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Competência do Juizado Especial Cível em ações de despejo

Competência do Juizado Especial Cível em ações de despejo

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De acordo com o artigo 3º, III, da Lei 9.099/95, compete ao Juizado Especial Cível julgar "ações de despejo para uso próprio", cujo valor da causa limitar-se a 40 salários mínimos, excluindo-se, portanto, as ações de despejo por falta de pagamento, uma vez que estas têm procedimento especial próprio previsto na Lei 8.245/91(1).

Existem muitas divergências quanto a obrigatoriedade de seguir o procedimento estabelecido na Lei dos Juizados Especiais Cíveis ou o procedimento especial exposto no Lei 8.24591. Em recente decisão da 5ª Câmara do 2º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo(2) foi seguido o entendimento de que em ações de despejo por falta de pagamento cujo o valor da causa seja inferior a 40 salários mínimos, e em ações de despejo para uso próprio de qualquer valor, faculta-se ao autor optar entre o Juizado Especial e os demais procedimentos. No entanto, o autor, ao optar pelo Juizado Especial, estaria de forma implícita renunciando ao montante do valor que exceder a alçada estabelecida na Lei, qual seja, 40 salários mínimos.

Em uma ação de despejo por falta de pagamento cumulada com cobrança ajuizada no Juizado Especial. A Lei 8.245/91, estabelece o valor da causa nas ações de despejo em doze meses do aluguel vigente à época do aforamento. Neste caso, o valor da causa à época do ajuizamento da ação pode ser inferior a 40 salários mínimos. Em um imóvel alugado pela quantia mensal de R$450,00, o valor da causa pertinente a uma ação de despejo seria equivalente a R$5.400,00, portanto, menos do que a máximo estabelecido em lei, daí entende-se, em tese, ser possível o ajuizamento da ação no Juizado Especial. No entanto, até ser prolatada a sentença poderão estar vencidos outros meses de aluguel. Devendo a sentença condenar o inquilino ao pagamento dos alugueres vencidos até a desocupação do imóvel, é fácil observar que o débito será superior a 40 salários mínimos. Porém, observado o parágrafo terceiro(3) da Lei 9.099/95, o autor estará de posse de um título executivo judicial de 40 salários mínimos. O valor excedente somente poderá ser cobrado mediante o ajuizamento de execução por quantia certa com base em título executivo extrajudicial (contrato escrito).

No entanto, em uma ação de despejo para uso próprio, muito embora o valor da causa seja estipulado da mesma forma que em ações de despejo por falta de pagamento, a intenção do Locador é de reaver o seu imóvel, e não de cobrar do Locatário alugueres não pagos. Portanto, é perfeitamente razoável que o Locador opte pelo Juizado Especial, em detrimento do procedimento ordinário, uma vez que o primeiro, por ser mais simplificado e mais ágil, atenderá melhor ao seu interesse.

Parece bastante razoável que ambas as ações possam ser ajuizadas no Juizado Especial Cível, embora deva ser observado que a ação de despejo por falta de pagamento será enquadrada no inciso I do artigo 3º, devendo, portanto, apresentar como valor da causa um montante inferior a 40 salários mínimos, sob pena de incompetência absoluta do Juizado Especial, enquanto o mesmo não pode ser exigido da ação de despejo para uso próprio, uma vez que, ao se enquadrar no inciso III do mesmo artigo, não terá como limitação o valor da causa a ela atribuída.

Existe, porém, uma corrente que segue o entendimento de que o autor não tem a faculdade de optar pelo procedimento a ser seguido, pois a Constituição Federal em seu artigo 98, inciso I, define que os Juizados Especiais terão competência (daí interpreta-se exclusiva) para a conciliação, o julgamento e a execução das causa cíveis de menor complexidade. Neste sentido decidiu a 10ª Câmara do 2º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo(4) que uma vez definida competência do Juizado Especial para as causas disciplinadas em seu artigo 3º, apenas aquele órgão poderia conhecê-las. Através de uma interpretação analógica, conclui-se que, como a ação de despejo é regulamentada por procedimento especial(5), não teria competência o Juizado Especial para recebê-la, mesmo que esta tivesse o valor da causa inferior a 40 salários mínimos, salvo no caso de despejo para uso próprio, expressamente ressalvada em seu inciso III, artigo 3º. Ainda na mesma decisão, a 10ª Câmara define que o autor somente poderá optar pelo procedimento a ser adotado, caso a ação de despejo seja para uso próprio e tenha um valor acima de 40 salários mínimos. Neste caso, uma vez escolhido o juizado especial em detrimento do procedimento ordinário, o autor estará implicitamente renunciando à execução de parte de seu crédito caso exceda ao limite de 40 salários mínimos.

