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A personalidade jurídica e a teoria da desconsideração à luz do princípio da autonomia patrimonial

A personalidade jurídica e a teoria da desconsideração à luz do princípio da autonomia patrimonial

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O presente artigo tem como temática apersonalidade jurídica, que é capaz de autorizar determinados sujeitosà prática de atos jurídicos em comum. Entretanto, tal idoneidade não permite que ela tenha existência fora dos conceitos compartilhados pelos integr

1 INTRODUÇÃO A personalidade jurídica é um componente de suma importância para o exercício da atividade empresarial. Sendo um expediente de direito, esta é capaz de autorizar determinados sujeitos à prática de atos jurídicos em geral. Porém, tal capacidade não possibilita que ela tenha existência fora dos conceitos partilhados pelos integrantes de uma comunidade jurídica, o que torna sua realidade meramente social, e caracteriza a imposição de direitos e obrigações. É com base no exercício da pessoa jurídica, que a sociedade empresária é considerada um sujeito de direito personalizado, e poderá realizar qualquer ato ou negócio jurídico.Diante disso, os efeitos gerados por esta atividade causam divergências doutrinárias no que diz respeito ao caráter de autonomia patrimonial imposto pelas sociedades, o que ocasiona uma desconsideração da mesma. Isto, pois, é constatada muita das vezes, a existência de abusos por parte da empresa individual de responsabilidade limitada e dos sócios das sociedades, que atingem indefesamente os direitos de credores e de terceiros. Sendo que, o objetivo atinente à desconsideração da personalidade jurídica recai sobre o exercício da sua atividade empresarial, mais precisamente da sua autonomia patrimonial. Isto, pois sendo estas umas das características principais que distingue a pessoa jurídica de seus demais integrantes como sujeito autônomo de direito e obrigações, acaba por se revelar não sendo totalmente absoluta, uma vez que a desconsideração de tal é imposta justamente pelo abuso de poder desta, a qual é essencial e de notória importância para o exercício da atividade jurisdicional. Assim sendo, o presente artigo pretende, primeiramente, descrever a atuação da personalidade jurídica, aludindo como esta se comporta no âmbito empresarial, para mais além, explicar por quais motivos ocasionam-se abordar sobre a desconsideração da personalidade jurídica à luz do princípio da autonomia patrimonial em determinados casos, versando ainda, a teoria da desconsideração inversa que se mostra notoriamente significativa no tocante à desconsideração da personalidade jurídica. 2A ATUAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO ÂMBITO EMPRESARIAL A personalidade jurídica é a característica básica da pessoa jurídica. A fim de se esclarecera sua atuação no âmbito empresarial, a precisão do surgimento da mesma faz-se necessário adentrar nas palavras doautor Ricardo Negrão (2008), que diz: A personalidade jurídica é uma ficção jurídica, cuja existência decorre da lei.É evidente que às pessoas jurídicas falta existência biológica, característicaprópria das pessoas naturais. Entretanto, para efeitos jurídicos e, leia-se, para facilitar a vida em sociedade, concede-se a capacidade para umaentidade puramente legal subsistir e desenvolver-se no mundo jurídico. Suarealidade, portanto é social, concedendo-lhe direitos e obrigações. (Negrão, 2008, p.238). Esse aspecto permite elucidar que a personalidade jurídica surgiu para permitir a união de esforços de homens em busca de um objetivo comum à sociedade. Inicialmente, era frequente as pessoas não acharem em si mesmos, recursos para o desenvolvimento de uma empresa, e a associação com outras pessoas mostrou-se uma solução apropriada, pactuando uma sociedade. Consequentemente, o indivíduo ético passou a ser detentor de direitos e deveres e de uma personalidade jurídica distinta de seus sócios, fator que estimulou o surgimento das sociedades. Todavia, caberessaltar que existem dois tipos societários que não possuem personalidade