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A POLUIÇÃO AMBIENTAL DECORRENTE DA MÁ GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS NOS MUNICÍPIOS DO BRASIL

A POLUIÇÃO AMBIENTAL DECORRENTE DA MÁ GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS NOS MUNICÍPIOS DO BRASIL

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Artigo científico apresentado no V Encontro de Iniciação à Pesquisa e à Docência da Faculdade Christus, realizado nos dias 11 e 12 de novembro de 2008. Orientadora: Prof. Dra. Andréia Silva da Costa

RESUMO

O crescimento alarmante dos impactos ambientais oriundos principalmente do aumento da população e das aglomerações urbanas resulta numa maior degradação dos espaços naturais, bem como na diminuição de áreas livres para a disposição final correta do lixo urbano. A alteração nos padrões de consumo não foi acompanhada de uma modificação nas práticas tradicionais de manejo dos resíduos sólidos urbanos. Neste sentido, providências urgentes precisam ser tomadas a fim de reverter esse quadro. Uma mudança de conceitos e das formas de cuidar do lixo é premente para que sejam alcançados melhores resultados em seu tratamento, especialmente na disposição final, fase em que os dados são mais aflitivos. Buscou-se, com o presente estudo, analisar as facetas da poluição ambiental, enfatizando a decorrente da má gestão do lixo urbano no Brasil. Apontaram-se as principais experiências e tecnologias úteis ao gerenciamento e à disposição final do lixo. O método empregado para a realização deste trabalho foi a pesquisa bibliográfica. Percebeu-se que os resultados apontam números denunciadores do descaso dos governos municipais quanto à questão ambiental.

Palavras-chave: Poluição Ambiental. Gestão Municipal. Resíduos Sólidos Urbanos.

1      INTRODUÇÃO

A poluição ambiental decorrente da má gestão do lixo urbano, vista a nível nacional, é o cerne do presente estudo, haja vista a crescente preocupação social com o aumento da quantidade e da toxidade do lixo nos grandes centros urbanos. A temática da poluição do meio ambiente é bastante abordada em livros de Direito Ambiental, tais como os estudos de Édis Milaré, Américo Luís Martins da Silva, Paulo Affonso Lemes Machado, José Gomes Canotilho e José Renato Nalini, servindo todos, portanto, como referência para a elaboração do presente texto. Além da consulta à clássica doutrina ambientalista, foi feita uma análise legal, por meio da consulta à Constituição Federal, bem como à legislação infraconstitucional, decretos e resoluções que disciplinam especificamente sobre o meio ambiente. Desse modo, cada um dos tópicos a seguir abordados foram devidamente fundamentados.

A importância do tema é vital para alertar a sociedade acerca dos danos e malefícios decorrentes da gestão deficiente dos resíduos sólidos urbanos, sobretudo no que atine à sua destinação final. Pretende-se com este artigo chegar à consciência de cada um, para que hábitos e práticas sejam revistos e novas atitudes sejam tomadas, não apenas a nível local, mas global.

 

2      REFERENCIAL TEÓRICO

A poluição vem definida pelo art. 3º, II da Lei n. 6.938/81, como:

[...] a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que, direta ou indiretamente, prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; causem prejuízo às condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente e lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

A poluição ambiental é vista como tudo o que acontece no meio ambiente e que lhe causa desequilíbrio, ou, melhor, que altera suas características originais. Desse modo, tais desarranjos podem ser atmosféricos, hídricos, sonoros, visuais e no solo.

Para Edis Milaré[1],

A poluição do ar resulta da alteração das características físicas, químicas ou biológicas normais da atmosfera, de forma a causar danos ao ser humano, à fauna, à flora, e aos materiais. Chega a restringir o pleno uso e gozo da propriedade, além de afetar negativamente o bem-estar da população.

Suas fontes podem ser fixas (como os estabelecimentos comerciais) ou móveis (a exemplo dos meios de transporte motorizados). As conseqüências mais gravosas que esse tipo de poluição pode ensejar são o “efeito estufa”, a chuva ácida e a diminuição na camada de ozônio.

