5º, LVII, CF), também dispõe que "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente" (art. 5º, LXI, CF). Tais dispositivos conferem validade a dois regimes jurídicos distintos para prisões, respectivamente, o da Lei de Execução Penal e o do Código de Processo Penal.

3. Conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, "o inquérito policial e o procedimento investigatório efetuado pelo Ministério Público são meramente informativos, logo, não se submetem ao crivo do contraditório e não garantem ao indiciado o exercício da ampla defesa" (HC 132988/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz. 5ªT, julg. 03.05.2011, publ. 13.05.2011).

4. As penas dos delitos versados no processo são, ambas, abstratamente cominadas entre dois e quatro anos de reclusão, daí por que, não se tratando de crime de menor potencial ofensivo, é inadmissível aplicar-se ao respectivo agente as disposições da Lei nº 9.099/1995. 5. A manifestação favorável do Ministério Público e as condições benéficas do paciente não se mostram hábeis, por si sós, a afastar a necessidade da segregação, se fundada a decisão em razões concretas em contrário.[131](Grifo nosso)

Porém, apesar do fato de que o uso da reincidência para decretação de prisão preventiva ou para o aumento da pena, por sí só, não caracterize a aplicação da Teoria do Direito Penal do Inimigo, é inegável que o uso da periculosidade de um indivíduo para determinar sua contenção, é, inquestionavelmente, a característica mais marcante de tal teoria.

Além disso, percebe-se que existem normas similares ao Direito Penal do Inimigo até mesmo na nossa própria constituição, in verbis: 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

 XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;   (Regulamento)

XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;[132]

Percebe-se que, mediante tais disposições, o constituinte entendeu por bem definir que certos crimes seriam inafiançáveis, imprescritíveis, insuscetíveis de graça e anistia, realizando uma verdadeira supressão de garantias penais e processuais penais quanto aos indivíduos acusados de tais crimes, que, muito provavelmente, considerou mais graves e reprováveis que outros crimes, de exato modo como é feito na teoria do Direito Penal do inimigo.

Da análise de tais fatos, evidente que, embora tal supressão de garantias não se dê em face de uma análise da “periculosidade” do indivíduo, per se, tais limitações se dão somente a certos tipos de crimes delimitados no referido artigo, deixando evidente que, para os outros crimes cometidos, devem ser garantidos tais direitos. Dito isto, tal norma constitucional buscou limitar direitos penais e processuais penais em face da reprovabilidade de tais delitos e da possível periculosidade do agente, assim como na Teoria do Direito Penal do Inimigo.

Além disso, curioso ressaltar que, dentro de tais disposições, encontra-se previsão de supressão de garantias para aquele que agir contra a “ordem constitucional e o Estado Democrático”, de modo similar também à Teoria Contratualista de Hobbes, o qual entendia que[133] o pacto social serviria, principalmente, para impedir a “rebelião” dos cidadãos, sendo que aquele que não se submetesse às regras perderia os direitos garantidos pelo contrato social.

Ainda quanto à existência de leis brasileiras com fundamentos similares aos da Teoria do Direito Penal do Inimigo, Kelly Cardoso da Silva cita[134] inúmeras, tendo como principais a lei 10.792/03, que instituiu aquilo que é chamado de “Regime Disciplinar Diferenciado”, e a lei 7.565/1986, também conhecida como “Lei do Abate”. Sobre tais leis, explica que[135] o Regime Disciplinar Diferenciado estipulado na primeira nada mais é que o isolamento do indivíduo encarcerado que, ou praticou falta grave que ocasione subversão da ordem ou disciplina do presídio, ou apresente “alto risco para a ordem e segurança do estabelecimento penal ou da sociedade”. Já quanto à lei do abate, leciona que[136] tal lei prevê o abate de aeronave classificada como hostil dentro do território brasileiro.

Novamente, da análise de tais dispositivos, inquestionável sua semelhança com o Direito Penal do Inimigo. Primeiramente, no “Regime Disciplinar Diferenciado”, verifica-se que o mesmo é imposto ao indivíduo que demonstre evidente periculosidade, seja mediante um ato concreto, que cause subversão da ordem no presídio; seja por sua periculosidade em abstrato, caso apresente risco para a ordem do estabelecimento penal ou da sociedade; segregando tal indivíduo e tratando o mesmo de modo diferenciado de outros indivíduos que também cometeram crimes, podendo tal diferença ser aplicada, inclusive, para indivíduos que cometeram os mesmos delitos.

Já a “Lei do Abate” prevê o abate de aeronaves em espaço aéreo brasileiro mediante certas circunstâncias que evidenciem sua “hostilidade”. Evidente a necessidade de tal medida, em face da importância da garantia da segurança nacional, mas, independente do mérito da questão, também evidente que, mediante a periculosidade em abstrato do indivíduo, existe a supressão dos seus direitos para a contenção de um risco. Além disso, nesse caso, não se está falando da supressão de qualquer direito, mas sim da supressão do direito à vida, que poderá ser violado em face da periculosidade do indivíduo, sendo, de maneira inquestionável, uma aplicação prática de tratamento dado a um “inimigo”.

4.2) LEI DOS CRIMES HEDIONDOS (LEI 8.072/90).

Porém, apesar de tais disposições mencionadas previamente serem relacionadas aos fundamentos da Teoria do Direito Penal do Inimigo, nenhuma se relaciona tão intimamente com a mesma quanto a Lei 8.072/90, mais conhecida como Lei dos Crimes Hediondos.

Importante ressaltar que tal lei é de tamanha importância que o próprio constituinte originário fez constar na Constituição Brasileira de 1988, mais especificamente em seu artigo 5º, inciso XLIII:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;[137](Grifo nosso)

Ou seja, em tal artigo encontra-se previsto a necessidade do legislador, posteriormente, criar uma lei para definir aquilo que são considerados “crimes hediondos”, sob pena de inconstitucionalidade por omissão. Cabe ressaltar que, em tal dispositivo, não estão previstas todas as diferenças que devem ser dadas aos crimes hediondos em face dos outros crimes, somente atribuindo aos mesmos a inafiançabilidade e a insusceptibilidade de graça e anistia. Porém, demonstra claramente que tais crimes não só podem, como devem, ter um tratamento diferenciado pelo legislador.

Apesar disso, por um certo tempo, os legisladores quedaram-se inertes quanto à tal disposição constitucional. Conforme ensina Gabriel Habib[138], somente em 25/07/1990, em resposta ao sequestro do empresário Roberto Medina, foi publicada a Lei dos Crimes hediondos, criando um rol de crimes taxados como hediondos e estipulando inúmeras vedações que, até aquele momento, inexistiam no ordenamento jurídico brasileiro. Ainda nesse sentido, afirma que[139], para tais crimes rotulados como hediondos, foi estabelecido um tratamento penal e processual penal mais severo, excepcional, com o intuito de impedir que o agente que cometesse tais crimes permanecesse em liberdade.

Além disso, explica que[140], para tais crimes, foram estipuladas medidas excepcionais, sendo as principais: Vedação da concessão de anistia, graça e indulto; regime integralmente fechado de cumprimento de pena, incluindo a impossibilidade de substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos; aumento do prazo de livramento condicional, incluindo sua proibição para reincidência específica; vedação de fiança, permissão de apelo em liberdade somente se o juiz fundamentar e aumento do prazo de prisão temporária.

Quanto ao critério utilizado para a definição de crime hediondo, ensina que:

São apontados três critérios para a definição dos crimes que são etiquetados de hediondos, quais sejam: o critério legal, o critério judicial e o critério misto.

De acordo com o primeiro critério, como o nome está a sugerir, somente a lei pode definir os tipos legais de crimes que são considerados hediondos. De outro giro, pelo segundo critério, cabe ao juiz definir qual delito deverá ser considerado hediondo. Por fim, no terceiro critério, em um primeiro momento o legislador estabelece, em um rol exemplificativo, os delitos que são considerados hediondos, permitindo ao juiz, em um segundo momento, por critério de interpretação analógica, qualificar outros delitos como sendo igualmente hediondos.[141]

Diante disto, importante ressaltar que o legislador brasileiro seguiu o primeiro critério, também conhecido como critério legal, ou seja, somente é considerado crime hediondo aquele previsto como tal, em lei. De grande importância a adoção desse critério, pois, diante da gravidade das consequências da rotulação de um crime como “hediondo”, a aplicação de qualquer um dos outros dois critérios implicaria na desnecessidade da tipificação de um crime como hediondo em lei, o que causaria uma grande insegurança jurídica.

