Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/85664
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A premente necessidade de se explorar outros métodos no âmbito da pesquisa jurídica

A premente necessidade de se explorar outros métodos no âmbito da pesquisa jurídica

Publicado em . Elaborado em .

O artigo provoca estudiosos do direito para que não se limitem à utilização de pesquisas bibliográficas, indicando outras fontes científicas de estudo para orientar a formação do pensamento jurídico.

Resumo: A pesquisa jurídica está sedimentada dentro de um contexto bibliográfico que parte de doutrinas trabalhadas por pesquisadores que exerceram, em determinada fase de suas carreiras, o esforço criativo. Sabe-se, igualmente, que a qualidade dos cursos jurídicos é insatisfatória. Desta forma, o presente artigo busca apresentar outros métodos de pesquisa jurídica que não somente o estritamente bibliográfico, com o intuito de despertar o interesse criativo em novos pesquisadores jurídicos, bem como correlacionar, ao final, um possível liame entre a falta do estímulo criativo nos discentes em direito com a qualidade do ensino jurídico em âmbito nacional.

Palavras-Chave: Métodos de pesquisa. Ensino jurídico. Racionalismo. Empirismo. Criticismo. Idealismo.

Abstract: Legal research is based on a bibliographic context that starts from doctrines worked by researchers who exercised, at a certain stage in their careers, the creative effort. It is also known that the quality of legal courses is unsatisfactory. In this way, the present article seeks to present other methods of legal research other than the strictly bibliographic, with the aim of arousing creative interest in new legal researchers, as well as correlating, in the end, a possible link between the lack of creative stimulus in law students with the quality of legal education nationwide.

Keywords: Research methods. Legal education. Rationalism. Empiricism. Criticism. Idealism.

Sumário: 1. Introdução. 2. O método indutivo de Bacon. 3. O método dedutivo de Descartes. 4. O método sintético e analítico de Kant. 5. O método dialético idealista de Hegel. 6. A utilização de uma metodologia de pesquisa amparada em um método previamente estabelecido. 7. Referências bibliográficas. 


1. Introdução

Verifica-se atualmente que o pensamento que permeia com maior ênfase o estudo do direito é justamente o dogmático, e que parte de um método dedutivo e fechado, baseado em premissas anteriores que devem ser tidas como inquestionáveis, sempre retirando-se da generalidade e da abstratividade um conceito concreto para o objeto da pesquisa que se pretende aferir.

O positivismo Kelseniano, por sua vez, é dotado de caráter estritamente dogmático, porém, indutivo, pois, partindo-se da premissa de que toda a sociedade necessita de uma ordem social lastreada em conjunto de normas jurídicas, deriva a ideia de existir uma norma fundamental do direito que justifica a criação, por exemplo, de uma Constituição Federal, entendida como a norma máxima de uma sociedade à qual todas as outras subsequentes devem o devido respeito, observando-se, portanto, uma espécie de hierarquia entre as normas derivadas da Constituição Federal com as normas que estariam abaixo desta.

Ocorre que o positivismo jurídico em sua pura essência foi colocado à prova na Segunda Guerra Mundial, com decorrências e resultados que afrontam a racionalidade humana, ao permitir uma diversidade de penas cruéis contra as pessoas pelo mero fundamento de que essas estariam legitimadas na Constituição Federal local, e que as medidas estavam justificadas nas leis que eram válidas sob a ótica jurídica vigente.

Com isso, o pensamento extremamente dogmático-positivista foi repensado, e houve o surgimento de vetores basilares, fundamentados na razão humana e no respeito às liberdades individuais, bem como na dignidade da pessoa humana, denominados como princípios. A partir de então, as Constituições Federais de diversos países passaram a prever os ditos princípios, e toda a norma jurídica que não estivesse em consonância com estes, que possuem o intuito de proteger as liberdades individuais e a dignidade da pessoa humana, deveria ser afastada do ordenamento jurídico.

