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Caracterização do ato de improbidade administrativa

Ato ímprobo

Caracterização do ato de improbidade administrativa. Ato ímprobo

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O agente público age de má fé e desonestidade com o objetivo de atingir um benefício próprio ou de terceiros.

Improbidade administrativa é o ato ilegal ou contrário aos princípios básicos da Administração Pública no Brasil, cometido por agente público, durante o exercício de função pública ou decorrente desta. 

A corrupção é um exemplo de improbidade administrativa, pois o agente público age de má fé e desonestidade com o objetivo de atingir um benefício próprio ou de terceiros.

Para que um ato ilícito seja considerado crime, é preciso existir uma lei que estabeleça sua natureza penal. Não é caso da improbidade administrativa que, apesar de ser um ato ilícito, é considerada uma conduta de natureza cível. Dessa forma, não se pode dizer que quem responde por improbidade administrativa tenha cometido um crime.

De acordo com o artigo 37 da Constituição Federal, as penas para quem pratica atos ímprobos contra a administração podem ser: perda dos bens ou valores acrescidos indevidamente ao patrimônio, devolução integral dos bens ou dinheiro, pagamento de multa, suspensão dos direitos políticos, perda da função pública e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.

Os quatro tipos existentes de improbidade administrativa constam dos arts. 9º, 10, 10-A e 11 da Lei nº 8.429/1992:

1. São exemplificativos os róis de condutas e omissões que configuram improbidade administrativa

As condutas e omissões que se configuram como de improbidade administrativa estão listadas na Lei nº 8.429/1992 de forma exemplificativa.

São as atitudes mais comuns, porém não as únicas que podem ser enquadradas como improbidade.

Como os róis são exemplificativos, uma atitude não listada na legislação pode configurar-se como improbidade administrativa mesmo que não esteja descrita com exatidão pela Lei de Improbidade Administrativa.

2. Servidores e agentes privados podem cometer improbidade administrativa

Qualquer servidor público — conceituado servidor público da forma mais ampla que você puder imaginar — pode cometer improbidade administrativa.

Agentes privados totalmente desvinculados da Administração Pública podem também cometer improbidade administrativa, mas, para isso, precisam sempre estar em conluio com um servidor público.

Agora que você sabe os parâmetros interpretativos, estude a seguir cada tipo de improbidade administrativa:

1) Enriquecimento ilícito (art. 9º, Lei nº 8.429/1992)

O enriquecimento ilícito é o aumento patrimonial do servidor ou de outra pessoa por meio do uso indevido da função pública pelo servidor ou pelo agente privado em conluio com ele.

Não pressupõe lesão ao erário.

Por exemplo: o servidor recebe dinheiro de uma empresa em troca de informações privilegiadas. O erário sai ileso; mas a troca de informações privilegiadas por dinheiro é uso indevido da função pública e configura enriquecimento ilícito.

Embora não pressuponha lesão ao erário, o enriquecimento ilícito pode provocar dano ao erário, por exemplo: se o servidor desvia para seu bolso o dinheiro público, ele terá cometido enriquecimento ilícito e lesão ao erário.

Se fosse para sintetizar, eu diria que configuram enriquecimento ilícito todas as condutas em que:

  1. o servidor execute ou deixe de executar as atribuições de seu cargo em troca de vantagem econômica, emprego, comissão, contrato (de consultoria, assessoramento, etc.) de pessoa física ou jurídica;
  2. o servidor pegue para si bens e dinheiros do patrimônio público;
  3. o servidor desvie bens e dinheiros do patrimônio público para seu proveito privado.

Mas, como nunca sabemos com que vamos nos deparar mundo afora, reproduzo abaixo os incisos do art. 9º (não é para ficar decorando isso: leia com atenção uma única vez):

I – receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

II – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado; [essencialmente, constam do art. 1º todos os entes públicos imagináveis.]

III – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;

IV – utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades; [essencialmente, constam do art. 1º todos os entes públicos imagináveis.]

V – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;

VI – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; [essencialmente, constam do art. 1º todos os entes públicos imagináveis.]

VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

VIII – aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;

X – perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;

X – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;

XI – incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei; [essencialmente, constam do art. 1º todos os entes públicos imagináveis.]

XII – usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei. [essencialmente, constam do art. 1º todos os entes públicos imagináveis.]