Quanto à vedação de concessão da anistia, graça ou indulto para os crimes considerados hediondos, leciona Gabriel Habib que[142], com isso, o legislador buscou evitar a concessão de perdão estatal para o indivíduo que cometesse crimes dessa natureza, obrigando o cumprimento da sanção penal imposta.

Percebe-se que, com isso, o legislador buscou evitar que fossem concedidos tais benefícios para o indivíduo que cometesse tais crimes considerados mais reprováveis, estabelecendo uma vedação de um benefício que pode ser concedido para outros crimes comuns. Tal vedação se justifica diante da gravidade dos crimes considerados “hediondos”.

Porém, das vedações penais e processuais penais constantes na Lei dos Crimes Hediondos, a mais polêmica e rigorosa é, certamente, a estipulação do cumprimento de pena integralmente no regime fechado.

Quanto a isso, explica Gabriel Habib:

O que o legislador pretendeu com a imposição desse regime? A resposta é simples: mais uma vez neutralizar o condenado, impedindo que ele pudesse valer-se do direito à progressão de regime e permanecesse todo o cumprimento da pena criminal no regime fechado, que é cumprido em estabelecimento prisional de segurança máxima.

Essa previsão gerou problemas a nível de três institutos penais, quais sejam: 1. A progressão de regimes; 2. A substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; e 3. A suspensão da execução da pena privativa de liberdade – sursis[...][143]

Percebe-se que a estipulação de regime de cumprimento de pena integralmente fechado é, de fato, uma das medidas mais rigorosas da Lei dos Crimes Hediondos. Se, por exemplo, um indivíduo fosse condenado, por um crime comum, a uma pena hipotética de 12 anos, a progressão de regime se dá quando cumprido, dentre outros requisitos, 1/6 da pena, ou seja, nesse caso, 02 anos. Enquanto esse indivíduo, ao cometer um crime comum com tal pena passe para o regime semi-aberto tendo cumprido apenas 02 anos de prisão, aquele que cometesse um crime com a mesma pena, mas enquadrado como um crime hediondo, passaria todos os 12 anos de reclusão em regime fechado.

Diante de tamanha rigidez de tratamento, tal disposição foi alvo de inúmeras críticas, sendo que acabou por ser alterada pela lei 11.464/2007, que alterou tal disposição para nela fazer constar que a pena dos crimes considerados hediondos seria cumprida em regime inicialmente fechado, e não mais integralmente fechado. Porém, caso constasse apenas tais disposições, a progressão de regime se daria também pelo cumprimento de 1/6 da pena, de acordo com o artigo 112 da Lei de Execuções Penais. Porém, como tal índice foi considerado muito baixo para a progressão de regime em um crime hediondo, foi estipulado pela já mencionada lei 11.464/2007 que a progressão de regime, nos casos de crimes hediondos, se dará em 2/5 da pena, caso o réu seja primário, e 3/5 da pena, caso o réu seja reincidente.

Como também explica Gabriel Habib[144], tal disposição que previa o cumprimento de pena em regime integralmente fechado, também gerava a impossibilidade de substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos e, por fim, a impossibilidade de suspensão condicional do processo.

Já quanto ao livramento condicional, leciona que[145] o mesmo se daria apenas caso o apenado não fosse reincidente em crimes hediondos, sendo que, diferentemente dos índices de 1/3 ou 1/2 previsto para os crimes comuns, deveria ser aplicado somente quando cumprido 2/3 da pena.

Por fim, termina explicando que[146] a mesma lei também vedou a fiança, a liberdade provisória e aumentou o prazo de prisão temporária para 30 dias, prorrogável pelo mesmo período, deixando evidente que a mens legis era, justamente, a contenção do suposto delinquente, em face de sua periculosidade. Ainda nesse sentido:

Em face do exposto, conclui-se que a Lei dos Crimes hediondos trouxe uma série de medidas excepcionais/extraordinárias, retratadas em vedações até então inexistentes na legislação brasileira, que caracterizam perfeitamente um Direito Penal e Processual Penal do inimigo, sempre no intuito de neutralização do imputado.[147]

Importante ressaltar que, apesar da lei dos crimes hediondos ter surgido com tais disposições, elas foram alteradas de maneira considerável com o passar do tempo, principalmente quanto à disposição do regime integralmente/inicialmente fechado.

Conforme ensina Gabriel Habib[148], quanto ao cumprimento integral da pena em regime fechado, o mesmo foi considerado inconstitucional pelo STF em sessão realizada na data de 23/02/2006, ao julgar o Habeas Corpus 82.959/SP, o qual alegou que tal disposição violaria o princípio de individualização da pena, previsto no artigo 5º, inciso XLVI da Constituição Federal de 1988, o qual previa:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

[...];[149] (Grifo nosso)

 Ainda nesse sentido, leciona que[150], com esse entendimento, foi necessário a alteração da Lei dos Crimes Hediondos, na qual passou a constar como regime de cumprimento de pena o regime inicialmente fechado, estabelecendo, também, um quantum de cumprimento de pena diferenciado para a progressão de regimes, sendo de 2/5, caso o réu não reincidente, e 3/5, caso o réu seja reincidente.

 Por fim, ainda quanto à tal alteração, explica que[151], com isso, tornou-se possível a progressão de regimes.

Porém, apesar disso, preleciona que[152], mesmo após alteração no referido dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos, houveram manifestações do STF e do STJ que declararam que mesmo o estabelecimento de regime inicialmente fechado violaria o Princípio da Individualização da Pena, tendo posteriormente sido declarado em plenário no STF, em 27/06/2012, no Habeas Corpus 111.840, a inconstitucionalidade de tal dispositivo. Nesse sentido:

Habeas corpus.   Penal.   Tráfico   de   entorpecentes.   Crime  praticado durante   a   vigência   da   Lei   nº   11.464/07.   Pena   inferior   a   8   anos   de reclusão.   Obrigatoriedade   de   imposição   do   regime   inicial   fechado. Declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº   8.072/90.   Ofensa   à   garantia   constitucional   da   individualização   da pena (inciso XLVI do art. 5º da CF/88).

Fundamentação necessária (CP, art. 33, § 3º, c/c o art. 59). Possibilidade de fixação, no caso em exame, do regime semiaberto para o início de cumprimento da pena privativa de liberdade. Ordem concedida.

1. Verifica-se que o delito foi praticado em 10/10/09, já na vigência da Lei  nº  11.464/07,  a qual  instituiu  a  obrigatoriedade  da  imposição do regime inicialmente fechado aos crimes hediondos e assemelhados.

2.   Se   a   Constituição   Federal   menciona   que   a   lei   regulará   a individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo, os critérios para a fixação do regime prisional inicial devem-se harmonizar com as garantias constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a fundamentação do regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado.

3. Na situação em análise, em que o paciente, condenado a cumprir pena   de   seis (6)   anos   de   reclusão,   ostenta   circunstâncias   subjetivas favoráveis, o regime prisional, à luz do art. 33, § 2º, alínea b, deve ser o semiaberto.

4. Tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o magistrado, em   eventual   apreciação   das   condições   subjetivas   desfavoráveis,   vir   a estabelecer regime prisional mais severo, desde que o faça  em razão de elementos   concretos   e   individualizados,   aptos   a    demonstrar   a necessidade   de   maior   rigor   da   medida   privativa   de   liberdade   do indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33, c/c o art. 59, do Código Penal.

5. Ordem concedida tão somente para remover o óbice constante do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07, o qual determina que

“[a] pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado“.

Declaração   incidental   de inconstitucionalidade, com efeito  ex nunc, da obrigatoriedade de fixação do regime fechado para início do cumprimento de pena decorrente da condenação por crime hediondo ou equiparado.[153]


5) DISCUSSÃO SOBRE A TEORIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO E SUA IMPORTÂNCIA

Diante de tudo que já foi exposto neste trabalho, evidente a importância da Teoria do Direito Penal do inimigo de Günther Jakobs, pois, a mesma, apesar de amplamente criticada por doutrinadores, influencia no processo de criação de lei até os dias atuais.

5.1) BINÔMIO CIDADÃO VERSUS INIMIGO

Primeiramente, conforme já foi previamente mencionado, uma das questões mais criticadas na Teoria do Direito Penal do Inimigo de Günther Jakobs é o fato de que o mesmo não define claramente quem são aqueles que considera como “cidadãos” e quem são aqueles que considera como “inimigos”, se atendo, unicamente, à definir o inimigo como aquele indivíduo que não presta segurança cognitiva de comportamento pessoal[154].

Tal definição é muito ampla e genérica, não sendo o suficiente para delimitar a aplicação de “direito penal do cidadão” ou “direito penal do inimigo” sem causar uma grande insegurança jurídica.