Ora, e para que esses princípios deontológicos fossem pensados, houve a necessidade de uma postura ativa e zetética por parte dos juristas, com o intuito de questionar justamente essas premissas dogmáticas que já estavam bem estabelecidas e fundamentadas. Com a introdução desses princípios como permeadores da criação e da aplicação da norma jurídica, criou-se uma espécie de pensamento pós-positivista, que eleva os princípios a um patamar superior à própria norma positivada, o que vai de encontro às premissas positivistas anteriormente estabelecidas.

Todo este imbróglio inicial é necessário para chamar atenção ao fato de que, até os dias de hoje, mesmo com a ocorrência de uma revolução na interpretação do direito ocorrida no pós-guerra, as pesquisas jurídicas ainda possuem um caráter fortemente dogmático em suas premissas iniciais, ou seja, verifica-se, nos mais variados trabalhos acadêmicos, um apego muito grande às literaturas já consolidadas de outros autores renomados no meio jurídico, bem como ao apego incondicional à legislação codificada e à jurisprudência consolidada dos tribunais. Com isso, verifica-se, atualmente, que os trabalhos acadêmicos são meras reproduções bem redigidas e organizadas de uma coletânea de bibliografias, legislações e jurisprudências, que não incluem, na maioria dos casos, a opinião pessoal, tampouco o desenvolvimento de um raciocínio lógico por parte do autor da referida obra, o que deveria ser esperado de todo e qualquer trabalho dessa natureza, até porque, espera-se que as universidades discutam as soluções dos problemas que permeiam a sociedade em geral, ou que criem mecanismos que aumentem a qualidade de vida das pessoas.

Aurélio Wander Bastos exemplifica, em sua obra, a atual situação da pesquisa jurídica no Brasil:

Neste sentido, a pesquisa nas faculdades de Direito está condicionada a reproduzir a “sabedoria” codificada e a conviver “respeitosamente” com as instituições que aplicam (e interpretam) o Direito positivo. O professor fala de códigos e o aluno aprende (quando aprende) em códigos. Este fato, somado ao desinteresse didático dos docentes (o conhecimento jurídico tradicional é um conhecimento dogmático e as suas referências de verdade são ideológicas e não metodológicas), explica por que a pesquisa jurídica nas faculdades de Direito, na graduação (o que se poderia, inclusive, justificar, pelo nível preliminar do aprendizado) e na pós-graduação é exclusivamente dissertativa e bibliográfica, como exclusivamente bibliográfica e legalista tem sido a jurisprudência dos nossos próprios tribunais.[1]

Sendo notória a existência de uma crise de qualidade no ensino jurídico nacional, talvez a postura do docente em incentivar os seus alunos a adotarem uma postura um pouco mais zetética seja uma possível solução para permitir com que estes se aprofundem, por eles próprios, no estudo de alguma matéria relevante, com o intuito de levantar argumentações que até hoje não foram evidenciadas, o que pode contribuir não só para uma melhora da qualidade do ensino jurídico, mas também na própria qualidade do futuro deste profissional, bem como das pesquisas jurídicas como um todo, mediante a descoberta de novos paradigmas mais benéficos à sociedade em geral.

E é justamente pelo caminho da análise acerca do tipo de método de pesquisa que seria possível alçar as pesquisas jurídicas a um patamar mais questionador sobre premissas que supostamente sejam irrefutáveis ou inquestionáveis dentro de uma ótica estritamente dogmática, até porque, na maioria dos casos, estas decorrem de um esforço indutivo, ou seja, que detém uma razoável margem de erro, sobre o objeto de estudo em que o pesquisador destinou os seus esforços.


2. O método indutivo de Bacon

Francis Bacon (1561-1626) era um filosofo e político oriundo da Inglaterra, e é considerado por muitos o fundador da atual ciência moderna, tendo em vista a inovação no método empirista ao incluir uma espécie de fase experimental para a análise dos resultados.

