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Reflexão sobre a coisa julgada, natureza e limites de eficácia das sentenças trânsitas em julgado contrárias à Constituição

Reflexão sobre a coisa julgada, natureza e limites de eficácia das sentenças trânsitas em julgado contrárias à Constituição

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Introdução

A coisa julgada, aqui considerada como a eficácia da decisão judicial de que não mais caiba qualquer recurso, vem sendo tratada por grande parte dos estudiosos e aplicadores do direito pátrio com excessivo rigor, visto que quase unanimemente se tem opinado, nos textos jurídicos e decisões judiciais, pela absoluta imutabilidade da situação jurídica gerada por decisão passada em julgado.

O instituto da coisa julgada fundamenta-se na imperiosa necessidade de se pôr um termo à apreciação judicial de uma lide através do processo, conduzindo os destinatários das decisões judiciais a uma situação de segurança jurídica, para que se torne imutável a decisão.

Contudo, conforme exposto por respeitados doutrinadores, tais como Paulo Otero 01, José Augusto Delgado 02 e Paulo Roberto de Oliveira Lima 03, o apontado rigor excessivo no tratamento deste instituto conduz a situações absurdas, tanto no que tange à incompatibilidade de seus efeitos com instituições e conceitos básicos do Direito, quanto no que se refere à solução de problemas surgidos na prática forense.

Como exemplo, basta imaginar uma sentença que proclame A como filho de B, cujo exame de DNA posteriormente venha a demonstrar o contrário. A manutenção da coisa julgada, nesta situação, certamente configuraria a concretização de uma injustiça.

Defendendo uma nova disciplina no tratamento da coisa julgada, no sentido de propor limites à imutabilidade dos efeitos do julgado, Paulo Roberto de Oliveira Lima 04 levanta a questão fundamental da legitimidade da obrigatoriedade das decisões judiciais contrárias à lei, ante o princípio constitucional da legalidade, bem como a constante possibilidade de serem proferidos julgados desiguais para situações idênticas, em uma evidente afronta ao princípio constitucional da isonomia.

Inúmeros outros problemas poderiam ser expostos no que se refere à irrestrita imutabilidade que se quer atribuir à coisa julgada. Deve-se, porém, dar especial atenção às decisões judiciais transitadas em julgado cujo conteúdo seja contrário à Constituição, seja por violação direta, seja por aplicar uma norma jurídica tida por inconstitucional, ou deixar de aplicar uma norma jurídica considerada constitucional, fundamentando a não aplicação em uma pretensa inconstitucionalidade. 05

Exemplo bastante significativo pode ser verificado no caso de um contribuinte, que venha a pleitear a repetição de indébito referente ao valor pago a título de determinado tributo, argüindo a inconstitucionalidade da lei que instituiu a exação. Imagine-se que este contribuinte venha a obter pronunciamento desfavorável no processo, e que este pronunciamento acabe por transitar em julgado. Suponha-se, então, que posteriormente venha o Supremo Tribunal Federal a declarar, por ação direta, a inconstitucionalidade da norma, retirando-a do ordenamento. O valor porventura pago pelo contribuinte configuraria, por certo, locupletamento indevido em favor da Fazenda Pública. Contudo, por força da coisa julgada, estaria o contribuinte impedido de obter a sua restituição, em virtude da decisão trânsita em julgado violadora da Constituição.

Tendo em vista que, conforme o princípio da constitucionalidade, a observância da Constituição é pressuposto de validade de todo e qualquer ato jurídico, constitui questão de fundamental importância definir o tratamento a que se devem submeter as decisões que fazem coisa julgada inconstitucional, para se saber se prevalece a imutabilidade da decisão ou a supremacia da Constituição.

Deste modo, o presente trabalho tem como escopo refletir acerca das decisões judiciais que, tendo sido objeto de trânsito em julgado, padecem do defeito de serem contrárias à Constituição, com o intuito de efetivar a subordinação das decisões judiciais ao princípio da constitucionalidade.

Para tanto, promover-se-á uma reflexão acerca do conflito potencial entre a coisa julgada, instituto que consagra os princípio da segurança e certeza jurídicas, e o primado da Constituição como fundamento de validade de todos os atos jurídicos, que consagra o princípio da isonomia ou da justiça distributiva.

Enfim, buscar-se-á examinar, também, como se deve encarar a coisa julgada no mundo moderno, para concluir com a superação do mito da sua inatacabilidade ou valor absoluto, passando o instituto a ter um valor relativo, tanto que pode ser atacada pela ação rescisória, sofrer oposição por embargos à execução e, segundo propostas de alguns doutrinadores, até mesmo ser desconstituída por ações autônomas.

Importa destacar que a presente pesquisa se fará de preferência em textos doutrinários e jurisprudenciais. Serão examinados os posicionamentos de conceituados doutrinadores pátrios e alienígenas acerca do tema, apontando-se a conclusão que parecer mais acertada. Serão expostas as decisões mais atuais acerca do assunto proferidas pelos tribunais do país.


1. Coisa julgada – definição e regime jurídico no Direito brasileiro

1. 1. Do conceito de coisa julgada

Para se promover uma análise da coisa julgada inconstitucional, importa preliminarmente traçar um conceito de coisa julgada através da análise dos dispositivos legais pertinentes, bem como das exposições doutrinárias. Cabe ressaltar, porém, que não há um consenso na doutrina no que se refere à definição deste instituto.

O artigo 467 do Código de Processo Civil brasileiro traz a definição da coisa julgada material, descrevendo-a como "a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário".

Consoante se pode inferir da leitura do dispositivo transcrito, a coisa julgada, no entendimento do legislador, é uma eficácia da sentença, que consiste em torná-la imutável, esgotadas todas as possibilidades de recurso cabíveis. Cabe, porém, fazer algumas observações a respeito desta definição.

A grande maioria dos conceitos de coisa julgada formulados antes da doutrina de Liebman a definiam como um efeito da sentença. A partir deste autor, muitos passaram a entende-la não como um efeito, mas como uma qualidade da sentença, como é o caso, no direito pátrio, de Nelson Nery Júnior. 06

Para se facilitar a conclusão sobre esta matéria impõe-se, preliminarmente, distinguir os conceitos de efeitos, eficácia e conteúdo da sentença. O conteúdo da sentença, conforme é assente na doutrina, corresponde ao pronunciamento do juiz acerca da matéria decidida. Já a eficácia da sentença consiste na sua aptidão para produzir efeitos. Estes, por sua vez, correspondem à manifestação externa do julgado, o que dele emana para o mundo fático, podendo ser, conforme explica Ovídio Baptista, constitutivo, declaratório, condenatório, executório e mandamental. 07

Partindo-se destes conceitos, observa-se que a coisa julgada não corresponde a uma eficácia ou efeito da sentença, como dispõe a lei, mas tão somente uma qualidade desta, que a torna imutável, sendo portanto mais correto o conceito introduzido por Liebman. É que, como se disse, os efeitos da sentença são o constituir, declarar, condenar, executar e mandar. A coisa julgada, por sua vez, é uma característica – qualidade - da sentença que torna estes comandos imutáveis e indiscutíveis.

Há diferentes graus para a coisa julgada. Ela se denomina formal, ou preclusão máxima, quando, esgotados todos os recursos possíveis dentro de um processo, a decisão se torna imutável no processo em que foi prolatada. Contudo, a matéria objeto da coisa julgada formal pode ser discutida em outro processo.

Por outro lado, a coisa julgada se denomina material quando excede os limites da sentença, fazendo com que determinada relação jurídica se torne imutável, no que respeita às partes do processo do qual emanou a decisão, projetando efeitos para fora dessa relação processual, de modo que nenhum juiz possa, até mesmo em outro processo, decidir de modo contrário.

Deste modo, operando-se a coisa julgada, se acaso uma das partes desejar rediscutir a matéria em um novo processo, havendo identidade de ações, a outra parte poderá alegar a exceção da coisa julgada, impedindo que seja proferido um novo julgamento sobre a matéria. Além disso, até mesmo o magistrado, ex officio, pode declarar a existência de coisa julgada, bem como tem o dever de levar em consideração, em processos posteriores, a decisão que transitou em julgado em processos anteriores.

O artigo 468 do diploma processual civil pátrio complementa o conceito de coisa julgada, ao prescrever que "a sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas." Em outras palavras, quando a decisão faz coisa julgada, a relação jurídica decidida passa a ser regida pela disposição emanada da sentença, ainda que esta decisão seja eventualmente contrária à lei.

Contudo, deve-se ressaltar que, conforme será exposto adiante, a coisa julgada ilegal constitui uma situação diversa da coisa julgada contrária a Constituição. Conforme observa Paulo Otero 08, os valores subjacentes ao princípio constitucional do Estado de Direito - segurança, estabilidade e certeza jurídicas – que fundamentam a eficácia da coisa julgada fundada em decisão judicial violadora do direito ordinário, são insuficientes para fundamentar a validade da coisa julgada inconstitucional.

1.2. Do regime jurídico-constitucional da coisa julgada

As Constituições pátrias, tradicionalmente, trazem disposição relativa à coisa julgada. A Carta Magna de 1988 não fugiu à regra, trazendo previsão da coisa julgada em seu artigo 5º, XXXVI, como um dos direitos fundamentais.

Ocorre que, conquanto haja a previsão constitucional de proteção à coisa julgada, há autores que entendem que o instituto não representaria um princípio constitucional. Neste sentido, manifestou-se Paulo Roberto de Oliveira Lima, ao afirmar que

"os operadores do Direito, máxime os integrantes do Poder Judiciário, desatentos aos reais objetivos da Constituição, no respeitante à coisa julgada, têm prestigiado o instituto como se o mesmo pertencesse ao Direito Constitucional e se constituísse em princípio magno do sistema jurídico". 09

Posicionamento mais correto é certamente aquele exarado por Cândido Rangel Dinamarco, ao afirmar que a coisa julgada é um instituto que pertence ao direito constitucional. Afirma o autor que a coisa julgada "resolve-se em uma situação de estabilidade, definida por lei, instituída mediante o processo, garantida constitucionalmente e destinada a proporcionar segurança e paz de espírito às pessoas.(g.n.)". 10

Com efeito, a coisa julgada é instituto protegido pela Constituição, que, ao lado dos institutos do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, previstos como direitos fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, consagra os princípios constitucionais da segurança e da certeza jurídicas. Importa ressaltar, inclusive, que disposta entre os direitos fundamentais do Estado de Direito, a coisa julgada constitui cláusula pétrea, não podendo ser abolida por Emenda Constitucional.

Todavia, é necessário analisar-se, tendo em vista uma perfeita integração do sistema normativo, o verdadeiro alcance do instituto da coisa julgada, uma vez que a referência constitucional à coisa julgada vem motivando, despropositadamente, a mais absoluta "sacralidade" do instituto. 11

Neste ponto, é importante destacar que a Constituição não assegura a irrestrita definitividade para as decisões trânsitas em julgado. A previsão constitucional expressa atinente ao instituto tem o alcance de garantir as decisões por ele acobertadas contra posteriores modificações, ao prescrever que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (artigo 5º, XXXVI CF)"

Aqui, conforme se pode observar, não há um tratamento pormenorizado do instituto, limitando-se o dispositivo a resguardar as decisões que transitaram em julgado contra posteriores alterações na legislação aplicável à relação jurídica material objeto da decisão transitada em julgado.

É certo, porém, que o constituinte não pretendeu, apenas, resguardar as decisões judiciais transitadas em julgado contra nova disciplina imposta pelo legislador, mas também objetivou garanti-las contra eventuais interferências provenientes do poder jurisdicional. 12

Outrossim, a delimitação do instituto da coisa julgada, o seu regime jurídico, os modos como se produz e os instrumentos pelos quais é protegida são definidos pela legislação ordinária, contando, inclusive, com tratamentos jurídicos distintos a depender do ramo do direito em que se aplicar.