Evidente que, ao se definir que para algum indivíduo se aplique o “direito penal do inimigo”, tal indivíduo possuí inúmeras garantias penais e processuais penais suprimidas, sendo tal fato de enorme gravidade e, portanto, impossível que o mesmo dependa de critério tão inexato e subjetivo sem que gere uma grande insegurança jurídica, e a possível supressão de direitos e garantias penais e processuais penais de maneira injusta e desnecessária.

Até mesmo o próprio Günther Jakobs estava ciente de tal deficiência em sua teoria, tendo, inclusive, afirmado que:

Quando no presente texto se faz referência ao Direito Penal do Cidadão e ao Direito Penal do inimigo, isso no sentido de dois tipos ideais que dificilmente apareceram transladados à realidade de modo puro: inclusive no processamento de um fato delitivo cotidiano que provoca um pouco mais que tédio – Direito Penal do cidadão – se misturará ao menos uma leve defesa frente a riscos futuros – Direito Penal do Inimigo –[155]             

Ou seja, além da própria inexatidão de sua definição, ainda admite que na maioria dos delitos praticados, direito penal do cidadão e direito penal do inimigo acabariam se misturando. Tal raciocínio, somado ao fato de que o tratamento previsto por sua teoria era completamente diferente entre o cidadão e o inimigo, evidencia que tal teoria, do modo como foi elaborada, não pode ser aplicada sem que o Direito Penal do Inimigo possa ser utilizado de maneira abrangente e arbitrária, até mesmo em crimes considerados menos graves.

Ainda quanto à definição de inimigo, ensina Zaffaroni:

Como ninguém pode prever exatamente o que qualquer um de nós fará no futuro – nem sequer nós mesmos -, a incerteza do futuro mantém em aberto o juízo de periculosidade até o momento em que quem tem o poder de decisão deixe de considera-lo inimigo. Assim, o grau de periculosidade do inimigo dependerá sempre, na medida em que o poder real o permitir, do juízo subjetivo do individualizador.[156]

Também essa perspectiva evidencia a impossibilidade da aplicação da Teoria do Direito Penal do Inimigo, conforme foi originalmente prevista por Günther Jakobs.

Porém, isso não significa que os fundamentos de tal teoria sejam inaplicáveis. Tal problema mencionando anteriormente poderia ser sanado de uma maneira simples: a previsão legal sobre quem mereça tal tratamento diferenciado.

Evidente que tal disposição não teria como sentido legitimar a aplicação da teoria do direito penal do inimigo, como foi prevista inicialmente. Porém, percebe-se que é possível limitar em lei o conceito de inimigo, sendo que, inclusive, uma disposição similar à mesma já encontra-se presente na legislação brasileira.

Como já foi mencionado neste trabalho, a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) prevê a flexibilização de garantias penais e processuais penais daquele que comete um delito, sendo que certos doutrinadores consideram a mesma uma aplicação do Direito Penal do Inimigo. Porém, diferente de Jakobs, que criou um conceito subjetivo, incerto e inseguro, a Lei dos Crimes Hediondos, ao definir certas supressões de garantias penais e processuais penais para os indivíduos que cometessem certos crimes, restringiu o alcance dessas limitações unicamente para quem cometesse algum dos crimes enumerados em seu artigo 1º.

Diante disso, fica demonstrado de que seria possível restringir o alcance de limitações decorrentes de uma legislação com fundamentos na Teoria do Direito penal do Inimigo, sem que haja a insegurança jurídica criada pelo conceito abrangente e inexato criado por Günther Jakobs.

5.2) APLICAÇÃO DA TEORIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO: GARANTIA DE UM ESTADO DE DIREITO OU ABSOLUTISMO PURO?

Tais fatos previamente discutidos levantam a seguinte questão: Para garantia de um Estado de Direito, deve ser aplicado o Direito Penal do Inimigo, com o intuito de garantir a pacificação social, ou a própria aplicação do Direito Penal do Inimigo leva ao absolutismo?

Quanto a isso, leciona Zaffaroni:

Na teoria política, o tratamento diferenciado de seres humanos privados do caráter pessoas (inimigos da sociedade) é próprio do Estado absoluto, que, por sua essência, não admite gradações e, portanto, torna-se incompatível com a teoria política do Estado de direito.[157]

Já Kelly Cardoso da Silva ensina:

Ademais, cumpre observar que o debate sobre a separação e a aplicação de um Direito Penal do Cidadão e um Direito Penal do Inimigo somente poderá ocorrer nas sociedades democráticas que reconhecem direitos e liberdades fundamentais e que se constituem em verdadeiros Estados de Direito, pois em Estados totalitários não existe essa dicotomia, configurando o todo uma legislação de guerra.[158]

Porém, diante de tais entendimentos contrapostos, fica a questão: Qual deles está correto? É legítima a aplicação da Teoria do Direito Penal do Inimigo em um Estado de Direito, ou sua aplicação caracteriza um Estado Totalitário?

Primeiramente, ao se analisar o entendimento de Kelly Cardoso da Silva, percebe-se que a mesma não entende a aplicação do Direito Penal do Inimigo como a caracterização de um Estado Totalitário, pois explica que, em tal tipo de Estado, não são reconhecidos tais direitos à nenhum cidadão, sendo que, na teoria do Direito Penal do Inimigo, tais direitos são reconhecidos àqueles que não são considerados “inimigos”.

Porém, ao se analisar o que foi dito anteriormente quanto ao problema da definição de “inimigo” criada por Günther Jakobs, foi discutido que a mesma é altamente subjetiva e ampla, o que poderia fazer com que a classificação do indivíduo em “cidadão” ou “inimigo” ficasse nas mãos do governante, caracterizando, de modo velado, um verdadeiro regime totalitário.

Nesse sentido, tem razão Zaffaroni, ao ensinar que a Teoria do Direito Penal do Inimigo, do modo como foi pensada por Günther Jakobs, não seria aplicável em um Estado de Direito. Ela amplia grandemente as punições e suprime direitos do indivíduo que comete um delito, mas tendo como critério algo subjetivo, que deixa nas mãos do governante, do julgador, o entendimento sobre a caracterização do indivíduo em “cidadão” ou “inimigo”, possibilitando arbitrariedades incompatíveis com um Estado de Direito.

Cabe ressaltar que, apesar disso, não é possível afirmar que nenhum dos fundamentos de tal teoria seja aplicável em um Estado de Direito, mas somente a Teoria do Direito Penal do Inimigo como idealizada por Günther Jakobs, como será explicado no momento oportuno.

5.3) GARANTIA DOS INTERESSES INDIVIDUAIS VERSUS PACIFICAÇÃO SOCIAL

Conforme foi mencionado no tópico “Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90).”, tal lei é considerada por certos doutrinadores um exemplo de aplicação da Teoria do Direito Penal do Inimigo na legislação brasileira, sendo que, em seu surgimento, criou inúmeras vedações aos direitos penais e processuais penais dos indivíduos que cometessem tais crimes considerados “hediondos”.

Porém, como também foi visto nesse mesmo tópico, com o passar do tempo, tal lei passou por sucessivas mudanças com fulcro no garantismo penal, abrandando, cada vez mais, as restrições contidas na mesma. Primeiramente, a lei previa o cumprimento de pena em regime integralmente fechado para quem cometesse um crime considerado hediondo. Julgado inconstitucional tal dispositivo, foi necessário fazer uma alteração na lei, que fez com que o regime de cumprimento de pena passasse a ser inicialmente fechado. Apesar disso, o STF, em 27/06/2012, no Habeas Corpus 111.840, julgou a inconstitucionalidade também de tal dispositivo.

Cabe ressaltar que o entendimento do STF ao considerar tais disposições inconstitucionais se deu em face de suposta violação do “princípio de individualização da pena”, no qual coloca a garantia de tal direito ao apenado como prioridade, ao invés da pacificação social. Não cabe aqui julgar o acerto ou não de tal decisão, porém, tal posicionamento deixa evidente o que está em jogo: A pacificação social, ao se manter um indivíduo que comete um crime hediondo recluso por mais tempo, impedindo o mesmo de cometer mais crimes; ou a garantia dos direitos desse mesmo indivíduo.

Um grande problema ao encarar o direito penal sobre o viés garantista, é que, por mais que o mesmo seja essencial para a garantia dos direitos e garantias dos apenados, muitas vezes ele acaba por diminuir a efetividade da principal função do Direito Penal, que é a pacificação social.

