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Primeiras impressões sobre o novo art. 285-a do CPC (Lei nº 11.277/06)

alguns aspectos práticos da sentença de improcedência liminar em "processos repetitivos"

Primeiras impressões sobre o novo art. 285-a do CPC (Lei nº 11.277/06): alguns aspectos práticos da sentença de improcedência liminar em "processos repetitivos"

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Trata-se de permissão legal para que o juiz de primeiro grau profira sentença de improcedência liminar, sem a oitiva do pólo adverso, baseado unicamente em precedentes do mesmo juízo.

Publicada em 7 de fevereiro de 2006, a Lei n. 11.277, que passará a vigorar em 9 de maio deste mesmo ano [01], acrescenta o art. 285-A, §§ 1º. e 2º. ao CPC, dispondo o seguinte teor:

Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.

§ 1o Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.

§ 2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso."

Trata-se de expressa permissão legal para que o juiz de primeiro grau profira sentença de improcedência liminar, sem a oitiva do pólo adverso, baseado unicamente em precedentes de sua própria lavra ou de outro magistrado que atue [02], ou tenha atuado, no mesmo juízo [03], ou seja, na mesma Vara Judiciária da Comarca, especializada ou residual, de forma permanente ou transitória [04].

Passemos a um breve cotejo crítico das implicações jurídicas e práticas do novo texto:

Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito...

"Matéria controvertida", para os fins da norma, é a parcela do conflito pré-processual existente entre as partes, denunciada, ainda que unilateralmente, pelo autor em juízo, sob a qual se requer a pacificação Estatal.

O termo "unicamente de direito" foi tomado de empréstimo do caput do art. 330, I, do codex [05], que, no entanto, se refere à hipótese totalmente diversa, alusiva ao conhecimento antecipado da lide, temporalmente adstrito aos casos onde, depois de conferida a chance para o réu defender-se, não ocorra o julgamento conforme o estado do processo, com base na casuística dos arts. 267 (sentenças terminativas) e 269, II à V (sentenças formalmente meritórias) do mesmo Diploma.

Para que o juiz conheça diretamente do pedido (art. 330, I) faz-se necessária a viabilização prévia do contraditório, que refoge ao caso perfilhado.

Outrossim, é cediço que mesmo sob a ótica do julgamento antecipado da lide, é impossível conceber uma relação processual que discuta matéria unicamente de direito [06]. Os iniciados na prática forense bem sabem ser mais comum os juízes desprezarem o uso de tal terminologia estrita, conhecendo diretamente do pedido sob o fundamento de que, nada obstante a questão de mérito ser de direito e de fato, inexiste necessidade de dilação probatória (art. 330, I, in fine), visando com isso afastar o risco do decisório ser cassado por cerceamento de defesa quanto à demonstração dos fatos constitutivos do pedido exordial ou modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do autor.

...e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos...

Numa sentença típica de mérito, envolvendo a concreta apreciação da pretensão deduzida em juízo, o julgador possui três caminhos: acolhe parcialmente o pedido formulado na inicial, o ampara por completo ou o julga improcedente. A "sentença de total improcedência" remonta à tautologia, incompatível com a boa técnica legislativa.

O termo "outros casos idênticos" revela mais uma incorreção da norma. Casos processuais idênticos pressupõem a tríplice correlação dos elementos da ação: partes, pedido e causa de pedir. A rigor, o ajuizamento de pretensão ulterior reprisando os eadem de demanda preexistente, merece o destino da extinção terminativa, ou por infringência à coisa julgada, ou por vulneração a uma possível litispendência nas hipóteses onde o litígio ainda esteja em curso, aguardando a paz da preclusão máxima. (art. 267, V, segunda e terceira figuras).

Para que seja extraído um efeito prático desta parcela da norma, a apontada ‘identidade de casos’ deve ser contextualizada com a devida transigência conceitual, admitindo-se a aplicação da Lei naquelas hipóteses onde haja similaridade entre o pedido e causa de pedir da ação proposta e os paradigmas de improcedência apontados pelo julgador, permitida apenas a diversidade de partes (rectius, de um ou de ambos os sujeitos processuais).