Segundo dispõe o §1º do art. 13 do Decreto n. 73.030/73, poluição da água é “qualquer alteração de suas propriedades físicas, químicas ou biológicas que possa importar em prejuízo à saúde, à segurança e ao bem estar das populações, causar dano à flora e à fauna ou comprometer o seu uso para fins sociais e econômicos”.

Vale frisar que este tipo de poluição abrange tanto as águas superficiais como as subterrâneas. Sabe-se que uma de suas maiores causas é o despejo do lixo doméstico e de estabelecimentos comerciais em lagos, rios e cursos d’água. A destinação de materiais tóxicos na água é outro gravame, pois não resulta apenas em dano ambiental, agredindo a qualidade da saúde, atingindo os organismos vivos e prejudicando a cadeia alimentar.

Dá-se a poluição do solo por meio da utilização de técnicas inadequadas para o cultivo do mesmo, da destruição da cobertura vegetal e da desertificação, bem como pela ausência de práticas de conservação da água no solo e subsolo, dentre outros. O controle da qualidade do solo abarca a preservação florestal, a qualidade da produção agrícola ou pastoril, o devido planejamento urbano, etc.

No entendimento de Américo Luís Martins da Silva[2], “poluição sonora pode ser definida como o excesso de som produzido artificialmente que causa danos ao meio ambiente (tanto em relação à fauna, como à flora) ou à saúde dos próprios seres humanos”.

A tranqüilidade é amparada pela Constituição Federal de 1988 quando diz, em seu artigo 225, ser de todos o direito ao “meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Por agredir um direito difuso, que converge para si, portanto, os interesses de toda a sociedade, a poluição sonora, como todas as demais, deve ser combatida não apenas pelo poder público, mas, especialmente, pela sociedade, seja individual ou coletivamente.

Ocorre a poluição visual quando há a deterioração do ambiente natural ou artificial de modo a ensejar incômodo à visão das pessoas. Esse tipo de degradação ambiental pode ser causado, por exemplo, pelo excesso de elementos de comunicação visual dos centros comerciais, como cartazes e propagandas, de pichações e de lixo exposto. Além de causar desconforto visual, acarreta ainda a desvalorização da estética da cidade.

Paulo Affonso Lemes Machado[3] afirma que:

[...] O volume dos resíduos sólidos está crescendo com o incremento do consumo e com a maior venda dos produtos. Destarte, a toxidade dos resíduos sólidos está aumentando com o maior uso de produtos químicos, pesticidas e com o advento da energia atômica. Seus problemas estão sendo ampliados pelo crescimento da concentração das populações urbanas e pela diminuição ou encarecimento das áreas destinadas a aterros sanitários.

Conforme o art. 1°, inciso I, da Resolução n° 5/93 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA[4], resíduo sólido é definido como resíduos nos estados sólidos e semi-sólidos, que resultam de atividades da comunidade de origem industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição. Ficam incluídos nesta definição os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável seu lançamento na rede pública de esgotos ou corpos d’água, ou exijam, para isso, soluções técnicas e economicamente inviáveis, em face da melhor tecnologia disponível.

Em definição similar, o Projeto de Lei que institui a Política Nacional dos Resíduos Sólidos – PNRS[5], define resíduos sólidos como “os resíduos no estado sólido e semi-sólido que resultam de atividades de origem urbana, industrial, de serviços de saúde, rural, especial ou diferenciada” (art. 8°, XIII).

Conforme o art. 2° da Resolução n° 308 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA[6] consideram-se como resíduos sólidos urbanos – RSU’s “os provenientes de residências ou qualquer outra atividade que gere resíduos com características domiciliares, bem como os resíduos de limpeza pública urbana”.

Os RSU’s são conceituados no art. 12, I, alínea “a”, do Projeto de Lei da PNRS como sendo aqueles “resíduos sólidos gerados por residências, domicílios, estabelecimentos comerciais, prestadores de serviços e os oriundos de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, que por sua natureza ou composição tenham as mesmas características dos gerados nos domicílios”. Em outras palavras, são os que provêm das casas e pequenos comércios, somados ao lixo de varrição das ruas de uma determinada cidade.