Contra esta afirmação, poder-se-ia alegar que a regra constitucional contida no artigo 5º, XXXVI admite a interpretação de que o instituto da coisa julgada não poderia ser modificado através da legislação ordinária, de forma a ser-lhe limitada a importância ou reduzida a sua incidência, o que, contudo, não pode proceder.

Na verdade, em favor da primeira interpretação aqui adotada, revela-se a própria sistemática da criação dos direitos que assegura a irretroatividade das leis, na medida em que um direito surge da concreção de determinado suporte fático previsto em regra jurídica vigente. Sem a existência de regra jurídica vigente, para incidir quando da ocorrência do suporte fático, não há incidência a gerar fato jurídico. Desta forma, contradiz a lógica jurídica que uma legislação posterior discipline fatos pretéritos, de forma que possa vir a ensejar a alteração de sentenças transitadas em julgado.

Além disso, a existência de determinados institutos jurídicos, tais como a revisão criminal e a ação rescisória, só é possível em se admitindo que a disciplina jurídica da coisa julgada é deixada para a legislação infraconstitucional, visto que entendimento oposto conduziria, inexoravelmente, à inconstitucionalidade destes institutos. Deste modo, a modificação do instituto, mesmo que para restringir-lhe o alcance, é admissível constitucionalmente.

Esclarece Eduardo Talamine que isto não significa que o legislador infraconstitucional tenha plena liberdade para dizer quando há e quando não há coisa julgada, sendo necessário que a configuração infraconstitucional da coisa julgada submeta-se a parâmetros constitucionais, tais como os princípios da segurança jurídica, do contraditório, do devido processo e da proporcionalidade. 13

Por conseguinte, a melhor interpretação para o art. 5º, XXXVI, que certamente inspirou o legislador constituinte, é aquela que determina que o conteúdo de uma decisão não pode ser modificado após ela ter formado coisa julgada. Em outras palavras, sua intenção foi, unicamente, preservar situações jurídicas já constituídas.

Importa, porém, salientar que esta regra comporta exceções, como é o caso da lei penal posterior mais benéfica, que tem o poder de atingir a sentença penal a qualquer tempo, com a modificação ou cessação dos seus efeitos. Conforme dispõe o artigo 2º do Código Penal: "Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando, em virtude dela, a execução e os efeitos penais da sentença condenatória." Trata-se do princípio penal da retroatividade da lei mais benéfica, que implica no fato de que, no juízo criminal, jamais se opera a coisa julgada contra o réu. Este tem a prerrogativa de pleitear, a qualquer tempo, a revisão criminal, de modo que este recurso atribui à coisa julgada em matéria criminal estrutura e limites que resultam na redução da sua amplitude. 14

Constata-se, portanto, que a coisa julgada não é um instituto a que a Constituição atribuiu sacralidade, de modo que esta pode ter disciplinamento especial a lhe delimitar e restringir o alcance, o que resulta na possibilidade de que ela possa até mesmo vir a ser desconstituída, quando a segurança jurídica por ela consagrada é afrontada com outros princípios de maior valor, referentes a determinado caso concreto.

É preciso considerar, portanto, que os princípios da segurança e certeza jurídicas consubstanciados pela coisa julgada convivem com outros princípios constitucionais, e com eles devem ser harmonizados tendo em vista o completo equilíbrio do sistema jurídico.

Não obstante, na prática, os operadores do direito costumam sacrificar outros direitos e princípios, alguns deles fundamentais, em nome da preservação da autoridade absoluta da coisa julgada. É freqüente, por exemplo, que se mantenham decisões desiguais para situações jurídicas idênticas, em ofensa ao princípio da isonomia, mas em proteção à coisa julgada.

Alguns autores, como Paulo Roberto de Oliveira Lima 15, vêm alertando para o fato de que o regime jurídico da coisa julgada, definido pela doutrina tradicional e consolidado pela lei, não mais atende às exigências do Processo Civil, impondo-se uma profunda modificação.

É que, como já fora mencionado, a manutenção a qualquer custo da coisa julgada, por vezes, leva a situações que induzem à perplexidade tanto o julgador quanto as partes figurantes do processo. Deste modo, é patente a necessidade de se buscar uma adequação do instituto da coisa julgada à realidade do sistema jurídico como um todo, através da aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, inclusive, no que interessa ao presente trabalho, quando transitadas em julgado sentenças contrárias à Constituição.

A esse respeito, renomados doutrinadores vêm opinando no sentido de se admitir a desconstituição de coisas julgadas violadoras de princípios fundamentais do ordenamento jurídico, em uma tendência a que se atribuiu a denominação de "relativização da coisa julgada".


2. Da coisa julgada sob uma perspectiva principiológica

2. 1. Conceito de princípios

A coisa julgada, é assente na doutrina, constitui um dos corolários dos princípios da segurança e certeza jurídicas. Por outro lado, a supremacia da Constituição é também um princípio fundamental consagrado pelo nosso ordenamento jurídico.

Sob outra perspectiva, deve-se considerar a hipótese de fundamentalidade de certos princípios consagrados constitucionalmente, os quais, em nome da razoabilidade e da proporcionalidade, deveriam prevalecer, quando confrontados com o princípio da segurança jurídica, consubstanciada pela coisa julgada, em nome da harmonia do ordenamento jurídico.

Deste modo, para se estabelecer uma reflexão acerca das decisões judiciais inconstitucionais transitadas em julgado, faz-se necessário fazer uma breve análise acerca dos princípios jurídicos.

Celso Antônio Bandeira de Melo, em conhecida passagem de seu Curso de Direito Administrativo, traz a seguinte definição de princípios:

"Princípio – já averbamos alhures, é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome direito positivo." (sem grifo no original) 16

Partindo desta definição, e com o fito de se expor uma idéia precisa do que são os princípios, importa esboçar a noção de sistema. A definição presente no dicionário da língua portuguesa Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, nos permite apreender o significado do termo:

Sistema sm. 1. Conjunto de elementos, materiais ou ideais, entre os quais se possa encontrar ou definir alguma relação. 2. Disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados entre si, e que funcionam como estrutura organizada.(...) 17

Pois bem, o ordenamento jurídico constitui um sistema normativo, entendido como um conjunto de normas que possuem unidade lógica e finalística, unidade esta atribuída, justamente, pelos princípios jurídicos.

É a partir dos princípios que se depreende qual o espírito do ordenamento jurídico, uma vez que eles representam as diretrizes fundamentais do sistema normativo, trazendo em si os valores mais relevantes da ordem jurídica.

O Direito constitui um sistema jurídico, e é formado por vários subsistemas. Deste modo, há os princípios gerais, que se aplicam a todo o ordenamento jurídico, e os princípios específicos, que se referem a determinados subsistemas.

Luiz Roberto Barroso 18 apresenta uma divisão dos princípios em que os classifica como fundamentais, gerais e setoriais. Conforme a divisão proposta, princípios setoriais seriam justamente aqueles que se referem a um conjunto específico de normas que tratam de um determinado tema, formando um subsistema normativo. É o caso, por exemplo, do princípio da anterioridade, que tem sua esfera de atuação restrita ao sistema jurídico tributário.

Por outro lado, tanto os princípios gerais quanto os fundamentais se irradiam por toda a ordem jurídica, distinguido-se entre si pelo fato de estes conterem as decisões políticas estruturais do Estado, enquanto aqueles correspondem a especificações dos princípios fundamentais.

A doutrina tradicional costumava distinguir normas e princípios, partindo do pressuposto de que os últimos não possuiriam a mesma normatividade. Contudo, a ciência jurídica moderna entende que os princípios, ao lado das regras, são espécies de normas jurídicas, sendo, portanto, igualmente obrigatórios.

Luiz Roberto Barroso 19 adverte que os princípios não são hierarquicamente superiores às regras. Contudo, a eles cabe, além de uma ação imediata, quando diretamente aplicáveis a determinada relação jurídica, uma ação de natureza mediata, que consiste justamente em funcionar como critério de interpretação e integração do sistema normativo.

O autor supra-aludido complementa a noção de princípios, afirmando que a violação de um princípio é ainda mais grave do que a de uma norma jurídica, na medida em que ela importa violação do ordenamento jurídico em seus alicerces, significando assim uma transgressão de todo o sistema.

Deste modo, verifica-se que os princípios são multifuncionais 20. Eles têm a função de dar unidade ao sistema normativo, harmonizando-o, além de servirem para condicionar a atuação dos poderes públicos e a interpretação e aplicação de todas as normas jurídicas vigentes.

Destaque-se que os princípios, por sua generalidade e abstração, permitem ao intérprete, por muitas vezes, superar o legalismo estrito para buscar soluções que se coadunem com os valores maiores protegidos pelo sistema. Ao mesmo tempo, eles limitam o subjetivismo a que poderia se entregar o intérprete.

Os princípios constitucionais não têm hierarquia uns sobre os outros, dado que a Constituição constitui um todo harmônico e integrado. É certo, porém, que por vezes é necessário fazer uma ponderação entre os princípios aplicáveis a determinada situação, a fim de se determinar qual aquele que se melhor se aplica à questão posta. Muitas vezes, também, deve-se ponderar quais os interesses em questão e, de acordo com o caso concreto, usufruir da melhor forma possível o que cada princípio aplicável possa oferecer para a melhor harmonização da situação jurídica controvertida.

2.2. Relação entre princípios e valores existentes no Direito

O Direito, explica Machado Neto 21, é um fenômeno cultural, no sentido de constituir uma criação do homem em sua capacidade de atuar sobre a natureza, buscando satisfazer suas necessidades.

Uma das formas do agir do homem sobre a natureza é, justamente, tomando posições perante os fatos, e emitindo sobre eles juízos de valor. "Há, portanto, uma região de objetos – os valores, em face dos quais as criações humanas se justificam. Os valores são, portanto, fins que as realizações culturais buscam realizar como meios". 22

Quando este juízo de valor envolve o reconhecimento da obrigatoriedade de um comportamento, ensina Miguel Reale 23, temos o que se chama de regra ou norma.

Há diferentes espécies de normas que regulamentam o convívio social, representando valores que o ser humano entende por bem proteger. Àquelas que ele considerou essenciais, o mínimo necessário para que a sociedade pudesse sobreviver, atribuiu a natureza de regras jurídicas.

Deste modo, ensina Reale, o fenômeno jurídico pode ser descrito sob uma perspectiva tridimensional, nos termos de trecho a seguir transcrito:

"onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica etc.); um valor, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor". 24

Devemos, pois, analisar o Direito tendo como instrumento de análise os valores que buscam realizar satisfazendo as necessidades materiais e espirituais do homem.

Machado Neto relaciona a tábua de valores referida por Carlos Cossio como sendo os valores jurídicos essenciais, formadores do plexo axiológico-jurídico. São eles: ordem, segurança, poder, paz, cooperação, solidariedade e justiça. 25

Esclarece o aludido autor que o Direito, por ser fenômeno cultural, não está norteado "como uma estrela polar" no sentido desses valores, sendo que o fenômeno jurídico, em qualquer de suas manifestações, representa alguma realização desses valores.

Uma vez que o Direito constitui o instrumento de realização dos valores essenciais, tem-se que, sob uma perspectiva normativa, os princípios, ao designarem os alicerces do ordenamento jurídico, salvaguardam os valores mais fundamentais da sociedade.

Contudo, como já fora mencionado, em havendo conflito entre valores nas situações concretas que exigem a decisão do julgador, é necessário que, em cada caso, seja feita a ponderação de qual valor deverá prevalecer, através dos princípios interpretativos da razoabilidade e da proporcionalidade.