Entretanto, ainda que com boa vontade primeira se tente salvar o Diploma mediante sua interpretação conforme, a expressão "outros casos idênticos" apresenta uma outra barreira, emanada do indesejável subjetivismo que ronda a sua implementação. Seriam dois, três, quatro casos idênticos suficientes para suprir a condição em testilha, autorizando o julgador a ceifar o processamento da demanda ainda no pórtico do procedimento?

A experiência de mais de cinco anos na assessoria jurídica de magistrados de Varas Cíveis Residuais de primeiro grau nos possibilita concluir que nos gabinetes, até mesmo por razões de operacionalidade, os processos são divididos em blocos de assuntos análogos para que se otimize o julgamento de mérito sobre determinados temas, de uma só vez.

Suponha-se, com base em tal premissa, que um juiz aprecie em um dia dois processos que contenham matéria "estritamente" jurídica, com instrução concluída e, portanto, maduros para cognição final, dando por improcedentes os pleitos neles veiculados. A teor do novo regramento, no mesmo dia já lhe será dado extinguir ações que discutam assuntos similares, em qualquer processo, ainda que iniciado anteriormente a vigência da Lei, onde, após algum tempo da propositura da demanda, já esteja o requerente na iminência de conseguir finalmente citar o réu que até então vinha se esquivando de ser integrado ao feito.

A hipótese é factível, pois, enquanto regra de direito processual, a nova Lei tem aplicação imediata nos processos já em curso [07].

Ademais, não se trata de mera discussão acadêmica, mas de análise concreta de agressão à segurança jurídica do autor da ação. Ora, se, lutando para encontrar o réu há certo tempo, arcando com todos os custosos ônus do processo, o demandante se depara, após meses de espera, com uma sentença liminar de improcedência, o projeto de justiça imaginado quando o cidadão batera às Portas do Judiciário, inegavelmente se transformará num ato jurisdicional formalmente legítimo, mas materialmente insatisfatório, posto que maculado por um sabor amargo de negativa de prestação jurisdicional efetiva.

Como já abordado, a nova Lei, por sua amplitude, também não impede que um magistrado profira sentença de improcedência liminar, valendo-se de precedente julgado por outros juízes na mesma Vara (juízo) [08], inclusive quando esteja atuando em substituição ao titular, como se dá, p.ex. nas férias ou plantões.

...poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.

O centro nervoso da nova alteração se situa justamente na previsão legal de dispensa da citação para prolação imediata de sentença de improcedência do pedido inicial.

Ao contrário do que possa parecer, a ausência de citação não implica em cerceamento de defesa, eis que ao julgar improcedente in limine a pretensão do demandante o juiz privilegia, ao menos num primeiro momento, justamente o demandado, que, ao invés de se submeter ao pálio do jogo processual, com todos os ônus e deveres a ele inerentes, obtém desde já a tutela jurisdicional [09], sem sequer integrar o litígio.

Tal espécie de sentença, definitiva e passível de produzir coisa julgada formal e material, agride sim os imediatos interesses do autor que busca o Poder Judiciário para sanar, mediante cognição plena e exauriente, o conflito de interesses qualificado pela pretensão resistida e não para receber um pronunciamento açodado de mérito, sem que ao menos seja o réu citado.

O legislador parece não ter levado em conta a advertência de KAZUO WATANABE [10], que em obra clássica, ensina que o direito à cognição adequada à natureza da controvérsia faz parte, ao lado dos princípios do contraditório, da economia processual, da publicidade e de outros corolários, do conceito de "devido processo legal", assegurado pelo art. 5º., LIV, da Constituição Federal. "Devido processo legal", é, em síntese, processo com procedimento adequado à realização plena de todos esses valores e princípios.