Para Bacon, todo o conhecimento científico válido deve ser testado para se garantir a legitimidade do resultado, ou seja, para este pensador, todo o conhecimento sobre a natureza deve, necessariamente, advir de uma experiência empírica, ou prática, sobre estes fenômenos.

Por ser empirista, Bacon sempre buscava estabelecer um método que afastava a inclusão da razão humana para a interpretação dos dados, ou seja, para este pensador, ciência é todo o experimento capaz de ser reproduzível.

Ao estabelecer graus de certeza, conforme veremos, o método baconiano pretendeu rejeitar, na maior parte dos casos, o labor da mente. Fundamentado nos sentidos humanos, o pensador buscou determinar o seu exato alcance para promover uma nova e certa via da mente, que, de resto, provém das próprias percepções sensíveis. Isso, em virtude de que o espírito dos homens é usualmente repleto de fantasias.[2]

O método indutivo baconiano pode ser dividido, de forma sumária, em quatro etapas:

1) Coleta de dados, informações, ocorrências dentre outros elementos do objeto de estudo a partir de uma observação rigorosa da natureza;

2) Organização sistemática e racional desses dados e informações;

3) Formulação de hipóteses com o intuito de explicar o porquê desses fenômenos;

4) Tentativa de comprovar as hipóteses, alçando-as ao nível de axiomas, mediante a experimentação, o que possibilitam novos experimentos a partir deste.

Ou seja, basicamente o método baconiano consiste na tentativa de se comprovar uma hipótese pré-estabelecida mediante a análise dos dados pelo autor, mediante experimentos científicos.

O problema central do método indutivo baconiano nas pesquisas relacionadas ao direito decorre da falibilidade de elevar generalizações de dados e informações concretas a níveis de axiomas que podem ser livremente reproduzíveis. Ora, o direito é uma ciência que visa estudar as normas de conduta que regem uma sociedade, logo, trata-se de uma ciência social em que dificilmente seria possível realizar experimentos científicos para se traduzir uma verdade absoluta, e, pior: reproduzível em larga escala.

Contudo, mesmo que o método indutivo seja falível e aparentemente inaplicável às pesquisas jurídicas, é necessário observar que nada impediria que o pesquisador colhesse dados por intermédio de entrevistas pessoais com um grupo de pessoas para, deste grupo, criar conclusões com base em estatísticas, tendo em vista que, em se tratando de uma evidência real de quantas vezes o fenômeno restou verificado dentro deste grupo de estudo, seria possível reproduzir novamente este experimento com outros grupos, com o intuito de se extrair algum dado semelhante para que se tome uma conclusão não generalista sobre determinado assunto, e que mesmo assim seria valiosa para abrir novos horizontes para a interpretação e o estudo do direito. Ou seja, mesmo com dados e informações que incluam uma margem de falibilidade, seria possível tomar conclusões não generalistas no ramo das pesquisas jurídicas.


3. O método dedutivo de Descartes

René Descartes (1596-1650) era um filósofo, físico e matemático francês que possuía uma visão racionalista da ciência, inferindo-se que, diferentemente do empirismo, a ciência, ou a verdade, devem ser descobertas por intermédio da própria razão humana, e não por intermédio dos elementos e dos dados físicos perceptíveis, ou seja, quando o pesquisador observa um problema, deve conjecturar possíveis soluções até que se forme uma explicação racional sobre o fato.

De forma contrária ao empirismo, Descartes valorizava mais a razão humana para explicar determinado fenômeno do que as evidências empíricas em si, partindo-se sempre de uma premissa geral ou abstrata para uma conclusão individual, também de forma contrária ao empirismo verificado acima (que parte de uma premissa individual para uma conclusão geral).