Neste sentido, manifesta-se Cândido Rangel Dinamarco 26, afirmando que nenhum princípio constitui um fim em si mesmo, mas que todos devem funcionar como meios de realizar um sistema processual justo.

A coisa julgada inconstitucional traz em seu âmago a necessidade de ponderação entre os valores da segurança jurídica e da justiça, consubstanciada na supremacia da Constituição. Cabe, portanto, uma análise mais profunda destes princípios, mister a que se dedicam os próximos capítulos.


3. O controle da constitucionalidade como garantia da Constituição e seus valores consagrados.

O constitucionalismo, da forma como hoje se apresenta, isto é, com a supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e a previsão legal do controle de constitucionalidade dos atos normativos, surgiu no século XVIII, com o fim do Estado Absoluto e surgimento do Estado Liberal. Costuma-se apontar, como marcos iniciais, as Constituições escritas e rígidas dos Estados Unidos da América, em 1787, após a Independência das 13 colônias, e da França, em 1791, a partir da revolução Francesa, que trouxeram em seu bojo a organização do Estado e limitação do poder estatal, através da previsão de direitos e garantias fundamentais.

Contudo, como bem ressalta Alexandre de Morais 27, aqueles diplomas correspondem à origem formal do constitucionalismo, sendo que o Direito Constitucional norte-americano tem origem mais remota, sendo integrado pelos textos da época colonial (Fundamental Orders of Connecut, 1639) e a Declaração de Independência, a declaração de Virgínia e outras declarações dos primeiros Estados.

Quanto ao controle de constitucionalidade, sua origem também remonta ao direito norte-americano, tendo como ponto de partida a decisão proferida, em 1803, no julgamento do caso Marbury x Madison, em que o juiz Marshall demonstrou a nulidade do ato legislativo ou executivo incompatível com a Constituição 28.

Nos dias atuais, é imperativo o princípio da supremacia da Constituição, que sustenta que este diploma, estando no ápice do sistema normativo, serve como fundamento de validade de todos os demais atos jurídicos, uma vez que no texto constitucional estão contidos os próprios fundamentos do Estado, sua organização e funcionamento e seus princípios fundamentais. A Constituição é, desta forma, a norma fundamental que confere unidade ao ordenamento jurídico. Ela se destina a disciplinar a vida em sociedade, baseada em um sistema de valores eleitos como essenciais à sua harmonia.

Esta supremacia na ordem normativa corresponde ao princípio da constitucionalidade, enunciado por Luiz Roberto Barroso 29, ao afirmar que por força da supremacia constitucional, nenhum ato jurídico, nenhuma manifestação de vontade pode subsistir validamente se for incompatível com a Lei Fundamental.

Conforme explica Paulo Otero, "a atual fase do Estado Constitucional submete toda a atividade do poder público ao princípio da constitucionalidade, ainda que isso não implique sempre a existência de mecanismos de controle e declaração da invalidade de todos os atos do poder público". 30 Aqui, importa destacar que também a atividade jurisdicional se encontra subordinada ao princípio da constitucionalidade, dependendo a validade dos seus atos da conformidade com a Lei Fundamental.

Em nome da supremacia constitucional, o sistema jurídico brasileiro prevê, ao lado dos instrumentos para garantia da observância dos preceitos normativos ordinários, um elaborado sistema de controle de constitucionalidade das leis, que segue o modelo eclético, admitindo o controle abstrato pelo Supremo Tribunal Federal, e o controle difuso por todos os tribunais.

Dentre os instrumentos de salvaguarda da constitucionalidade, podemos destacar a ação direta de inconstitucionalidade (art. 103. da CF), a ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 1º da CF), a ação de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º da CF), a ação de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1º CF), o mandado de injunção (art. 5º, LXXI da CF), o incidente de inconstitucionalidade nos tribunais (art. 97. da CF) e a suspensão, pelo Senado, da execução da lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Além disso, o sistema atribuiu competência ao maior tribunal do poder judicial, o Supremo Tribunal Federal, para que este fosse o guardião maior da Constituição, não só porque a ele se dirige o recurso em matéria constitucional – recurso extraordinário- mas também porque ele tem o poder de declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade com eficácia erga omnes e efeito vinculante. Ressalte-se ainda que, através de uma decisão deste tribunal em via de controle difuso de constitucionalidade, pode-se acarretar a suspensão da norma inconstitucional através de resolução do Senado Federal.

Todavia, no que se refere aos atos jurisdicionais inconstitucionais, observa-se que estes, uma vez ultrapassados os prazos para recursos ordinário e extraordinário e operada a coisa julgada, carecem de mecanismos específicos de controle de constitucionalidade.

Deste modo, impõe-se a reflexão acerca da possibilidade de controle da constitucionalidade do ato judicial que, ultrapassando as possibilidades de recursos existentes, venha a formar coisa julgada contrária à constituição, fenômeno que se convencionou denominar coisa julgada inconstitucional.


4. Da coisa julgada como instrumento fundamental no direito processual e segurança jurídica.

O processo tem por finalidade dirimir as lides levadas a juízo, através da remoção de obstáculos à realização do Direito. Nas palavras de Teori Albino Zavascki, "É objetivo fundamental da jurisdição, segundo entendimento corrente, a eliminação de conflitos de interesses mediante decisões justas". 31

Outrossim, é fundamental para a pacificação social objetivada pelo Direito a estabilidade das decisões, sendo certo que a segurança jurídica seria gravemente comprometida se fosse admissível discutir-se indefinidamente uma questão já decidida em juízo, levando as partes a uma eterna sensação de incerteza e angústia.

No intuito de garantir a segurança jurídica, o ordenamento dispõe de diversos institutos que têm como finalidade a estabilização das decisões judiciais, tais como os prazos processuais, as preclusões de toda ordem e, a mais importante destas, a coisa julgada, instituto fundamental ao funcionamento do processo, que tem o condão de assegurar a firmeza das situações jurídicas.

Por muito tempo predominava o entendimento de que a imutabilidade da sentença se justificava por ela representar a revelação, pelo juiz, da verdadeira vontade da lei, daí tendo surgido o aforismo "O juiz é a boca que pronuncia as palavras da lei." Hoje, contudo, este idealismo não mais prevalece. Na verdade, o fundamento da coisa julgada, explica Murilo Sechieri Costa Neves 32, é puramente prático, consistindo na necessidade de se evitar a perpetuação de conflitos de interesses. Deste modo, é a coisa julgada um instrumento que atende às conveniências do processo, tendo enorme importância na obtenção da paz na convivência social.

Com efeito, conforme afirma Walter Nunes da Silva Júnior 33, os litigantes, além do desejo de saírem vencedores na demanda judicial, têm ainda a pretensão de que a decisão proferida se revista de autoridade, sendo imposta ao vencido, a despeito de sua recalcitrância em com ela conformar-se.

Todavia, a segurança jurídica almejada pela coisa julgada não é um valor absoluto. Ela representa um princípio constitucional e, nessa qualidade, sujeito a relativização de modo a possibilitar a harmonização do ordenamento jurídico. Superada está a época em que se defendia com intransigente veemência que a coisa julgada seria capaz de fazer de albo nigrum e mudar falso in verum.

É que, como fora explicado, a segurança jurídica possui um valor instrumental, conquanto da maior relevância, com relação ao processo, visando a salvaguardar a paz jurídica e a credibilidade do poder jurisdicional. Porém, é preciso se reconhecer que, em determinados casos, esta mesma credibilidade melhor será assegurada se a coisa julgada for relativizada, em favor de outros princípios constitucionais previstos pelo ordenamento.

Como adverte Cândido Dinamarco 34, é necessário se equilibrarem, no sistema do processo, as exigências conflitantes da celeridade, que favorece a certeza das relações jurídicas, e da ponderação, cuja função é produzir resultados justos.

O autor se refere, como exemplo, a um recurso especial levado a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, cujo relator fora o Ministro José Delgado. Tendo o Estado de São Paulo sido vencido em ação de desapropriação indireta, fora condenado a indenizar a parte adversa, com que veio a realizar um acordo de parcelamento. Posteriormente, verificando-se que o terreno expropriado pertencia ao próprio Estado e não aos autores, aquele veio a ajuizar ação declaratória de nulidade cumulada com repetição de indébito, tendo o Ministro Delgado votado em favor da procedência, a despeito da coisa julgada. Sua tese foi vencedora por três votos contra dois 35.

Deste modo, alerta Dinamarco, deve-se promover uma interpretação sistemática dos princípios e garantias constitucionais do processo civil, uma vez que nenhum deles constitui um fim em si mesmo, mas todos servem como meios de proporcionar um sistema processual justo.


5. O valor da justiça revelado pela isonomia

Como já fora dito, o Direito representa a realização de uma tábua de valores, composta pelos valores ordem, segurança, poder, paz, cooperação, solidariedade e justiça, os quais se realizam em todas as manifestações do Direito. Contudo, o valor fundamental do fenômeno jurídico é o valor justiça.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXV, efetiva a promessa da justiça nas decisões judiciais através da garantia do acesso à justiça, ao dispor: "a lei não excluirá da apreciação do judiciário lesão ou ameaça a direito".

Teori Albino Zavascki 36 explica que proferir decisões justas é efetivar, no plano social, as finalidades básicas do sistema normativo, consagrando os ideais estabelecidos pelo ordenamento jurídico.

Não obstante, declarar o significado da palavra justiça não é tarefa das mais fáceis, tendo se empenhado em explanar a matéria pensadores das mais diversas épocas e origens. É certo, porém, que o conceito justiça formulado por Aristóteles na obra Ética a Nicômaco 37 revela-se, ainda hoje, como uma forma eficiente de descrever o termo.

Para Aristóteles, a justiça, assim como o seu extremo oposto, a injustiça, são conceitos ambíguos, na medida que descrevem mais de um fenômeno. Nesse ínterim, o filósofo relata três versões para o conceito de justiça, sempre dentro do contexto de que o ideal ético é o meio-termo entre dois extremos.

A primeira acepção da palavra justiça, para o filósofo grego, significa o respeito à lei. Segundo Aristóteles, a lei traz comandos em que se revelam todas as virtudes, de forma que ser justo obedecendo à lei representaria a virtude por excelência, a virtude completa.

A segunda concepção de justiça descrita pelo autor é a justiça distributiva, que consiste, sumariamente, na distribuição proporcional de bens de acordo com o mérito de cada pessoa. Explica o filósofo:

"A justiça distributiva é a conjunção do primeiro termo de uma proporção com o terceiro, e do segundo com o quarto, e o justo nesse sentido é o meio-termo, e o injusto é o que viola a proporção, pois o proporcional é o intermediário, e o justo é o proporcional". 38

O terceiro sentido da palavra justiça, complementa, é o que denomina justiça corretiva, segundo a qual o justo seria o intermediário entre um ganho e uma perda, e o papel do juiz, no caso da ocorrência de um dano, seria restaurar a justiça através da subtração de uma parte do ganho do ofensor, o que se concretizaria através da aplicação da pena.

A segunda significação da palavra é a que mais de perto interessa à presente questão, pois a isonomia corresponde justamente à realização da justiça distributiva.

Com efeito, o princípio da isonomia, previsto no art. 5º, caput, da Constituição Federal, consiste no dever jurídico atribuído ao Estado e a todos os cidadãos de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, o que, em outras palavras, corresponde à justa distribuição.

Costuma-se, também, associar-se à justiça à qualidade da cognição estabelecida no processo, de forma que a sentença justa será aquela que tenha sido objeto de uma cognição ampla e profunda, em que às partes tenha sido oportunizados o contraditório e a ampla defesa em toda a sua plenitude.