Vejamos o que ensina Zaffaroni:

A rigor, sabemos muito poucas coisas e entre as que ignoramos está a resposta à pergunta sobre a solução do problema do terrorismo no mundo. A esse respeito, sabemos apenas o que o direito penal pode fazer e, é claro, sabemos também que isso não é o bastante e nem sequer podemos afirmar que tenha alguma eficácia. Por conseguinte, a pergunta correta – porque é a única que podemos fazer – é a seguinte: o que o direito penal pode fazer em relação aos terroristas?

A resposta é bastante óbvia: se ninguém faz nada, o direito penal nada pode fazer; se delitos são cometidos, seus responsáveis devem ser individualizados, detidos, processados, julgados, condenados e levados a cumprir pena. É isso que o direito penal pode fazer.[159]

Ou seja, ao tentar examinar o que o Direito Penal pode fazer com terroristas, sua resposta é: nada. Zaffaroni, ao afirmar que o direito penal deve ser aplicado com todas suas garantias aos terroristas e outros indivíduos de alta periculosidade, ignora a função primordial do direito penal, que é a pacificação social, buscando resguardar o direito desses indivíduos processados e colocando toda a ordem social em risco. Obviamente, de nada adianta querer aplicar o Direito Penal para um terrorista após o mesmo cometer um atentado suicida.

Interessante ressaltar que, em face das particularidades do crime de terrorismo, até mesmo seus atos preparatórios são puníveis de acordo com a legislação brasileira, conforme previsão expressa na lei 13.260/2016, que prevê:

“Art. 5º Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito:

Pena - a correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até a metade.

§ 1º Incorre nas mesmas penas o agente que, com o propósito de praticar atos de terrorismo:

I - recrutar, organizar, transportar ou municiar indivíduos que viajem para país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade; ou

II - fornecer ou receber treinamento em país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade.

§ 2º Nas hipóteses do § 1º, quando a conduta não envolver treinamento ou viagem para país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade, a pena será a correspondente ao delito consumado, diminuída de metade a dois terços.”[160]

Quanto à aplicação da pena, leciona Cesare Beccaria:

Quanto mais rápida for a aplicação da pena e mais de perto acompanhar o crime, tanto mais justa e útil será.

[...]

A rapidez do julgamento é justa também porque, sendo a perda da liberdade uma pena em si, esta somente deve precedera condenação na exata medida em que a necessidade o exige.

[...]

Uma pena muito retardada torna menos estreita a união destas duas ideias: crime e punição.[161]

Porém, evidente que muitas vezes não se pode julgar de maneira tão rápida, levando-se em consideração a falta de celeridade e o grande número de processos que tramitam no judiciário. Porém, diante da periculosidade do agente, é evidente que o mesmo não pode permanecer livre para cometer mais crimes e prejudicar, ainda mais, a sociedade. Apesar disso, ao mesmo tempo, não é possível se ignorar a presunção de inocência do indivíduo, violando claramente um princípio previsto em nossa Constituição Federal.

Em alguns casos, é possível que o mesmo permaneça recluso antes mesmo da condenação transitada em julgado, mais especificamente nos casos de prisão em flagrante, prisão temporária e prisão preventiva.

Porém, nem sempre tais tipos de prisões são aplicáveis. Em face da morosidade do judiciário, buscando tornar a pena mais efetiva, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento relativamente recente, entendeu ser possível a execução da pena após condenação em segunda instância, mesmo sem o trânsito em julgado da sentença, da qual ainda seria cabível os recursos Especial, para o Superior Tribunal de Justiça, e Extraordinário, para o próprio Supremo Tribunal Federal. Segue abaixo a ementa de tal julgamento:

EMENTA:CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII).   SENTENÇA   PENAL   CONDENATÓRIA   CONFIRMADA   POR TRIBUNAL   DE   SEGUNDO   GRAU   DE   JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE.

1.  A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em   grau   de   apelação, ainda   que   sujeito   a   recurso   especial   ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.

2.Habeas corpus denegado.[162]

No caso supramencionado, foi analisado um pedido de habeas corpus em que, ao condenarem um réu em segunda instância, foi determinado pelo tribunal a expedição de mandado de prisão contra o mesmo, antes do trânsito em julgado da sentença, enquanto era cabível, ainda, recurso especial e recurso extraordinário.

O principal argumento pela ilegalidade de tal decisão foi que, a execução da pena, sem o trânsito em julgado da sentença, seria uma violação do princípio da presunção da inocência, previsto na Constituição. Porém, ao analisar o referido habeas corpus, o mesmo foi denegado, sob o argumento de que a execução provisória da pena, após acórdão condenatório proferido em grau de apelação, não viola o princípio constitucional de presunção de inocência.

Percebe-se que, nesse caso, houve o seguinte conflito: O direito à presunção de inocência, enquanto não houver o trânsito em julgado da decisão condenatória, ou a eficácia do direito penal, em face da demora nos julgamentos e, consequentemente, do cumprimento da pena, o que, muito frequentemente, distancia muito o cometimento do crime e a execução da pena, até mesmo ocasionando a prescrição.

De fato, os argumentos utilizados em tal julgamento não são tão simplistas, e nem poderiam ser, pois é necessário julgar de acordo com a lei, e não unicamente de acordo com a necessidade social. Porém, inegável que tal decisão coloca a pacificação social como prioridade em face dos direitos do réu.

De fato, na atualidade, existe uma grande dificuldade em garantir a função da pena, ao mesmo tempo em que não sejam infringidos os direitos básicos dos réus. Nesse sentido: “O grande desafio da atualidade é conciliar um modelo eficaz de enfrentamento da criminalidade organizada transnacional com os princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito.”[163]

Em momento algum pode se esquecer que a principal função do direito penal é manter a pacificação social, sendo que, sua inefetividade em tal tarefa, faria com que a lei nada mais fosse que um pedaço de papel, uma ideia sem efetividade nem utilidade.

Diante de todos os fatos que foram expostos neste tópico, surge a seguinte problemática: Ao se restringir os direitos individuais, se mantém a pacificação social. Para manter essa pacificação social, deve se restringir os direitos individuais. Diante disto, fica a questão: Seria legítimo relativizar os direitos individuais em face do bem comum? Seria essa uma situação em que, como se afirma com base nas ideias de Machiavelli[164], os fins justificariam os meios?

A verdade é que não existe uma resposta definitiva para essa questão. Não há como se decidir, de maneira tão ampla, se é possível restringir os direitos individuais em face do bem comum. Porém, em determinadas circunstâncias, dependendo da periculosidade do indivíduo, ou da necessidade social, é sim possível a supressão de certos direitos. Exemplos disso são as disposições listadas no tópico “Teoria do Direito Penal do Inimigo e Legislação Atual”. Por mais que tais dispositivos não prevejam, pura e simplesmente, a prioridade da ordem social em face dos direitos individuais, tais leis têm sim tal caráter, suprimindo direitos e garantias daqueles indivíduos considerados perigosos, que se enquadrarem nos casos previstos na lei (piloto de aeronave hostil, no caso da lei do abate; indivíduo que comete crime hediondo, no caso da lei dos crimes hediondos; dentre outros), demonstrando que tal fundamento pode sim ser utilizado na elaboração e aplicação de leis.

5.4) INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

Uma questão relevante para o estudo do Direito Penal do Inimigo é a questão da individualização da pena.

Percebe-se que, muitas vezes, as legislações que se baseiam na Teoria do Direito Penal do Inimigo são muito rígidas, também de maneira desproporcional, o que viola o princípio da individualização da pena, tratando, muitas vezes, criminosos que cometem delitos de diferentes gravidades da mesma maneira.

Como exemplo prático disto que foi citado, ensina Zaffaroni que[165], no Estados Unidos, existe uma lei chamada de “Three Strikes out”, a qual prevê a imposição de pena perpétua para o indivíduo que cometer três ou mais delitos. Evidente o caráter de “direito penal do inimigo” previsto nessa lei; aquele que comete diversos crimes, que aparenta ser “irrecuperável”, é tratado como um risco para a sociedade, devendo, ao invés de ser ressocializado, ser contido através da sua manutenção em presídios para o resto da vida.

Porém, da análise de tal lei, também evidente que a mesma viola, completamente, o princípio da proporcionalidade e da individualização da pena. Tal pena perpétua será aplicada para quem cometa qualquer crime por três vezes, sejam esses crimes furtos ou homicídios, não havendo, portanto qualquer tipo de individualização de pena.

O princípio da individualização da pena é de extrema importância no direito penal e não pode ser ignorado de maneira tão gritante. Tal princípio encontra-se presente desde os estudos de Cesare Beccaria, o qual leciona:

Depois dos delitos que afetam a sociedade, ou o monarca que a representa, vêm os atentados contra a segurança dos particulares.