Descartes criou o método do pensamento analítico, que, basicamente, consiste em dividir os fenômenos complexos e incompreensíveis em pequenas porções, com o intuito de se compreender o comportamento daqueles, por intermédio de quatro etapas. Ao observar um fenômeno complexo, o pesquisador deve, primeiramente, não assumi-lo como verdade absoluta e entender as pequenas variantes ao seu derredor, com o intuito de se verificar as correlações existentes entre as porções menores com a maior, para que seja possível compreender, mediante a dedução, o complexo funcionamento do todo que se questiona.

O método cartesiano pode ser dividido basicamente em quadro etapas: evidência, análise, síntese e enumeração.

1) Evidência: nunca se deve tomar o objeto de estudo como verdade absoluta quando não se tem o conhecimento real do assunto, ou seja, não seria possível presumir determinado fato ou conclusão como verdadeiros à primeira vista;

2) Análise: consiste em dividir cada uma das dificuldades existentes dentro do problema em análise, com o intuito de interpretá-las para entender o problema com maior complexidade;

3) Síntese: consiste em organizar as conclusões acerca das análises dos pequenos problemas, com o intuito de aglutiná-los em conhecimentos mais compostos, pressupondo uma ordem ou correlação entre estes;

4) Enumeração: trata-se da conclusão do esforço intelectual, consistente em enumerar todas as revisões de forma tão ampla a ponto de que o autor tenha certeza de não ter omitido nada dentro de seu ponto de vista.

Por exemplo, ao se deparar com o problema da superlotação carcerária, que é complexo, o pesquisador deveria, inicialmente, assumir que não existe, ao menos em uma perspectiva inicial, a dita superlotação, e iniciar as suas indagações mediante alguns pontos de partida: Como funcionam as políticas criminais? Quais são as classes sociais que se encontram reclusas? A maioria dos reclusos foram condenados por quais crimes?

Mediante essas conclusões, o autor poderia aglutiná-las em entendimentos mais complexos para concluir se há ou não a referida superlotação, bem como quais são os seus possíveis motivos, enumerando as suas conclusões de forma geral, tentando não omitir qualquer ponto sequer de sua análise.

Ou seja, partindo-se do pensamento cartesiano, seria possível analisar um leque de situações que orbitam junto ao problema da superlotação carcerária para que seja possível deduzir uma conclusão sobre os motivos que ensejaram a existência deste problema.

Este método, assim como o de Bacon, também não é livre de críticas.

As principais críticas ao pensamento cartesiano residem também em quatro pilares. O primeiro deles é justamente o da fragmentação do conhecimento em partículas menores, pois o conhecimento sobre a realidade deve ser uno, completo e coeso. O segundo consiste justamente na impossibilidade, segundo Descartes, separar a identidade física com o pensamento humano, surgindo, deste ponto, a célebre frase: penso, logo existo. O terceiro consiste no fato de que o método proposto por Descartes não se aplica às ciências naturais, que, naturalmente, seguem uma lógica rígida e matemática. Por fim, o último pilar consiste na assunção de Descartes de que a razão humana é a única forma válida para se atingir o conhecimento, descartando completamente os sentidos humanos para a percepção acerca do funcionamento da natureza ao seu derredor.

Mesmo diante das fundamentadas críticas, verifica-se que o método cartesiano poderia ser perfeitamente aplicável às pesquisas jurídicas, e, de certa forma, a tentativa seria interessante, dado que funcionaria como uma forma de questionamento aos dogmas que foram estabelecidos anteriormente e que, atualmente, são alçados como praticamente inquestionáveis.


4. O método sintético e analítico de Kant

Immanuel Kant (1724-1804) era um filósofo prussiano que, de certa forma, uniu os pensamentos empiristas e racionalistas até então criados desde a sua época, por intermédio de juízos sintéticos e analíticos, baseados em sentidos a priori e a posteriori acerca do conhecimento humano.