Dessa forma, pensamos que a aplicação irrestrita da norma poderá trazer séria agressão ao devido processo legal, em prol de uma procura desmedida pela aceleração da tutela [11], pagando-se o preço caro de eventual subversão de garantias individuais. Expondo os perigos dessa filosofia, valem as advertências, sempre esclarecedoras de CANOTILHO [12]:

A protecção jurídica através dos tribunais implica a garantia de uma protecção eficaz e temporalmente adequada. Neste sentido, ela engloba a exigência de uma apreciação, pelo juiz, da matéria de facto e de direito, objecto do litígio ou da pretensão do particular, e a respectiva "resposta" plasmada numa decisão judicial vinculativa (em termos a regular pelas Leis de processo). O controlo judicial deve, pelo menos em sede de primeira instância, fixar as chamadas "matérias ou questões de facto", não devendo configurar como um "tribunal de revista", limitado à apreciação das "questões" e "vícios de direito". Além disso, ao demandante de uma protecção jurídica deve ser reconhecida a possibilidade, em tempo útil ("adequação temporal", "justiça temporalmente adequada"), obter uma sentença executória com força de caso julgado – "a justiça tardia equivale a uma denegação da justiça"...Note-se que a exigência de um processo sem dilações indevidas, ou seja, de uma protecção judicial em tempo adequado, não significa necessariamente "justiça acelerada". A "aceleração" da protecção jurídica que se traduza em diminuição de garantias processuais e materiais (prazos de recurso, supressão de instâncias excessiva), pode conduzir a uma justiça pronta mas materialmente injusta...

Por fim, tudo o que foi dito se agrava diante do permissivo para que o juiz se paute em precedentes de sua própria lavra, aumentando por demais o poder dos magistrados de primeiro grau, dando-lhes o poder de criar sentenças vinculantes.

Tal aspecto, aliás, foi suscitado no trânsito do então Projeto de Lei n. 4.728/04 pela Comissão de Constituição e Justiça, quando o Deputado Darci Coelho, mediante voto em separado, expôs algumas premissas que, em seu pensar, evidenciariam a fragilidade da norma em análise [13], verbis:

Procedendo-se, contudo, à análise técnica do teor do projeto de Lei em tela, é de se verificar que padece de insanáveis vícios quanto aos aspectos de constitucionalidade e juridicidade.

Quer-se estabelecer em seu texto um mecanismo semelhante ao da tão propalada súmula vinculante, com a diferença, porém, de já se a prever para aplicação pelo juiz competente para o exercício da jurisdição em primeiro grau. A sua adoção feriria gravemente o princípio geral de direito processual da garantia do duplo grau de jurisdição, eis que estabeleceria a possibilidade de se suprimir o primeiro grau da jurisdição, à medida que se autoriza o juiz a proferir sentença apenas reproduzindo o teor de outra anteriormente prolatada no juízo.

Além disso, vislumbra-se, no conteúdo da proposição em comento, ofensa também aos princípios e normas gerais que regem a coisa julgada formal, tendo em vista que se pretende permitir ao juiz do primeiro grau de jurisdição a prolação de sentença terminativa em duas oportunidades, quais sejam, no momento anterior à citação da parte contrária e posteriormente à prática de tal ato, se então houver apelação e se decidir não a manter e dar prosseguimento normal ao feito.

Há afronta ainda aos princípios constitucionais da garantia da ampla defesa e do contraditório, no âmbito do mencionado projeto de Lei. Isto porque se facultaria ao juiz dispensar a citação da parte contrária, e como se deve saber, tal ato constitui, na sistemática adotada pelo nosso direito processual, requisito essencial e indispensável para a regular defesa do réu...

Em que pese não se vislumbrar qualquer ofensa aos princípios da coisa julgada formal, pois que de sentença de mérito aqui se trata, ou, exceto em casos singulares, da ampla defesa e contraditório, eis que a improcedência do pleito privilegia primordialmente o réu, concordamos em parte com a preocupação do parlamentar, no tocante ao simulacro de súmula vinculante disponibilizado ao juiz de primeiro grau.

§ 1o Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.

Trata-se de mais uma hipótese de apelo com excepcional caráter iterativo, possibilitando que o próprio prolator da decisão impugnada, volte atrás em seu juízo de valor.

§ 2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.

A manutenção da sentença abre espaço para o apelo do autor, facultando-se ao réu o uso da estreita via do contraditório postecipado e limitado, somente para manifestar-se, já no órgão ad quem, quanto ao recurso tirado da sentença de improcedência liminar.

Ao demandante será dado escolher duas vertentes intuitivas de ataque à sentença [14] mediante a interposição de apelo [15]:

1) requerer, preliminarmente, a insubsistência do ato decisório, fundamentado na ausência dos pressupostos de aplicabilidade do permissivo legal;

2) em caráter principal, formular o pedido de reforma da sentença com inversão de posicionamento quanto ao mérito, a fim de que a pretensão originalmente denegada seja julgada procedente em segundo grau de jurisdição.

