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A tutela de evidência como instrumento de acesso à justiça

A tutela de evidência como instrumento de acesso à justiça

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Na perspectiva de que os problemas do acesso à justiça e razoável de duração do processo podem ser consideravelmente reduzidos, tem-se a aplicação da tutela de evidência como um grande avanço, apesar de ainda desconhecida pelos aplicadores do Direito.

Visando o aprimoramento do chamado Estado Democrático de Direito, o aparelho processual passa por evidentes mudanças, buscando, sobretudo, alcançar o ideal de um processo justo, tempestivo, adequado e efetivo.

Com a constante mutação social, o Direito, que não é uma ciência exata, encontra-se sempre em movimento e o Novo Código de Processo Civil, que tenta acompanhar tais alterações, trouxe em seu texto um novo conceito de tutelas provisionais, unificando os procedimentos cautelares e de tutela antecipada em tutela de urgência e de evidência, simplificando o processo. Tais mudanças são abordadas no presente ensaio de maneira didática, buscando discorrer acerca de cada particularidade, seja ela conceitual, seja ela processual em cada procedimento, apontando o que já existia no Código de Processo Civil de 1973 e o que é inovação.

Embora efetivamente só esteja tipificado no ordenamento jurídico no CPC de 2015, o instituto da tutela de evidência há muito vinha sendo discutido na doutrina pátria. Ou seja, ainda que não houvesse legislação específica, existiam dispositivos no CPC de 1973 que caracterizavam - se como sendo da tutela de evidência.

Diferentemente do que ocorre com as tutelas de urgência, a tutela de evidência é pura em sua essência e abarca requisitos próprios, não se podendo, portanto, confundi-las.

A tutela de evidência tem em seu cerne os princípios norteadores para o novo direito processual que vem surgindo e é com base nesses princípios que o direito se desenvolve na busca da verdade, evidência do direito e da justiça em sua essência. 

Em suma, pode-se afirmar que a tutela de evidência surgiu como alternativa para dinamizar o processo civil brasileiro, uma vez verificada a presença de direito líquido e certo, desobstruindo o judiciário, acarretando a celeridade processual.

Entende-se por tutela de evidência o instrumento que tem como finalidade uma prestação jurisdicional mais eficaz que aparece no texto maior da Constituição de 1988, como garantia fundamental, para o acesso pleno à justiça, por intermédio dos institutos do habeas corpus, do habeas data, entre outros, na proteção do direito líquido e certo (CF, art. 5º, LVIII, LXIX).

Todavia, ainda que a Carta Magna pincele meios de acesso jurisdicional pleno, seu texto não foi taxativo ao elencar as referidas garantias constitucionais, cabendo ao aplicador do direito o dever de expandir o texto constitucional ao cidadão, enquanto direito individual núcleo intangível da constituição brasileira.

A tutela de evidência reflete a comprovação das afirmações da parte dentro do processo. Nesse sentido, tal instituto não exige o perigo de dano ou o dano ao resultado do processo, como ocorre na tutela de urgência. A parte demonstrará apenas a existência da plausibilidade/probabilidade do direito alegado. Sendo assim, a tutela de evidência será apenas de caráter satisfativo.

Nas tutelas da evidência, basicamente o que se precisa demonstrar ao julgador é que, independentemente de urgência, o direito é tão evidente, que o caminho processual pode ser abreviado. Outra hipótese é quando a parte contrária age no processo com fins meramente protelatórios. Sendo assim, o adiantamento dos atos processuais que àquele tenta obstaculizar o caminho do processo funciona como uma espécie de sanção.

A tutela da evidência pode ser requerida na petição inicial ou avulsa, e é tratada no art. 311 do Novo CPC, em quatro hipóteses previstas de concessão, duas já existentes no art. 273 do CPC/73, e as outras duas, inovadoras.

Prevê o caput do referido artigo que “A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação”. E aqui um primeiro aspecto a salientar: o texto deixa claro que a urgência não é um pressuposto para a obtenção de tutela quando baseada na evidência.

As hipóteses de tutela da evidência no Novo CPC são:

I – ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do requerido.

