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Planejamento sucessório: holding patrimonial

Planejamento sucessório: holding patrimonial

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O presente artigo visa elucidar questões basilares relativas às holdings patrimoniais enquanto mecanismo hábil a promover um planejamento sucessório eficaz, bem como trazer a tona as principais problemáticas que envolvem o tema.

INTRODUÇÃO

A globalização e a interligação entre as diversas áreas do conhecimento permitiram que práticas antes restritas a um nicho específico fossem utilizadas em outras searas, de modo que com isso se atingisse maiores níveis de eficiência.

Isso é o que ocorre com as chamadas holdings, sociedades que, a princípio, foram desenvolvidas com o objetivo de controlar outras sociedades, detendo parte de suas quotas ou ações, e que posteriormente passaram a ter outras aplicações.

Tendo em vista a falta de segurança jurídica e os altos encargos que recaem sobre a transmissão de patrimônio, quer seja inter vivos ou causa mortis, passou-se a difundir a ideia de planejamento sucessório, sendo que o instituto da holding começou a ser utilizado para esta finalidade.

De forma sucinta, o que ocorre é a transferência de bens para a esfera patrimonial da pessoa jurídica criada e a distribuição de quotas ou ações entre os interessados, podendo ainda haver a possibilidade de gravá-las em usufruto.

No entanto, surgem questionamentos quanto à viabilidade jurídica desse feito, bem como sua licitude frente a dispositivos legais, além da existência de outros mecanismos que se propõe ao mesmo fim.

Deste modo, o presente artigo visa, primeiramente, trazer à tona os conceitos que giram em torno desta estrutura societária – a holding-, bem como analisar as problemáticas que lhe são inerentes e, por fim, citar outros mecanismos correlatos.

DESENVOLVIMENTO

NOÇÕES PRELIMINARES

Inicia-se o presente artigo com a conceituação dos principais termos que permearão este estudo, de modo que se alcance um maior entendimento do tema.

Segundo Oliveira (2010 apud BIANCHINI et al, 2014), o termo holding é oriundo do verbo do idioma inglês “to hold” que significa segurar, manter, guardar, controlar, dentre outros com acepção conexa.

Nesse sentido, este termo tem sido utilizado no Brasil para designar sociedades cujo objeto é a participação em outras sociedades, objeto este expressamente previsto na legislação pátria no art. 2º, § 3º da Lei 6.404/76, conhecida como a Lei das S/A. (BRASIL, 1976)

Destaca-se ainda a boa aplicação do termo já que evidencia sua finalidade enquanto controladora de outras sociedades, o que permite maior assertividade, convergência e harmonia no que diz respeito às decisões tomadas por determinado grupo empresarial, ou seja, um conglomerado de empresas.

Ainda com o propósito de desobscurecer alguns aspectos ligados ao tema, há que se mencionar uma classificação doutrinária, trazida por Mamede e Mamede (2017), que elucida os vários contextos e finalidades a que se presta a figura da holding, podendo esta ser pura, mista, de participação ou patrimonial.

Holding pura é aquela cujo objeto é unicamente participar de outras sociedades como quotista ou acionista, ou seja, não exercendo qualquer atividade negocial ou operacional, ao que se convencionou denominar no Brasil de Sociedade de Participação, deste modo, sua receita advém da distribuição de lucros e juros sobre capital das sociedades que participa. (MAMEDE e MAMEDE, 2017, p. 28)

Já a holding mista é aquela que além de participar em outras sociedades também executa atividades ligadas à circulação de bens e serviços, ou seja, produz e/ou comercializa determinado bem ou presta determinado serviço, ao que, vale destacar, não ser necessária expressa menção no contrato social ou estatuto social para que uma sociedade possa ser sócia de outra. (MAMEDE e MAMEDE, 2017, p.30)

 De participação é a que se presta ao intuito de ser sócia, quotista ou acionista, de outra sociedade operacional. (MAMEDE e MAMEDE, 2017, p. 30)

E por fim, a holding patrimonial se traduz no objeto deste estudo porquanto se dispõe a titularizar determinado patrimônio. (MAMEDE e MAMEDE, 2017, p. 30)

Portanto, fica evidenciado que, em se tratando de seu propósito original, a holding se traduz em uma estrutura hábil ao melhor planejamento, controle, organização, bem como à maior eficiência do processo diretivo de coletividades de negócios que são, por vezes, complexas, além de manter afastados eventuais impasses que venham a prejudicar as atividades exercidas pelas sociedades que controla.

