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Arguição de inconstitucionalidade em recurso especial

Arguição de inconstitucionalidade em recurso especial

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1. Este artigo tem por objetivo travar uma discussão sobre a viabilidade e possibilidade de análise de inconstitucionalidade de lei em sede de recurso especial. Isto é, sendo o recurso especial um instrumento adequado para discussão de questão legal, é ele uma via processual que permite o debate em torno da constitucionalidade de determinada lei?

2. Inicialmente, vale destacar que a Constituição Federal prevê, em seu artigo 105, inciso III, a competência infraconstitucional do Superior Tribunal de Justiça, dispondo que o referido Tribunal tem competência para julgar em Recurso Especial as causas decididas que contrariarem tratado ou lei federal, julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal ou der a lei federal interpretação divergente da que haja atribuído outro tribunal. Verifica-se, portanto, que está definida constitucionalmente a missão de guardião infraconstitucional do STJ.

3. Pretende-se suscitar para reflexão um tema de importante destaque no âmbito recursal que é a possibilidade de apreciação de argüição de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em sede de recurso especial, que é o instrumento próprio para debate de tema infraconstitucional.

Dispõem os artigos 16 e 200 do RISTJ que as Seções ou Turmas remeterão os feitos de sua competência à Corte Especial quando acolherem a argüição de inconstitucionalidade. Pode-se constatar que não há previsão explícita sobre qual o instrumento apto ao enfrentamento da questão da inconstitucionalidade, o que torna todos os recursos ou vias processuais viáveis e aptos a dirimir a controvérsia. Isso porque estamos diante de matéria de ordem pública que deve ser analisada de ofício e a qualquer tempo.

4. Para auxiliar nossas conclusões, vale ressaltar posicionamento já manifestado por Bernardo Pimentel que analisando o tema destacou:

"Resta saber se o recurso especial produz efeito translativo. A melhor resposta parece ser a afirmativa. É que, conhecido o recurso o Superior Tribunal de Justiça aplica desde logo o direito à espécie, julgando o caso concreto. Ora, ao julgar a causa, o Superior Tribunal de Justiça pode constatar a ausência de algum pressuposto processual, de alguma condição da ação. Por tal razão, ultrapassassada a barreira da admissibilidade, o tribunal deve apreciar de ofício questões de ordem pública. Como a questão da constitucionalidade de lei é ordem pública, o Superior Tribunal de Justiça também pode (rectius: deve) apreciar o assunto após proferir juízo positivo de admissibilidade no tocante ao especial. E o exame da questão constitucional pode ser feito até mesmo de ofício. Como todos os juízes e tribunais do país, o Superior Tribunal de Justiça também exerce o controle difuso de constitucionalidade, até mesmo em julgamento de recurso especial.

A rigor, a questão da inconstitucionalidade da lei federal só não pode ser examinada pelo Superior Tribunal de Justiça quando o tema foi decidido pela corte do origem, configurando um dos fundamentos autônomos que sustentam a conclusão do acórdão recorrido. É que, tendo sido solucionada pela corte de segundo grau, a matéria deve ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do recurso extraordinário (...)" (SOUZA, Bernardo Pimentel, Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória, Brasília Jurídica 2000, págs. 313/314).

5. Não difere a orientação do Supremo Tribunal Federal, reforçando o argumento de que o Superior Tribunal de Justiça, mesmo em sede de recurso especial, exerce o controle difuso de constitucionalidade, conforme trechos de ementa a seguir transcritos:

"Ultrapassada a barreira do conhecimento do especial, o Superior Tribunal de Justiça exerce, coimo qualquer outro órgão investido do ofício judicante, o controle difuso, incumbido à parte, sequisosa de ver a controvérsia guindada ao Supremo Tribunal Federa, instá-lo a pronunciar-se sobre a implicação constitucional. Descabe confundir a impossibilidade de conhecer-se do recurso especial por infringência à Carta da República com a atuação inerente aos órgãos julgadores, voltada ao controle de constitucionalidade, considerado o caso concreto." (AG n° 217.753/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 23.04.99).

"Não se contesta que, no sistema difuso de constitucionalidade, o STJ, a exemplo de todos os demais órgãos jurisdicionais de qualquer instância, tenha o poder de declarar incidentalmente a inconstitucionalidade da lei, mesmo de ofício; o que não é dado àquela Corte, em recurso especial, é rever a decisão a da mesma questão constitucional do tribunal inferior; se o faz , de duas uma: ou usurpa a competência do STF, se interposto paralelamente o extraordinário, ou, caso contrário, ressuscita matéria preclusa." (AG n° 145.589/RJ, Rel. Min. SEPÚLVIDA PERTENCE, DJ de 24.06.94)

6. Por fim, cabe destacar que também o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça que manifestou-se sobre o tema quando do julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 73.106/RS, conforme transcrição abaixo:

"Recurso especial.

Possibilidade de cuidar-se de matéria constitucional quando o pedido tenha dois fundamentos e o de natureza constitucional não é examinado na origem porque acolhido o pedido com base no outro. Afastado o que levou à procedência do pedido. Cumpre passar-se à alegação de inconstitucionalidade que, de outra forma, jamais seria examinada, uma vez que o vencedor não poderia interpor extraordinário, por falta de interesse de recorrer (...)" (DJ DE 13.03.2000 – REL. MIN. EDUARDO RIBEIRO)

7. Pelo exposto, conclui-se que é perfeitamente possível o debate sobre a constitucionalidade de norma em sede de recurso especial em face da possibilidade, ou melhor, dever de todo juiz de velar pelo cumprimento das disposições da nossa Carta Magna assim como todo e qualquer juiz deve apreciar as questões de ordem pública.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins. Arguição de inconstitucionalidade em recurso especial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/861. Acesso em: 10 maio 2024.