Como essa segurança é a finalidade de todas as sociedades humanas, não se pode deixar de castigar com as penalidades mais graves aquele que a viole.[166](Grifo nosso)

Porém, apesar da necessidade igualdade de tratamento entre indivíduos que cometem crimes, também é necessário aplicar tratamentos desiguais, conforme necessário. Nesse sentido, explica Kelly Cardoso da Silva:

O princípio da igualdade, ao mesmo tempo em que proíbe o tratamento desigual, também o clama. Isto porque a tarefa da lei reside em dispensar tratamentos diferenciados, desde que justificados.

[...]

As medidas para igualar os desiguais devem ser necessariamente adequadas a cada caso. Não podem ser inferiores a essa precisão, sob pena de ineficazes. Nem superiores, sob pena de abusivas.[167]

Ou seja, por mais que o princípio da igualdade preveja a necessidade de tratamento igual entre os indivíduos, também exige o tratamento diferenciado quando as circunstâncias assim exigirem.

Ainda nesse sentido, leciona Narciso Alvarenga Monteiro de Castro[168], citado por Kelly Cardoso da Silva:

Um indivíduo que pratica crimes de escassa gravidade e sem violência ou grave ameaça à pessoa, por exemplo, furta, não pode ser tratado pelo Direito no mesmo nível que um terrorista, membro do crime organizado, criminoso “de colarinho branco”, miliciano, traficante ou estuprador. O senso comum fica abalado se tal ponderação não é adotada, pois todos concordam que a pena deve ser aplicada na medida da gravidade do injusto e da culpabilidade do agente, mas concordam também que existem criminosos e organizações criminosas extremamente perigosas, que fogem à regra geral, e que a reiteração na prática do crime precisa ser combatida com maior rigor, pois atentatória à ordem pública, e concordam ainda que alguma coisa precisa ser feita para diminuir o crescimento da criminalidade e da sensação de impunidade reinante em muitos países.[169]

Ou seja, diante do que foi exposto, percebe-se que o tratamento desigual entre criminosos, desde que justificado, nada mais é que a individualização da pena e da aplicação do princípio da igualdade.

Conforme foi previamente mencionado, a questão da individualização da pena foi o argumento utilizada para declarar inconstitucional a aplicação de regime integralmente fechado ou inicialmente fechado previsto na lei dos crimes hediondos. Porém, a aplicação de tal regime de cumprimento de pena diferenciado nada mais é que a própria individualização da pena, diferenciando as penas daqueles que cometem crimes hediondos de crimes não hediondos.

Nesse sentido:

Parte da doutrina sustentava que o regime integralmente fechado não violava o princípio constitucional da individualização da pena por dois motivos. Em primeiro lugar, porque como a Constituição dispõe no art. 5º, XLVI, que “a lei regulará a individualização da pena [...]”, teria havido uma delegação constitucional ao legislador ordinário para regular a individualização da pena. Assim, quando o legislador da Lei dos Crimes Hediondos estabeleceu o regime integralmente fechado, ele apenas obedeceu ao comando constitucional e individualizou o regime para todos os condenados por crimes hediondos ou equiparados. Em segundo lugar, o legislador ordinário já teria observado o princípio constitucional em sua 1ª fase (fase legislativa), uma vez que já havia levado em consideração a gravidade dos crimes hediondos ou equiparados e, assim, ao individualizar o regime, estabeleceu o integralmente fechado.[170]

Portanto, apesar de ser o entendimento do Supremo Tribunal Federal, existem aqueles que entendem que o estabelecimento do regime integralmente fechado na lei dos crimes hediondos não viola a individualização da pena.

Porém, ao se comparar entre o regime integralmente fechado e o regime inicialmente fechado, o qual passou a constar na lei dos crimes hediondos posteriormente, evidente que o segundo individualiza melhor a pena. Ao se levar em conta o regime inicialmente fechado, percebe-se que ainda seria possível a progressão de regimes, a qual se dá de acordo com a pena aplicada. Se, por exemplo, dois indivíduos cometem crimes hediondos, mas um recebe uma pena maior, em face das circunstâncias do crime, ao se estabelecer o regime inicialmente fechado, se diferencia o cumprimento da pena daqueles que cometem crimes menos gravosos, não considerados hediondos. Porém, ao cumprirem parte da pena, ambos poderão ter a progressão de regimes de acordo com a quantidade de pena aplicada, e, com isso, ter uma progressão de regime ao cumprirem 2/5 ou 3/5 da pena, resultando período de cumprimento de pena diferenciado, dependendo da quantidade de pena inicialmente estabelecida.

Ou seja, o cumprimento de pena em regime inicialmente fechado para crimes hediondos individualiza a pena, diferenciando entre aqueles que cometem crimes comuns e crimes hediondos, além de permitir a individualização da pena dentre aqueles que cometem crimes hediondos, em face da quantidade de pena que deve ser cumprida para a progressão de regime, que deve se dar de maneira proporcional a pena total aplicada.


6) POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NA ATUALIDADE.

Os tópicos previamente abordados nos levam à seguinte questão: É possível a aplicação da Teoria do Direito Penal do Inimigo na sociedade em que vivemos? A resposta é simples: Não.

A Teoria do Direito Penal do Inimigo, como foi criada por Günther Jakobs se utilizava de uma definição ampla e inexata de inimigo, o qual gerava grande insegurança jurídica, incompatível com um Estado de Direito.

Além disso, em sua teoria, ao tratar o indivíduo que comete um delito como inimigo, seria permitido a contenção plena do mesmo, ou seja, a possibilidade de que o mantenha em prisão indefinidamente, como uma neutralização da ameaça que é. Novamente, esse tipo de prisão perpétua, baseada, inclusive, unicamente na periculosidade do indivíduo, não é compatível com os direitos e garantias essenciais ao estado de direito.

Ainda nesse sentido, em relação ao perigo que o indivíduo representa, não é possível simplesmente suprimir seus direitos e garantias unicamente para se manter a pacificação social, pois tais direitos e garantias são provenientes de uma evolução histórica do direito, não sendo possível que os mesmos sejam suprimidos unicamente para garantir o bem comum, de maneira pura e simples, não delimitada.

Por fim, a aplicação da Teoria do Direito Penal do Inimigo, do modo como foi elaborada, também é incompatível com o princípio constitucional de individualização da pena, pois, para todos aqueles que são considerados inimigos, não há um limite de pena ou modo de individualizar a mesma.

Porém, mesmo diante de tais fatos, não é possível ignorar que muitas disposições da legislação atual tem como fundamentação disposições características da Teoria do Direito Penal do Inimigo, sendo, portanto, compatíveis com o Estado de Direito.

Primeiramente, quanto ao problema da definição de “Inimigo” para Günther Jakobs, percebe-se que, ao se adotar a lei dos crimes hediondos no Brasil, lei essa considerada uma aplicação do Direito Penal do Inimigo, foi estipulado que o tratamento diferenciado previsto na mesma deveria ser aplicado somente para os indivíduos que cometessem os crimes elencados na referida lei. Por mais que tal lei não inclua o conceito de “inimigo”, e nem se baseie, expressamente, na Teoria do Direito Penal do Inimigo, é uma lei que suprime certos direitos penais e processuais penais para indivíduos que cometem crimes mais gravosos, crimes esses elencados em seu artigo 1º. Ou seja, ao invés de estipular um conceito amplo e subjetivo de inimigo, são considerados como tal aqueles que cometem os crimes delimitados em um rol taxativo, previsto na própria lei, sendo, portanto, compatível com o Estado de Direito.

Ainda nesse sentido, a Teoria do Direito Penal do inimigo, conforme idealizada com Jakobs, em face da definição ampla e irrestrita de “inimigos”, deixa com que a classificação do indivíduo como cidadão ou inimigo fica a critério do judiciário, gerando uma grande possibilidade de arbitrariedades do julgador, sendo incompatível com um Estado de Direito. Porém, conforme já mencionado, tal possibilidade estaria superada com a restrição daquele considerado como “inimigo” por lei, através de critérios objetivos, como, por exemplo, o cometimento de crimes considerados mais graves.

Em relação ao debate sobre a conflito entre direitos individuais e pacificação social, conforme foi mencionado, não há como propor uma resposta definitiva sobre o quanto se pode flexibilizar os direitos individuais em face do bem comum. Porém, diante da periculosidade do indivíduo, é necessário, e até mesmo aceito atualmente, tal flexibilização, conforme pode ser visto na lei do abate, que autoriza até mesmo a aplicação de uma pena de morte para indivíduos que estejam em uma aeronave considerada “hostil”, preenchidas determinadas condições, ou a supressão de direitos exercida pela lei dos crimes hediondos, para aqueles que cometem os delitos considerados hediondos.