NATUREZA JURÍDICA

Merecedora de maior atenção é a caracterização de sua natureza jurídica como sendo sociedade simples ou empresária dada uma série de posições divergentes daqueles que se debruçam ao estudo do tema.

Em primeiro lugar, é imprescindível que se faça distinção entre as duas espécies ao que vale recorrer ao texto legal que, no art. 982 do Código Civil, explicita ser empresária a sociedade que exerce atividade própria de empresário, de modo que, mais uma vez, o mesmo diploma legal demonstra, em seu art. 966, ser empresário aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. (BRASIL, 2002)

Convém destacar que por determinação expressa do art. 982, as Sociedades Anônimas sempre serão empresárias e as Cooperativas, sempre simples. (BRASIL, 2002)

Por conseguinte, as sociedades simples são, por exclusão, aquelas em que prevalece o exercício de profissões intelectuais que sejam de natureza científica, literária ou artística, bem como as demais em que não se configure atividades próprias de empresário.

Mamede e Mamede (2017, p. 34) defendem que, não havendo limitação ou determinação jurídica expressa, a holding pode ser constituída como sociedade simples ou empresária, importando para esta definição a liberalidade de quem irá utiliza-la, levando-se em consideração as necessidades específicas de cada caso.

Nesse mesmo sentido, Lemos Junior e Silva (2014), explicitam que a escolha pela natureza jurídica “deve levar em consideração as características do caso concreto, vez que a referida escolha se encontra diretamente vinculada à destinação para qual a holding foi constituída”.

Já Hungaro (2009, p. 4) afirma que “as holdings são certamente atividades empresarias”, de modo que não poderiam ser caracterizadas como sociedades simples.

Há que se destacar, a fim de embasar a opinião de que as holdings seriam sociedades empresárias por natureza, o fato de sua origem se encontrar na legislação que trata das Sociedades Anônimas que, por determinação do Código Civil, só podem ser empresárias. (HUNGARO, 2009, p. 5)

Trazendo a discussão propriamente ao objeto a que se destina este estudo, ou seja, às holdings patrimoniais, uma vez que seu escopo é unicamente titularizar patrimônio, não havendo, portanto, produção ou circulação de bens e serviços, defende-se a possibilidade de ser caracterizada como sociedade simples.

Ressalva-se, no entanto, ser possível o fato de a holding ser mista, ao passo que, nesse caso será empresarial, já que se verifica o exercício de atividades operacionais.

Superado este primeiro momento em que objetivou desmistificar os conceitos basilares ao estudo do tema, buscar-se-á a seguir analisar a figura da holding como instrumento viável ao planejamento sucessório.

SUCESSÃO CIVIL E PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO

Entende-se por sucessão civil como sendo aquela a que todas as pessoas estão submetidas, por força legal, que se verifica com a morte da pessoa natural detentora de qualquer patrimônio. (BIANCHINI et al, 2014, p. 2)

Em se tratando de ramo específico do Direito, define Flávio Tartuce (2019, p. 3) o Direito das Sucessões

[...] como o ramo do Direito Civil que tem como conteúdo as transmissões de direitos e deveres de uma pessoa a outra, diante do falecimento da primeira, seja por disposição de última vontade, seja por determinação da lei, que acaba por presumir a vontade do falecido. (TARTUCE, 2019, p. 3)

Levando-se em consideração a complexidade, bem como os custos elevados que se verificam no processo de sucessão, surge a necessidade de buscar mecanismos capazes de facilitar e promover maior economia à tal processo, o que se traduz na ideia de planejamento sucessório.