Desta forma, seria possível unificar os juízos com os sentidos de conhecimento, gerando os juízos sintéticos a priori, juízos sintéticos a posteriori, juízos analíticos a priori e juízos analíticos a posteriori. Conforme será observado, o juízo analítico a posteriori seria impossível, enquanto o juízo analítico a priori seria uma mera redundância.

Primeiramente, os sentidos a priori são aqueles que decorrem da necessidade de se utilizar uma espécie de julgamento para se encontrar um valor verdade, sem a dependência necessária de uma experimentação. Ex.: um triângulo tem três lados. A referida proposição é verdadeira independentemente de uma experiência científica para comprová-la[3], tendo em vista que o triângulo é uma figura geométrica bidimensional. Ou seja: sentidos a priori são aqueles que infalivelmente são verdadeiros e que decorrem do próprio juízo humano, e se as conclusões forem falsas, fatalmente decorre do fato de que alguma de suas premissas são falsas. Ex.: 1) os triângulos tem três lados e são figuras geométricas; 2) os círculos são figuras geométricas; 3) os círculos possuem três lados. A referida conclusão apriorística é falsa não por conta da falibilidade do método, mas sim por conta da falsidade em uma das proposições, pois, em que pesem os círculos serem figuras geométricas, estes, de fato, não possuem três lados.

Ou seja, seria possível presumir que as sentenças apriorísticas são verdadeiras, salvo se uma ou mais de suas premissas forem falsas.

Já os sentidos a posteriori são aqueles que decorrem exclusivamente em virtude de uma experiência da natureza, sem a qual o objeto não pode ser traduzido ou compreendido. Ex.: todos os cisnes são brancos. Ora, a sentença depende da necessidade de se verificar a inexistência de alguma espécie de cisne cinza ou preto para que seja constatada como verdadeira, e, mesmo se assim fosse, um daltônico, por exemplo, poderia enxergar o cisne de outra cor, ou seja, depende do estudo e de alguma experiência humana acerca da natureza para se aferir o valor verdade da proposição.

Desta forma, seria possível presumir que as sentenças a posteriori necessitam de uma espécie de experimentação ou análise por intermédio dos sentidos humanos para se auferir um valor verdade. Além do mais, é de se destacar que nem todas as sentenças a posteriori podem ser consideradas como absolutamente verdadeiras, diferente das apriorísticas, que são verdadeiras até que fique evidenciado que uma premissa está equivocada.

Superadas as duas formas de sentidos do conhecimento, é oportuno tracejar os contornos acerca dos juízos analíticos e sintéticos.

Os juízos analíticos são aqueles em que o predicado está contido no próprio sujeito da oração, ou seja, são aqueles perceptíveis, reais e indiscutíveis pela própria leitura da proposição oferecida. Ex.: o triângulo tem três lados. O mesmo exemplo do sentido a priori pode ser utilizado para explicar os juízos analíticos, pois, de fato, nesta mesma frase, o predicado da oração (tem três lados) está contido no sujeito (triângulo), de forma que não há qualquer digressão a ser feita acerca desta frase, sendo plenamente compreensível pela própria leitura da sentença.

Desta forma, seria possível concluir que todos os juízos analíticos são a priori, sendo mera redundância utilizar a referida expressão. Contudo, jamais seriam a posteriori, tendo em vista que estes últimos dependem de uma evidência ou de uma experimentação para se atingir o valor verdade pretendido, o que não é necessário mediante os juízos analíticos por sua própria natureza gramatical.

Já os juízos sintéticos são aqueles em que o predicado não está contido no sujeito da oração, mas sim que o acrescenta em algo, ou seja, o valor verdade da sentença não está contido necessariamente dentro da proposição e necessariamente devem ser complementados pelos sentidos a priori e a posteriori. Uma proposição sintética e a posteriori poderia ser exemplificada como: o céu é azul. É uma proposição a posteriori, pois é necessário analisar o céu e verificar se, de fato, este é azul em todas as ocasiões ou em algumas específicas, bem como os motivos que geram essa coloração; e sintética, tendo em vista que o predicado (azul) não está contido no sujeito (céu). E, sendo um sentido a posteriori, possui certa margem de falibilidade, como demonstrado anteriormente.