É possível apontar, como exemplos da poluição causada pelos RSU’s, os focos de lixo doméstico ou os provenientes de pequenos comércios em calçadas, ruas e locais inadequados; o entulho causado por galhos de árvores podadas não recolhidos e restos de construção.

Conforme o preceito técnico da Associação Brasileira de Normas Técnicas - NBR 10.004[7], que classifica os Resíduos Sólidos, um aterro sanitário é definido como a técnica de disposição de RSU’s no solo, sem causar danos ou riscos à saúde pública e à segurança, minimizando os impactos ambientais, método este que utiliza os princípios de engenharia para confinar os resíduos sólidos ao menor volume permissível, cobrindo-os com uma camada de terra na conclusão de cada jornada de trabalho ou a intervalos menores, se for necessário.

O aterro sanitário é, pois, um lugar reservado, uma espécie de depósito, onde são destinados os RSU’s e outros tipos de resíduos sólidos. Geralmente, é construído em local afastado da área urbana em razão do mau cheiro e do risco ao equilíbrio e à saúde do meio ambiente e das pessoas. Possui métodos de controle de quantidade e tipo de lixo recebido, sua concepção, instalação e funcionamento dependem de licenças a serem expedidas pelo órgão competente. Os aterros sanitários devem ainda obedecer aos preceitos legais que o disciplinam.

O aterro controlado consiste num meio termo entre aterro sanitário e lixão. Apesar de admitido em lei, seu funcionamento acarreta danos ao ambiente, em especial ao solo e ao subsolo, visto que o lixo é apenas coberto por uma camada de terra, não possuindo nada que impermeabilize seu contato com o solo. O objetivo do aterro controlado não é prevenir a poluição, mas apenas diminuir os impactos ambientais decorrentes da indevida destinação final dos RSU’s.           

Raimundo Costa[8], especialista em aterros sanitários da Superintendência Estadual do Meio Ambiente – SEMACE, autarquia estadual responsável, dentre outras atribuições, pela execução da Política Estadual de Controle Ambiental do Estado do Ceará, afirma que as licenças são concedidas apenas para aterros sanitários, visto a preocupação do Governo do Estado com a preservação ambiental.

Edna Cardozo Dias[9] diz que os depósitos a céu aberto (popularmente conhecidos por “lixões”) são “as descargas livres praticadas por particulares ou pelas prefeituras municipais que representam perigo de poluição dos cursos d’água vizinhos, proliferação de parasitas (insetos e roedores), mau cheiro, etc.”.

Aponta também que o lixo urbano vem sendo transformado em resíduo composto por meio da compostagem. Alerta, porém, que “é preciso que se destruam os agentes patogênicos e os parasitas para que os adubos não contaminem os alimentos”.[10]

A incineração, por sua vez, consiste na tecnologia que reduz o peso, o volume e as demais características dos resíduos sólidos, geralmente os urbanos, industriais e perigosos, por meio da combustão dos mesmos. Sua utilização vem sendo reduzida mundialmente em virtude da poluição atmosférica gerada pela toxidade do gás liberado pelo processo de queima do lixo, que, além de danificar o ar, pode causar doenças irreversíveis aos homens e animais.

A incineração está prevista no Projeto de Lei da PNRS como uma das principais formas de destinação final do lixo, medida esta duramente criticada pelo Greenpeace[11], que possui como lema “Incineração não é a solução”, na luta por um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Geralmente, essa técnica é empregada para a destruição de resíduos provenientes de hospitais e casas de saúde.

Para Margareth Oliveira Pavan[12], coleta seletiva “consiste na separação de papéis, plásticos, metais e vidros na fonte geradora, é uma forma para segregação dos materiais recicláveis”.