Entende-se por planejamento sucessório, nas palavras de Teixeira (2018, apud TARTUCE, 2018), como sendo “o instrumento jurídico que permite a adoção de uma estratégia voltada para a transferência eficaz e eficiente do patrimônio de uma pessoa após a sua morte”.

Já Carneiro et al (2019, p. 146) conceitua planejamento sucessório como “mecanismo para organização e estruturação antecipada do processo de sucessão patrimonial, garantindo que a transmissão causa mortis seja mais célere e organizada e menos onerosa”.

Nesse sentido, surge o conceito de holding patrimonial, que, como demonstrado anteriormente, se presta a controlar, deter ou guardar o patrimônio de determinada pessoa ou família, como sendo um dos instrumentos possíveis ao propósito almejado, qual seja a transmissão de patrimônio.

Assim, o que se verifica é a transferência do patrimônio da pessoa física para a pessoa jurídica criada para este fim, podendo esta transferência, segundo Bianchini et al (2014, p. 6), ocorrer de três formas: (i) doação; (ii) compra e venda; e (iii) integralização do capital social.

Quando se da na forma de integralização do capital social, assevera Carneiro et al (2019, p. 150), a possibilidade da incidência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), de competência municipal, cuja alíquota recai sobre o valor dos bens ou direitos transferidos à época da operação.

No entanto, há que se destacar ser possível ficar imune a esta tributação, ao que Carneiro et al (2019, p. 150) aponta que

A imunidade tributária do ITBI está contida no art. 156, da CF, o qual estatui que serão imunes as transmissões de bens ou direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em realização do seu capital, desde que a mesma não tenha como atividade preponderante a compra e venda desses bens ou direitos, bem como a locação ou arrendamento mercantil de bens imóveis. (CARNEIRO et al, 2019, p. 150)

O Código Tributário Nacional define como atividade preponderante, em seu art. 37, como sendo aquela de que decorre mais de 50% (cinquenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica nos dois anos anteriores e nos dois anos subsequentes à aquisição. (CARNEIRO et al, 2019, p. 151)

Na eventualidade de a pessoa jurídica iniciar suas atividades após a aquisição ou a menos de dois anos dela, a preponderância será observada nos três primeiros anos que se seguirem da aquisição. (CARNEIRO et al, 2019, p. 151)

Deste modo, há que se verificar o enquadramento da situação fática com o que preceitua a legislação para inferir se é possível recorrer à referida imunidade quando da transmissão dos bens para a pessoa jurídica de forma a reduzir os custos envolvidos na operação.

Destaca-se como vantajoso este artifício, qual seja o da criação da holding patrimonial, uma vez que se partilha as quotas ou ações da sociedade e não os bens propriamente ditos, já que estes pertencem a pessoa jurídica. (BIANCHINI et al, 2014, p. 6)

Existe a possibilidade ainda de que tais quotas ou ações sejam gravadas em usufruto em favor do(s) sucedido(s), ao que, sendo verificada a sucessão, haverá a convergência dos poderes inerentes a propriedade nas mãos dos sucessores. (BIANCHINI et al, 2014, p. 6)

Sob essa ótica, a constituição de uma holding patrimonial demonstra ser instrumento hábil a diminuição dos custos relacionados ao processo de sucessão, ao que, Bianchini et al (2014) defende que estes podem ser até mesmo inexistentes.

Destaca-se não ser objetivo deste estudo analisar questões relacionadas aos gastos, muito menos a forma mais acertada quando da constituição da holding patrimonial, embora se reconheça seu peso frente ao exame de outros institutos que se propõe ao mesmo fim, no sentido de determinar qual seria mais benéfico no caso concreto.