Por paralelo lógico, ao demandado, personagem que só terá voz nas eventuais contra-razões ao apelo, se facultará a defensiva sob duas linhas principais:

1) os pressupostos de aplicação do permissivo legal se encontravam presentes, não prosperando o pedido de anulação da sentença neste aspecto.

2) a matéria, além de ser efetivamente de mérito, foi acertadamente decidida pelo magistrado à luz dos precedentes e do caso concreto.

Em relação ao recorrente, entendemos que, agitada apenas a nulidade da sentença, com base no argumento proposto no item n. 1, caso não forem vislumbrados pela Corte de Apelo os requisitos de incidência do art. 285 - A, ou seja, se a controvérsia, além da apreciação do direito, depender de dilação probatória para ser dirimida, o Tribunal deverá se limitar a reconhecer o vício de atividade (error in procedendo), cassando a decisão e determinando seja o processo devolvido ao juízo de primeiro grau [16] para volte ao seu curso regular [17].

Por outro lado, inexistente ou vencida a prefacial, provocada também a tese de mérito ventilada no item 2, o Colegiado responsável pelo cotejo da sentença poderá:

1) concluir que os pressupostos de aplicação da medida estão presentes (ou seja, no caso concreto a matéria controvertida é "unicamente de direito" e no juízo de origem já foram proferidas sentenças de "total" improcedência em casos idênticos), mas que a valoração de fundo externada pelo magistrado não é a correta, percebendo-se com fulcro no mesmo raciocínio jurídico predisposto na inicial e apenas repisado no apelo, que a sentença hostilizada colide frontalmente com a jurisprudência do STF ou de outro Tribunal Superior, verificando-se então um error in iudicando, cuja correção favorece apenas os interesses do autor da ação.

Nesse caso, tratando-se de questão jurídica já conhecida pelo réu, quando das contra-razões ao apelo, será facultado ao Desembargador Relator dar provimento monocrático ao recurso, aplicando o parágrafo primeiro, alínea "A" do art. 557, tal como era permitido antes do advento da Lei n. 11.277/06 [18].

2) concluir que os pressupostos de aplicação da medida estão presentes (ou seja, no caso concreto a matéria controvertida é "unicamente de direito" e no juízo de origem já foram proferidas sentenças de "total" improcedência em casos idênticos), mas que a valoração de fundo externada pelo magistrado não é a correta, devendo ser invertida para o julgamento de procedência, não em razão das questões suscitadas pelo autor, mas sim por outra interpretação de direito aventada de forma inovadora pelo Tribunal, verificando-se então um error in iudicando, cuja correção favorece totalmente os interesses do autor da ação.

Diante dessa singular hipótese, mesmo sendo dispensável a produção de quaisquer outras provas, entendemos que restará vedado à Corte deliberar pela procedência imediata do pedido inicial com base em aplicação de mérito diverso daquele analisado pelo magistrado [19] e disposto ao conhecimento do demandado citado para contra-razoar o recurso do autor. A nosso sentir, caberá ao Tribunal, diante do silêncio da Lei, devolver o feito ao juiz de primeiro grau, declinando o impedimento da cognição per saltum, para que se faculte ao réu o exercício do contraditório em sua extensão de iure, sob pena de, assim não agindo, cometer-se agressão ao direito de defesa [20] do requerido, impossível de ser satisfeito em plenitude com a mera juntada de contra-razões [21] à apelação interposta pelo demandante [22], sem que se saiba da abrupta alteração dos fundamentos jurídicos da demanda.

A diferenciação de tratamento advém da impossibilidade da Corte de revisão criar surpresa quanto à tese de mérito a ser acolhida no julgamento do recurso, o que não acontece nos casos onde o autor repisa no apelo a mesma tese posteriormente endossada pelo Tribunal, já submetida a audiência do pólo passivo.