jurídica: a sociedade em conta de participação e a sociedade em comum. A sociedade em conta de participação não possui personalidade jurídica, pois é um exemplo societário sui generis. Nesse sentido, por mais que leve seus atos a registro, não irá adquirir a personalidade jurídica, tendo ausência de patrimônio, de denominação e de sede. Por outro lado, a sociedade em comum não detém personalidade jurídica, exatamente pelo fato de não praticar o que preceitua o artigo 985 do Código Civil, onde este aludi que “A sociedade adquiri personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos - art. 45 e 1.150”(pag.216). Desta forma, ressalta-se que a personalidade jurídicaé um fator do mundo jurídico, originada a partir de uma liga de pessoas ou umconjunto de bens, no qual tem um documento escrito levado aregistro pela sociedade, e que sua existência é de fundamental importância para a entrada no mundo jurídico e empresarial. Enquanto sociedade empresária, é importante elucidar a forma como a personalidade jurídica se apresenta na atualidade, sendo necessário compreender que esta é um significante instituto no direito brasileiro, por consentir a regularização de empresas que lidam, através dela, a ser sujeitos de direito e obrigações, e, por conseguinte, protegidas pela legislação o que garante a autonomia da sociedade, e a tornará independente de seus sócios. Na perspectiva de Fábio Ulhôa Coelho (2010) entende-se que: Quando a sociedade empresarial realiza negócios jurídicos (compramatéria-prima, celebra contrato de trabalho, aceita uma duplicata etc.)embora ela o faça necessariamente pelas mãos de seu representante legal é ela, pessoa jurídica, como sujeito de direito autônomo, personalizado, que assume um dos pólos da relação negocial. O eventualsócio que representou não é parte do negócio jurídico, mas sim dasociedade (Coelho,2010,p.113). Diante disso, entende-se que de um lado se favorece a fraude contra credores, pois a pessoa jurídica não deve ser confundida com a pessoa física que a compõe, além da defesa de que seu patrimônio também é independente. Sendo assim, poderá o juiz interferir e suspender a personalidade jurídica da sociedade. A personalização, posto isso, dá à sociedade a individualização e autonomia patrimonial, ou seja, o patrimônio da sociedade não se confunde com o patrimônio particular dos sócios que a constituem. Uma vez que é dotada de patrimônio próprio, a sociedade responde, com ele, pelas obrigações que assumir ou que os sócios assumirem em nome dela. 3A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA SOB PERSPECTIVA DO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PATRIMONIAL A teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem como fundamento mostrar a ineficiência de determinados atos da sociedade, para fins de estender a responsabilidade sobre esses atos aos sócios, como é o caso da autonomia patrimonial atribuída aos administradores das empresas. Na perspectiva do doutrinador Freddie Didier Júnior (2004) em relação à personalidade jurídica, este aborda que: Situações há, entretanto, em que a utilização da pessoa jurídica é feita ao arrepio da função social para qual o direito albergou. Não raras vezes deparamo-nos com notícias de utilização indevida do ente moral para fins de locupletamento pessoal dos sócios, ocultos pela licitude da sociedadeempresária(Didier,2004,p.2). Frente a isto, o princípio da autonomia patrimonial tido até então comoabsoluto, passou a ser alvo de exceções. Nos casos de atos visando fins abusivosou fraudulentos passou a ter-se como cabível o uso da desconsideração da personalidade jurídica, a qual permite a superação da autonomia patrimonial, autorizando a penetração no patrimônio dos sócios e administradores. Em consequência, a fraudeconsiste em um ato ilícito realizado com o uso da autonomia patrimonial para gerarprejuízos a terceiros, e, por conseguinte, benefícios aos sócios e/ouadministradores. Para fins posteriores, faz-se necessário compreender que quando houver a fraude, se estará diante de hipóteses emque os sócios ou administradores agiram com má-fé, cientes