Pois bem, na esteira do raciocínio desenvolvido ao longo deste trabalho, cabe colocar que valor segurança jurídica, consagrado pela coisa julgada, quando a ele se atribui caráter absoluto, pode levar à consagração de injustiças, sempre que, ao serem decididas situações idênticas, as decisões tragam resultados desiguais, em violação à justiça distributiva.

É certo, porém, que normalmente a injustiça deverá ceder ao imperativo da segurança jurídica, em nome da manutenção do poder jurisdicional. Deste modo, conforme anteriormente exposto, Cândido Dinamarco 39 defende que a garantia da coisa julgada deve ser posta em equilíbrio com as demais garantias constitucionais e com os institutos jurídicos conducentes à produção de resultados justos mediante as atividades inerentes ao processo civil.

Em nome da justiça das decisões, impõe-se de modo especial a revisão da coisa julgada quando se verificar a desigualdade no tratamento da mesma matéria, ou seja, na hipótese de se ter por ferido o princípio da isonomia. Exemplo típico desta situação foi relatado por Francisco Barros Dias 40. Este autor referiu-se à situação, bastante comum, em que um servidor público tenha obtido determinada vantagem funcional perante o Judiciário e, uma vez transitada em julgado a sentença que concedeu tal vantagem, tenha assegurado em seu direito de forma definitiva. Esse servidor, no entanto, exerce cargo idêntico ao de um outro colega da mesma repartição, tendo ambos ingressado no serviço público na mesma data, com salários rigorosamente idênticos. Pois bem, suponha-se que o outro servidor também tenha ido ao judiciário buscar a mesma vantagem. Contudo, neste caso, o Judiciário negou o seu direito, quer porque um outro Juiz entendeu que não fazia jus a tal pleito, quer porque houve mudança da jurisprudência sobre o assunto. A sentença proferida no processo desse outro servidor também veio a transitar em julgado. Assim, restará o fato de que um ficará percebendo salário maior, concedido pelo Judiciário, e o outro uma menor remuneração, sendo ambas as situações irreversíveis em virtude da coisa julgada.

Uma situação desta natureza certamente causará perplexidade e a sensação de injustiça entre os sujeitos envolvidos, comprometendo-se, sobremaneira, a credibilidade dos julgamentos proferidos pelo judiciário. Assim, melhor seria admitir-se a relativização da coisa julgada para que, mediante a equiparação das vantagens asseguradas aos sujeitos que dispõem de situações jurídicas idênticas, se venha a resguardar o princípio constitucional da isonomia, em nome do valor maior do ordenamento jurídico representado pela justiça.

É preciso, pois, que se considere o caráter não absoluto do valor segurança nas relações jurídicas, e, consequentemente, da garantia da coisa julgada, em face do princípio da justiça das decisões judiciárias, constitucionalmente prometido mediante a garantia do acesso á justiça. "Não é legítimo eternizar injustiças a pretexto de evitar a eternização de incertezas". 41


6. Natureza jurídica da coisa julgada contrária à Constituição

Postas essas premissas, cumpre indagar da natureza jurídica das decisões judiciais desconformes com a Constituição, de modo a se verificar a possibilidade de controle da constitucionalidade das mesmas, uma vez transitadas em julgado as decisões.

A Constituição contém as normas que instituem os órgãos do Estado, estabelecem as regras básicas que devem regê-lo e reconhecem os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

Deste modo, é o mandamento constitucional que atribui ao administrador poderes para administrar, ao legislador poderes para legislar e ao julgador poderes para julgar. Por esta razão, a atividade dos órgãos do Estado precisa estar em conformidade com os ditames constitucionais, ou, do contrário, estar-se-á violando o próprio poder instituidor.

Pois bem, é certo que o julgador, em sua atividade de aplicação da lei aos casos concretos, deveria conformar toda a sua atividade aos ditames da legalidade. Contudo, o fato é que a falibilidade humana pode levar o julgador a proferir decisões em desacordo com a lei, tenha esta caráter ordinário ou mesmo constitucional.

O ordenamento jurídico, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, e admitindo a possibilidade de erro ou falha do julgador, criou o instituto da coisa julgada, através do qual está limitada a possibilidade de se discutir a matéria em juízo uma vez transitada em julgado a sentença.

Assim, esgotados os prazos para recurso, a decisão ganha o qualificativo de coisa julgada, adquirindo estabilidade dentro do sistema. A sentença transitada em julgado, já se explicou, adquire status de imutabilidade, sendo certo que só poderá ser rediscutida a matéria por via de ação rescisória, nas matérias expressamente previstas em lei.

A sentença transitada em julgado, prevê o artigo 468 do Código de Processo Civil, faz lei entre as partes, o que significa que, uma vez esgotado o prazo para recurso, a disposição que ela contém é a que regerá a relação jurídica decidida, mesmo que, ocasionalmente, esta decisão seja contrária ao que disponha a lei que regulamenta a matéria.

Contudo, e este é o ponto essencial na presente discussão, a violação de um dispositivo presente em legislação infraconstitucional não pode ser equiparada a uma violação ao próprio texto constitucional, de forma que possuem naturezas distintas a coisa julgada ilegal e a coisa julgada inconstitucional.

Paulo Otero 42 manifesta-se sobre esta distinção, explicando que a problemática das decisões judiciais inconstitucionais é substancialmente diferente da que se encontra subjacente ao problema da sentença contrária ao direito ordinário.

Perante decisões judiciais violadoras da legalidade infraconstituciional, esclarece, compreende-se que a sentença ilegal se possa consolidar na ordem jurídica, ou que seja dotada de eficácia, uma vez que o poder judicial tem uma legitimidade jurídico-constitucional idêntica ao poder legislativo, sendo ainda, afinal, a própria Constituição que serve de fundamento último à força de coisa julgada de tais decisões ilegais.

Por sua vez, a sentença violadora da vontade constituinte não se mostra passível de encontrar um mero fundamento constitucional indireto para daí tirar a sua validade ou, pelo menos, a sua eficácia na ordem jurídica como coisa julgada. Na ausência de expressa habilitação constitucional, a segurança e a certeza jurídicas inerentes ao Estado de Direito são insuficientes para fundamentar a validade da coisa julgada inconstitucional.

Em outras palavras, a certeza e a segurança são valores constitucionais passíveis de fundamentar a validade de efeitos de certas soluções antijurídicas, desde que conformes com a Constituição. Todavia, tais valores carecem de força positiva autônoma para conferir validade a atos jurídicos inconstitucionais, a menos que a Constituição expressamente o admita.

Desta forma, explica Paulo Otero 43, o princípio da constitucionalidade determina que a validade de quaisquer atos do poder público dependa sempre da sua conformidade com a Constituição. Por isso, as decisões judiciais desconformes com a Constituição são inválidas. A coisa julgada daí resultante é, também ela, inválida, encontrando-se ferida de inconstitucionalidade.

Pois bem, admitindo-se que a coisa julgada inconstitucional padece do vício da invalidade, cumpre delinear a feição jurídica desta invalidade, uma vez que as nulidades não têm um tratamento uniforme dentro do sistema.

Regina Maria Macedo Nery Ferrari 44, em seu estudo sobre os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, afirma que as nulidades de direito público, como é o caso da nulidade das decisões judiciais, não têm a mesma disciplina jurídica das nulidades de direito privado.

Justificando a sua afirmação, a autora cita Aragão Castro Nunes, que afirma que

"(...) a sanção de nulidade tem no direito privado finalidade distinta, já que neste campo visa apenas a restaurar o equilíbrio individual. Já no ramo não privado, a finalidade é a proteção do interesse público, o que nos leva a considerar o tema com maior ou menor flexibilidade, conforme o exija o interesse a proteger." 45

Pois bem, admitindo-se que uma sentença transitada em julgado contrária à Constituição padeça do vício da invalidade, o mesmo acontecendo com a respectiva coisa julgada, se há de reconhecer, todavia, que esta invalidade deve ter contornos próprios, que levem em consideração determinados fatos, tais como a presunção de constitucionalidade ínsita a todos os atos públicos, a produção de efeitos práticos de uma decisão eivada de inconstitucionalidade, e a insegurança jurídica que poderia advir se a desconstituição de todos os efeitos de um ato contrário à Constituição pudesse se processar a qualquer tempo.

Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro Faria 46, em artigo dedicado ao estudo da coisa julgada inconstitucional, opinaram pela absoluta nulidade do instituto, de forma que a desconstituição do julgado inconstitucional poderia se dar a qualquer tempo e em toda e qualquer circunstância.

Conforme afirmam os autores,

"Em se tratando de sentença nula de pleno direito, o reconhecimento do vício de inconstitucionalidade pode se dar a qualquer tempo e em qualquer procedimento, por ser insanável. O vício torna, assim, o título inexigível, nos exatos termos do parágrafo único do art. 741. do CPC, introduzido pela Medida Provisória n.º 2.180-35/2001." 47

No entanto, o autor salienta a necessidade de se contornar o inconveniente da dispensa dos prazos prescricionais e decadenciais, em prejuízo do princípio da segurança nas relações jurídicas. Para solucionar o problema, propõe a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade a cada vez que o Tribunal viesse a decidir sobre a inconstitucionalidade dos atos judiciais, possibilitando-se a declaração com efeitos apenas ex nunc.

É certo que a adoção incondicional da natureza de nulidade absoluta das coisas julgadas inconstitucionais poderiam levar a prejuízos absurdos, ou, até mesmo, à completa insegurança das relações jurídicas.

Levados em consideração os três princípios básicos envolvidos na questão, quais sejam, a supremacia da Constituição, a isonomia e a segurança jurídica, é certo que nenhum deles basta, por si só, para resolver o problema. Afinal, conforme explica Eduardo Talamini 48, não se pode, para combater decisões inconstitucionais, em nome da supremacia da constituição, simplesmente ignorar a segurança jurídica consubstanciada pela coisa julgada, uma vez que esta é também um princípio constitucional. Por outro lado, não se pode sustentar que a coisa julgada deva prevalecer a qualquer custo, resultando em uma segurança jurídica na inconstitucionalidade. Por fim, também a isonomia não é suficiente, por si só, para resolver a questão.

É certo, portanto, que desconstituição das sentenças contrárias à constituição deve fulcrar-se em certos parâmetros prefixados para que, em respeito à segurança jurídica, seja assegurada a ordem jurídica e a estabilidade das relações.

6.2. Meios processuais de impugnação da coisa julgada inconstitucional.

Como alerta Cândido Rangel Dinamarco 49, ante a inexistência de disposição processual a respeito, os Tribunais não têm sido exigentes no que se refere ao meio processual adequado para a impugnação da coisa julgada nos em que se verifica a existência da coisa julgada inconstitucional.

Desta forma, o judiciário vem admitindo o ajuizamento de nova ação idêntica, em detrimento do instituto da coisa julgada, assim como a desconstituição por via de a ação rescisória, embargos à execução e até de uma ação declaratória de nulidade insanável.

Cabe, porém analisar qual seria o instrumento processual mais adequado a esta impugnação, missão a que se propõe o presente tópico.

a) Ação Rescisória

Alguns autores, dentre os quais Teori Albino Zavascki 50, entendem ser cabível a desconstituição da coisa julgada inconstitucional por meio da utilização da ação rescisória.

Esta ação é prevista no ordenamento jurídico com a finalidade de desconstituir sentenças que transitaram em julgado, mas que padecem de vícios reputados graves pelo legislador. Deste modo, uma vez verificada uma das hipóteses previstas no artigo 485 do Código de Processo Civil 51, é cabível o ajuizamento de ação rescisória, por um período de dois anos após o trânsito em julgado da decisão.