PONTOS CONTROVERSOS

Apesar de se apresentar como hábil ao fim de promover uma sucessão civil mais célere, simples, econômica e assertiva, a holding patrimonial é permeada de problemáticas, já que, por ser uma figura de uso recente, ainda encontra dificuldades quanto ao modo de operacionalizá-la, bem como o seu amparo legal.

Nesse sentido, o que se busca é elencar os principais pontos de divergência que poderiam inviabilizar o uso da holding com o fim de instrumentalizar o planejamento sucessório.

Em primeiro momento, em se tratando do objeto da sociedade constituída, Prado (2011), defende ser este possível já que encontra respaldo na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que é uma forma de padronizar, por meio de códigos, o exercício de atividades econômicas no território nacional.

Prado (2011, p. 20) assevera ser viável enquadrar a holding patrimonial no código 6822-6/00, gestão e administração da propriedade imobiliária, bem como nos códigos 6810-2/01, compra e venda de imóveis próprios, e 6810-2/02, aluguel de imóveis próprios.

Entretanto, o eminente doutrinador Flávio Tartuce (2018), alerta que

[...] nos últimos anos, o planejamento sucessório tem sido utilizado por muitos com o intuito de praticar fraudes, buscando, muitas vezes, a malfadada "blindagem patrimonial", especialmente de devedores contumazes. Tal preocupação não passou despercebida por Mario Luiz Delgado e Jânio Urbano Marinho Júnior, que citam as holdings familiares, muitas vezes utilizadas como "fachada" por sócios de fato, para desvios patrimoniais e de finalidade da pessoa jurídica, visando à fraude à execução ou em face de credores. (TARTUCE, 2018)

Nessa perspectiva, cabe trazer à tona o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, que, na sua forma originaria, permite a responsabilização pessoal dos sócios, de modo que seu patrimônio particular responda por atos praticados pela pessoa jurídica deste que reste caracterizado abuso, em que pese ser este resultado de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. (LEMOS JUNIOR e SILVA, 2014, p. 60)

Em se tratando de propósito oposto, ou seja, responsabilizar a pessoa jurídica pelos atos praticados por seus sócios, faz-se referência à desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Compreendem os tribunais que

[...] Na desconsideração inversa afasta-se a autonomia patrimonial da sociedade para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio [...]. (TJ-SP – AI nº 2040000-47.2019.8.26.0000, Relator: Matheus Fontes, Data do Julgamento: 25/04/2019, 22ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/04/2019)

[...] É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo de terceiros, conforme Enunciado nº 238 do CEJ. [...] (TJ-SP – Edcl nº 2055775-39.2018.8.26.0000/50000, Relator: Claudio Hamilton, Data de Julgamento: 27/09/2018, 25ª Câmara de Direito Privado, Data da Publicação: 27/09/2018)

Caberia então recorrer a este instituto sempre que os direitos de credores de boa-fé estiverem ameaçados, lembrando que se trata de um momento específico em que os patrimônios se misturam, ao passo que o que se objetiva aqui não é a desconstituição da pessoa jurídica, mas simplesmente o adimplemento de uma obrigação.

Ainda com o escopo de identificar as problemáticas que envolvem a figura da holding, Flávio Tartuce (2018) questiona e afirma ser a sua constituição uma grave afronta à vedação, constante no art. 426 do Código Civil, de não poder ser objeto de contrato herança de pessoa viva, ao passo que “se há uma sociedade – que tem natureza contratual –, instituída com o objetivo de administrar os bens de alguém ou de uma família e de dividir esses mesmos bens em caso de falecimento, a afronta ao art. 426 do Código Civil é clara e cristalina”.