Neste caso, que exige a prévia atuação do demandado, o que exclui a possibilidade de liminar inaudita altera parte – que age com improbidade processual, inclusive com possibilidade de condenação em litigância de má-fé, a concessão da tutela se dá como forma de evitar que o comportamento abusivo do réu possa gerar o perecimento do direito do autor.

II – um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva.

A controvérsia é condição indispensável para que haja continuidade processual, visando exatamente ao pronunciamento judicial que a aprecie. Se parcela do litígio for incontroversa, significa que essa deverá ser imediatamente julgada, pois há pedido ou parcela de pedido procedente. A concessão de tutela jurisdicional imediata é imperiosa.

A novidade trazida pela redação do dispositivo no Novo CPC é a atribuição de definitividade à decisão de tutela da evidência. De fato, trata-se de sentença (ainda que parcial) de mérito decorrente de cognição exauriente, portanto apta a se estabilizar e propiciar atividades executivas.

III – a inicial for instruída com prova documental irrefutável do direito alegado pelo autor a que o réu não oponha prova inequívoca.

Esta inovação assemelha-se a situações já existentes no ordenamento processual, como a exigência de direito líquido e certo no mandado de segurança.

             O dispositivo também requer a prévia participação do réu no processo, o que impede a concessão de liminar inaudita altera parte. Se, contudo, na situação concreta houver configuração de risco de lesão grave ou de difícil reparação ao direito do autor, é evidente que esse, em posse de prova documental “irrefutável”, poderá obter tutela de urgência sem a prévia oitiva do demandado. Em suma, é dispositivo limítrofe entre a tutela de urgência e a tutela da evidência, a depender da existência ou não de risco de dano pela demora.

 IV – a matéria for unicamente de direito e houver tese firmada em julgamento de recursos repetitivos, em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em súmula vinculante. A última situação autorizadora da tutela da evidência é manifestação de uma característica fundamental do Projeto, qual seja, a valorização dos precedentes judiciais formados nos Tribunais pátrios.

No esteio das últimas alterações legislativas vigentes, a vinculação dos precedentes judiciais às instâncias inferiores subordinadas ao Tribunal que os proferiu é mecanismo para privilegiar a uniformidade e a estabilidade da jurisprudência, de modo que o juiz de primeiro grau deverá sempre pautar seus julgamentos nas teses firmadas nos Tribunais, reproduzindo o teor desses julgamentos paradigmáticos.

Aplicar essa técnica da precedentarização à tutela da evidência significa dizer que o julgador poderá conceder tutela jurisdicional ao autor quando sua pretensão se qualificar como pleito que autoriza procedência, pois se alinha a precedentes judiciais aplicáveis aos casos. De qualquer forma, é indispensável a participação do demandado para a confirmação ou revogação da tutela preventivamente concedida ao autor. 

Importante destacar que a redação legal do dispositivo é restritiva, pois, além de precedentes firmados em recursos repetitivos, em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em súmula vinculante, há outros, segundo o próprio Código, que devem ser obedecidos, tais como jurisprudência pacífica dos tribunais.

Salvo a hipótese do inciso II, todas as outras são caracterizadas pela cognição sumária e, portanto, o provimento jurisdicional da tutela de evidência tem natureza provisória.

Dessa forma, fica notório que as inovações são os incisos III e IV, nessas situações a possibilidade ainda não ocorria, sendo um acréscimo por parte do Novo CPC.

Importante assinalar que o art. 1.059 do Novo CPC estendeu à tutela provisória requerida contra a Fazenda Pública a aplicação nos arts. 1º ao 4º da Lei 8.437/92 que dispõe acerca da concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Pública, e no art. 7º, §2º da Lei 12.016/2009, que discorre sobre o mandado de segurança, portanto, apesar da omissão do Código especificamente em relação à tutela evidente, será plenamente admissível sua concessão em face da Fazenda Pública em qualquer das hipóteses previstas no art. 311, posto que as vedações contra a Fazenda Pública não se aplicam aos casos de tutela de evidência.

O Novo CPC inaugura também um novo paradigma procedimental, permitindo a concessão de ofício das tutelas provisionais.