Importante consignar, que, nos casos onde não houver interposição de apelo por parte do autor da ação, transitando em julgado a sentença de improcedência liminar recomenda-se seja o réu informado do resultado do processo pelo escrivão, por analogia ao parágrafo quinto do art. 219 do CPC, que incumbe a tal serventuário o dever de transmitir o deslinde do julgamento ao demandado ainda não citado, nos casos em que o magistrado conheça de ofício da prescrição contra menores ou não patrimonial detectada na pretensão inicial [23].


CONCLUSÃO

Certamente que as críticas não impedirão a aplicação da norma, ao menos até que alguma providência concreta seja tomada no sentido de questionar-lhe a constitucionalidade perante a Suprema Corte de nosso País.

Mais uma vez, e não será a última, a capacidade técnica dos causídicos será posta à prova, cabendo-lhes, com as reservas alhures, trabalhar o novo material normativo, atentos aos seus pressupostos e conseqüências, de modo a coibir a sua má utilização no juízo de primeiro grau.

De lege lata, pensamos que na prática forense, será de todo prudente que o advogado:

- ao patrocinar os interesses do autor da ação, tome a precaução de suscitar na petição inicial um tópico preliminar, denominado "da inaplicabilidade do art. 285-A do CPC", argumentando expressamente que a pretensão deduzida em juízo (matéria controvertida nos dizeres a norma) não condiz com a análise única de direito, dependendo de dilação probatória e de cotejo fático, totalmente incompatíveis com a incidência do aludido preceito.

- ao defender os interesses do réu em contra-razões ao apelo interposto da sentença de improcedência, suscite a preliminar de impossibilidade da inovação do fundamento de mérito pela Corte responsável pela apreciação do recurso, sob pena de agressão ao devido processo legal.

De lege ferenda, também caberá aos magistrados cercarem-se de prudência na aplicação do novo dispositivo, evitando seu uso quando, à míngua do entendimento pessoal do julgador de primeiro grau, a jurisprudência da Corte Local e ou dos Tribunais Superiores já tiver consolidado a solução controvérsia em sentido diametralmente oposto ao da improcedência preconcebida [24].

Dentre os pontos positivos do permissivo poderão ser destacados dois: a "aceleração" da prestação jurisdicional de primeiro grau e o desafogamento de processos repetitivos na primeira instância.

Para aqueles que atuam diuturnamente no foro, os pontos negativos podem ser sintetizados em três: aumento do arbítrio judicial diante dos termos vagos da Lei; sacrifício do devido processo legal e abrupta sobrecarga das Cortes de Segundo Grau, ante o previsível aumento de apelos submetidos à sua apreciação.

Diante da limitada proposta de debate, são essas as primeiras considerações que pretendemos externar.


BIBLIOGRAFIA

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- CAMBI, Eduardo. "O controle da boa-fé contratual por meio dos recursos de estrito direito". Eduardo Cambi e Paulo Nalin. in Aspectos Polêmicos e atuais dos recursos cíveis. Vol. 7, SP: RT. Coordenadores: Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier.

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- PISANI, Andréa Proto. Lezioni di diritto processuale civile. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene. 2002. Quarta Edizione.

- RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, v. 1 e 2

- SANTOS, Nelton Agnaldo Moraes dos. A técnica de elaboração da sentença civil. São Paulo: Saraiva, 1996.

- WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: Perfil, 2005.


NOTAS

01Conforme o parágrafo primeiro do Art. 8º da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, "a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral".

02 É o que ocorre, por exemplo na Justiça Estadual de Mato Grosso do Sul, onde os magistrados da Capital Campo Grande atuam em dupla no mesmo juízo, com idêntica competência quanto a matéria, separando os processos entre si, por critérios de prevenção por distribuição, em números pares e ímpares.

03 Observe-se que o referencial para fins de identificação dos precedentes aptos a legitimar a reprodução liminar é o juízo e não a pessoa física do juiz.

04 Juízes substitutos, em estágio probatório, ou magistrados vitaliciados atuando em substituição, por exemplo.

05 Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença: I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência.