A coleta seletiva, além de gerar renda, contribui substancialmente para a proteção ambiental, posto que reduz a quantidade de matérias dispostas indevidamente e, por incentivar o reaproveitamento das mesmas, diminui a retirada de recursos naturais renováveis e não renováveis da natureza. Cabe salientar que, para evitar proliferação de doenças, o lixo hospitalar deve ser incinerado e que, embora pilhas e baterias não sejam recicláveis, devem possuir destinação final distinta do lixo comum, pois podem contaminar o solo e as águas.

A CF de 88, frente às demais que a antecederam, apresentou efetivas mudanças em seu texto no que diz respeito ao tratamento da questão ambiental, sendo, portanto, a primeira a assegurar à coletividade e ao poder público a legitimidade e os mecanismos para proteção e controle do meio ambiente. Vários dispositivos relacionados à temática ambiental encontram-se dispersos ao longo de todo o texto constitucional, todavia, o art. 225 pode ser apontado como corolário das mudanças acima descritas.

No que atine aos RSU’s, o art. 21 da CF/88 reza que é competência executiva exclusiva da União planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e inundações (inciso XVIII) e instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (inciso XX).

A competência executiva e legislativa dos Estados é residual, ou seja, o que couber à União ou aos Municípios, caberá, residualmente, aos Estados. A respeito, debruçou-se Canotilho[13]:

A Constituição não dispõe de forma específica sobre a competência executiva dos Estados. Todavia, dispondo explicitamente sobre a competência da União e dos Municípios, deixa aos Estados a matéria remanescente. Assim, toda matéria que não for de competência federal ou municipal será, de forma residual, competência estadual. O mesmo ocorre em relação ao Distrito Federal, o qual exerce simultaneamente poderes de Estado e de Município. 

[...] Além da competência residual, a Constituição também estabeleceu expressamente que os Estados detêm poderes exclusivos de natureza executiva para explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços de gás canalizado e instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.

É exemplo de prática da última competência (executiva) supracitada a gestão integrada dos resíduos sólidos por dois ou mais municípios limítrofes, que pode ser entendida como função pública de interesse comum, conforme o art. 25, §3º da CF.

A estrutura constitucional brasileira assegura aos Municípios a autonomia para organizar e prestar, diretamente ou por meio de concessão, os serviços públicos de interesse local (art. 30, V), incluindo as tarefas de limpeza pública, coleta, transporte e disposição dos resíduos sólidos. No entanto, a maioria das administrações públicas municipais é deficiente na gestão do lixo urbano e poucas dispõem de uma política municipal ambiental que traga uma boa disposição final dos resíduos sólidos, conferindo a devida proteção do meio ambiente.

Ademais, cabe salientar que “compete aos Municípios suplementar a legislação federal e a estadual no que couber” (art. 30, II, CF).

Observa-se, ainda sob a ótica da gestão dos resíduos sólidos urbanos, a competência comum (art. 23) dos entes federativos na proteção dos monumentos, das paisagens naturais notáveis e dos sítios arqueológicos (III); do meio ambiente, no combate à poluição em qualquer de suas formas (VI); na preservação das florestas, da flora e da fauna; no fomento à atividade agropecuária e (VIII) no combate às causas da pobreza (X), etc.

Por conseguinte, pode-se apontar a competência concorrente da União, dos Estados e Municípios, para legislar sobre (art. 24): direito urbanístico (I); florestas, caças, pescas, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (VI); proteção ao patrimônio turístico e paisagístico (VIII); proteção e defesa da saúde (XII), etc.

No que tange à legislação infraconstitucional, vários são os dispositivos relacionados à poluição do meio ambiente por RSU’s. Instituída pela Lei n° 6.938 de 31 de agosto de 1981, a PNMA, dentre outras providências, obriga o licenciamento junto ao órgão estadual responsável, para construir, instalar, funcionar e ampliar qualquer atividade ou estabelecimento que utilize recursos ou que possa causar dano ambiental (art. 10).