Esses dispositivos mencionados não preveem, explicitamente, se tratar da relativização de direitos individuais pelo bem coletivo, porém, evidente tal caráter.

Ainda nesse sentido, conforme explica Cesare Beccaria[171], um magistrado não pode, mesmo buscando resguardar o bem público, aumentar a pena de um cidadão sem que haja lei prevendo tal possibilidade, e, portanto, somente o legislador poderia definir as penas de cada delito. Dito isto, é evidente que nada obsta o legislador de estabelecer penas mais rigorosas para certos delitos, além de existir a possibilidade de se estabelecer medidas extraordinárias, buscando a pacificação social.

Quanto à questão da individualização da pena, percebe-se que, muitas vezes, o Direito Penal do Inimigo acaba por aplicar as penas sem o critério da proporcionalidade, não levando em consideração todas as circunstâncias do crime e daquele que o comete. Em sua teoria, Günther Jakobs entendia que o inimigo era um risco para a sociedade, e, portanto, deveria ser contido. Uma interpretação simplista dessas poderia levar até mesmo um indivíduo que comete um crime leve, porém, considerado perigoso por tal conceito subjetivo previsto em sua teoria, a ser considerado como “inimigo”, fazendo com que o mesmo acabe recebendo uma pena maior que outro indivíduo que cometesse algum crime pior.

Porém, tais fatos não significam que não é possível tratar o “inimigo” de modo diferente do “cidadão” sem violar o princípio da individualização da pena. Pelo contrário, tal princípio prevê que a pena deve ser individualizada de acordo com as circunstâncias do delito, não bastando tratar todos da mesma maneira, sendo imprescindível tratar de maneira mais rigorosa os crimes considerados piores ou mais reprováveis. Diante disto, é possível afirmar que a aplicação de um regime de cumprimento de pena diferenciado para os crimes hediondos não viola tal princípio, pois tais circunstâncias implicam em um tratamento desigual diante de circunstâncias desiguais, servindo, pelo contrário, para individualizar a pena.

Como é de amplo conhecimento, no Brasil, a pena não é cumprida de fato. Existe a progressão de regime; a questão do cumprimento de prisão domiciliar ou em regime aberto, por falta de vagas no regime semi-aberto; dentre outras disposições que possibilitam que o individuo, por exemplo, passe de um regime fechado para o aberto ao cumprir apenas 1/6 da pena.

Cabe ressaltar que, com a falta de vagas no regime de cumprimento de pena estabelecido, não é possível o cumprimento de pena em regime mais gravoso, devendo ser cumprida em regime menos gravoso. Nesse sentido, prevê a súmula vinculante 56 do Supremo Tribunal Federal: “A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.”[172]

Levando-se em conta a grande periculosidade do indivíduo que pratica um crime hediondo, justifica-se a aplicação da progressão de regime diferenciada, em 2/5 ou 3/5 (dependendo de ser reincidente ou não) e do regime inicial fechado, pois, caso contrário, um indivíduo que comete um crime hediondo poderia iniciar o cumprimento de pena em regime semiaberto, ou, por falta de vagas, regime aberto. Tais disposições, sem sombra de dúvida, não são o suficiente para intimidar o indivíduo que comete um crime tão gravoso quanto um crime hediondo, deixando uma grande possibilidade de reincidência. Com isso, o Direito Penal torna-se incapaz de cumprir sua função primordial, a pacificação social.

A questão da reincidência foi, inclusive, objeto de pesquisa pelo Conselho Nacional de Justiça, pesquisa essa que chegou à alarmante conclusão de que aproximadamente 25% dos condenados voltam a ser condenados novamente por outro crime no prazo de 5 anos[173]. Cabe ressaltar que, por motivos óbvios, essa estatística não envolve indivíduos que cometeram novos crimes cuja autoria não foi esclarecida, sendo possível crer que tal número possa ser ainda maior.

Diante de tais fatos, evidente que um maior rigor das penas torna-se imprescindível para a intimidação do autor para que o mesmo não volte a cometer crimes. Inclusive, mesmo já sendo razoável defender o enrigecimento das penas para crimes comuns, mais ainda para os crimes hediondos, pois um indivíduo que comete um crime tão grave quanto os elencados na lei dos crimes hediondos demonstra grande periculosidade e possibilidade de reincidência.

Porém, como foi dito anteriormente, o estabelecimento de um regime integralmente fechado para o indivíduo que comete pela primeira vez um crime hediondo, impossibilita que o mesmo venha a ser reabilitado através da progressão de regimes, dificultando que o mesmo volte a fazer parte da sociedade, volte a ser considerado um “cidadão”.

Porém, a partir do momento que tal indivíduo teve tal oportunidade e reincidiu em um crime tão gravoso quanto um crime hediondo, demonstra não ter se intimidado pela aplicação da pena, também demonstra não ter se reabilitado e nem que pretende parar de cometer delitos, devendo, portanto, cumprir sua pena em regime integralmente fechado, como o “inimigo” da sociedade que demonstra ser. 


CONCLUSÃO.

No decorrer deste trabalho foi explicada a Teoria do Direito Penal do Inimigo de Günther Jakobs e demonstrada a grande repercussão que gerou.

Porém, apesar da grande importância da mesma, percebe-se que, como o garantismo penal está em alta, a aplicação de tal teoria, durante todo esse tempo, tem sido duramente criticada pelos doutrinadores e estudiosos do ramo do direito, quase que em sua totalidade.  Porém, importante ressaltar que, apesar disso, ainda existem doutrinadores que são favoráveis à sua teoria, ou, ao menos, favoráveis à certos fundamentos presentes na mesma.

Independente de tais fatos, foi demonstrado que os fundamentos da Teoria do Direito Penal do Inimigo já encontram-se presentes na legislação brasileira atual, apesar do sucessivo abrandamento de tais disposições, além das críticas recorrentes sofridas pela referida teoria e dos dispositivos legais que se fundamentam na mesma.

Nesse sentido, tem se como exemplos de legislação que se fundamenta nos princípios do Direito Penal do Inimigo, a Lei dos Crimes hediondos, a Lei do Abate, a previsão constitucional de inafiançabilidade e imprescritibilidade de certos crimes (mesmo não hediondos), a previsão de Regime Disciplinar Diferenciado, dentre outras. Percebe-se que, nesses casos citados, o indivíduo que comete um crime sofre uma supressão de garantias penais e processuais penais em crimes considerados mais graves pelo legislador, com grande semelhança à Teoria do Direito Penal do Inimigo.

Conforme foi explicado previamente nesse trabalho, a Lei dos Crimes Hediondos traz uma série de supressões de garantias processuais penais em face da periculosidade dos crimes cometidos, que são considerados hediondos, evidenciando que os indivíduos que cometem tais crimes devem ser tratados como inimigos que devem ser contidos, através da prioridade em seu encarceramento, seja pelo regime inicial ou integralmente fechado, seja pelo maior demora na progressão de regime.

A mesma coisa acontece na aplicação do regime disciplinar diferenciado ao apenado, que é aplicado quando o indivíduo demonstra apresentar risco para a ordem e segurança do estabelecimento prisional, tendo, com isso, seu direito a visita e saída da cela limitados.

Ainda nesse sentido, importante mencionar também a Lei do Abate, no qual uma aeronave considerada “hostil”, que apresente “ameaça a segurança pública”, pode até mesmo ser abatida, em uma clara demonstração de direito penal do inimigo, no qual se permite até mesmo o abate de uma aeronave quando a mesma for considerada um risco que precisa ser contido.   

Diante disto, fica demonstrado a importância da aplicação dos fundamentos de tal teoria, pois auxilia na garantia da eficiência do direito penal e manutenção da pacificação social. Percebe-se que, apesar da importância que tem a garantia dos direitos e garantias individuais, não se pode, simplesmente, sacrificar totalmente a pacificação social para a garantia dos mesmos.

Na atualidade, é fato conhecido que a pena não é cumprida de maneira adequada no Brasil, sendo que a rápida progressão de regimes, falta de vagas no regime semiaberto, dentre tantos outros fatores, fazem com que a “aplicação” da pena não seja o suficiente para intimidar o autor para que não mais cometa delitos, gerando o índice de reincidência absurdo que beira os 25%[174], o que culmina, também, na sensação de insegurança generalizada presente na sociedade brasileira.