do ato lesivo queestavam praticando. Igualmente, o abuso de direito consiste no desvio da finalidade da pessoajurídica gerando o seu “mau uso”. De acordo com Marlon Tomazette(2011), porém, o ato não é ilícito,conforme este elucida : No abuso de direito, o ato praticado é permitido pelo ordenamento jurídico, trata-se de um ato, a princípio, plenamente lícito. Todavia ele foge a suafinalidade social, e sua prevalência gera um mal-estar no meio social, nãopodendo prevalecer. Os direitos se exercem tendo em conta não apenas oseu titular, mas todo o agrupamento social. Seu exercício normalmente nãoé absoluto, é relativo. (Tomazette,2011,p.246) Assim, o abuso de personalidade é reconhecido, nessa perspectiva, pelo desvio de finalidade, que pode haver tanto quando a pessoa jurídica agir de maneira contrária ao objeto da empresa, quanto contrariar a finalidade social, buscando fins diversos do da sociedade(MAMEDE,2004). Nesses casos, torna-se possível a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, a fim de responsabilizar o sócio ou administrador que praticou o ato. O juristaFábio Ulhôa Coelho (2008)defende, ainda mais, que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica serve como um meio de preservar a sociedade, bem como a própria personalidade jurídica, sendo que, aludir sobre a sua existência jurídica não implica dizer que se é contra a separação subjetiva entre asociedade empresária e seus sócios, mas, que estavisa conservaro instituto, em suas contiguidades fundamentais diante da possibilidade da desvirtuação vir a comprometê-lo. Isto é, a inexistência de um critério deorientação, a partir do qual os julgadores pudessem conter fraudes eabusos cometidos através da autonomia patrimonial, poderia eventualmente provir no questionamento do próprio instituto, e não do seu uso indevido. (COELHO, 2008, p.39) Nesse sentido, a desconsideração da personalidade jurídica deveser aplicada em casos singulares, haja vista quea regra é a autonomia patrimonial. Deste modo, será cabível, quando verificado pelomagistrado que a aplicação da autonomia patrimonial ensejará prejuízos à terceiroem face de um ato ilícito ou quando a personalidade jurídica for utilizada de maneira indevida. 3.1 O princípio da autonomia patrimonial Com a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a sociedade passa a responder legalmente pelas operações nela realizadas dentro dos limites de gestão estabelecidos nos seus atos constitutivos. Assim, constitui-se em um incentivo às pessoas, que passam a se dispor a colocar seu capital a serviço do empreendimento empresarial, tendo a garantia que não terão seu patrimônio pessoal ameaçado para suprir dívidas da pessoa jurídica. Isto é característico, sobretudo, nas sociedades limitadas. Essa proteção patrimonial, que é uma espécie de égide a defender a pessoa dos sócios, quanto ao seu patrimônio pessoal, é usada para praticar fraudes e abusos, lesando terceiros e credores. Se não houvesse um freio, ao se aplicar o princípio da autonomia patrimonial de forma absoluta, o credor passaria a ser refém das circunstâncias e da boa vontade do devedor. Enquanto não se instituía um diploma legal para coibir as fraudes, os tribunais passaram, então, a firmar jurisprudência, visando coibir os excessos, decidindo que o direito à personalidade jurídica deveria sofrer restrições, podendo, em determinados casos, não levar em conta a distinção patrimonial entre a pessoa jurídica e os seus sócios. Iniciava-se aí a aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica. 3.2 Teoria Maior e Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica A desconsideração da personalidade jurídica disponha-se em duas teorias, as quais são: Teoria Maior e Teoria Menor. O que se torna formidável destacar que em ambas as teorias são cabíveis não somente a responsabilização do sócio, mas também do administrador, mesmo que não sócio, tendo em vista que seu objetivo é de responsabilizar o autor do ato danoso. Segundo o doutrinador Marlon Tomazette(2011), a aplicação da Teoria Maior nãodecorre unicamente do descumprimento de uma determinada obrigação, mas