Zavascki 52 considera ser cabível a ação rescisória contra a coisa julgada que violar a Constituição com base no inciso V do artigo 485 do PC, que prevê a hipótese de rescisão de sentença que violar literal dispositivo de lei.

Importa ressaltar que o vocábulo lei a que se refere o dispositivo, conforme entende a maioria da doutrina, não alude apenas à lei em sentido estrito,mas todas as espécies de normas jurídicas existentes no ordenamento. No caso em questão, a norma violada é justamente a norma constitucional.

No que se refere à literalidade da violação, cumpre esclarecer que, conforme entende o supracitado autor, há violação literal da lei não apenas quando se lhe contraria suas disposições explícitas, mas também quando ocorre desobediência ao sentido inequívoco emergente do comando. Assim, não deveria prevalecer a idéia, que obsta o conhecimento de grande parte das ações rescisórias ajuizadas com base no inciso V do art. 485, de que a rescisória é apenas cabível quando há uma violação gritante da lei. Poderia haver rescisória "ainda quando a infração do direito concerne àquelas regras sujeitas à interpretação, ou quando se trata de costume ou direito extravagante ou singular, ainda que não notório". 53

Com base na supremacia da Constituição na ordem jurídica, o autor entende que, enquanto a aplicação das normas jurídicas exige uma interpretação razoável, para a norma constitucional não basta a interpretação razoável. É preciso que se aplique a melhor interpretação, sob pena da possibilidade de ser a sentença desconstituída através da ação rescisória.

Quanto à melhor interpretação, opina o doutrinador que é justamente aquela que decorre de pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, em sua atribuição de guardião da Constituição, seja em sede de controle concentrado ou de controle difuso. Em outras palavras, há violação a Constituição na sentença que contrariar o entendimento do STF, tanto em controle concentrado quanto em controle difuso, uma vez que o que importa é que houve um pronunciamento sobre a constitucionalidade da norma advindo do tribunal guardião da Constituição. Tal posicionamento, esclarece Zavascki, implica inclusive em dar atendimento ao princípio da isonomia, um dos princípios maiores do nosso ordenamento jurídico.

Outros doutrinadores mais comedidos entendem que somente se deveria admitir a ação rescisória em questão em havendo pronunciamento do Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado, tendo em vista a eficácia erga omnes da decisão assim emanada.

A primeira tese é defensável, na medida que qualquer pronunciamento do Supremo sobre matéria constitucional representa o seu posicionamento sobre a questão, consubstanciando a interpretação prevalecente no ordenamento em matéria de constitucionalidade.

Por outro lado, é certo que em se adotando a segunda tese, estar-se-ia tacitamente adotando a súmula vinculante em nosso ordenamento, o que não seria aceito sem fortes protestos em nome da liberdade dos juízes de todos os graus de jurisdição.

Em verdade, ambas as decisões, tanto aquela proferida em sede de controle concentrado quando a emanada de processo em que o Supremo produziu controle difuso de constitucionalidade, refletem o entendimento do guardião da Constitucionalidade sobre a matéria, o que, em nome da supremacia da Constituição, deverá prevalecer.

Desta forma, segundo a corrente ora exposta, em havendo sentença que contrarie a Constituição, e atendidos os demais pressupostos da ação rescisória, é possível desconstituí-la com a utilização desta ação, baseando-se em violação literal de dispositivo de lei.

Neste sentido manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão relatado pelo Ministro José Delgado, que teve a seguinte ementa:

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. RESCISÓRIA. AUSÊNCIA NOS AUTOS DE ACÓRDÃO QUE APRECIOU CONSTITUCIONALIDADE DE LEI. INDEFERIMENTO DA INICIAL. IMPROCEDÊNCIA. SÚMULA 343-STF. INAPLICABILIDADE.INEXISTÊNCIA DE OFENSA À COISA JULGADA.

[1] - A juntada do acórdão que proclamou, incidenter tantum, inconstitucionalidade de lei só é necessária para possibilitar julgamento do extraordinário, não constituindo solenidade essencial ao ajuizamento da ação rescisória.

[2] - A ação rescisória (art. 485, V, CPC) é via adequada para desconstituir decisão trânsita em julgado que, em desacordo com pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, deixa de aplicar uma lei por considerá-la inconstitucional ou a aplica por tê-la como de acordo com a Carta Magna.

[3] - A coisa julgada em matéria tributária não produz efeitos além dos princípios pétreos postos na Carta Magna, a destacar o da isonomia.

[4] - O controle da constitucionalidade das leis, de forma cogente e imperativa, em nosso ordenamento jurídico, é feito, de modo absoluto, pelo Colendo Supremo Tribunal.

[5] - Agravo regimental improvido. 54 (sem grifo no original).

É bastante razoável se admitir a desconstituição da coisa julgada inconstitucional através da ação rescisória, com base em violação literal a dispositivo de lei. 55 Contudo, ante a necessidade de garantir-se a prevalência de determinados princípios fundamentais previstos na Constituição, cabe a ressalva de que a ação rescisória tem um prazo preclusivo de dois anos, o que poderia ocasionar a perpetuação de uma injustiça flagrante em virtude do decurso do tempo.

Além disso, a despeito do posicionamento adotado por este trabalho no que se refere ao sentido da violação "literal" de dispositivo constitucional, Francisco Barros Dias 56 adverte para o fato de que a jurisprudência é pacífica em não reconhecer a possibilidade de rescisória quando a sentença, mesmo eivada de vício patente, tenha adotado tese razoável, quando o assunto é controvertido, e quando houve, à época de sua prolação, vacilo jurisprudencial, mesmo quando depois se tenha pacificado a tese oposta à do julgado.

Deste modo, deve-se atentar para o fato de que, quando se revelar a supremacia de um princípio constitucional sobre o princípio da segurança jurídica, deve-se admitir a possibilidade de se ministrarem outros meios para desconstituir a coisa julgada inconstitucional.

b) Ação Declaratória de inexistência

Tereza Arruda Alvim Wambier 57 propõe uma classificação diversa para a coisa julgada inconstitucional. Segundo a autora, as sentenças que aplicam leis inconstitucionais ou que recusam a aplicação de leis constitucionais, sob o argumento da inconstitucionalidade seriam sentenças inexistentes, de forma que jamais fariam coisa julgada.

É importante esclarecer que classificação está inserida no contexto de uma proposta de sistematização dos vícios da sentença feita pela indigitada autora. Conforme sugere, os vícios das sentenças podem ser vício de nulidade ou vício de inexistência.

Quanto à anulabilidade, a autora esclarece que não existem sentenças anuláveis, uma vez que qualquer vício desta natureza que poderia surgir no curso do processo seria superado pela própria preclusão.

Deste modo, prossegue a autora, as sentenças estariam eivadas de nulidade nos seguintes casos 58: a) quando apresentassem vícios intrínsecos, quais sejam, o desatendimento ao princípio da congruência (sentenças citra petita, ultra petita ou extra petita), sentenças provenientes de processo onde tenha havido nulidades (vícios extrínsecos), e outros casos, como o do artigo 485, VII do Código de Processo Civil. 59

As sentenças inexistentes, por sua vez, seriam aquelas que padecessem de vícios intrínsecos ou fossem provenientes de processos inexistentes, tais como aqueles em que não tenha sido satisfeita uma das condições da ação.

"Parece-nos, então, que as sentenças proferidas em processos instaurados por meio de ação, sem que tenham sido satisfeitas uma ou mais condições da ação: legitimidade, interesse e possibilidade jurídica do pedido, não podem ser consideradas nulas, mas inexistentes". 60

Nulas, prossegue a autora, seriam todas as sentenças que pudessem ser desconstituídas através de ação rescisória, em um lapso temporal de dois anos, conforme se pode observar do seguinte trecho:

"Em nosso entender, efetivamente as sentenças nulas, uma vez transitadas em julgado, passam a ser (além de nulas) rescindíveis. Inafastável esta conclusão, em face por exemplo do que dispõe o art. 485, II, do CPC, no sentido de que, ausentes dois pressupostos processuais de validade, a sentença é rescindível". 61

As sentenças inexistentes, por sua vez, jamais fariam coisa julgada, e sua inexistência, haja vista nada haver a se desconstituir, poderia ser declarada, a qualquer tempo, por via de ação declaratória de inexistência.

No que se refere ao objeto do presente estudo, ou seja, a coisa julgada inconstitucional, a autora se refere às sentenças que tenham aplicado leis declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, e às sentenças que tenham deixado de aplicar lei constitucional, por reputarem-na inconstitucional.

No primeiro caso, Tereza Wambier fundamenta a inexistência da sentença na ausência de uma das condições da ação, qual seja, a possibilidade jurídica do pedido. Admite também a hipótese de se caracterizar, no caso, a ausência de fundamentação, "já que nos sistemas jurídicos de raiz romano-germânica as decisões devem necessariamente fundamentar-se em lei". 62 Deste modo, uma vez que a lei haveria sido expulsa do sistema em virtude da declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, a sentença ter-se-ia "fundamentado" em lei que não existe, o que equivaleria justamente à ausência de fundamentação.

No que tange às decisões que não tenham aplicado determinada lei por considerá-la inconstitucional, a autora considera ter havido, in casu, verdadeira negativa de vigência à lei federal, o que entende por ser a mais grave forma de se violar a lei.

Neste caso, portanto, entende a autora ser cabível a ação rescisória, com fulcro no artigo 485, V do Código de Processo Civil, que prevê o cabimento de ação rescisória contra sentença que violar literal dispositivo de lei.

A construção teórica da autora conduz a uma reflexão acerca da teoria dos atos inexistentes, teoria esta exposta pela primeira vez por Zachariae, na França, e na área do direito civil, na busca de justificar a ineficácia total de certos atos praticados no âmbito do direito de família que não era explicada pela teoria das nulidades.

A teoria dos atos inexistentes tem sido bastante contestada no âmbito em que foi criada, qual seja, do direito privado, visto que os efeitos decorrentes da inexistência, naquele ramo do Direito, seriam os mesmos dos atos jurídicos nulos, do que decorreria a sua completa inutilidade.

Contudo, na órbita do direito processual a teoria tem sido quase unanimemente acatada, uma vez que os seus efeitos, neste ramo do direito, seriam diversos daqueles decorrentes da nulidade do ato.

Com efeito, enquanto as nulidades processuais somente existem quando pronunciadas, os atos inexistentes prescindem da decretação judicial para que se tornem ineficazes. O ato inexistente, explica Calmon de Passos 63, é um não-ato. Nesta qualidade, jamais pode gerar efeitos, podendo a inexistência ser argüida a qualquer tempo.

Todavia, a opinião predominante na doutrina, no que se refere à natureza jurídica da coisa julgada inconstitucional é entendê-la como um ato nulo, uma vez que ato inexistente, conforme explica Carlos Valder do Nascimento 64, seria aquele ato desprovido dos caracteres mínimos de um ato judicial quais sejam, ser praticado por um juiz no exercício de suas funções, obedecendo aos requisitos formais e processuais mínimos.

Calmon de Passos 65 enumera algumas hipóteses de inexistência dos atos jurisdicionais: sentenças proferidas por um não-juiz, ou não subscritas pelo juiz, sentenças desprovidas de conclusão, sentenças impossíveis, explicadas como aquelas que aplicam direito não contido expressamente, nem implicitamente, no sistema legislativo, sentenças proferidas contra quem não foi parte ou não tinha capacidade de ser parte, sentenças que contenham absoluta ausência de vontade, e atos em geral não previsto pelo ordenamento jurídico processual.

Parece ser este o posicionamento mais acertado. Consubstanciaria um sério risco para a segurança jurídica afirmar que uma sentença proferida e firmada por um juiz, no exercício de sua função jurisdicional, que contivesse os caracteres mínimos para sua configuração como sentença, sendo provida de relatório, fundamentação e conclusão, pudesse ser caracterizada como uma não-sentença, ainda que seu conteúdo violasse a Constituição.