A celeuma kantiana cinge-se na existência de sentenças sintéticas e a priori, tendo em vista que o valor verdade não estaria diretamente ligado à própria estrutura gramatical da proposição, necessitando de uma análise exterior para a sua compreensão, e esta necessariamente seria verdadeira, pois, conforme restou demonstrado, as sentenças apriorísticas só seriam falsas caso uma ou mais de suas proposições sejam, igualmente, falsas.

A possibilidade de se deduzir verdades logicamente corretas por intermédio das sentenças sintéticas apriorísticas cria a oportunidade de se estudar, por intermédio da razão humana, as premissas que efetivamente são verdadeiras, com o intuito de se concluir, efetivamente, uma sentença com valor verdade positivo.

Ludwig von Mises (1881-1973) utilizou-se do juízo sintético e apriorístico para deduzir a praxeologia, que consiste, justamente, em deduzir logicamente, e de forma apriorística, o funcionamento das ações humanas dentro de uma perspectiva introspecta e individual, e aplicou este conhecimento para explicar diversos fenômenos econômicos, contrastando, mediante profundas críticas, com a teoria econômica proposta por Karl Marx.

A teoria é um agrupamento de conceitos categóricos que se desdobram logicamente em outros conceitos. A partir da identificação lógica dos predicados derivados de conceitos, o conjunto das proposições teóricas é estabelecido. Há condições categóricas para a ação que são obtidas pela introspecção e outras condições que são estabelecidas pelos estudos dos casos concretos fornecidos pela história. No entanto, é preciso enfatizar que na praxeologia de Mises o núcleo teórico é composto por proposições derivadas de conceitos a priori e pela razão que permite ao investigador identificar todas as decorrências lógicas dos conceitos. A própria lógica em si mesma é universal e eterna, não estando ela mesma sujeita às contingências históricas. E refere-se não apenas à logica que obedece a teoria, mas também a própria estrutura lógica da mente do ator é estável ao longo do tempo. Mises acredita que as relações lógicas fundamentais da mente humana não poderiam ser diferentes do que são e que nenhum ensinamento da antropologia e da história contradiria essa crença.[4]

Ora, se Mises aplicou o juízo sintético apriorístico no ramo da economia, que é uma ciência social, logo, nada impede que os pesquisadores empenhem os seus esforços para a criação de uma inovação jurídica mediante o mesmo método, até porque, tanto a economia quanto o direito são ramos derivados das ciências sociais, e possuem as suas semelhanças.


5. O método idealista de Hegel

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) foi um filósofo germânico que trouxe uma crítica ao método criticista proposto por Kant.

Hegel defende a tese de que as concepções metafísicas geram as condições materiais do indivíduo, e não dissocia o ser do dever ser, propondo que os humanos são seres em si mesmos, mas que possuem o dever de procederem com uma espécie de autoconstrução constante de si próprios. Com isso, deriva a ideia de que toda a história é fruto do movimento de um espírito realizador (geist) que possuiu determinadas características em determinado período (zeitgeist) e que determinado povo também possui uma espécie de espírito coletivo (volksgeist) propulsor deste dever constante e indissociável de autoconstrução constante.

Com base neste pensamento, cria um método contraposto ao de Kant, sustentando que, na verdade, o conhecimento não é criado com base nos juízos sintéticos e analíticos, mas sim que derivam de um processo dialético consistente em uma tese (pensamento inicial) contraposta por uma antítese (pensamento contrário) com o intuito de se gerar uma síntese (conclusão), e que, a partir desta síntese, surgirá uma nova tese, antítese e síntese, e assim por diante.

Ou seja, em Hegel, o conhecimento é explicado por intermédio de uma dialética histórica.