2) Lesão ao erário (art. 10, Lei nº 8.429/1992)

A lesão ao erário é a deterioração do patrimônio público causado pelo uso indevido da função pública pelo servidor ou pelo agente privado em conluio com ele.

Não pressupõe enriquecimento ilícito.

Por exemplo: o servidor dispensa licitação indevidamente, assim permitindo a compra direta de um produto e provocando comprovada lesão ao erário.

Perceba que a dispensa indevida da licitação não tem como configurar sozinha a lesão ao erário.

Há a pressuposição de que, em uma dispensa indevida de licitação, a Administração pague mais caro do que pagaria em uma concorrência licitatória.

Mas o prejuízo ao patrimônio público precisa ser comprovado para haver de fato improbidade administrativa.

Apenas em restando comprovado que a dispensa indevida provocou prejuízo ao patrimônio público — de fato, a Administração pagou mais caro pelo produto — estará configurada a improbidade administrativa por lesão ao erário.

Em não restando comprovada a lesão ao erário, não estará configurada a improbidade e não haverá sanção.

Embora não pressuponha enriquecimento ilícito, a lesão ao erário pode estar conectada a enriquecimento ilícito, por exemplo: o servidor recebeu dinheiro de uma empresa para que dispensasse indevidamente a licitação e permitisse a compra direta de um produto comercializado pela empresa por preço três vezes superior ao de mercado. Em casos assim, o servidor terá praticado lesão ao erário e enriquecimento ilícito.

Se fosse para sintetizar, eu diria que configuram lesão ao erário todas as condutas que:

  1. façam com que a administração pague mais, ou receba menos ou nada, por serviços ou bens;
  2. descumpram a formalidade dos atos públicos (dispensa indevida de licitação, por exemplo);
  3. permitam, facilitem ou ajudem alguém a enriquecer-se às custas do patrimônio público.

Mas, como nunca sabemos com que vamos nos deparar mundo afora, reproduzo abaixo os incisos do art. 10 (não é para ficar decorando isso: leia com atenção uma única vez):

I – facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; [essencialmente, constam do art. 1º todos os entes públicos imagináveis.]

II – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; [essencialmente, constam do art. 1º todos os entes públicos imagináveis.]

III – doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie; [essencialmente, constam do art. 1º todos os entes públicos imagináveis.]

IV – permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado; [essencialmente, constam do art. 1º todos os entes públicos imagináveis.]

V – permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;

VI – realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

VII – conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente;

IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

X – agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

XI – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

XIII – permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades. [essencialmente, constam do art. 1º todos os entes públicos imagináveis.]

XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei;

XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei.

XVI – facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a incorporação, ao patrimônio particular de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidades privadas mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

XVII – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidade privada mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

XVIII – celebrar parcerias da administração pública com entidades privadas sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

XIX – agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das prestações de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas;

XX – liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular.

XXI – liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular.

3) Violação dos princípios da administração pública (art. 11, Lei nº 8.429/1992)

A violação dos princípios da administração pública é o desrespeito a todo e qualquer princípios da administração pública — o que envolve os princípios gerais, os explícitos e os implícitos.

Se fosse para sintetizar, eu diria que configuram violação aos princípios administrativas todas as condutas que desrespeitam os tais princípios. Ao invés de ficar decorando o art. 10, tenho preferido compreender os princípios administrativos.

Mas, como nunca sabemos o que está por vir, reproduzido abaixo os incisos do art. 10:

I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III – revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

IV – negar publicidade aos atos oficiais;

V – frustrar a licitude de concurso público;

VI – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII – revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

VIII – descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas.

IX – deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação.

4) Concessão de benefício financeiro ou tributário indevido (art. 10-A, Lei nº 8.429/1992 c/c art. 8º-A, Lei complementar nº 116/2003)

A concessão de benefício financeiro ou tributário indevido ocorre quanto o governo municipal ou distrital:

  1. fixa alíquota de ISSQN inferior a 2% (benefício tributário indevido);
  2. concede isenções, incentivos ou benefícios que resultem de alguma forma em uma alíquota de ISSQN inferior a 2% (benefício financeiro).

O ISSQN, também abreviado como ISS, é o Imposto sobre serviço de qualquer natureza, da competência dos Municípios e do Distrito Federal.