A inconstitucionalidade da sentença pode configurar um defeito de fundamentação ou de disposição, mas não a ausência destes requisitos. Deste modo, melhor classificar a coisa julgada inconstitucional na categoria dos atos nulos.

No que se refere à impugnabilidade, é idéia corrente na doutrina que admite a relativização da coisa julgada a sentença inconstitucional poderia ser impugnada a qualquer tempo. Contudo, esta não parece ser justificativa para, por si só, caracterizá-la como ato inexistente. Melhor admitir, como Carlos Válder do Nascimento 66, a existência no direito processual de nulidades absolutamente insanáveis, como é o caso de sentença proferida em processo em que não houve citação, ou em que houve citação nula.

Deste forma, assim como no caso das sentenças proferidas em processo sem citação, ante a relevância do vício de inconstitucionalidade, a coisa julgada seria absolutamente nula, e a sua argüição não se limitaria ao prazo bienal da ação rescisória, mas seria argüível a qualquer tempo, uma vez que a inconstitucionalidade jamais seria convalidada. Mas isto será objeto de outro tópico, restando, por ora, declarar que não deve prevalecer a concepção de que a sentença contrária à constituição é sentença inexistente, jamais formando coisa julgada.

c) Embargos do devedor

A medida provisória n. 2102-27, de 26/01/2001, incluiu uma nova hipótese de Embargos à Execução, através da inserção do parágrafo único ao artigo 741 do Código de Processo Civil que assim dispõe:

"parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal"

Este dispositivo declara nula a execução fundada em título judicial inconstitucional, em três situações: A) quando houver julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal que tiver reconhecido a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo sobre o qual o título executivo estiver fundado; B) quando o título executivo judicial implique aplicação tida por incompatível com a Constituição e C) quando o título executivo judicial implique interpretação tida por incompatível com a Constituição.

Deste modo, o Código de Processo Civil passou a trazer, de forma expressa, uma alternativa para a desconstituição da coisa julgada contrária à Constituição, por via dos Embargos à Execução, mesmo que o título judicial não possa mais ser objeto da ação rescisória, em razão do prazo decadencial de dois anos.

Esta alternativa revelou-se ponderosamente útil, visto que, embora os tribunais viessem admitindo a desconstituição de coisas julgadas inconstitucionais por via de ação rescisória, ou, por vezes, conforme se verá adiante, até por ações autônomas, na maioria dos casos o restabelecimento do status quo ante não mais se fazia possível, haja vista que a coisa julgada inconstitucional já havia ensejado a formação de um título judicial em vias de execução.

Sob a alegação de ofensa ao princípio da coisa julgada, o Conselho Federal da OAB propôs ação direta de inconstitucionalidade contra este dispositivo (Adin n. 2418-3, Relator Ministro Sydney Sanches), a qual encontra-se à espera de julgamento. Contudo, conforme o entendimento exposto ao longo deste trabalho, não há inconstitucionalidade no dispositivo, ao menos no que tange à questão material, visto que a Constituição admite que a coisa julgada seja delimitada e restringida em seus efeitos através de lei ordinária.

Pois bem, impõe-se, em princípio, analisar se há ou não a necessidade da existência de julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal acerca da constitucionalidade da sentença a ser impugnada por via dos aludidos embargos à execução.

Quanto à primeira das situações previstas pelo novel parágrafo único do artigo 741, ou seja, quando houver julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal que tiver reconhecido a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo sobre o qual o título executivo estiver fundado; não há qualquer dúvida, uma vez que o dispositivo prevê expressamente a necessidade da indigitada declaração.

Resta, portanto, saber se o pronunciamento do Supremo se impõe para a oposição dos embargos fundados no dispositivo em análise quando o título executivo judicial implique aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição.

Entende Gilberto Barroso de Carvalho Júnior 67 que a análise do texto permite inferir que a inexigibilidade da coisa julgada inconstitucional não pressupõe, nestes casos, a existência de julgamento proferido pelo Supremo, sob o argumento de que a diversidade dos casos concretos não se coaduna com este requisito.

Contudo, a melhor solução é aquela apresentada por Eduardo Talamini 68, que entende haver necessidade de manifestação do Supremo para todas as hipóteses previstas no dispositivo.

É que, conforme aludiu-se ao tratar da rescisória em matéria constitucional, a última palavra em matéria de constitucionalidade é aquela proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, explica o autor, não seria o entendimento de qualquer juiz ou tribunal ou o das partes que deveria estar apto a ensejar a oposição dos ditos embargos, mas, tão somente, o entendimento da corte constitucional. Contudo, ao contrário do autor, que entende ser necessário que o pronunciamento do Supremo seja por via de controle abstrato de constitucionalidade ou que, sendo através do controle difuso, impõe-se ter havido a suspensão dos efeitos da norma inconstitucional pelo Senado, parece ser o melhor entendimento aquele que admite que o pronunciamento do tribunal constitucional pode ser tanto por via difusa quanto através de controle concentrado.

Outro aspecto a ser abordado é aquele que resulta da possibilidade, inserida no nosso direito através da lei 9868/99, de o Supremo Tribunal Federal modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 69 A regra geral é que a declaração acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma norma jurídica pelo Supremo tem eficácia ex tunc. Isto decorre da própria natureza deste ato jurídico, uma vez que a incompatibilidade da norma com a Carta Magna não decorre da declaração, mas é apenas reconhecida por ela. Assim, uma vez reconhecida a inconstitucionalidade de uma norma jurídica, todos os atos jurídicos dela decorrentes estão, conseqüentemente, contaminados pela inconstitucionalidade dela originária.

O artigo 27 da Lei 9868/99 surgiu justamente para preservar situações jurídicas que, apesar de geradas sob o manto da norma posteriormente declarada inconstitucional, sendo conseqüentemente nulas, acarretariam dano maior acaso a mencionada inconstitucionalidade implicasse em sua desconstituição.

Pois bem, uma vez exercido este poder atribuído ao Supremo, indaga-se se a decisão formada sob o manto de uma norma cuja inconstitucionalidade tenha sido declarada pelo STF, que, todavia, tenha determinado que todos os efeitos pretéritos fossem mantidos, poderia ser objeto dos Embargos previstos no artigo 741, parágrafo único do Código de Processo Civil. E a resposta não poderia ser mais clara. Uma vez que o entendimento da Corte Suprema é justamente no sentido de se preservarem os efeitos pretéritos da norma declarada inconstitucional, a toda evidência ele estará resguardando a coisa julgada formada sob tais circunstâncias, a qual, conseqüentemente, não poderá ser objeto dos aludidos embargos.

Questão interessante, mencionada por Eduardo Talamini 70, é que as decisões obstadas por via de embargos à execução são, justamente, as decisões com conteúdo condenatório. Este fato é relevante na medida que observamos que as sentenças condenatórias, para que promovam uma modificação efetiva no mundo fático, precisam do processo executivo. Deste modo, ao se possibilitar a desconstituição da coisa julgada inconstitucional em ação condenatória, estar-se-á efetuando uma ingerência na segurança jurídica menos grave do que se estaria ao se desconstituir sentença declaratória ou constitutiva, as quais, por si sós, já efetivam transformação substancial no mundo dos fatos.

Cabe também analisar se é possível alegar a inexigibilidade do título judicial inconstitucional através de Exceção de pré-executividade.

Posicionamento bastante liberal é aquele trazida por Gilberto Barroso de Carvalho Júnior 71, que entende ser possível a desconstituição do título até mesmo por exceção de pré-executividade, uma vez que, sendo nula a coisa julgada, ela não poderia ser tida como um título exigível. Deste modo, uma vez que a exigibilidade é um pressuposto de existência da execução, a inexigibilidade também poderia ser conhecida de ofício, o que possibilitaria o ajuizamento da exceção, mesmo se já transcorrido o prazo para embargos.

Eduardo Talamini, por sua vez, entende que não é cabível o meio em questão. O autor defende que a sentença que veicula uma solução inconstitucional não seria, intrinsecamente, nem nula nem ineficaz, mas apenas injusta, uma vez que a coisa julgada serviria como uma sanatória geral. Assim, a inexigibilidade criada pelo parágrafo único do artigo 741 serviria apenas para os fins do disposto no inciso II do artigo, ou seja, para fins de Embargos à Execução. O caso não trataria, propriamente, de uma inexigibilidade, sendo que a alusão a esse termo seria "uma tentativa (inútil e atécnica) do legislador de enquadrar a nova hipótese de embargos em alguma das categorias já existentes, para assim diminuir as censuras e a resistência à inovação". 72

Embora os argumentos de Talamine sejam bastante ponderáveis, verifica-se que, em verdade, o novo dispositivo não criou uma hipótese de inexigibilidade, mas reconheceu a nulidade do título executivo inconstitucional. Assim, esta nulidade poderia ser reconhecida inclusive através da exceção de pré-executividade, acaso se verificassem os demais requisitos autorizadores deste instrumento. Ademais, o que importa para o cabimento da exceção de pré-executividade é que haja um constrangimento ilegal do patrimônio do executado, sendo que esta ilegalidade seja patente e possa ser demonstrada de plano no curso mesmo da execução. Assim, em se adotando a tese em abstrato de inconstitucionalidade do título judicial exeqüendo, pouca diferença faz ser ele impugnado por meio de embargos ou de exceção de pré-executividade.

Por fim, é necessário salientar que, como todo e qualquer instituto jurídico, os embargos à execução pelo parágrafo único do artigo 741 não podem ser opostos contra decisões transitadas em julgado antes da vigência da medida provisória que o instituiu. Isto se justifica porque, na qualidade de norma processual, o preceito tem aplicabilidade imediata, podendo ser aplicado desde o momento que passou a viger. Contudo, como é do próprio caráter das normas jurídicas, esta não pode ser aplicada a situações pretéritas. Assim, uma vez que a sentença tenha transitado em julgado antes da vigência da Medida Provisória n. 2102-27, de 26/01/2001, sobre ela não pode incidir a inexigibilidade prevista por esta norma.

d) Uma ação independente

Conforme visto até o momento, a coisa julgada inconstitucional é passível de desconstituição através de ação rescisória, bem como pode ter a execução nela fundada obstada por meio de embargos à execução, com fulcro no artigo 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil, sendo que alguns autores admitem, inclusive, a extinção da execução por via de exceção de pré-executividade.

Contudo, é certo que os dois principais meios de impugnação estão sujeitos aos prazos decadenciais previstos em lei: de dois anos contados do trânsito em julgado para a ação rescisória e de dez dias contados da intimação da penhora para os embargos à execução. Cumpre, portanto, indagar se, ante a supremacia da Constituição e o princípio da isonomia, existe algum meio para desconstituir a coisa julgada inconstitucional que tivesse superado o prazo para a ação rescisória – a coisa soberanamente julgada – e/ou tivesse esgotado também o prazo para o ajuizamento de embargos à execução.