Nesse sentido, conclui-se que é importante a aplicação de tais disposições legais. Primeiramente, quanto à lei dos crimes hediondos, verifica-se que a mesma previa um regime integralmente/inicialmente fechado em face da periculosidade de um indivíduo que comete um crime mais gravoso, sendo uma disposição importante em face da função de Prevenção Especial Negativa da pena, na qual o indivíduo, através de seu encarceramento, deixa de cometer crimes em função de sua reclusão.

Além disso, importante também a aplicação de tais fundamentos presentes na lei do abate, pois, a não aplicação dos mesmos, tornaria impossível a contenção de aeronave em território nacional considerada hostil, o que colocaria até mesmo a segurança nacional em risco.

Por fim, também é de importância a aplicação de tais fundamentos na questão do regime disciplinar diferenciado, pois, caso não fossem feitas tais limitações às garantias do preso considerado perigoso, todo o estabelecimento prisional estaria em risco.

Diante do que foi exposto previamente, também existe o questionamento sobre a possibilidade de aplicação da Teoria do Direito Penal do Inimigo em um Estado de Direito. Conforme ensinam inúmeros doutrinadores, o Direito Penal do Inimigo é algo típico de um estado totalitário, o que é fato, pois Günther Jakobs, em sua teoria, permitia a supressão de direitos do indivíduo sem limitações e com um conceito altamente subjetivo de inimigo. Diante disto, evidente que tal teoria, do modo como foi elaborada originalmente, não pode ser aplicada em um Estado de Direito.

Porém, percebe-se que existem disposições fundamentadas no Direito penal do Inimigo na legislação brasileira atual, e as mesmas convivem, sem dificuldades, com um Estado de Direito. Ao se levar em consideração, por exemplo, a Lei dos Crimes hediondos, tal supressão de garantias se dá somente para os indivíduos que cometerem os crimes elencados em tal lei, sendo um conceito objetivo e que traz segurança jurídica.

Ante tais fatos, resta comprovada a importância da aplicação dos fundamentos da Teoria do Direito penal do inimigo na legislação atual, tanto nos moldes que foram expostos nesse trabalho quanto nos quais já presentes na lei, devendo sua presença ser resguardada, evitando o abrandamento que tem sofrido cada vez mais, sob pena de gerar uma ineficácia, ainda maior, do direito penal.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

[1] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 7 ed. São Paulo: Martin Claret, 2013.  p. 16/17.

[2] Ibidem

[3] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. p.21.

[4] Ibidem, p.167

[5] Ibidem, p.36/37

[6] JAKOBS, Günther; MELIA, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo. Noções e críticas. 6 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2015. p 47.

[7]  FILHO, Vicente Greco. Manual de Processo penal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.  p. 91.

[8] Ibidem, p 91.

[9] Ibidem, p 91.

[10] REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p 72.

[11]SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p. 22/23.

[12] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Parte Geral, Volume 1. 22 ed. São Paulo, Saraiva, 2016. p. 72.

[13] COUTO HORTA, Ana Clélia. Evolução histórica do Direito Penal e Escolas Penais. In: Âmbito Jurídico. Rio Grande, VIII, n. 21, maio 2005.

[14] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Parte Geral, Volume 1. 22 ed. São Paulo, Saraiva, 2016. p. 72.

[15] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Parte Geral, Volume 1. 22 ed. São Paulo, Saraiva, 2016. p. 72.

[16] Ibidem. p.73.

[17] Ibidem.

[18] COUTO HORTA, Ana Clélia. Evolução histórica do Direito Penal e Escolas Penais. In: Âmbito Jurídico. Rio Grande, VIII, n. 21, maio 2005.

[19] Ibidem.

[20] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 75.

[21] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Parte Geral, Volume 1. 22 ed. São Paulo, Saraiva, 2016. p.74.

[22] Ibidem.

[23] COUTO HORTA, Ana Clélia. Evolução histórica do Direito Penal e Escolas Penais. In: Âmbito Jurídico. Rio Grande, VIII, n. 21, maio 2005.

[24] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Parte Geral, Volume 1. 22 ed. São Paulo, Saraiva, 2016.. p.81.

[25] Ibidem.

[26] Ibidem. p. 81/82.

[27] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Parte Geral, Volume 1. 22 ed. São Paulo, Saraiva, 2016..  p. 82.

[28] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. p.41.

[29] ZAFFARONI, Eugenio Raul. O Inimigo no Direito Penal. 2ª Edição. Rio de janeiro: Editora Revan, 2007. Coleção Pensamento Criminológico, volume 14. Tradução Sérgio Lamarão. p. 53.

[30] ZAFFARONI, Eugenio Raul. O Inimigo no Direito Penal. 2ª Edição.Rio de janeiro: Editora Revan, 2007. Coleção Pensamento Criminológico, volume 14. Tradução Sérgio Lamarão.p. 59/60.

[31] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Parte Geral, Volume 1. 22 ed. São Paulo, Saraiva, 2016. p. 123.

[32] Ibidem. p. 89.

[33] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Parte Geral, Volume 1. 22 ed. São Paulo, Saraiva, 2016. p. 89

[34] Ibidem. p. 90.

[35] Ibidem.

[36] Ibidem. p. 91.

[37] Ibidem.

[38] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. p.80.

[39] Ibidem, p.80.

[40] MARTÍN, Luis Gracia. O horizonte do finalismo e o Direito Penal do Inimigo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2007. P. 291.

[41] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. p.80.

[42] BERTI, Natália. O Regime Disciplinar Diferenciado como expressão do Direito Penal do Inimigo. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 91, ago 2011.

[43] Ibidem.

[44] Ibidem.

[45] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. p.80.

[46] NEUMANN, Ulfried. Derecho penal del enemigo. In: Cancio Meliá e Goméz-Jara Díez (coord.). Derecho penal del enemigo: el discurso penal de la exclusión. v. 2. Buenos Aires: BdeF, 2006. p. 392

[47] CANCIO MELIÁ, Manuel; JAKOBS, Günther. Derecho penal del enemigo. Madrid: Civitas, 2003. p. 47.

[48] BERTI, Natália. O Regime Disciplinar Diferenciado como expressão do Direito Penal do Inimigo. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 91, ago 2011.

[49] Ibidem.

[50] JAKOBS, Günther; MELIA, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo. Noções e Críticas. 6 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2015. p 47.

[51] GROSSI, Paolo. Primeira lição sobre o Direito. 1ª Edição. Tradução por RICARDO MARCELO FONSECA. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006. p 10.

[52] NÓBREGA DIAS, Gabriel Bulhões. A função da pena e sua importância para o Direito brasileiro. In: Idecrim. [2016?]

[53] Ibidem.

[54] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Parte Geral, Volume 1. 22 ed. São Paulo, Saraiva, 2016. p. 135.

[55] NÓBREGA DIAS, Gabriel Bulhões. A função da pena e sua importância para o Direito brasileiro. In: Idecrim. [2016?]

[56] COSTA, Danilo da Rocha. Das penas e das teorias da pena. In:Jus Navigandi.  Outubro de 2015.

[57] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 7ª Edição. São Paulo: Editora Martin Claret, 2013. Coleção A Obra-Prima de Cada Autor. Tradução Torrieri Guimarães. p. 94.

[58] NÓBREGA DIAS, Gabriel Bulhões. A função da pena e sua importância para o Direito brasileiro. In: Idecrim. [2016?]

[59] Ibidem.

[60] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 7ª Edição. São Paulo: Editora Martin Claret, 2013. Coleção A Obra-Prima de Cada Autor. Tradução Torrieri Guimarães. p. 46.

[61] Ibidem.

[62] Ibidem.

[63] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e críticas. Organização e Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 6ª Edição. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2015. p. 22.

[64] COSTA, Danilo da Rocha. Das penas e das teorias da pena. In: Jus Navigandi. Outubro de 2015.

[65] Ibidem.

[66] STF – HC: 110390 MS, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de julgamento: 02/10/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-207 DIVULG 19-10-2012 PUBLIC 22-10-2012.

[67] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p.104.

[68] Zaffaroni; et al., Direito Penal Brasileiro. p. 133.

[69] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p.104.

[70] TRF-4 – RCCR: 50042523020154047002 PR 5004252-30.2015.404.7002, Relator: SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Data de Julgamento: 17/11/2015, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: D.E. 18/11/2015.

[71] MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. Direito Penal do Inimigo: A terceira velocidade do Direito Penal. Curitiba: Juruá, 2009. p. 148/151.

[72] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p. 105.

[73] Ibidem.

[74] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p. 106.

[75] Ibidem.

