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O Código Penal e sua última alteração em 2019.

Artigo 122 do CP e a prática de automutilação

O Código Penal e sua última alteração em 2019. Artigo 122 do CP e a prática de automutilação

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O presente artigo, singelo e sucinto, tem o objetivo de iniciar de forma didática a análise do Artigo 122 CP, alterado no final de 2019 pela Lei 13968/19.O novel Artigo foi esquadrinhado de forma a permitir o exame global dos objetivos do legislador.

Com a alteração legal já em vigor nesse início de 2020, o Artigo 122 do CP foi alçado a uma importância maior nos estudos, seja para estudantes de concurso público,  seja para Operadores do Direito em geral.

A proposta aqui, singelamente, é fomentar uma análise preliminar do novel Artigo 122 do Código Penal, como introdução inicial didática ao aprofundamento para estudantes e amantes do Direito Penal aplicado.

Ao Artigo 122, que sempre tratou do tema "Suicídio", foi colado o moderno tema social da"automutilação".

Há uma conexão entre a automutilação e a inovação tecnológica dos últimos anos; dai a necessidade do acompanhamento da legislação ao mundo atual.

Fenômeno que vem se destacando na última década, a inserção no mundo virtual é um dos fatores que vêm trazendo problemas de ordem social e de saúde às pessoas.

Aliado a esse excesso do "virtual", estudos demonstram também que se destacam hoje na Sociedade a cultura do ócio, o excesso de estímulos/ informações e o individualismo, que acabam trazendo às pessoas um sentimento de "vazio", desespero e falta de sentido de vida.

Por esses motivos, não são poucas as informações que chegam através da Imprensa sobre jovens que vêm se automutilando, muitas vezes instigados por pessoas que nem conhecem mas que com elas se comunicam através do mundo virtual.

O triste fenômeno do "Bullying" e "Cyberbullying" vem se destacando junto às pessoas, primordialmente entre os mais jovens.

Nesse sentido e em boa hora, veio a alteração do Código Penal no sentido de busca de punição às pessoas, que sob a suposta "capa de impunidade" que pode gerar o mundo virtual, adotam posturas que instiguem a automutilação e até o suicídio.

CPI DOS MAUS TRATOS E ATUALIZAÇÃO LEGAL EM 2019

O assunto entrou em debate em 2017 quando da instalação da CPI dos Maus Tratos. Naquela época, a Sociedade se via envolta na questão do jogo "Baleia Azul", que parece ter vitimado jovens e causado certo pânico nos Pais e Autoridades.

Foram chamados diversos estudiosos da área de Psicologia e Psiquiatria para a devida elucidação do tema de forma técnica, que acabou resultando na Lei 13.819/19, tratando da Política Nacional de Prevenção à Automutilação e Suicídio.

Nessa lei de Abril de 2019, há dentre outras questões pertinentes ao tema, determinação para que sejam notificados compulsoriamente os casos que cheguem aos estabelecimentos de saúde e de ensino, públicos e privados em território nacional.

Há necessidade de atualização de procedimentos por parte desses profissionais.

LEI 13.968/19 ALTERANDO O ARTIGO 122 DO CÓDIGO PENAL- ASPECTOS GERAIS

Referida Lei entrou em vigor na data de sua publicação, 26 de dezembro de 2019, alterando o artigo 122 do Código Penal.

 Totalmente reformulado, o artigo 122 do Código Penal agora conta, além de seu "caput", com 7 (sete) parágrafos, detalhando casos de "induzimento ou instigação a alguém a suicidar-se ou praticar automutilação" (g.n.), ou ainda "prestar-lhe auxílio material para que o faça".

A inovação vem na inclusão da prática de automutilação, tema estudado no Poder Legislativo desde 2017 a partir da CPI dos Maus Tratos.

Decorrente do alinhamento e sistematização das leis penais, a alteração deu destaque à proteção aos "menores de 14 (catorze) anos" e às pessoas que por "enfermidade ou deficiência mental" não possuem o discernimento adequado ou se vejam sem condições de oferecer a devida resistência às práticas de induzimento e instigação.

Devemos nos atentar às qualificações e causas de aumento de pena.

ARTIGO 122 DO CÓDIGO PENAL- O OLHAR EM SUAS INOVAÇÕES

Para um estudo superficial e de aproximação no tema proposto, necessário se faz que o leitor divida didaticamente o novel artigo 122 para exame e análise.

Há necessidade de que se analise primeiro o disposto no "caput", buscando maior atenção no exame dos parágrafos inovadores.

Foca-se aqui na "automutilação", a inovação trazida, haja vista que a temática do suicídio já é tradicional quando se fala do tipo penal em comento.

AUTOMUTILAÇÃO E O "CAPUT" DO ARTIGO 122

O "caput" do Artigo 122 traz o induzimento e instigação à "prática de automutilação"; também aqui determina-se punição a quem "preste auxílio" à prática da automutilação.

Nessa forma simples, a pena é de reclusão de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

PREVISÃO DO PARÁGRAFO 1ª DO ARTIGO 122 CP (LESÃO CORPORAL GRAVE E GRAVÍSSIMA)

Caso reste, das condutas de induzimento, instigação ou prestação de auxilio material na "automutilação", lesão corporal de natureza grave ou gravíssima (vide Art 129 CP), a pena prevista é a reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.