No teor da Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, encontram-se tipificadas como crimes ambientais, dentre outras tipificações, as seguintes condutas:

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: Pena – reclusão, de um a quatro anos e multa. [...] §2° Se o crime: [...] V – ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em lei ou em regulamento: Pena – reclusão, de um a cinco anos. [...]

Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Cabe salientar que o Projeto de Lei da PNRS tramita no Congresso Nacional desde setembro de 2007, sendo composto de 33 (trinta e três) artigos, divididos em sete capítulos, que tem por objetivo traçar ações estratégicas que viabilizem processos capazes de agregar valor aos resíduos, aumentando a capacidade competitiva do setor produtivo, propiciando a inclusão e o controle social, norteando Estados e Municípios para a adequada gestão de resíduos sólidos.

Na ausência de uma PNRS, alguns estados brasileiros se adiantaram e editaram suas Políticas Estaduais de Resíduos Sólidos, como é o caso do Estado do Ceará. A Lei Estadual nº 13.103 de 24 de janeiro de 2001[14] instituiu a Política Estadual de Resíduos Sólidos que possui como diretrizes o incentivo à não geração, minimização, reutilização e reciclagem de resíduos, ao desenvolvimento de programas de gerenciamento integrado de resíduos sólidos, bem como às parcerias do governo estadual com organizações que permitam otimizar a gestão dos resíduos sólidos, etc. (art. 6º). A referida Lei, dentre outras questões, proíbe o lançamento e a queima do resíduo sólido in natura a céu aberto, em cursos d’água, lagos, praias, mar e em áreas sujeitas à inundação (art. 12), o que não ocorre na prática no Estado cearense.

 

3      METODOLOGIA

Para a elaboração do presente artigo foi necessária a realização de levantamento bibliográfico e documental, sendo feita consultas em livros de autores especialistas no assunto, artigos de revistas, periódicos, sítios e em documentos nacionais referentes à temática ambiental. Foi feita ainda uma pesquisa exploratória, no dia 10 de julho de 2008, no Núcleo de Controle Ambiental – NUCAM da Superintendência do Meio Ambiente do Estado do Ceará – SEMACE, a fim de coletar dados iniciais da situação dos aterros sanitários do Ceará.

 

4       ANÁLISE DOS RESULTADOS

Percebe-se que os resultados colhidos nesta pesquisa refletem dignamente a situação atual dos resíduos sólidos no Brasil. Poucos são os municípios que investem em políticas ambientais e que utilizam o aterro sanitário (ou outra tecnologia viável, que não use o solo como último destino do lixo urbano) como modo de disposição final dos RSU’s.

Conforme publicação realizada pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais - ABRELPE[15], dados inéditos sobre a situação dos resíduos sólidos no Brasil (2007) mostram que a situação do manejo de resíduos sólidos no país é preocupante, principalmente no que diz respeito à sua disposição final, uma vez que apenas 39% (trinta e nove por cento) dos municípios dão destino e tratamento adequados aos RSU’s, por meio dos aterros sanitários.

Nota-se que os municípios brasileiros não priorizam a questão ambiental e, do mesmo modo, são indiferentes no que diz respeito às necessidades básicas de seus cidadãos, como a educação, a saúde e a geração de empregos. Os gestores municipais enfrentam vários obstáculos para a concretização das disposições normativas de proteção ambiental, a exemplo da demora para a obtenção de licenças para o início e conclusão das obras dos aterros, bem como do alto custo do devido tratamento do lixo urbano.

O Estado do Ceará é apenas o espelho da situação atual do país. A maioria dos municípios cearenses dá destinação inadequada aos resíduos sólidos, comprometendo a saúde da população e o meio ambiente. De acordo com dados da SEMACE, no Estado do Ceará somente seis municípios possuem aterros sanitários, quais sejam Aquiraz, Camocim, Caucaia, Horizonte, Maracanaú e Pacatuba.