Eduardo Talamine 73, a despeito de defender uma solução fartamente amparada na lei - a oposição dos embargos ex vi do artigo 741 do Código de Processo Civil - admite que, em determinados "casos-limite", não se pode descartar a possibilidade de descontituição da coisa julgada, mesmo nas ações com conteúdo declaratório ou constitutivo, em que incabíveis os indigitados embargos. Tratam-se de situações, explica o autor, em que a ofensa à Constituição seja de tal monta que justifique o seu desfazimento até mesmo após transcorrido o prazo para ação rescisória. Nestes casos, isto ocorre pela própria incidência dos valores constitucionais, resultante de uma ponderação que se deve fulcrar nos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Neste diapasão, alguns doutrinadores, como Carlos Valder do Nascimento 74, Cândido Rangel Dinamarco 75 e Humberto Teodoro Júnior 76, vêm apontando a possibilidade de, com a finalidade de desconstituir a coisa julgada inconstitucional, se admitir o ajuizamento de uma ação autônoma, a qualquer tempo, como se pode verificar do trecho seguinte, de Carlos Valder:

"Não há como, pelo que se infere do exposto, convalidar sentença nula, notadamente contaminada pelo vício da inconstitucionalidade que não subordina sua desconstituição ao manejo da rescisória. De fato, essa é a regra que prevalece no direito brasileiro, o que possibilita a recorrer-se a ação de impugnação autônoma, tanto quanto a de incidentes de embargos à execução." 77

A despeito da opinião corrente de que a ação declaratória de nulidade insanável, ou querella nullitatis insanabilis, não mais existe no direito moderno, importantes juristas vêm declarando a sua sobrevivência, dentre os quais destaca-se o nome de Piero Calamandrei. 78. Em se verificando a coisa julgada inconstitucional, esta ação teria o condão de declarar a nulidade do julgado, nos moldes da ação declaratória de nulidade por inexistência ou nulidade da citação seguida de revelia, podendo ser proposta a qualquer tempo, uma vez que, segundo os partidários dessa tese, o vício de inconstitucionalidade jamais se convalidaria. 79

Na verdade, como enfaticamente exposto neste trabalho, a coisa julgada inconstitucional representa um conflito entre os princípios da segurança jurídica e a supremacia da Constituição sobre todos os atos jurídicos. Deste modo, sempre que observada a inconstitucionalidade de uma decisão judicial transitada em julgado, deve-se estabelecer um confronto entre os valores envolvidos, para que se decida entre a preservação da coisa julgada ou a supremacia do valor constitucional violado. Em se verificando uma grave violação a princípio constitucional, violação esta que, no caso concreto, represente maior ofensa ao sistema do que a ofensa à segurança jurídica, deve proceder a ação declaratória de nulidade insanável para desconstituir o julgado.

Para que os padrões de análise comparativa não sejam deixados ao absoluto arbítrio do julgador, impende sejam traçadas algumas diretrizes para norteá-lo neste mister, buscando-se a restauração da harmonia do ordenamento jurídico.

José Augusto Delgado, afirmando que "deve sempre o intérprete ao se deparar com conflito entre os princípios da coisa julgada e outros postos na constituição, averiguar se a solução pela aplicação do superprincípio da proporcionalidade e da razoabilidade, fazendo prevalece-los no caso concreto, conduz a uma solução justa e ética e nunca aquela que acabaria por consagrar uma iniqüidade, uma imoralidade", 80 aponta algumas hipóteses em que se deve optar pela desconstituição da coisa julgada inconstitucional.

Em uma apertada síntese, o autor entende que não deve prevalecer a coisa julgada inconstitucional nas situações em que a coisa julgada ultrapassar os princípios da moralidade e da legalidade, transformar fatos não verdadeiros em reais, estipular obrigações para o Estado ou para o cidadão ou para pessoas jurídicas que não sejam amparadas pelo direito, violar princípios constitucionais que dignifiquem a cidadania e o Estado Democrático, for via para o cometimento de injustiças, de apropriações indébitas de valores contra o particular ou contra o Estado, provocar desigualdades nas relações do contribuinte para com o fisco, e nas dos servidores com o órgão que os acolhe, e quando violado o princípio da justa indenização nas desapropriações. 81

Deste modo, uma vez verificada pelo julgador uma das violações acima descritas, a caracterizar grave ofensa aos ditames da carta magna, deve dar provimento à ação declaratória de nulidade insanável, em nome da primazia da Constituição sobre o ordenamento jurídico.

É necessário alertar para o risco de se possibilitar a argüição a qualquer tempo, e sob qualquer circunstância, da inconstitucionalidade do julgado. No intuito de evitar a eterna possibilidade desta argüição, Paulo Roberto de Oliveira Lima. propõe que se crie uma ação específica com a finalidade de desconstituir a coisa julgada inconstitucional, adotando-se como prazo final aquele relativo à prescrição para o exercício do direito subjetivo, cuja alegação ensejou a procura do judiciário.

Esta seria, efetivamente, a melhor forma de se solucionar o problema proposto, uma vez que a criação deste instrumento processual atenderia aos princípios magnos da Constituição sem que, para isso, viesse a possibilitar a possibilidade eterna de desconstituição dos julgados. É certo, porém, que enquanto esta ferramenta não é criada, o julgador, em nome do equilíbrio das relações jurídicas, deve admitir, em caso de violações muito graves à Constituição, o ajuizamento de uma ação declaratória de nulidade da sentença, nulidade esta que, decorrendo da violação de princípios basilares do ordenamento jurídico previstos constitucionalmente, pode ser admitida como insanável.


Conclusões

1. Analisando-se as observações feitas ao longo do presente trabalho, verifica-se que o instituto da coisa julgada, entendida como a mais absoluta imutabilidade da decisão judicial de que não mais caiba recurso, não mais atende aos anseios do ordenamento jurídico em busca da primazia da justiça, razão pela qual renomados juristas vêm defendendo uma nova disciplina no tratamento da coisa julgada, no sentido de propor limites à imutabilidade dos efeitos do julgado.

2. O tratamento constitucional dispensado à coisa julgada, a despeito dos posicionamentos tradicionais, refere-se apenas à impossibilidade de lei posterior interferir no comando trazido por sentenças transitadas em julgado antes de sua vigência. Desta forma, é perfeitamente possível a criação de limitações ou modificações no instituto da coisa julgada, a exemplo da ação rescisória e da revisão criminal.

3. Uma das mais importantes questões levantadas pelos partidários da relativização da coisa julgada diz respeito à coisa julgada inconstitucional, visto que, conforme o princípio da constitucionalidade, a observância da Constituição é pressuposto de validade de todo e qualquer ato jurídico, sendo certo que a coisa julgada, por outro lado, atende aos imperativos de segurança e efetividade do provimento jurisdicional, que também constituem princípio Constitucional.

4. Impõe-se, em princípio, reconhecer que a sentença violadora da Constituição é eivada de vício mais grave do que a sentença meramente ilegal, visto que a Carta Magna contém os valores fundamentais do ordenamento jurídico. Além disso, o poder judiciário, assim como o legislativo e o executivo, extrai sua competência do disposto no texto constitucional, de forma que ele não pode ir de encontro às disposições nela contidas.

5. A solução para o conflito entre os princípio da primazia da Constituição e isonomia e o da segurança jurídica consubstanciada pela coisa julgada, deve ser dada através da ponderação, em cada caso concreto, entre os princípios envolvidos, sempre se levando em consideração que a coisa julgada não deve ser tomada como um valor superior e absoluto.

6. Verificada a ocorrência de coisa julgada inconstitucional, o ordenamento jurídico dispõe, para combatê-la, dos instrumentos da ação rescisória e dos embargos à execução fundados no artigo 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

7. Contudo, ante a existência dos prazos preclusivos para estes remédios jurídicos, deve-se admitir, em caso de graves violações aos princípios constitucionais, a utilização de ação autônoma para combater a coisa julgada inconstitucional, nos moldes da ação declaratória de nulidade insanável.

8. A admissão de uma ação autônoma deve ocorrer, apenas, em hipóteses excepcionais, quando, sopesados os princípios aparentemente conflitantes, se verificar a efetiva necessidade de se desconstituir o julgado, ante o imperativo maior de proteção à Constituição.

9. Ante o evidente risco de se admitir a desconstituição de julgados as qualquer tempo, impõe-se a criação de uma ação específica, que venha a prever um prazo decadencial razoável, com o fito de atacar a coisa julgada inconstitucional.


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NOTAS

01 OTERO, Paulo. Ensaio Sobre o Caso Julgado Inconstitucional, Lisboa: Lex, 1993.

02 DELGADO, José Augusto. "Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais". in:NASCIMENTO, Carlos Valder. (coordenaodor), Coisa Julgada Inconstitucional,Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002.

03 LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Contribuição à Teoria da Coisa Julgada, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.

04 Idem. Ibidem.

05 Estas três situações foram apontadas por Paulo Otero, ob.cit., pág. 65.

06 NERY JÚNIOR, Nelson. e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação processual extravagante em vigor: atualizado até 15.03.02, 6. ed. rev., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, pág. 743.

07 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Sentença e Coisa Julgada, 2. ed., Porto Alegre: Fabris, 1998, págs. 483. e ss.

08 OTERO, Paulo. Ensaio sobre o Caso Julgado Inconstitucional, cit., págs. 56. a 62.

09 LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Contribuição à Teoria da Coisa Julgada, cit., pág. 83.

10 DINAMARCO, Cândido Rangel. "Relativizar a Coisa Julgada Material", in.: NASCIMENTO, Carlos Valder do. (coordenador)Coisa Julgada Inconstitucional , Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002, págs. 54. e 55.

11 LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Contribuição à Teoria da Coisa Julgada, cit., pág. 83

12 Neste sentido, manifestou-se Cândido Rangel Dinamarco no artigo "Relativizar a Coisa Julgada Material", cit., pág. 54. e 55, afirmando que "Por força da coisa julgada, não só o legislador carece de poderes para dar nova disciplina a uma situação concreta já definitivamente regrada em sentença irrecorrível, como também os juízes são proibidos de exercer a jurisdição outra vez sobre o caso e as partes já não dispõem do direito de ação ou de defesa como meios de voltar a veicular em juízo a matéria já decidida".

13 TALAMINI, Eduardo. "Embargos à Execução de Título Judicial Eivado de Inconstitucionalidade." in: Revista de Processo, ano 27, n.º 106 - abril/maio/junho. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, pág. 65.

14 A revisão criminal é assim tratada pelo Código de Processo Penal:

Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:

I – quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;

II – quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

Art. 622. A revisão poderá ser requerida em qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após.

15 LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Contribuição à Teoria da Coisa Julgada . cit., págs. 83. e ss.

16 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 10ª ed. Malheiros, 1998, págs. 583. e 584.

17 Cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2. ed., revista e aumentada. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, [s.d.], pág. 1594.

18 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, págs. 150. e ss.

19 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, cit., págs.147 e ss.

20 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional, Coimbra: Almedina, 1993, pág. 167.

21 MACHADO NETO, Antônio Luís. Sociologia Jurídica, 6.ed. São Paulo: Saraiva, 1987, pág. 154. e ss.

22 Idem. Ibidem, pág. 158.

23 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, págs. 23. e ss.

24 Idem. Ibidem, pág. 65.

25 NETO, A. L. Machado. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, São Paulo: Saraiva, 1969, pág. 75.

26 DINAMARCO, Cândido Rangel. "Relativizar a Coisa Julgada Material", cit.., pág. 35.

27 MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional, 6. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

28 Alexandre de Morais explica que, neste histórico julgamento, "o Juiz Marshal da Suprema Corte Americana afirmou que é próprio da atividade jurisdicional interpretar e aplicar a lei. E, ao faze-lo, em caso de contradição entre a legislação e a Constituição, o tribunal deve aplicar esta última, por ser superior a qualquer lei ordinária do Poder Legislativo (ob. cit., pág. 541)."

29 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, cit., pág. 156.

30 OTERO, Paulo. Ensaio sobre o Caso Julgado Inconstitucional, cit., pág. 20.

31 ZAVASCKI, Teori Albino. "Ação Rescisória em Matéria Constitucional". in: JUNIOR, Nelson Nery e WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (coordenadores). Aspectos Polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, pág. 1041.

