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ANÁLISE DAS NOVIDADES NO ÂMBITO PENAL ADVINDAS COM A LEIS 12.015/09 E 13.718/18, BEM COMO A SITUAÇÃO DA SÚMULA 608 PERANTE TAIS INOVAÇÕES

ANÁLISE DAS NOVIDADES NO ÂMBITO PENAL ADVINDAS COM A LEIS 12.015/09 E 13.718/18, BEM COMO A SITUAÇÃO DA SÚMULA 608 PERANTE TAIS INOVAÇÕES

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O Presente artigo propõe uma análise das novidades no âmbito penal advindas com as leis 12.015/09 e 13.718/18, bem como a situação da súmula 608 do STF perante tais inovações.

1. A Lei 12.015/09

 

         A lei 12.015/09 trouxe várias inovações relevantes aos crimes sexuais. A princípio, alterou o título VI do código penal, qual seja “Dos crimes contra os Costumes” para “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”
A mesma lei também unificou também em um único tipo penal os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, sendo revogado expressamente o art. 214 do C.P, porém com seu conteúdo sendo redirecionado para art. 213. Anteriormente o crime de estupro era caracterizado por constranger mulher a conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça. Já o atentado violento ao pudor era tipificado como constranger alguém a praticar qualquer outro ao libidinoso diverso a conjunção carnal. Com a alteração da feita pela lei 12.015/09, o art. 213 do C.P passou a vigorar com a seguinte redação: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal”.
             Tal texto especifica um tipo penal misto alternativo, pelo uso da conjunção “ou”, podendo assim por exemplo o agente praticar as duas condutas, mas sendo caracterizadas como se apenas único delito fosse. Ou seja, não haveria mais um concurso material entre estupro e atentado violento ao pudor. Tal fato gera grande repercussão no âmbito penal, pois por ser norma favorável ao agente criminoso, essa deverá retroagir no tempo para beneficiá-lo, com as penas sendo revistas imediatamente.
Outro ponto que pode ser destacado refere-se a mudança da caracterização de crime próprio para crime próprio para crime comum, pois é possível agora que tanto o agente ativo quanto passivo seja homem ou mulher.

 

  2. A Lei 13.718/18

          A lei 13.718/18 traz ao ordenamento jurídico novos crimes, tipificando a importunação sexual e a divulgação de cena de estupro. A conduta que caracteriza a importunação sexual é inserida no artigo 215-A do Código Penal, sendo definida como “Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”.
         Anteriormente à lei 13.718/18 esse crime era tido como uma simples contravenção penal prevista no artigo 61 do Decreto Lei nº 3.668 (lei de Contravenção
Penal), que vedava a conduta de “Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor”.
        Para se compreender a importunação sexual faz-se necessário entender alguns termos, tais como importunação, ato libidinoso e lascívia. O primeiro se trata de qualquer ato que incomode, perturbe ou tire a paz de alguém. O ato libidinoso é o desejo de satisfazer o apetite sexual e os atos libidinosos mais comuns são a conjunção carnal, coito anal, masturbação, beijo lascivo, apalpar, abraçar, lamber ou tocar partes do corpo, dentre outros que podem constituir ato libidinoso, devendo ser analisada a intensão do autor. Já a lascívia é tida como um comportamento que se encontra atrelado a sensualidade, a carnalidade e a luxúria. Ou seja, lascívia se refere a pessoas que possuem uma inclinação para os prazeres do sexo, que tem despudor, e age de modo libertino.

       Outra característica também relevante é o fato de que tal situação não se aplica somente para casos em que o agente satisfaça só a si mesmo, mas também relativos a busca do prazer de terceiros. Vale destacar que se na conduta houver a incidência de violência grave ameaça ou o ato for praticado contra vulnerável o crime passa a ser considerado como estupro, sendo enquadrado no artigo 213 do C.P. Tem como característica ser um crime comum, ou seja, o sujeito ativo pode ser considerado qualquer pessoa. O sujeito passivo também pode ser qualquer indivíduo, porém se praticado na presença de alguém menor de 14 anos de idade ou induzi-lo a presenciar a conjunção carnal ou outro ato libidinoso, afim de satisfazer lascívia própria ou de outro, essa conduta será caracterizada como crime diverso no artigo 218-A do C.P com a punição de reclusão de 2 a 4 anos. Quanto ao tipo subjetivo o agente criminoso deve agir dolosamente, ou seja, com a intenção direta de cometer o crime, não admitindo a conduta de forma culposa.