 

5      MUDANÇAS NA GESTÃO DOS RSU’S NO BRASIL: EXPERIÊNCIAS E SUGESTÕES

5.1 Experiências modelos

Apontam-se como práticas exemplares de gestão dos RSU’s, os programas de incentivo à coleta seletiva de material reciclável (a exemplo dos Projetos ECOELCE, realizado pela Companhia Energética do Ceará – COELCE, e Estações de Reciclagem Pão de Açúcar Unilever, do grupo Pão de Açúcar, dentre outros), bem como de apoio às cooperativas de catadores e aos centros regionais de reciclagem (onde o gerenciamento dos RSU’s é compartilhado) e de preferência social por produtos feitos com matéria reciclada.

Pode-se dizer, porém, que a mudança primordial deve ocorrer “de dentro para fora”, ou seja, as pessoas precisam modificar pequenos hábitos e agir localmente para, então, partir para as ações sociais e globais. É o que se denomina de “consciência ambiental”. Faz-se necessário, portanto, que as pessoas se apercebam da urgente mudança de postura, se tornando cidadãos ecologicamente conscientes e preocupados com a questão ambiental.

Nalini[16] aponta algumas atitudes, tais como não jogar lixo na rua, economizar papel, salvar uma árvore, ser intolerante com as agressões ambientais e divulgá-las na mídia, utilizar meios judiciais para promover a proteção ao meio ambiente, disseminar a consciência ambiental, motivar lideranças, filiar-se a uma entidade e/ou fundar uma Organização Não Governamental – ONG, ambas de defesa do meio ambiente, etc.

           

5.2    Incentivos à gestão ambiental municipal

5.2.1        ICMS Ecológico

 

Nem sempre a mudança de comportamento se faz de forma voluntária, necessitando de estímulos externos ou incentivos. Um dos principais exemplos de estímulos à correta gestão ambiental dos municípios pelo Governo do Estado do Ceará é o chamado ICMS Ecológico, previsto na Lei Estadual nº 14.023, de 17 de dezembro de 2007[17], regulamentado pelo Decreto Estadual nº 29.306, de 5 de junho de 2008[18].

Trata-se de um instrumento de compensação fiscal que redistribui 2% (dois por cento) do ICMS arrecadado no território cearense aos municípios que obedecem minimamente aos indicadores de desempenho ambiental. O ICMS ecológico, na verdade, é um incentivo fiscal para os municípios, não se tratando, portanto, de um novo imposto, pois não acarreta aumento na carga tributária, tampouco de alíquotas.

Atualmente, 13 (treze) Estados brasileiros (Amapá, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins) implantam o ICMS Ecológico, e muitos municípios já observam melhorias em suas condições de vida.

5.2.2                    Outros incentivos

 

Frente às dificuldades encontradas pelos municípios, o Governo do Estado do Ceará não fica inerte, desenvolvendo ações, através do Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente, que visam à execução da Política Estadual de Gestão Integrada dos Resíduos Sólidos, com o intuito de fortalecer a Gestão Municipal de resíduos dessa natureza e, conseqüentemente, acarretando a minimização dos riscos de contaminação do meio ambiente e das comunidades expostas.

São exemplos dessas ações o Programa do Selo Município Verde (que tem como objetivo agraciar os gestores municipais que tenham concretizado durante o ano ações ambientais) e o Curso de Formação de Educadores Ambientais (em parceria com a Secretaria de Educação do Estado), “com a finalidade de promover o desenvolvimento de um trabalho integrado, visando a execução de ações socioambientais” [19]. Essa formação de educadores ambientais visa disseminar a ética ambiental, de modo que, a Educação Ambiental seja implantada no sistema público de ensino formal, estimulando a elaboração de projetos ambientais nas escolas, bem como no ensino informal, educando ambientalmente cidadãos que, uma vez despertados para os atuais problemas ambientais, funcionem como multiplicadores dos cuidados com o meio ambiente.