06 Quanto à utópica previsão de processos de puro direito, vale consignar a crítica sempre atual de Santiago Sentis Melendo:"Dónde están los procesos de puro derecho? En mi vida judicial apenas si tropecé côn ellos. La vida está formada por hechos; se discute sobre hechos; y de ellos nace el derecho: ex facto oriutur ius. El puro derecho, desconectado de los hechos, no existe. El derecho que se aplica al hecho, el hecho que se subsume en el derecho, son, no fenómenos recíprocos, sino el mismo fenómeno" (La prueba es libertad. La prueba. Los grandes temas del derecho probatorio. Buenos Aires: EJEA, 1978. p. 22, citado por Eduardo Cambi e Paulo Nalin no artigo "o controle da boa-fé contratual por meio dos recursos de estrito direito in Aspectos Polêmicos e atuais dos recursos cíveis. Vol. 7, SP: RT., p. 57-58. Coordenadores: Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier)

07"Governa a aplicação de direito intertemporal o princípio de que a lei processual nova tem eficácia imediata, alcançando os atos processuais ainda não preclusos. Precedentes.Recurso desprovido."(REsp 588.368/SP, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01.03.2005, DJ 21.03.2005 p. 423)

08 Em última razão, até mesmo nos denominados "mutirões", onde juízes lotados em outras Varas são chamados a auxiliar os trabalhos judicantes em um único Juízo emergencialmente sobrecarregado, será dado aos auxiliadores valerem-se dos precedentes do auxiliado para fins de aplicação do permissivo e vice-versa.

09 Aderimos à orientação de Dinamarco, quando conclui que a tutela jurisdicional pertence ao autor somente quando este tenha razão.

10 Da cognição no processo civil. São Paulo: Perfil, 2005, p. 142-143.

11 Em sentido contrário, pronuncia-se o ilustre Jurista Luiz Guilherme Marinoni, para quem "o novo instituto constitui importante arma para a racionalização do serviço jurisdicional. É racional que o processo que objetiva decisão acerca de matéria de direito, sobre a qual o juiz já firmou posição, seja desde logo encerrado, evitando gasto de energia para a obtenção de decisão a respeito de "caso idêntico" ao já solucionado. O "processo repetitivo" constituiria formalismo desnecessário, pois tramitaria somente para autorizar o juiz a expedir a decisão cujo conteúdo foi definido no primeiro processo." In O julgamento liminar das ações repetitivas e a súmula impeditiva de recurso (Leis. 11.276 e 11.277, de 8.2.06).

12 Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina. 4ª. Ed., p. 486-487.

13. Obviamente o voto em contrário foi rejeitado pelos demais membros daquele colegiado

14Convém lembrar que, com a entrada em vigor do novo parágrafo primeiro do art. 518 do CPC, o juiz sequer receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. (Redação da LEI Nº 11.276 \ 07.02.2006 - Vigência em 09 de maio de 2006). Em suma, se a improcedência liminar estiver escudada em uma dessas duas hipóteses o recurso não será admitido ainda no órgão de primeiro grau. Essa decisão interlocutória, proferida após a sentença, desafiará agravo de instrumento, a teor do novo caput do art. 522 do codex, que entrou em vigor no dia 19 de janeiro de 2006.

15 Evidentemente que este breve estudo não tem a pretensão de esgotar todas as saídas possíveis, mas apenas explorar algumas hipóteses que certamente vão se tornar mais comuns na prática forense.

16 Que fique ressalvada a possibilidade do Relator fazê-lo de forma monocrática (Art. 557 do CPC), desde que a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior (§ 1º. A), ao menos até a vigência do novo parágrafo primeiro do art. 518 (Lei n. 11.276/06), já citado na nota 13, quando se abrirá uma nova via de inadmissibilidade do apelo nos casos ali aludidos.

17 Nessa hipótese de decreto de insubsistência da sentença, a lei não faz menção à necessidade de nova citação do réu em primeiro grau. Como proceder? Acredita-se que mesmo que o demandado já tenha sido cientificado da ação, o foi somente para fins de responder ao recurso (art. 285 "A", parágrafo segundo) e não para exercer o ônus da impugnação específica aos termos amplos da petição inicial. Bem por isso, entendemos razoável a aplicação da solução disposta no parágrafo segundo do art. 214 do CPC, in fine, reputando-se feita a citação (desta vez para que o réu se manifeste à exordial), na data em que ele ou seu advogado forem intimados da decisão proferida pela Corte, cassando a sentença de improcedência liminar.

18Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. (Redação da Lei nº 9.756, de 17.12.1998): § 1º-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)

19Cremos que em tal caso a Corte não poderá invadir o mérito ainda não apreciado pelo juiz para julgar desde logo a lide em favor do autor sob pena de cognição per saltum, pois, a teor da jurisprudência do STJ, somente pela aplicação do art. 515, § 3º.do CPC é facultada tal ingerência, cuja excepcionalidade não admite interpretação extensiva ("Não há que se falar em interpretação extensiva ao artigo 515, § 3º, do CPC, quando nem sequer houve, na sentença, extinção do processo sem julgamento do mérito, requisito este essencial à aplicação do artigo 515, § 3º, da Lei Processual Civil".(REsp 756.844/SC, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 15.09.2005, DJ 17.10.2005 p. 348). Desta forma, apenas quando se tratar de sentença terminativa (extinção do feito sem julgamento de mérito, alheia ao permissivo art. 285 – A), é que será permitido ao Tribunal invadir o mérito da contenda ainda não apreciado pelo magistrado a quo. Ressalte-se, em adendo, que a apelação só devolve ao Tribunal a matéria impugnada e as questões suscitadas e discutidas no processo (leia-se "no primeiro grau de jurisdição" – art. 515, §§ 1º. e 2º. do CPC), de modo que a tese de direito, ainda não submetida a cognição do juiz da causa e ao contraditório, ainda que limitado do réu, não pode ter seu cotejo primeiro na Corte de revisão, o que redundaria em supressão de instância. Por fim, também parece inaceitável a aplicação do brocardo iura novit curia, pois, como adverte Nelton Santos, "quando se diz que o juiz conhece o direito, não se autoriza, de modo algum, que ele altere a causa de pedir. Causa de pedir remota e causa de pedir próxima, é bom destacar. O Juiz não pode alterar os fatos colocados na inicial e nem tampouco os fundamentos jurídicos invocados pelo demandante. O que se lhe permite é proceder a ajustes legais e terminológicos das figuras jurídicas invocadas." (A técnica de elaboração da sentença civil, p. 165).

20Assim como em nosso ordenamento, no direito italiano il principio del contradittorio há valore di regola generale per cui tutte le norme contrastanti com esso devono essere considerate norme eccezionali, inssuscettibili di aplicazione analogia (Proto Pisani, Lezioni, p. 207).

21 A manifestação do apelado em contra-razões, apontando como correta a disposição dos fatos postos à apreciação do juízo na exordial, não altera a solução defensada, pois a aquiescência com o plano fenomênico é impossível de ser equiparada à pré-aceitação do réu quanto à futura alteração dos efeitos jurídicos decorrentes da causa de pedir remota, causada pela ulterior inserção ex officio de novos fundamentos jurídicos do pedido pelos componentes da Corte, somente em Segunda Instância de jurisdição. O prejuízo ao contraditório, conforme explanado, seria manifesto. Dissentimos, neste aspecto, do posicionamento externado por Helio Estellita Herkenhoff Filho em seu brilhante artigo "Breves notas sobre o disposto no art. 285-A, com vigência projetada para 90 dias, contados da data de publicação da Lei 11.277/06".

22A primeira vista burocrático, nos parece ser este o único caminho compatível com as limitações constitucionais do sistema processual em vigor. Impende concluir que, prevalecendo essa decisão do Tribunal, o juiz estará obviamente dispensado de efetuar instrução no caso, eis que tal dilação já terá sido dada como despicienda pelo órgão ad quem, devendo o magistrado então julgar antecipadamente a lide, aguardando-se apenas seja facultado o exercício do contraditório ao réu.

23 É imperativo advertir que a Lei Nº 11.280\16.02.2006, com vigência prevista para 18.05.2006 alterará radicalmente o§ 5º do art. 219 do CPC, determinando que o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição, em qualquer caso e não somente nas exceções apontadas no texto ora em vigor.

24 No mesmo sentido, Marinoni, ob.cit.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PISSURNO, Marco Antônio Ribas. Primeiras impressões sobre o novo art. 285-a do CPC (Lei nº 11.277/06): alguns aspectos práticos da sentença de improcedência liminar em "processos repetitivos". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 993, 21 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8128. Acesso em: 23 abr. 2024.