É o que entende a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. DECISÃO QUE NÃO RECONHECEU A AGRAVANTE COMO ÚNICA HERDEIRA. ACORDO SOBRE HERANÇA DE PESSOA VIVA. DESCABIMENTO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. Com efeito, a herança de pessoa viva é mera expectativa de direito, inadmitindo-se discussão a seu respeito, conforme artigo 426, do CC, que prevê a impossibilidade de que seja objeto de contrato. Agravo desprovido. (TJ-RS - AI: 70078443033 RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Data de Julgamento: 18/10/2018, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 19/10/2018)

Por outro lado, Toscano de Brito (2018 apud TARTUCE, 2018), prefere argumentar que, uma vez respeitadas as regras constantes na legislação quanto a sucessão, é válida e eficaz a constituição de uma holding patrimonial muito embora sua natureza seja contratual.

Carneiro et al (2019, p. 146) também vê com bons olhos a constituição da holding patrimonial, defendendo que ela seja interessante por três motivos: societário, gestão e proteção do patrimônio e tributário.

Sob a ótica societária, a holding patrimonial permite a concentração de todo o patrimônio familiar, bem como a não contaminação deste em virtude de conflitos familiares, pois a partilha pode ser feita em vida, mantendo o usufruto do doador, facilitando, portanto, o processo de sucessão. (CARNEIRO et al, 2019, p. 146)

Na perspectiva da gestão e proteção do patrimônio, destaca-se a possibilidade de identificação clara de todo o patrimônio, o protegendo, até certo ponto, de possíveis problemas trabalhistas, tributários ou cíveis que atinjam os sócios. (CARNEIRO et al, 2019, p. 146)

E, por fim, no ponto de vista tributário, há que se verificar o aproveitamento da tributação diferenciada dos rendimentos da pessoa jurídica frente aos que recaem sobre a pessoa física, bem como os que se relacionam diretamente a sucessão, ao que se verifica uma menor incidência nessa hipótese. (CARNEIRO et al, 2019, p. 147)

Fato é que a necessidade do planejamento sucessório se faz presente, ao que Mamede e Mamede (2017, p. 96) bem asseveram que “a verdade nua e crua é simples: com a morte, os bens são transferidos para os herdeiros. Essa transferência habitualmente se faz sem qualquer planejamento, do que se pode resultar uma desordem que cobra o seu preço”.

Nesse sentido, a seguir, conceituar-se-á outros mecanismos que se propõe a mesma finalidade, qual seja a de promover um processo de sucessão menos conflituoso, mais célere e harmônico.

TESTAMENTO

Flávio Tartuce (2019, p. 383) define testamento como “um negócio jurídico unilateral, personalíssimo e revogável pelo qual o testador faz disposições de caráter patrimonial ou extrapatrimonial, para depois de sua morte”.

É o que prevê o art. 1.857 do Código Civil ao afirmar que, in verbis, “toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade de seus bens, ou parte deles, para depois de sua morte”. (BRASIL, 2002)

No entanto, há que se mencionar que no Brasil não há o costume de se adotar tal mecanismo uma vez que encontra-se difundido na população o medo da morte, o que faz com que o brasileiro médio não dê atenção a disposições feitas para depois de seu falecimento, temor justificado por uma mistificação quanto aos resultados negativos que essa prática pode ter, principalmente sob uma ótica religiosa. (TARTUCE, 2019, p. 389)

Além do mais, destaca-se a confiança que se tem na previsão legal para a forma que se dará a sucessão, bem como a falta de esclarecimentos de como se dá este processo. (TARTUCE, 2019, p. 390)

No tocante a capacidade, requisito fundamental para a produção do testamento, aponta-se que, especificamente quanto à capacidade testamentária, são incapazes para tanto, por força do que dispõe o Código Civil, os absolutamente incapazes, ou seja, ou menores de 16 anos e os que não possuírem discernimento específico para a manifestação da vontade no momento da elaboração do testamento. (TARTUCE, 2019, p. 395)

Válido ressaltar ainda que, quanto às hipóteses de nulidade relativa ou anulabilidade, caracterizadas por vícios decorrentes de erro, dolo, coação moral, estado de perigo, lesão e fraude contra credores, a lei prevê prazo decadencial de 5 anos para a impugnação da invalidade do testamento por tais razões. (TARTUCE, 2019, p. 399)

Além disso, Tartuce (2019, p. 401) defende como sendo aplicável ao testamento a hipótese de nulidade absoluta prevista no art. 167 do Código Civil, qual seja a de que sempre que houver simulação ou discrepância entre a aparência e a essência há que se falar em nulidade do negócio, uma vez que “o testamento é um negócio jurídico por excelência”.