CONCLUSÃO

 

Pode-se concluir que a poluição do meio ambiente por resíduos sólidos é visível em todo o país, sobretudo nas cidades brasileiras, em virtude do crescimento destas (não só em termos de extensão territorial, mas em aumento populacional) e das mudanças nos padrões de consumo, ambos não acompanhados de efetivas modificações nos modos de gestão (especialmente de destinação final) do lixo urbano. Nota-se que os governos municipais possuem dificuldades em gerir o lixo de suas cidades, não só pelos entraves burocráticos (alto custo do devido tratamento do lixo urbano, demora na obtenção de licenças ambientais para o início e conclusão de obras nos aterros, etc.), mas pelo fato da questão ambiental não ser vista como prioridade frente às demais necessidades da população (educação, saúde, desemprego, etc.). Mesmo sem uma Política Nacional dos Resíduos Sólidos, as esferas federais e estaduais, dentro de suas competências, buscam a devida proteção do meio ambiente através de textos legais e projetos governamentais. O que se faz premente é que o meio seja protegido não só por leis e ações de governo, mas por toda a sociedade, que pode e deve fazê-lo individual ou coletivamente.

REFERÊNCIAS

 

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE LIMPEZA PÚBLICA E RESÍDUOS ESPECIAIS. Panorama Nacional dos Resíduos Sólidos no Brasil 2007. São Paulo, 2007.

 

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10004: Resíduos sólidos: Classificação. Rio de Janeiro, 2004.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (organizadores). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007.

CEARÁ. Lei n° 13.103/2001. Dispõe sobre a Política Estadual dos Resíduos Sólidos e dá providências correlatas. Disponível em: <http://imagens.seplag.ce.gov.br/pdf/20010205/do20010205p01.pdf#page=1>. Acesso em: out. 2008.

CEARÁ.  Lei n° 14.023/2007. Modifica os dispositivos da Lei n° 12.612, de 7 de agosto de 1996, que define critérios para distribuição da parcela de receita do produto e arrecadação do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, pertencente aos municípios e dá outras providências. Disponível em: <http://imagens.seplag.ce.gov.br/pdf/20071219/do20071219p01.pdf#page=1>. Acesso em: out. 2008.

CEARÁ. Decreto n° 29.306/2008. Dispõe sobre os critérios de apuração dos índices percentuais destinados à entrega de 25% (vinte e cinco por cento) do ICMS pertencente aos municípios, na forma da Lei n° 12.612, de 7 de agosto de 1996, alterada pela Lei n° 14.023, de 17 de dezembro de 2007, e dá outras providências.

CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE. RES 5/1993: Gerenciamento: Resíduos sólidos gerados nos portos, aeroportos, terminais ferroviários e rodoviários. Brasília, 1993.

CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE. RES 308/2002: Licenciamento ambiental: Disposição Final: Resíduos sólidos urbanos: Municípios de pequeno porte. Brasília, 2002.

DIAS, Edna Cardozo. Manual de Direito Ambiental. 2 ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.

GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ. Curso de Formação de Educadores Ambientais, 2007/2008. Ceará. 2007.

INCINERAÇÃO não é a solução. Greenpeace, São Paulo, jul. 2003. Seção Notícias. Disponível em: <http://www.greenpeace.org/brasil/toxicos/noticias/incinera-o-n-o-e-a-solu-o>. Acesso em: out. 2008.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 15 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2007.

MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5 ed. ref., atual., e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

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PAVAN, Margareth Oliveira. Gestão e gerenciamento de resíduos sólidos no Brasil. Revista Sustentabilidade.com.br. Seção artigos. Disponível em: <http://www.revistasustentabilidade.com.br/sustentabilidade/artigos/gestao-e-gerenciamento-de-residuos-solidos-urbanos-no-brasil/>. Acesso em: out. 2008.

PROJETO de Lei. Institui a Política Nacional dos Resíduos Sólidos e dá outras providências. Lixo.com.br. Disponível em: <http://www.lixo.com.br/documentos/09062007_projeto_lei_residuos.pdf>. Acesso em: out. 2008.

SILVA, Américo Luís Martins da. Direito do meio ambiente e dos recursos naturais. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

AGRADECIMENTOS

 

À Coordenadora da Assessoria de Desenvolvimento Institucional e Jurídica do Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente do Governo do Estado do Ceará, Tarin Frota Mont’Alverne, pelo apoio e incentivo à produção científica na área ambiental.