Um exemplo da aplicação do método hegeliano seria justamente o período de escravidão no Brasil. De um lado, existiam defensores da manutenção do regime de escravidão (tese), e de outro existiam defensores da abolição da escravidão (antítese). Mediante o choque dessas ideias resultou-se na síntese que foi, justamente, a abolição da escravidão.

Desta forma, o método hegeliano poderia ser interessante para, dentro do escopo de uma pesquisa jurídica, explicar o porquê de determinados fenômenos históricos e quais foram as suas influências na realidade vivenciada nos dias atuais, bem como quais são os processos que a sociedade atual está passando. Por exemplo: quais foram os fatores que geraram boa parte dos direitos femininos nos dias de hoje? E quais são os fatores que levam a um crescimento da crítica por parte desses direitos conquistados? Seriam estes argumentos legítimos ou não?

Mediante a utilização do método hegeliano, seria possível buscar pelas teses, antíteses e sínteses dos referidos enunciados tão somente pela análise dialética do confronto das ideias envolvidas com o zeitgeist da época, e, com este esforço, entender o significado da nossa realidade atual (volksgeist).


6. A utilização de uma metodologia de pesquisa amparada em um método previamente estabelecido

O presente artigo possuiu o intuito de chamar a atenção do pesquisador que se debruça ao estudo do direito de que a pesquisa estritamente dogmática e bibliográfica não é a única aplicável para a produção de pesquisas científicas jurídicas. A ciência é uma constante construção de entendimentos e que não pode ser paralisada, seja por uma cultura no âmbito das pesquisas jurídicas, seja porque determinados autores possuam um grau de relevância que os alcem a um suposto nível de inquestionabilidade.

De fato, para a ciência, absolutamente nada é inquestionável e tudo o que foi criado necessita de constantes buscas por contradições e inconsistências, tendo em vista que, quanto mais robusta for a tese, maior será a capacidade de que esta se sustente ante as mais variadas tentativas de refutá-la, o que deveria ser estimulado, e não retraído no âmbito jurídico e acadêmico, até porque, caso a tese, por mais robusta que pareça, seja refutada, de fato apresentava inconsistências que foram reparadas pela outra tese que a sobrepassou.

Mediante a exposição dos mais variados métodos, sem a menor pretensão de querer exauri-los no presente estudo, é de se ressaltar que todos eles não só podem, como devem, ser aplicados no direito, com o intuito de se criar novas teses, bibliografias, entendimentos e mudanças, até porque, uma das funções dos pesquisadores é a de, justamente, trazer soluções aos problemas sociais que atualmente existem, e não de simplesmente permanecerem retraídos dentro de uma bibliografia já consolidada e que foi criada pelo mesmo esforço intelectual que está sendo proposto em ser reavivado nos dias atuais.

Todos os métodos acima propostos possuem as suas vantagens e as suas desvantagens, os seus acertos e os seus equívocos, contudo, nada impede que o pesquisador faça a união de um ou mais métodos, propondo uma ou mais formas de metodologia para implementá-los dentro de sua pesquisa, com o intuito de se criar uma nova vertente de entendimento sobre determinado assunto.

Obviamente não está o autor querendo rebaixar ou menosprezar todo o arcabouço acadêmico já criado como uma forma extremada de zetética, mas sim para chamar a atenção de que é necessário explorar e estimular o potencial criativo dos acadêmicos em direito, com o intuito de que estes se tornem protagonistas, e não meros ouvintes, dos rumos que as ciências jurídicas estão seguindo.

Isto poderia inclusive ser benéfico para a melhora da qualidade do ensino jurídico, que, reconhecidamente, vem atingindo níveis insatisfatórios, tendo em vista que, para que um acadêmico tente criticar uma ideia já consolidada pela doutrina, este, ao menos, deveria esforçar-se de forma individualizada de seu inteiro teor, e, por conseguinte, deveria ter um adicional de propor o seu ponto de vista sobre o determinado assunto, tentando, na medida do possível, refutar a tese já consolidada academicamente.