         No que se refere a consumação o crime é executado quando há a pratica do ato libidinoso, admitindo-se a modalidade tentada. O outro crime situado na lei 13.718/18 é a divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia, que se trata de “Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia” (art. 218-C). Trata-se de um tipo misto subjetivo, pois a pratica de qualquer um desses verbos ensejará no cometimento desse crime. O sujeito ativo nesse tipo de crime é qualquer pessoa, caracterizando-se como um crime comum. Já em relação ao sujeito passivo o mesmo também pode ser qualquer agente, ou seja, independe de gênero ou da orientação sexual. É importante ressalvar que quando o mesmo ocorrer contra crianças ou adolescentes, a conduta será analisada a luz do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

        Quanto ao objeto material, o crime pode ser cometido se utilizando de “qualquer meio de comunicação de massa ou sistemas de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou qualquer outro registro audiovisual, que possua cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia”. O crime deve ser doloso, não se admitindo a culpa, pois deve haver o animus de conjugar um dos verbos previstos, quais sejam: “Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar”. A tentativa é admissível, caracterizando-se a situação na qual o agente consegue consumar o crime por motivos alheios a sua vontade, respondendo o agente criminoso como se tivesse praticado o crime, com diminuição de um a dois terços da pena (art. 14, II, § único). Há ainda o aumento de pena de um a dois terços em se tratando de casos nos quais a vítima tenha mantido ou mantenha relação íntima de afeto com o agente criminoso ou se o crime foi cometido com a finalidade se vingar ou humilhar a vítima (Art. 218-C, § 1°, CP).

         A lei também traz algumas excludentes de ilicitude no art. 218-C, § 2°, tais como em caso de haver publicação de cunho jornalístico, científico, cultural ou acadêmico, desde que não impossibilite a identificação da vítima. Nos casos em que a ela é maior de 18 anos é necessário que haja a sua autorização prévia. A lei inovou trazendo novos conceitos de estupro, quais sejam os coletivos e corretivos, que são casos de aumento de pena. Tais se encontram no Art. 226, IV, CP. No estupro coletivo, ou seja, quando há concurso de dois ou mais agentes para o cometimento do crime e no estupro corretivo, que é quando o estupro é praticado para controlar o comportamento social ou sexual da vítima, a pena é aumentada de 1/3 a 2/3.
           Em relação a todos os crimes previstos no título IV, a lei trouxe aumento de pena de 2/3 se a conduta resultar em gravidez da vítima e de 1/3 a 2/3 se a vítima contrair doença sexualmente transmissível ou se ela for idosa ou pessoa com deficiência. (Art. 234-A, III e IV).

          A ação penal nos crimes previstos nos capitulo I, II do título IV são públicas e incondicionadas. Anteriormente a ação penal era de cunho privado, passando a ser após a lei 12.015/09 publica condicionada a representação, com exceções se a vítima fosse menor de 18 anos de idade, vulnerável, se o crime resultasse em lesão corporal grave ou morte ou fosse praticado mediante violência real. O conceito de violência real trazido pela sumula 608 do STF, qual seja quando não há o consentimento da vítima, havendo o emprego de força ou grave ameaça. Deve ser observado que não é necessário a ocorrência de lesões corporais para que ela venha a ocorrer, podendo, portanto, que hajam casos nos quais a vítima não possua marcas visíveis. No entanto a recente Lei 13.718/18 tornou as ações penais dos crimes desse título públicas e incondicionadas, revogando todas as disposições presentes anteriormente.



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