Findo as considerações quando a este instituto, apresentar-se-á a seguir outro mecanismo com efeito afim, embora seja o caso de transferência de patrimônio realizada inter vivos.

DOAÇÃO

A doação para Flávio Tartuce (2019, p. 377) é uma contrato pelo qual “o doador transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o donatário, sem a presença de qualquer remuneração”.

Trata-se, portanto, de contrato benévolo, unilateral e gratuito.

Necessário levar em consideração o fato de tal negócio jurídico possuir forma específica prevista em lei no que se refere à doação de bens imóveis, ao passo que, em se tratando de imóvel com valor superior a 30 salários mínimos, a doação far-se-á por meio de escritura pública. (TARTUCE, 2019, p. 381)

Carneiro et al (2019, p. 152) desta ainda a incidência do Importo de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), cuja competência é dos estados e do distrito federal, bem como as despesas cartorárias relacionadas à produção da escritura pública e ao registro da transferência imobiliária, que podem onerar consideravelmente tal negócio.

Tais considerações são suficientes ao que se propõe este estudo, sendo tal propósito o de apontar conceitos basilares de institutos alternativos à constituição da holding patrimonial com fim de promover o planejamento sucessório.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo analisou noções básicas sobre as holdings patrimoniais enquanto mecanismo hábil a realização de um planejamento sucessório eficaz, infere-se que este tema ainda encontra divergências, até o presente momento, difíceis de ser transpostas.

Há que se falar na quantidade de autores que se debruçam ao estudo do assunto, cada qual com sua visão particular tanto contra como a favor da constituição da holding, o que enriquece o debate sobre sua viabilidade, embora haja confusões quanto ao uso do instituto na seara corporativa e empresarial e seu uso como mecanismo voltado ao planejamento sucessório.

Ressalta-se o fato de não ter sido lavadas em consideração questões relacionadas à legítima, parte do patrimônio reservado aos herdeiros necessários, embora reconhecida sua importância ao completo entendimento do tema.

No mais, afirmar com certeza que a holding é meio eficaz a um processo de sucessão sem controvérsias é ignorar os alertas que tem sido feitos pelos estudiosos, o que, portanto, não é encorajado.

Mais importante seria destacar a necessidade de que a população brasileira passe a dar maior atenção ao planejamento sucessório, porquanto se vê os resultados desastrosos de uma sucessão sem uma devida estruturação prévia.

Sendo assim, o que se conclui é que a análise do caso concreto permitirá uma maior assertividade na escolha do mecanismo que será utilizado para a elaboração do planejamento sucessório, ao que a holding patrimonial será uma das opções até que, futuros estudos, os quais são incentivados, demonstrem sua inviabilidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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TJ-RS - AI: 70078443033 RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Data de Julgamento: 18/10/2018, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 19/10/2018.

TJ-SP – AI nº 2040000-47.2019.8.26.0000, Relator: Matheus Fontes, Data do Julgamento: 25/04/2019, 22ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/04/2019.

TJ-SP – Edcl nº 2055775-39.2018.8.26.0000/50000, Relator: Claudio Hamilton, Data de Julgamento: 27/09/2018, 25ª Câmara de Direito Privado, Data da Publicação: 27/09/2018.


Autor

  • Otávio dos Santos Barbosa

    Acadêmico do Curso de Direito da Faculdade de Direito “Laudo de Camargo” da Universidade de Ribeirão Preto; Técnico em Administração pela Escola Técnica “Francisco Garcia” do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza; estagiário do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo; e pesquisador.

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