Aqui deve-se ter a devida atenção ao resultado de lesão corporal de natureza leve, não abarcada pelo parágrafo em questão.

Se a vítima se enquadrar na previsão do parágrafo 6º do Artigo 122 CP, o crime passa ser apenado em reclusão de 2 a 8 anos conforme disposto no parágrafo 2º do Artigo 129 CP.

PREVISÃO DO PARÁGRAFO 2º DO ARTIGO 122 CP (MORTE)

Se, das condutas de induzimento, instigação ou prestação de auxílio material na "automutilação", resultar morte, a pena prevista é de 2 (dois) a 6 (seis) anos de reclusão.

Se a vítima se enquadrar na previsão do parágrafo 7º, o crime passa ser de homicídio.

ATENÇÃO À DISPOSIÇÃO DOS PARÁGRAFOS 6º e 7º DO ARTIGO 122 CP

Esses dispositivos são importantíssimos numa análise global do Artigo 122 CP pois as condutas, quando subsumidas a eles, remetem o crime do Artigo 122 CP a outros tipos penais.

A atenção do estudioso aqui deve estar voltada à vítima.

A depender da vítima, o crime será "transportado" para outro tipo penal, com penas maiores. Vejamos abaixo:

PARÁGRAFO 6º DO ARTIGO 122 CP

Consoante o parágrafo 6º do Artigo 122 CP, resultando lesão corporal de natureza grave ou gravíssima e em se tratando de sujeito passivo menor de 14 (catorze) anos, o agente responde pelo crime tipificado no parágrafo 2º do Artigo 129 CP (pena de 2 a 8 anos de reclusão).

 A pena a que é submetido o autor é muito mais exasperada que a prevista no parágrafo 1º do Artigo 122, de 1 (um) a 3 (três) anos de reclusão.

No mesmo parágrafo 2º do Artigo 129 CP responde o agente que induza, instigue ou preste auxílio material para prática de automutilação ao sujeito passivo que, por enfermidade ou doença mental, não tenha discernimento para a prática do ato.

Pessoa vítima que, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência à ação do autor do crime, também será protegida pelo disposto no parágrafo 2º do Artigo 129 CP, cuja pena é de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

Em arremate, havendo como resultado lesão corporal de natureza grave ou gravíssima decorrente dos verbos do Artigo 122 CP, aplica-se a pena do parágrafo 1º desse tipo, EXCETO se a vítima se enquadrar no caso de ser menor de 14 (catorze) anos ou possuir enfermidade ou doença mental que rebaixe seu discernimento ou capacidade de resistir: nesses caso, a pena será de 2 a 8 anos de reclusão, haja vista ser a ação enquadrada no tipo do parágrafo 2º do Artigo 129 CP.

PARÁGRAFO 7º DO ARTIGO 122 CP

De acordo com essa disposição, havendo resultado morte e sendo a vítima menor de 14 (catorze) anos, o autor responde por homicídio.

Também responderá por homicídio e não pelo crime do Artigo 122, parágrafo 2º, o autor que cometer os verbos descritos contra pessoa que não tenha necessário discernimento para a prática do ato de automutilação, ou que por qualquer outra causa não possa oferecer resistência devida contra tais atos do autor.

INSERÇÕES INOVADORAS NO TIPO PENAL

Os parágrafos 4º e 5º do Artigo 122 CP determinam que as penas sejam aumentadas caso o autor se enquadre na sua conduta, usando de meios modernos de comunicação.

Desnecessário destacar que a "rede mundial de computadores", "redes sociais", transmissão em tempo real e a própria coordenação ou liderança de grupos ou de rede social trazem enorme desvantagem de defesa das pessoas vítimas de alguma instigação ou induzimento à prática de automutilação.

Dessa forma, a pena é aumentada até o dobro se a ação for transmitida em tempo real ou realizada por meio de rede de computadores ou de rede social.

Caso o agente do crime em comento for líder ou coordenador de grupo ou rede social, sua pena será aumentada em metade.

CONCLUSÃO

O pequeno roteiro tem o escopo de dar subsídio aos Operadores e Estudantes que necessitam de um primeiro contato com a alteração legal efetuada no final de 2019.

É suporte para o devido aprofundamento dos estudos, a partir dos objetivos de cada um.

O antes apagado Artigo 122 CP foi, a partir de 26/12/2019, atualizado, abarcando condutas que levem a vítima ao ato de "prática de automutilação".

É tema atual a automutilação, sendo motivo de estudos mais aprofundados na CPI dos Maus Tratos em 2017 no Senado Federal.

A forma simples ("caput") de instigação e induzimento à prática de automutilação, ou sua prestação de auxílio material, tem pena relativamente pequena.

No entanto, se resultar com essas condutas lesões corporais  graves e gravíssimas, a pena passa ser maior, EXCETO se atingir determinadas vítimas, como o menor de 14 (catorze) anos, onde a pena será a mesma da lesão corporal gravíssima, de 2 (dois) a 8 (anos) de reclusão (vide parágrafo 6º/Art 122 CP)

Caso resulte morte, a conduta será também apenada de forma mais forte, EXCETO se atingir determinadas vítimas, como o menor de 14 (catorze) anos, onde a pena será a mesma do homicídio.

REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2019



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