Consoante a norma gravada no art. 273 do Código de 73, bem como o entendimento doutrinário, a regra para concessão da medida era o requerimento da parte. Entretanto, a possibilidade da concessão da tutela de ofício encontrava divergências.

De fato, a doutrina mais tradicional entendia pela impossibilidade da concessão ex officio, sob o argumento da necessidade da observância dos princípios processuais do dispositivo.

No entanto, como se sabe, o Direito não é uma ciência exata e a norma deve adaptar-se à realidade fática do jurisdicionado.

Com o advento do Novo CPC, que claramente norteia-se pela prestação jurisdicional célere e efetiva, nota-se que o legislador quis evitar maiores controvérsias doutrinárias, tornando possível a concessão ex officio da tutela de evidência, conforme trata o art. 297: “O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória”.

Dito isto, outra inovação trazida pelo diploma processual civil, nitidamente voltada à duração razoável do processo e a efetividade da tutela jurisdicional, é a estabilização da medida, em seu artigo 304: “A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso”.

Apesar da referência exclusiva à urgência, quanto às tutelas (antecipadas ou satisfativas) de evidência (art. 311 e incisos, novo CPC), não há, prima facie, óbice à adoção do procedimento da estabilização diante de uma interpretação teleológica do instituto, inspirado pelo sincretismo processual e tendente, por conseguinte, a solucionar rapidamente os litígios.

Uma vez deferida a medida, o requerente deverá aditar a inicial em 15 dias, complementando-a com as demais provas e argumentos.

Ocorre que, se a medida assim requerida e deferida não for confrontada pela parte contraria pelo recurso cabível, qual seja o agravo de instrumento (art. 1015 do CPC), ela se estabiliza. A 3ª Turma do STJ, em recente julgado, entendeu pela interpretação extensiva do instituto, considerando que outras formas de impugnação, como a contestação, também impedem a estabilização da tutela (REsp 1760966/SP).

Em termos práticos, a estabilização significa que os seus efeitos práticos da tutela se conservarão, independentemente da complementação da petição inicial e da defesa do réu.

Contudo, a estabilização não significa que a tutela se torne imutável, mas apenas estável, podendo a parte prejudicada com a medida desarquivá-la, com o fito de demonstrar a inexistência ou improcedência da demanda, vez que, estabilizada a tutela, a decisão judicial, frise-se, de natureza interlocutória, que defere o pedido, não produz coisa julgada (art. 304, § 6º).

Por outro lado, se a parte interessada permanecer inerte por dois anos, contados da ciência sobre a extinção da causa, a tutela estabiliza-se definitivamente.

Ao que se dessume, o presente ensaio buscou trabalhar um tema atual, como é o caso da tutela de evidência e sua aplicabilidade, em detrimento da necessidade da satisfação iminente de um direito pretendido. O que se buscou foi a caracterização de um novo instrumento capaz de contribuir efetivamente com o acesso à justiça.

A eficiência jurídica e processual que ainda se busca alcançar, bem como o acesso à justiça, deve muito à evolução do próprio direito, que tenta alcançar os avanços da sociedade.  

Pautado pela segurança jurídica, o desenvolvimento processual deve se basear em critérios mais flexíveis e apegar-se menos aos exageros formais, que devem ser combatidos em nome da instrumentalidade do processo, tornando-o mais célere, evitando prejuízo às partes litigantes.

LIVROS:

DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 8 ed. V. 1. Salvador: Juspodivum, 2010.

DIDIER JR., Fred, “Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela”, vol. 2, 10ª ed., Salvador: Editora JusPodivm, 2015.

FUX, Luiz. Tutela de Segurança e Tutela da Evidência (Fundamentos da tutela antecipada). São Paulo: Saraiva, 1996.

FUX, Luiz. Tutela Jurisdicional: finalidade e espécies ( Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva), 2010, p. 16.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil, São Paulo: Método, 2015, p. 219.

LEIS:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da república federativa do Brasil. ed. Atlas, 2008.

BRASIL, Lei n. 13.105 de 16 de março de 2015.


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