[76] BARBOSA, Sara. Teorias Contratualistas. In: Jusbrasil. 2016.

[77] Ibidem.

[78] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p. 119.

[79] Ibidem.. p. 119.

[80] WEFFORT, Francisco C (ORGANIZADOR). Os clássicos da política. 14ª Edição. São Paulo: Editora Ática , 2006. 1º Volume. p. 219.

[81] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p. 125.

[82] Ibidem. p. 133.

[83] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016p. 135.

[84] Ibidem. p. 139.

[85] Ibidem.

[86] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e críticas. Organização e Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 6ª Edição. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2015. p.40.

[87] Ibidem.

[88] Ibidem. p.43.

[89] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e críticas. Organização e Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 6ª Edição. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2015. p. 43.

[90] Ibidem. p. 46.

[91] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p. 83.

[92] Ibidem.. p. 86.

[93] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p. 87.

[94] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e críticas. Organização e Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 6ª Edição. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2015. p.90.

[95] HABIB, Gabriel. O direito penal do inimigo e a lei dos crimes hediondos. Sem edição. Niterói: Editora Impetus, 2016. p. 06/07.

[96] JAKOBS, Gunther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e críticas. Organização e Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 6ª Edição. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2015. p. 47.

[97] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p. 90

[98] Ibidem. p. 91.

[99] HABIB, Gabriel. O Direito Penal do Inimigo e a Lei dos Crimes Hediondos. Sem edição. Niterói: Editora Impetus, 2016. p. 14.

[100] HABIB, Gabriel. O Direito Penal do Inimigo e a Lei dos Crimes Hediondos. Sem edição. Niterói: Editora Impetus, 2016. p. 14.

[101] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e críticas. Organização e Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 6ª Edição. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2015. p.43.

[102] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal. 2ª Edição.Rio de janeiro: Editora Revan, 2007. Coleção Pensamento Criminológico, volume 14. Tradução Sérgio Lamarão. p. 14.

[103] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e críticas. Organização e Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 6ª Edição. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2015. p. 91/92.

[104] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí:Editora Paco Editorial,2016. p. 119

[105] Ibidem.

[106] Ibidem. p. 125.

[107] Ibidem. p. 135.

[108] Ibidem. p. 139.

[109] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e críticas. Organização e Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 6ª Edição. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2015. p.43.

[110] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e críticas. Organização e Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 6ª Edição. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2015. p. 24/25.

[111] Ibidem. p. 25/26.

[112] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p.83.

[113] Ibidem. p. 175/176.

[114] Ibidem.

[115] Ibidem. p. 176.

[116] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal. 2ª Edição.Rio de janeiro: Editora Revan, 2007. Coleção Pensamento Criminológico, volume 14. Tradução Sérgio Lamarão. p. 11.

[117] Ibidem. p. 18.

[118] Ibidem. p. 20.

[119] Ibidem. p.25.

[120] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal. 2ª Edição.Rio de janeiro: Editora Revan, 2007. Coleção Pensamento Criminológico, volume 14. Tradução Sérgio Lamarão. p. 104.

[121] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p.41.

[122] Ibidem. p. 43.

[123] Ibidem. p. 44.

[124] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p. 146.

[125] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e críticas. Organização e Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 6ª Edição. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2015. p.43.

[126] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p.159.

[127] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p.21.

[128] MORAES, Alexandre Rocha de. Direito Penal do Inimigo: A terceira velocidade do direito penal. p. 35.

[129] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p.21/22.

[130] GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 11ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2015. p. 93.

[131] (TJ-PR 8908527 PR 890852-7 (Acórdão), Relator: José Mauricio Pinto de Almeida, Data de Julgamento: 12/04/2012, 2ª Câmara Criminal). Disponível em https://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21548692/8908527-pr-890852-7-acordao-tjpr

[132] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal

[133] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p. 133.

[134] Ibidem.108/110.

[135] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p. 109/110.

[136] Ibidem. p. 110/111.

[137] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal

[138] HABIB, Gabriel. O Direito Penal do Inimigo e a Lei dos Crimes Hediondos. Sem edição. Niterói: Editora Impetus, 2016. p. 20.

[139] Ibidem.. p. 20.

[140] Ibidem. p. 21.

[141] Ibidem.

[142] HABIB, Gabriel. O Direito Penal do Inimigo e a Lei dos Crimes Hediondos. Sem edição. Niterói: Editora Impetus, 2016. p. 24/25.

[143] HABIB, Gabriel. O Direito Penal do Inimigo e a Lei dos Crimes Hediondos. Sem edição. Niterói: Editora Impetus, 2016. p. 25/26.

[144] Ibidem. p. 27/28.

[145] HABIB, Gabriel. O Direito Penal do Inimigo e a Lei dos Crimes Hediondos. Sem edição. Niterói: Editora Impetus, 2016.  p.29.

[146] Ibidem.  p. 30/31, 33/34.

[147] Ibidem. p.36.

[148] Ibidem. p. 43, 49.

[149] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.

[150] HABIB, Gabriel. O Direito Penal do Inimigo e a Lei dos Crimes Hediondos. Sem edição. Niterói: Editora Impetus, 2016. p. 65.

[151] Ibidem. p. 57.

[152] Ibidem. p. 68/69.

[153] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 27/06/2012 - Plenário – Habeas Corpus: 111.840 – Espírito Santo - Relator: Min. Dias Toffoli - Pacte(S): Edmar Lopes Feliciano - Impte(S): Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo - Coator(A/S)(Es): Superior Tribunal De Justiça.

[154] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e críticas. Organização e Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 6ª Edição. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2015. p.40.

[155] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e críticas. Organização e Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 6ª Edição. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2015. p. 21.

[156] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal. 2ª Edição. Rio de janeiro: Editora Revan, 2007. Coleção Pensamento Criminológico, volume 14. Tradução Sérgio Lamarão. p. 162.

[157] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal. 2ª Edição. Rio de janeiro: Editora Revan, 2007. Coleção Pensamento Criminológico, volume 14. Tradução Sérgio Lamarão. p. 11.

[158] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p. 83.

[159] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal. 2ª Edição. Rio de janeiro: Editora Revan, 2007. Coleção Pensamento Criminológico, volume 14. Tradução Sérgio Lamarão. p. 185.

[160] BRASIL. Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016. Publicação Diário Oficial da União - Seção 1 - Edição Extra - 17/3/2016, Página 1 (Publicação Original).

[161] BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. 7ª Edição. São Paulo: Editora Martin Claret, 2013. Coleção A Obra-Prima de Cada Autor. Tradução Torrieri Guimarães. p. 57/58.

[162]   BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 17/02/2016 - Plenário – Habeas Corpus: 126.292 – São Paulo - Relator: Min. Teori Zavascki - Pacte(S): Marcio Rodrigues Dantas - Impte(S): Maria Claudia De Seixas - Coator(A/S)(Es): Relator Do Hcnº 313.021 Do Superior Tribunal De Justiça.

[163] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p. 178.

[164] MACHIAVELLI, Nicolo. The Prince. Edição Eletrônica. Traduzido por W. K. Marriott. Originalmente escrito em 1505 e publicado em 1515. p. 86.

[165] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal. 2ª Edição.Rio de janeiro: Editora Revan, 2007. Coleção Pensamento Criminológico, volume 14. Tradução Sérgio Lamarão. p. 62.

[166] BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. 7ª Edição. São Paulo: Editora Martin Claret, 2013. Coleção A Obra-Prima de Cada Autor. Tradução Torrieri Guimarães. p. 68.

[167] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p. 143/144.

[168] MONTEIRO DE CASTRO, Narciso Alvarenga. Política Criminal Contemporânea e a questão do Direito Penal Do Inimigo. p. 137.

[169] SILVA, Kelly Cardoso da. Direito Penal do Inimigo: Aspectos jusfilosóficos e normativos. Sem edição. Jundiaí: Editora Paco Editorial,2016. p. 144/145.

[170] HABIB, Gabriel. O Direito Penal do Inimigo e a Lei dos Crimes Hediondos. Sem edição. Niterói: Editora Impetus, 2016. p. 47/48.

[171] BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. 7ª Edição. São Paulo: Editora Martin Claret, 2013. Coleção A Obra-Prima de Cada Autor. Tradução Torrieri Guimarães. p. 18.

[172] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante 56.

[173] ZAMPIER, Débora. “Um em cada quatro condenados reincide no crime, aponta pesquisa”. Portal CNJ. Julho de 2015.

[174] ZAMPIER, Débora. “Um em cada quatro condenados reincide no crime, aponta pesquisa”. Portal CNJ. Julho de 2015.



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