Trata-se de uma improbidade, portanto, que só pode ser praticada por Prefeitos e pelo Governador do Distrito Federal, conluiados ou não com agente privado desligado da Administração Pública.

Seu núcleo está no desrespeito à alíquota mínima de 2% do ISSQN, mas — como não poderia deixar de ser — há exceções.

Pode haver alíquota de ISSQN menor nos seguintes casos:

  1. execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS);
  2. reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS);
  3. serviços de transporte coletivo municipal rodoviário, metroviário, ferroviário e aquaviário de passageiros.

Esse tipo de improbidade é uma inovação, foi criado pela Lei Complementar nº 157/2016, a qual inseriu o art. 10-A na Lei Ordinária nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa).

Apuração de improbidade administrativa

Etapas da apuração

A apuração e punição de improbidade administrativa transcorre em três etapas:

  1. apuração pela Administração Pública, de ofício ou mediante provocação;
  2. representação ao Ministério Público ou à procuradoria (Advocacia-Geral da União, para os entes federais);
  3. instauração de processo judicial de improbidade administrativa (uma espécie de ação civil pública).

Primeira etapa: Apuração pela Administração Pública

Diante de indícios, a Administração deve instaurar procedimento de apuração de prática de improbidade.

A instauração do procedimento pode ser de ofício ou por provocação de qualquer pessoa, e segue o rito do processo administrativo disciplinar.

Se a Administração instaurar o procedimento de apuração, ela dará conhecimento ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas. Estes órgãos poderão designar ou não representante que acompanhe o procedimento administrativo.

Se, diante de provocação, a Administração não instaurar o procedimento sob alegação de ausência de provas ou qualificações do denunciante, o denunciante poderá representar diretamente ao Ministério Público.

Segunda etapa: Representação ao Ministério Público ou à procuradoria do ente público

A comissão responsável pelo procedimento administrativo, se concluir pela existência de fundados indícios de improbidade administrativa, representará ao Ministério Público ou à procuradoria do ente público para que um dos dois requeira medidas cautelares em juízo.

As medidas cautelares podem ser:

  1. sequestro de bens do indiciado;
  2. investigação, exame e bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras do indiciado;
  3. afastamento do agente público indiciado, sem prejuízo da remuneração.

Terceira etapa: Instauração de processo judicial de improbidade administrativa

O Ministério Público ou a procuradoria do ente público poderão entrar, perante órgão do Poder Judiciário, com ação judicial de improbidade administrativa, uma espécie de ação civil pública.

Caso tenha havido medida cautelar, o prazo de ajuizamento da ação de improbidade será de 30 dias, contados da efetivação da medida cautelar.

Não entrarei nos detalhes da ação civil pública, porque aí entraria em processo civil propriamente dito e sairia da pauta do blog.

Acordos em ações de improbidade administrativa

Há uma discussão hoje em dia sobre se o Ministério Público (ou a procuradoria do ente público, caso ela tenha ingressado em juízo) pode ou não firmar acordos com os acusados de improbidade administrativa.

A Lei de Improbidade Administrativa proibia qualquer tipo de acordo:

Art. 17. (…)

§ 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.

(…)

O que qualquer pessoa pode concluir da leitura desse dispositivo é que, na ação de improbidade, são vedados transação, acordo ou conciliação (art. 17, § 1º, Lei nº 8.429/1992).

Se o Ministério Público movesse ação de improbidade contra um servidor público identificado como membro de uma quadrilha desarticulada pela Polícia Federal, a colaboração do servidor com as investigações não justificaria nenhum acordo na ação de improbidade administrativa.

Mas, em dezembro de 2015, este dispositivo foi revogado pela Medida Provisória nº 703/2015, o que, na época, franqueou acordos.

O argumento era que o Ministério Público reforçaria o combate à corrupção se pudesse barganhar acordos em troca de provas.

Mas o argumento não decolou. A medida provisória não foi convertida em lei, tendo a vigência encerrada em maio de 2016.

Mesmo com o encerramento da vigência da medida provisória, há quem defenda a legalidade dos acordos em ação de improbidade administrativa.

Dizem, os defensores, que a Lei nº 8.429/1992 integra-se a um microssistema de combate à corrupção, com a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) e a Lei nº 7.347/1985 (Lei de Ação Civil Pública).

