RECOLHIMENTO DOMICILIAR E DETRAÇÃO

04/01/2021 às 14:50
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE RECENTE DECISÃO DO STJ QUE TRATOU DA POSSIBILIDADE DE DETRAÇÃO PENAL COM RELAÇÃO AO RECOLHIMENTO DOMICILIAR.

RECOLHIMENTO DOMICILIAR E DETRAÇÃO

Rogério Tadeu Romano

 

No recolhimento domiciliar (artigo 319, V), há uma medida também cautelar, mas que limita o ius libertatis do indivíduo apenas durante o repouso noturno e nos dias de folga, desde que tenha residência e trabalhos fixos.

Disse ainda Guilherme Nucci(Prisão e liberdade, pág. 84) que a medida cautelar repete a figura do regime aberto, na modalidade de prisão albergue domiciliar. Nesse caso, o condenado deve recolher-se à sua casa todos os dias, no período noturno, bem como nos fins de semana de dias de folga.

Pode ser que, como medida processual, que ela é, obtenha mais sucesso do que como pena, afinal, se descumprida, pode acarretar prisão preventiva, um justo termos d quem ainda nem mesmo é condenado. No campo da pena, tem-se mostrado ineficaz o regime aberto, quando cumprido em sua residência.

Essa medida somente poderá ser determinada quando o indiciado ou réu tiver residência estabelecida.

É medida aplicável a crimes em geral, evitando-se que o acusado se mantenha em contato social, quando fora de sua atividade laborativa.

Cabe falar em detração com relação a esse recolhimento domiciliar?

A Quinta Turma do STJ respondeu afirmativamente.

A decisão (AgRg nos EDcl no HC 626.870/DF) teve como relator o ministro Reynaldo Soares da Fonseca:

Ementa

EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO habeas corpus. DETRAÇÃO DO PERÍODO DE CUMPRIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR ALTERNATIVA À PRISÃO. RECOLHIMENTO DOMICILIAR NOTURNO. POSSIBILIDADE. MATÉRIA PACIFICADA NO ÂMBITO DA QUINTA TURMA DESTA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Preambularmente, impende registrar que o artigo 34, inciso XX, do RISTJ, atribui ao Relator a competência para “decidir o habeas corpus quando for inadmissível, prejudicado ou quando a decisão impugnada se conformar com tese fixada em julgamento de recurso repetitivo ou de repercussão geral, a entendimento firmado em incidente de assunção de competência, a súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência dominante acerca do tema ou as confrontar”. 2. Consolidou-se nesta Superior Corte de Justiça entendimento no sentido de que a interposição do agravo regimental torna superada a alegação de afronta aos princípios do juiz natural e da colegialidade e torna prejudicados eventuais vícios relacionados ao julgamento monocrático, tendo em vista que, com o agravo, devolve-se ao órgão colegiado competente a apreciação do mérito da ação, do recurso ou do incidente, não se configurando qualquer prejuízo à parte. Precedentes. 3. Quanto ao aspecto meritório, consolidou-se na Quinta Turma deste Tribunal entendimento no sentido de que, a despeito da inexistência de previsão legal para a detração penal na hipótese de submissão do sentenciado a medidas cautelares diversas da prisão, o período de recolhimento domiciliar noturno, por comprometer o status libertatis, deve ser detraído da pena, em observância aos princípios da proporcionalidade e do non bis in idem. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg nos EDcl no HC 626.870/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/12/2020, DJe 07/12/2020)

O período de recolhimento domiciliar noturno, por comprometer o status libertatis, deve ser detraído da pena, em observância aos princípios da proporcionalidade e do non bis in idem.

É a detração penal, que é o cômputo do tempo de prisão provisória na pena definitiva , a teor do artigo 34 do Código Penal e repetido no artigo 42 da Lei de Execuções Penais.

Discute-se a questão da contagem se deve ser limitada ao mesmo crime que é objeto da sentença ou pode referir-se a outro. Na lição de Delmanto e outros(Código Penal Anotado, 3ª edição,  São Paulo, Saraiva, pág. 32) [há duas correntes: uma onde se diz que é necessário que se refiram ao mesmo processo embora sejam delitos diferentes, como se lê em Damásio de Jesus, Frederico Marques, dentre outros; outra corrente entende-se que deve-se abater ainda que sejam referentes a fatos ou processos distintos, como se lê em Heleno Fragoso(Jurisprudência Criminal, 1979, II, n. 200)

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite a detração por prisão ocorrida em outro processo, desde que o crime pelo qual o sentenciado cumpre pena tenha sido praticado anteriormente à prisão cautelar proferida no processo de que não resultou condenação. Nega-se, tão somente, a detração do tempo de recolhimento quando o crime é praticado posteriormente à prisão provisória, para que o criminoso não se encoraje a praticar novos delitos, como se tivesse a seu favor um crédito da pena cumprida(STJ, REsp 878.574/RS, 5ª Turma, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ de 29 de junho de 2007, pág. 706).

Entende-se que é admissível aplicar a detração penal em processos distintos desde que o delito pelo qual o sentenciado cumpre pena tenha sido praticado antes daquele em que foi decretada a sua segregação cautelar.

Há, então, a aplicação do instituto da detração para o caso.

Essa detração se retrata no limite da proporcionalidade.

Em resumo, do que se tem da doutrina no Brasil, em Portugal, dos ensinamentos oriundos da doutrina e jurisprudência na Alemanha, extraímos do princípio da proporcionalidade, que tanto nos será de valia para adoção dessas medidas não prisionais, os seguintes requisitos: a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingimento de fins visados; c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos.

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A medida é adequada, pois que é aplicada nos limites entre os meios e fins desejados, uma que a prisão é a última ratio.

Por fim, deve-se dizer que a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça e aqui historiada deverá gerar uma série de pedidos junto ao Judiciário para a obtenção da mesma medida aqui comentada.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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