[1] MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5. ed. ref., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 204-205.

[2] SILVA, Américo Luís Martins da. Direito do meio ambiente e dos recursos naturais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2004, p. 180.

[3] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 15 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 561.

[4] CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE. Resolução n° 5/93 - Gerenciamento: Resíduos sólidos gerados nos portos, aeroportos, terminais ferroviários e rodoviários. Brasília, 1993.

[5] PROJETO de Lei. Institui a Política Nacional dos Resíduos Sólidos e dá outras providências. Lixo.com.br. Disponível em: <http://www.lixo.com.br/documentos/09062007_projeto_lei_residuos.pdf>. Acesso em: out. 2008.

[6] CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE. Resolução n° 308/2002 - Licenciamento ambiental: Disposição Final: Resíduos sólidos urbanos: Municípios de pequeno porte. Brasília, 2002.

[7] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10004 - Resíduos sólidos: Classificação. Rio de Janeiro, 2004.

[8] Dados coletados em pesquisa exploratória realizada pela autora no dia 10 de julho de 2008, na Superintendência Estadual do Meio Ambiente – SEMACE – Núcleo de Controle Ambiental – NUCAM.

[9] DIAS, Edna Cardozo. Manual de Direito Ambiental. 2 ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 115.

[10] Ibid., p. 116.

[11] INCINERAÇÃO não é a solução. Greenpeace. São Paulo, jul. 2003. Seção Notícias. Disponível em: <http://www.greenpeace.org/brasil/toxicos/noticias/incinera-o-n-o-e-a-solu-o>. Acesso em: 10 out. 2008.

[12] PAVAN, Margareth Oliveira. Gestão e gerenciamento de resíduos sólidos no Brasil. Revista Sustentabilidade.com.br. Seção artigos. Disponível em: <http://www.revistasustentabilidade.com.br/sustentabilidade/artigos/gestao-e-gerenciamento-de-residuos-solidos-urbanos-no-brasil/>. Acesso em: 10 out. 2008.

[13] CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (organizadores). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo, Saraiva, 2007, p. 210.

[14] CEARÁ. Lei n°13.103/2001. Dispõe sobre a Política Estadual dos Resíduos Sólidos e dá providências correlatas. Disponível em: <http://imagens.seplag.ce.gov.br/pdf/20010205/do20010205p01.pdf#page=1>. Acesso em: out. 2008.

[15] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE LIMPEZA PÚBLICA E RESÍDUOS ESPECIAIS. Panorama Nacional dos Resíduos Sólidos no Brasil 2007. São Paulo, 2007.

[16] NALINI, José Renato. Ética ambiental. Campinas: Millennium, 2001, p. 203-237.

[17] CEARÁ.  Lei n° 14.023/2007. Modifica os dispositivos da Lei n° 12.612, de 7 de agosto de 1996, que define critérios para distribuição da parcela de receita do produto e arrecadação do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, pertencente aos municípios e dá outras providências. Disponível em: <http://imagens.seplag.ce.gov.br/pdf/20071219/do20071219p01.pdf#page=1>. Acesso em: out. 2008.

[18] CEARÁ. Decreto n° 29.306/2008. Dispõe sobre os critérios de apuração dos índices percentuais destinados à entrega de 25% (vinte e cinco por cento) do ICMS pertencente aos municípios, na forma da Lei n° 12.612, de 7 de agosto de 1996, alterada pela Lei n° 14.023, de 17 de dezembro de 2007, e dá outras providências.

[19] GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ. Curso de Formação de Educadores Ambientais - 2007/2008. Ceará. 2007, p. 7.


Autor

  • Patrícia Gomes Sampaio

    Mestranda no Mestrado Acadêmico em Direito Constitucional na Unifor. Professora de Direito da Urca UDI. Advogada inscrita na OAB-CE sob o n. 24972. Graduada em Direito pela UniChristus, Especialista em Gestão Ambiental pela Unifor e em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Urca.

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