de umdesvirtuamento da função da personalidade jurídica, de um afastamento dos finspara o qual foi criada.Dessa forma, a regra da autonomia patrimonial deverá ser excepcionada, desde que a pessoa jurídica tenha sua função desvirtuada. Acerca dessa teoria, existem duas formulações, a Teoria Maior Subjetiva e a Teoria Maior Objetiva. Na perspectiva do autor Souza (2009)a teoria maior subjetivaé fundamental averificação de uma questão subjetiva, a qual é a intenção do agente. Neste sentido, o autor Gama (2009) afirma que paraque se dê a desconsideração da personalidade jurídica fundada na Teoria Subjetivaé necessário que o sócio ou administrador tenha agido dolosamente. A Teoria Maior Subjetiva é fundada, posto isso, no desvio de função da pessoa jurídica, oqual se verifica na fraude e no abuso de direito. Em outras palavras pode-se dizer que: Uma primeira vertente pode ser chamada de teoria subjetiva, na qual opressuposto fundamental da desconsideração é o desvio da função dapessoa jurídica, que se constata na fraude e no abuso de direito relativos àautonomia patrimonial, pois a desconsideração nada mais é do que umaforma de limitar o uso da pessoa jurídica aos fins para os quais ela édestinada. (TOMAZETTE,2011) Deste modo, torna-se conexo fazer uma breve conceituação acerca da fraude e do abuso de direito. No que se refere à fraude, conforme afirmaMamede (2004) essa consiste em uma utilização ilícita da sociedade, um objeto ilícito efetivo, e não necessariamente o declarado, seja pelos sócios, seja pelos administradores.Logo, quando houver a fraude se estará diante de hipóteses emque os sócios ou administradores agiram com má-fé, cientes do ato lesivo queestavam praticando, igualmente ao abuso de direito, em que: Do mesmo modo, consiste no desvio da finalidade da pessoajurídica gerando o seu “mau uso”. Nesse caso, entretanto, o ato não é ilícito.No abuso de direito, o ato praticado é permitido pelo ordenamento jurídico,trata-se de um ato, a princípio, plenamente lícito. Todavia ele foge a suafinalidade social, e sua prevalência gera um mal-estar no meio social, nãopodendo prevalecer. Os direitos se exercem tendo em conta não apenas oseu titular, mas todo o agrupamento social. Seu exercício normalmente nãoé absoluto, é relativo.(TOMAZETTE,2011,p.246) Assim, quanto ao abuso de direito, embora não seja ilícito, tampouco existe algummotivo legítimo para o seu exercício ou interesse honesto. Vale elucidar que odesvio de finalidade não se trata unicamente de ir contrário aos fins elencados noobjeto social, mas também de contrariar a função social da empresa, em analogia ao princípio da função social da propriedade, com a finalidade de impedir que aintenção de obter lucro viole direitos fundamentais da pessoa humana e interessescoletivos(FARIAS,2008,p.261-262). Por outro lado, no que se refere à Teoria Maior Objetiva, essa trataunicamente da hipótese de confusão patrimonial. Contudo, a simples confusãopatrimonial, por si só, não tem o condão de superar a personalidade jurídica, sendonecessário para tanto verificar-se o prejuízo causado a terceiro. Desta forma,compreende-se melhor no ponto de vista do doutrinador Fábio UlhôaCoelho(2008)ao dizer que nem sempreque houver confusão patrimonial haverá a possibilidade de desconsiderar a pessoajurídica, tendo em vista a necessidade de prejuízo, bem como nem sempre que sepuder desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade estar-se-á diante de umcaso de confusão patrimonial, na medida em que nem todas as hipóteses de fraude eabuso de direito se manifestam através da confusão patrimonial. Nesse sentido, a Teoria Objetiva leva esse nome tendo em vista que ahipótese de confusão patrimonial não leva em conta critérios subjetivos(a intençãodo agente), mas tão somente a necessidade de se comprovar o prejuízo do credor ea confusão existente entre os bens da sociedade e sócios. Em face disso, aconfusão patrimonial, embora não seja o único meio cabível de desconsiderar apersonalidade jurídica, é o meio mais recorrente para a aplicação da desconsideração da personalidade(COELHO, 2008, p.31). Vale