Dizem também que o § 1º do art. 17 da Lei nº 8.249/1992 foi revogado tacitamente por esse microssistema e pelo Código de Processo Civil de 2015. Os arts. 3º e 16 da Lei nº 12.846/2013 admitem acordos em processos penais; e os §§ 2º e 3º do art. 2º do Código de Processo Civil de 2015 (Lei 13.105/2015) exortam a conciliação judicial como meio de solução de conflitos.

Estaria, então, revogado o § 1º do art. 17 da Lei nº 8.249/1992, e admitido o acordo, através dos citados dispositivos da Lei Anticorrupção e do Código de Processo Civil de 2015.

O Ministério Público nas ações de improbidade administrativa

O Ministério Público pode requisitar a instauração de um inquérito policial ou de um procedimento administrativo para apuração dos ilícitos previstos na Lei nº 8.429/1992.

Para tanto, o Ministério Público pode agir de ofício, por requerimento de autoridade administrativa ou por representação de qualquer pessoa.

Se a ação de improbidade for proposta pela procuradoria de um ente público, o Ministério Público atuará como fiscal da lei, ou haverá nulidade da ação (art. 17, 4º, Lei nº 8.429/1992).

Responsabilidade administrativa, civil e penal

Algo a ter em mente é que a improbidade administrativa é ilícito civil apurado e punido em via judicial civil.

O regime disciplinar da Lei nº 8.112/1990, com a sindicância e o processo administrativo disciplinar (PAD), não pode punir improbidade administrativa.

Pode, apenas, apurar indícios, e levá-los ao Ministério Público ou à procuradoria do ente público, para que um deles ingresse com a ação judicial de improbidade administrativa.

Às vezes a natureza civil da improbidade administrativa fica obscurecida porque os casos de improbidade costumam gerar processos e condenações na esfera administrativa, criminal e civil.

Isso acontece porque, na prática, a pessoa que comete improbidade administrativa geralmente pratica diversas ilicitudes simultaneamente.

O delinquente de uma só vez descumpre o regime disciplinar (direito administrativo), comete crime (direito penal) e pratica improbidade (direito civil). Em consequência, termina processado nas três esferas, gerando um emaranhado de processos administrativos, cíveis e criminais atinentes a um mesmo evento, porém cada qual preocupado com uma atitude ou personagem desse evento.

Esse emaranhado de processos desperta indagações sobre a acumulação de responsabilidades em todas as esferas em que o sujeito esteja sofrendo processos.

Se um mesmo ato for ilícito administrativo (infração ao regime disciplinar), ilícito civil (improbidade administrativa) e ilícito penal (crime tipificado na legislação penal), qual delas prevalece?

A regra é que nenhuma prevalece — todas atuam ao mesmo tempo. Elas são instâncias independentes entre si e o sujeito pode ser punido separadamente por cada uma delas.

Porém, a exceção é que a instância penal pode prevalecer sobre as instâncias administrativa e civil:

  1. a condenação penal acarreta a condenação nas instâncias civil e administrativa;
  2. a absolvição penal, se devida à inexistência do fato ou à ausência de autoria, acarreta a absolvição nas demais instâncias. Se devida a outros motivos, não interfere nas demais.

Você pode ver uma explicação detalhada da relação entre a responsabilidade nas esferas civil, criminal e administrativa quando explico o regime disciplinar da Lei nº 8.112/1990.

Prescrição das ações de improbidade

Os prazos de prescrição das ações de improbidade estão no art. 23 da Lei nº 8.429/1992:

  • até cinco anos após o término do exercício de mandato;
  • até cinco anos após a desocupação do cargo em comissão ou da função de confiança;
  • o mesmo prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

Caso o agente público exerça cargo efetivo e função de confiança cumulativamente, prevalecerá o prazo prescricional do ocupante de cargo efetivo.

Todavia, há uma particularidade importante: são imprescritíveis as ações civis de ressarcimento de dano (art. 37, § 5º, CF88).

Para a jurisprudência do STJ, os prazos prescricionais valem igualmente aos particulares que agem em conluio com agente público na prática de ato de improbidade, uma vez que os particulares nunca são processados isoladamente, mas em conjunto com os agentes públicos.

 

Referências bibliográficas

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Autor

  • Benigno Núñez Novo

    Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos pelo EDUCAMUNDO, especialista em tutoria em educação a distância pelo EDUCAMUNDO, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

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