32 COSTA NEVES, Murilo Sechieri. "Relativização da Coisa Julgada", São Paulo: Complexo Damásio de Jesus, ago. 2002, endereço eletrônico: https://www.damasio.com.br/novo/html/frame_artigos.htm, consultado em 03 de janeiro de 2003.

33 SILVA JR, Walter Nunes da. "Coisa Julgada – Direito Imperativo ou Facultativo", in.: Justiça Federal do Rio Grande do Norte – Doutrina, endereço eletrônico: https://www.jfrn.gov.br/doutrin1.htm,consultado em 01 de setembro de 2001.

34 DINAMARCO, Cândido. "Relativizar a coisa julgada material", cit., pág. 34. e ss.

35 STJ, 1ª T., REsp. n.º 240.712/SP, j. 15.2.2000, Rel. José Delgado

36 ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na Jurisdição Constitucional,São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, pág. 122.

37 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, São Paulo: Ed. Martin Claret, 2002, págs. 103. e ss.

38 Idem. ibidem, pág. 109.

39 DINAMARCO, Cândido. "Relativizar a coisa julgada material", cit., pág. 34. e ss.

40 DIAS, Francisco Barros. "Breve Análise Sobre a Coisa Julgada Inconstitucional", in.: Justiça Federal do Rio Grande do Norte – Doutrina, endereço eletrônico: www.jfrn.gov.br/doutrin1.htm,consultado em 01 de setembro de 2001, pág.. 1.

41 DINAMARCO, Cândido Rangel. "Relativizar a Coisa Julgada Material", cit. pág. 39.

42 OTERO, Paulo. Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional, cit., págs. 56. a 62.

43 Idem. Ibidem.

44 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade, 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, págs. 112. a 126.

45 Castro Nunes, Aragão. Poder de iniciativa e inconstitucionalidade da lei, RDA 64/361, apud FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade, cit., pág. 118.

46 THEDORO JÚNIOR, Humberto, e FARIA, Juliana Cordeiro. "A coisa Julgada Inconstitucional e os Instrumentos Processuais para seu Controle." in.: NASCIMENTO, Carlos Valder. (coordenador) Coisa Julgada Inconstitucional, Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002.

47 Idem. Ibidem, pág. 160.

48 TALAMINI, Eduardo.Embargos à Execução de Título Judicial Eivado de Inconstitucionalidade, cit., pág. 78.

49 DINAMARCO, Cândido Rangel. "Relativizar a Coisa Julgada Material", cit., pág. 70.

50 ZAVASCKI, Teori Albino. Ação Rescisória em Matéria Constitucional, cit., pág. 1041. e ss.

51 São as seguintes as situações que autorizam o ajuizamento da indigitada ação: I - sentenças proferidas pelo juiz por prevaricação, concussão ou corrupção; II – sentenças proferidas por juiz impedido ou absolutamente incompetente; III – sentença que resultar de dolo da parte vencedora ou de colusão em fraude a lei; IV – sentença que ofender a coisa julgada; V – sentença que violar literal disposição de lei; VI – sentença que se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou tenha sido provada na própria ação rescisória; VII – quando, depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; VIII – quando houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se basear a sentença; IX – sentença fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa; X – quando for fixada indenização em ação de desapropriação direta ou indireta em valor flagrantemente superior ou manifestamente inferior ao preço de mercado objeto da ação judicial.

52 ZAVASCKI, Teori Albino. Ação Rescisória em Matéria Constitucional, cit., pág. 1041. e ss.

53 ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional, cit., pág. 127.

54 STJ, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.º 202290, Processo: 199800645586 – MG, órgão julgador: 1ª Turma, data da decisão: 18/02/1999, fonte DJ, data:26/04/1999, pág. 67, Relator José Delgado.

55 Cabe colocar, aqui, a questão da aplicabilidade da Súmula 343 do STF à ação rescisória em matéria constitucional. Esta súmula dispõe que "não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto de interpretação controvertida nos tribunais". O sentido da súmula é impedir o cabimento de ação rescisória quando houver aplicação razoável do dispositivo legal, uma vez que a existência de divergência nos tribunais quando à interpretação de determinada disposição implica na existência de mais de uma interpretação razoável. Contudo, o entendimento predominante nos tribunais tem sido o da não observância desta súmula quando a rescisória estiver fundada em violação literal a dispositivo constitucional. É que, dada a supremacia da Constituição, sua aplicação não pode ficar sujeita a dúvidas ou perplexidade. Neste sentido, manifestou-se o TRF 5ª Região: (Ação Rescisória N. 000228/PE, Relator : JUIZ JOSE DELGADO, Turma: PL, Julgamento: 22/06/1994 Publicação: 12/08/1994 Fonte: DJ Pag:043447 ), cuja ementa teve o seguinte teor:

CONSTITUCIONAL E TRIBUTARIO. AÇÃO RESCISORIA. LEI 7689/88. CONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. PRIMEIRO A SETIMO DECLARADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE, TÃO-SO, DO ART. OITAVO. INAPLICABILIDADE DA SUMULA 343-STF. DESCONSTITUIÇÃO DO ACORDÃO ARESTADO. RESCISORIA PROVIDA.

1 – O Colendo Supremo Tribunal Federal, em várias decisões, tem se pronunciado pela constitucionalidade dos art. primeiro a sétimo, da lei 7689, de 15/11/88. A respeito, aponta, apenas, como inconstitucional, o art. oitavo, da mesma lei.

2 – Sendo da competência do Colendo Supremo Tribunal Federal julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, ocorre literal violação a dispositivo legal quando órgão judiciário inferior prover pedido de parte interessada, sob o fundamento de ser inconstitucional lei que o tribunal maior, mesmo em decisão posterior, entende diferentemente. Cabendo à excelsa Corte Suprema guardar a atuação do ordenamento jurídico de acordo com a Constituição, somente e ele é que cabe, dizer com força de imperatividade, se a lei é inconstitucional ou não.

3 – A Súmula 343-STF, há de ser entendida com a mensagem que ela própria contém. Ela se destina a prestigiar a interpretação controvertida de texto legal pelos tribunais. Não se expande, consequentemente, a prestigiar divergência sobre inconstitucionalidade de lei entre tribunais inferiores e o Colendo Supremo Tribunal Federal.

4 – A função do Direito é ordenar. Atuar de modo sistemático e obedecendo a uma hierarquia de valores que se expressam, também, no campo das competências. A unidade de sua força se encontra na horizontalidade de suas decisões e no estado harmônico como se apresenta o ordenamento jurídico. Este, em determinados momentos, deve submeter-se ao processo de verticalização que lhe foi imposto pela Constituição

Federal, pelo que, em tema de constitucionalidade ou inconstitucionalidade, há de, sempre, homenagear a corte que tem competência para a respeito decidir.

5 – Ação rescisória provida, para desconstituir, em parte, assim, a douta decisão atacada, a fim de que prevaleça, tão somente, a inconstitucionalidade do art. oitavo da lei 7689/88. Honorários advocatícios pela parte vencida, na base e 10% (dez por cento).

56 DIAS, Francisco Barros. "Breve Análise Sobre a Coisa Julgada Inconstitucional", cit., pág. 3.

57 WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença, cit., págs. 310. e ss.

58 Idem, pág. 227.

59 O art. 485, VII do CPC dispõe que a sentença de mérito transitada em julgado pode ser rescindida quando, depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável.

60 WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença, cit, págs. 271. e 272.

61 Idem. Ibidem, pág. 226.

62 WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença, .cit., pág. 312.

63 PASSOS. José Joaquim Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro: Forense, 2002, pág. 101.

64 NASCIMENTO, Carlos Valder do. "Coisa Julgada Inconstitucional",cit., págs. 16. a 18

65 PASSOS. José Joaquim Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, cit., págs. 103. e 104.

66 NASCIMENTO, Carlos Válder do. "Coisa Julgada Inconstitucional",cit., pág. 23.

67 CARVALHO JÚNIOR, Gilberto Barroso de. "A coisa julgada inconstitucional e o novo parágrafo único do art. 741. do CPC." Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n.61, jan. 2003. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/3605/a-coisa-julgada-inconstitucional-e-o-novo-paragrafo-unico-do-art-741-do-cpc>. Acesso em: 03 jan. 2003

68 TALAMINI, Eduardo. Embargos à Execução de Título Judicial Eivado de Inconstitucionalidade, cit., págs. 57. e ss.

69 Assim dispõe o artigo 27 da aludida lei:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

70. TALAMINI, Eduardo. Embargos à Execução de Título Judicial Eivado de Inconstitucionalidade, cit., págs. 63. e ss.

71 CARVALHO JÚNIOR, Gilberto Barroso de. A coisa julgada inconstitucional e o novo parágrafo único do art. 741. do CPC, cit., pág. 3.

72 TALAMINI, Eduardo. Embargos à Execução de Título Judicial Eivado de Inconstitucionalidade, cit., págs. 57. e ss.

73 Idem. Ibidem, págs. 79. a 80.

74 NASCIMENTO. Carlos Valder do. "Coisa Julgada Inconstitucional", cit. pág. 25.

75 DINAMARCO, Cândido Rangel. "Relativizar a Coisa Julgada Material",cit., págs. 23. e ss.

76 THEDORO JÚNIOR, Humberto, e FARIA, Juliana Cordeiro. "A coisa Julgada Inconstitucional e os Instrumentos Processuais para seu Controle", in.: Coisa Julgada Inconstitucional, Coordenador Carlos Valder do Nascimento. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002, pág.s. 124. e ss.

77 NASCIMENTO. Carlos Valder do. "Coisa Julgada Inconstitucional", cit., pág. 25.

78 CALAMANDEI, Piero. Direito Processual Civil, 3 v., Campinas: Bookseller, 1999, págs. 251. e ss.

79 No sentido de que há nulidades insanáveis, que podem ser argüidas a qualquer tempo, decidiu em jurisprudência citada por Carlos Valder do Nascimento in: "Coisa Julgada Inconstitucional", cit., pág. 22, a 4ª Câmara Civil do tribunal de Alçada de São Paulo, sob o regime do código anterior, em acórdão de que transcreve-se o seguinte texto: "Subsiste em nosso direito, como último resquício da querella nullitatis insanabilis, a ação declaratória de nulidade, quer mediante embargos à execução, quer por procedimento autônomo, de competência funcional do juízo do processo original. A sobrevivência, em nosso direito, da querella nullitatis evoluiu até os contornos atuais da ação rescisória, que limitou a antiga prescrição trintenária para o lapso qüinqüenal da decadência. Todos os vícios processuais inclusive os da sentença, uma vez transitada esta em julgado, passaram a ser relativos e, desde que cobertos pela res judicata, somente são apreciáveis em ação rescisória, específica à descontinuação do julgado. Um deles, porém, restou indene à transformação da querella nullitatis em ação rescisória: a falta de citação inicial, que permaneceu como nulidade ipso iure, com todo o vigor de sua conceituação absoluta de tornar insubsistente a própria sentença transitada em julgado. Se a nulidade ipso iure não puder ser alegada em embargos à execução, subsiste, ainda assim, a ação autônoma direta da querella nullitatis insanabilis, de caráter perpétuo, não prejudicada pelo qüinqüênio da ação rescisória, porque o que nunca existiu não passa, com o tempo, a existir. Classifica-se como ordinária autônoma, de competência funcional do mesmo juízo do processo que lhe deu causam a ação de nulidade ipso iure de relação processual contenciosa".

80 DELGADO, José Augusto. "Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais",cit., pág. 114.

81 Idem. Ibidem, págs. 112. a 121.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Ilana Flávia Cavalcanti. Reflexão sobre a coisa julgada, natureza e limites de eficácia das sentenças trânsitas em julgado contrárias à Constituição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 818, 27 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7338. Acesso em: 24 abr. 2024.