Dando maior força à tese da obrigatoriedade do procedimento estabelecido pela Lei do Juizado Especial Cível, decidiu o Superior Tribunal de Justiça(6), através da Quinta Turma, que os Tribunais Estaduais são incompetentes para rever decisões do Colégio Recursal, quando tratar-se de ações de despejo para uso próprio cujo valor da causa seja inferior a 40 salários mínimos, uma vez que são de competência exclusiva do Juizado Especial Cível.

Esta decisão reforçou a tese da obrigatoriedade da vinculação da ação de despejo para uso próprio, cujo valor seja inferior a 40 salários mínimos, ao Juizado Especial, entretanto, a pretexto de eliminar a dúvida sobre a relatividade ou não da competência do Juizado Especial, tramita no Congresso Nacional um projeto de alteração da Lei 9.099/95 para que seja disposto, expressamente, ser esta via uma opção do autor.

Em suma, apesar de existir uma grande divergência se a ação de despejo para uso próprio, quando em valor inferior a 40 salários mínimos, deve seguir obrigatoriamente o procedimento estabelecido pela Lei 9.099/95, vem sendo sedimentado, com a ajuda do Poder Legislativo, o entendimento de que cabe ao autor escolher o procedimento a ser adotado. Outra divergência, esta ainda controvertida, gira em torno da possibilidade de optar o autor pela Lei do Juizado Especial Cível quando mover uma ação de despejo por falta de pagamento cujo valor seja inferior a 40 salários mínimos, mesmo que renuncie ao valor da condenação que exceder o limite imposto pela Lei, uma vez que este é regido por procedimento especial. Por fim, é pacífico o entendimento de que é uma faculdade do autor optar entre os dois procedimentos no caso de ação de despejo para uso próprio cujo valor da causa exceda o montante de 40 salários mínimos.


NOTAS

  1. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes.
  2. Ap 516.932-00/7 – 5ª Cam. Do 2º TACivSP – j. 20.5.1998 – Rel. Juiz Laerte Sampaio. "O procedimento do Juizado Especial Cível, previsto na Lei 9.099/95, é facultativo, podendo o autor exercitar o seu direito de ação pelos intrumentos normais previstos pelo Código de Processo Civil e legislação especial." (RT-759/266)
  3. "§ 3º A opção pelo procedimento previsto nesta lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação."
  4. AgIn 459.474-00/5 – 10ª Câm. Do 2º TACivSP – j. 21.5.1996 – Rel. Juiz Euclides de Oliveira. "É opcional o acesso ao Juizado Especial Cível, e relativa a competência ditada pelo valor da causa (art. 3º da Lei 9.099/95). A ação de despejo por falta de pagamento, ainda que de valor inferior a 40 salários mínimos, não se enquadra no rol de competências do Juizado Especial, uma vez que tem procedimento próprio, previsto na Lei 8.245/91." (RT-732/305)
  5. Instituído pela Lei 8.245/91
  6. ROMS 6.134 – Quinta Turma do STJ – publicado no D.J. de 31/5/99 – Rel. Min. Edson Vidigal. "I – Considerando-se que a ação de despejo para uso próprio, cujo valor não ultrapasse 40 salários mínimos, compete ao Juizado Especial de Pequenas Causas, nos termos da Lei nº 9.099/95, inciso III, art. 3º, os Tribunais Estaduais são incompetentes tanto originariamente como em Recurso para rever decisões do Colégio Recursal do Juizado Especial de Pequenas Causas. II – Recurso não provido."


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DAVIDOVICH, Marcos Martins. Competência do Juizado Especial Cível em ações de despejo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/834. Acesso em: 24 abr. 2024.