ressaltar, que a teoria maior encontra-se corroborada no Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/1990), em seu artigo 28: “O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocado por má administração”.Importante salientar que o § 5° do supracitado artigo 28, refere-se à teoria menor da desconsideração e estapor sua vez, parte de premissas distintas da teoria maior. Combase na Teoria Menor, para a incidência da desconsideração da personalidade jurídica, basta à prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Assim, o §5, doCódigo de Defesa do Consumidor diz que:“também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”. Diante disso,a seguinte teoria é baseada na oneração patrimonial dos sócios por simples inadimplência de obrigação devida pela entidade societária, em que emerge o seu intento de proteger o patrimônio dos credores da pessoa jurídica. Defendendo que, com essa teoria, não são precisos os argumentos doutrinários a respeito de ela ser uma negação da personalidade jurídica, ou, ainda, um questionamento de sua pertinência, uma vez que ela não “mata” a personalidade da empresa, mas se perpetua no tempo, e o que se faz, é “levantar seu véu personificante”, como na teoria maior(LOVATO, 2008, p.219). Posto isso, as seguintes teorias tornam-se importantes para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que sua existência é aludida diante dos requisitos taxados pelas mesmas para sua efetiva realização. 4 A DESCONSIDERAÇÃO INVERSADA PERSONALIDADE JURÍDICA A desconsideração inversa pressupõe a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade para responsabilizá-la por dívidas do sócio. Possui como intuito coibir, principalmente, o desvio de bens da pessoa física para a pessoa jurídica. Nesse sentido, a“desconsideração inversa é o afastamento do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio”(ULHÔA, 2009, p.47), consistindo em uma forma de evitar o desvio debens, realizado pelo sócio controlador à sociedade com o objetivo de que as suasdívidas pessoais não atinjam seu patrimônio. Neste ínterim, preleciona o doutrinador Fábio Ulhôa (2009), que: A fraude que a desconsideração invertida coíbe é, basicamente, o desvio debens. O devedor transfere seus bens para a pessoa jurídica sob a qualdetém absoluto controle. Desse modo, continua a usufruí-los, apesar de nãoserem de sua propriedade, mas da pessoa jurídica controlada. Os seuscredores, em princípio, não podem responsabilizá-lo executando tais bens. Frente a isto, vale destacar que adesconsideração inversa, existe como forma de tomar a precaução, de verificar se o sócio agiu de forma fraudulenta, com abuso ou se foi configurada realmente a confusão patrimonial, para não causar danos ao desconsiderar a personalidade jurídica injustamente. Deste modo, é imprescindível que a pessoa física realmente não possua bens os quais sejam suscetíveis de penhora, para assim justificar a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, para que esta possa arcar com as dívidas do sócio. Este entendimento encontra-se, ainda,firmado no habeas corpus nº2000. 018889-1, deste modo, o Tribunal de justiça de Santa Catarina decidiu que: Na desconsideração inversa da personalidade jurídica de empresa comercial, afasta-se o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, responsabilizando-se a sociedade por obrigação pessoal do sócio. Tal somente é admitido, entretanto, quando comprovado suficientemente ter havido desvio de bens, com o devedor transferindo seus bens à empresa da qual detém controle absoluto, continuando, todavia, deles a usufruir integralmente, conquanto não integrem eles o seu patrimônio particular, porquanto integrados ao patrimônio da pessoa jurídica controlada”.(SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça,2001). Contudo, acredita-se que essa medida extrema torna absoluta a indispensabilidade de comprovação, pelo credor, de todos os pressupostos da desconstituição inversa da personalidade jurídica da empresa comercial, o que não ocorre quando, comprovadamente, o executado tem bens próprios, sendo passíveis de penhora (SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça, 2001) Posto isso, com base nasideias do autor Souza (2009)é admissívela desconsideração inversa, a fim de coibir o desvio de bens realizados pelo sócio controlador da sociedade como forma de se eximir de suas obrigações, responsabilizando a sociedade por dívidas do sócio. Sendo que, a teoria da desconsideração inversa só seráaplicada para tornar sem efeito a transferência indevida do patrimônio do sócio paraa sociedade. Diante disso, convém destacar que a jurisprudência pátria, em harmônico entendimento com a doutrina, acolheu a Desconsideração da Personalidade Jurídica em sua forma inversa. É importante destacar que não há, em nosso ordenamento jurídico, legislação específica que aborde a Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica, mas apenas decisões jurisprudenciais que entendem a sua aplicação. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de todo o conteúdo estudado e explicitado neste artigo científico, objetivou-se constatar que a pessoa jurídica é um instituto dotado de direitos e obrigações que merecem ser respeitados, e que esta não deve servir como “escudo” para que seus sócios se abstenham de agir dentro dos ditames previstos na legislação.O enfoque principal destacou a importância da teoria da desconsideração da personalidade jurídicasob a perspectiva do princípio da autonomia patrimonial Dessa forma, afirma-se que a desconsideração da personalidade jurídica possui como objetivo preservar a autonomia da pessoa jurídica ao coibir os atos ilícitos praticados pelos seus sócios. Emerge, então, a ideia de que a autonomia da pessoa jurídica poderá ser relativizada quando devidamente provado que seus sócios agiram com o intuito de burlar a lei. Ademais, as sociedades empresárias possuem direitos e obrigações distintos dos que possuem seus sócios, constituindo, desta forma, uma autonomia individualizada. A sociedade não se confunde com a pessoa de seus sócios. Diante desta prerrogativa, muitas vezes a pessoa jurídica, sujeito de direito autônomo, pode ser usada como instrumento na realização de fins ilícitos propostos por seus sócios. Sendo assim, a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica independe de previsão legal, não sendo taxativas as hipóteses que autorizam sua aplicação, ainda que o ordenamento pátrio tenha tratado de situações que são concretas e permitem o emprego desse instituto. As hipóteses normatizadas ou não se sustentam, principalmente, em duas vertentes da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, a menor e a maior. A teoria menor que também é aplicada nos casos de insolvência ou falência da pessoa jurídica, pouco importando se o sócio utilizou fraudulentamente o instituto, se houve abuso de direito, e tampouco se foi configurada a confusão patrimonial, temsua preocupação maior em não frustrar o credor da sociedade. Esta, é muito menos organizada do que a teoria maior, pois a sua atenção pressupõe o simples inadimplemento para com os credores, sem ao menos considerar os reais motivos que levaram a sociedade a deixar de se obrigar perante terceiros. E por fim, ao tratarda desconsideração inversa, deve-se constatar se ocorreram os pressupostos os quais autorizam a aplicação desta modalidade da desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, se realmente houve a intenção fraudulenta por parte do sócio, pois como dito acima, a pessoa jurídica é um instituto que merece ser respeitado, pois é autônomo e neste caso, responderá pelas dívidas da pessoa física. Outro fator que deve ser apurado é se a pessoa física realmente não possui bens pessoais suscetíveis de penhora, caso contrário, não pode a desconsideração inversa ser acatada. Portanto, concluiu-se que de todo o modo, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica em referencia ao princípio da autonomia patrimonial veio para coibir atos de má fé e resguardar a autonomia concedida à pessoa jurídica, evitando que esta seja prejudicada de maneira injusta. REFERÊNCIAS BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. 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