Tendo em vista que o método de ensino jurídico atual não está refletindo na melhora dos profissionais, tampouco na qualidade acadêmica destes, talvez estimular que os discentes tomem uma postura criativa com as matérias relacionadas ao direito seja uma solução para promover uma melhora constante na qualidade do ensino jurídico nacional.

Desta forma, deve existir o estímulo por parte dos docentes em propor aos seus discentes a ampla liberdade, livre de qualquer rigor ou preconceito acadêmico, de exporem os seus pensamentos críticos e criativos de forma saudável dentro do ambiente universitário, recompensando-os pela ousadia, e não reprimindo-os por conta disto, mesmo que eventualmente não consigam refutar a tese já estabelecida pelos grandes nomes do direito, até porque, o que se almeja é a criação de profissionais que tenham a capacidade de raciocinar e de questionar, e não meros reprodutores de bibliografias que sequer entendem os seus conteúdos.


7. Referências bibliográficas

BASTOS, Aurélio Wander. O Ensino Jurídico no Brasil. 2. ed. [S.l.]: Lumen Juris

FEIJÓ, Ricardo. Ludwig von Mises: as Bases de sua Epistemologia e uma Proposta de Crítica Internalista. Revista de Economia Política, Ribeirão Preto, v. 20, n. 3, p. 118-135, jul./2000. Disponível em: http://www.rep.org.br/PDF/79-7.PDF. Acesso em: 22 jun. 2020.

SILVA, Gabriel Rodrigues da. Estado e Liberdade na Filosofia da História de Hegel. Contextura, Belo Horizonte, Volume, n. 13, p. 7-16, dez./2018.

GONÇALVES, Angela. Verdade e Método em René Descartes. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Rio Grande do Sul. Disponível em: http://tede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/2943/1/461384.pdf. Acesso em 22 jun. 2020

GRUBBA, Leilane Serratine. Método Empírico-Indutivo: de Bacon aos trabalhos científicos em direito. Revista do Instituto do Direito Brasileiro: v. 1, n. 10, p. 6097-6127, jan./2012. Disponível em: http://www.cidp.pt/revistas/ridb/2012/10/2012_10_6095_6128.pdf. Acesso em: 22 jun. 2020.

MENESES, R. D. B. D. Teoria do Juízo segundo Kant. Humanística e Teologia, Lisboa, v. 23, n. 2-3, p. 209-226, mai./2002. Disponível em: https://doi.org/10.34632/humanisticaeteologia.2002.7837. Acesso em: 22 jun. 2020.


Notas

[1] BASTOS, Aurélio Wander; O Ensino Jurídico no Brasil. 2. ed. [S.l.]: Lumen Juris, p. 333.

[2] GRUBBA, Leilane Serratine. Método Empírico-Indutivo: de Bacon aos trabalhos científicos em direito. Revista do Instituto do Direito Brasileiro: v. 1, n. 10, p. 6099, jan./2012. Disponível em: http://www.cidp.pt/revistas/ridb/2012/10/2012_10_6095_6128.pdf. Acesso em: 22 jun. 2020.

[3] Que, diga-se de passagem, é impossível neste caso.

[4] FEIJÓ, Ricardo. Ludwig von Mises: as Bases de sua Epistemologia e uma Proposta de Crítica Internalista. Revista de Economia Política, Ribeirão Preto, v. 20, n. 3, p. 118-135, jul./2000. Disponível em: http://www.rep.org.br/PDF/79-7.PDF. Acesso em: 22 jun. 2020.


Autor


Informações sobre o texto

Publiquei seis artigos na revista âmbito jurídico e um outro artigo na revista FUMEC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SINDONA, Rodrigo Nunes. A premente necessidade de se explorar outros métodos no âmbito da pesquisa jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6301, 1 out. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85664. Acesso em: 18 abr. 2024.